Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1495/22.7PBPDL.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
PENA DE PRISÃO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
REINCIDÊNCIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 10/25/2023
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recorrente suscita uma questão que vem sendo tida em conta nos arestos deste STJ, a saber, a questão do referente jurisprudencial. Da sua importância fala-nos o ac. do STJ de 22/06/2022, proc. nº 8/21.2JAPDL.S1, Conselheira Ana Brito, e já o referimos também nós no acórdão de 11/10/2023, proc. nº 444/22.7PCSNT.S1, de que fomos relator. E na transversalidade jurisprudencial o mesmo efeito visa o chamado fator de compressão (v., por todos, os acs do STJ de 12/01/2022, proc. nº 695/17.6T9LRS.S1, Conselheiro Nuno Gonçalves, e de 15/12/2021, proc. nº 5402/20.3T8LRS.S1, Conselheiro Nuno Gonçalves).

II. Mas, advirta-se, no comparativo, só acórdãos do STJ contam.

III. E a comparação das penas únicas resultantes de diferentes concursos não se apresenta como de exercício pronto e fácil e de resultado garantido. Primeiro, normalmente os crimes ou não são em mesmo número de prática ou têm tipicidades diferentes. Segundo, as molduras penais abstratas de cada concurso surgem, quer nos respetivos mínimos quer nos seus máximos, diferentes. Sendo múltiplos os fatores, agravantes ou atenuantes, nuns casos mais e noutros menos; em cada decisão, com maior ou menor peso do(s) fator(es) em que se fundou cada pena parcelar e em que se vai fundar a pena única. A seguir, na apreciação do facto global e da personalidade unitária entra a apreciação da verificação da pluriocasionalidade ou da propensão ou tendência ou da carreira, o que determina toda a diferença entre um e outro caso(s) a comparar. Depois, a fenomenologia em causa, sempre em actividade judicialmente vinculada de determinação da pena demanda fator de compressão mais ou menos gravoso, com resultados necessariamente diferentes. E mesmo que se queira dispensar o factor de compressão sempre ficará o indispensável princípio da proporcionalidade, que, nos seus três subprincípios gerará produtos diferenciados. E se há casos em que o princípio da dupla valoração exclui qualquer valoração negativa na confecção do cúmulo outros casos se surpreendem em que o princípio não obsta a tal valoração negativa no facto global. E depois há o histórico criminal, sempre decisivo e, se pesado, sopesado normalmente sempre para um plus de pena, exigido pelas necessidades de prevenção especial de socialização. E, ainda mais decisivo, a culpa de cada arguido, em caso único e irrepetível, que, individualizável e insuscetível de equiparação com os demais, singulariza e particulariza o caso. Sem esquecer o eventual juízo de prognose positiva ou de “aposta” na pessoa ou de derradeira oportunidade que a personalidade do arguido pode suscitar.

IV. Na presença da matéria de facto dada como provada, não se encontra fundamento que permita contrariar as conclusões alcançadas pela instância, em aplicação quer do artigo 71º quer do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, respetivamente, na tríplice ponderação parcelar e, em termos de cúmulo jurídico, na apreciação do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, para chegada àquela pena única. Penas parcelares e pena única que, determinadas sob os respetivos critérios legais, se contêm dentro das finalidades das penas, das necessidades de prevenção geral e especial, da medida da culpa e respeitam o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes, da necessidade, da adequação e da justa medida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção,


I.1. Por acórdão de 7 de junho de 2023 do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 3, o coletivo condenou o arguido ora Recorrente, além do mais, pela prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210º, nº 1 Código Penal, numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão cada e pela prática de um crime de roubo, na qualidade de reincidente, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1 Código Penal, numa pena agravada de 4 anos e 8 meses de prisão. E, efetuado o cúmulo jurídico das três penas parcelares, condenou AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

I.2. Inconformado com a medida das penas, quer parcelares quer única, interpôs o presente recurso.

Rematou as alegações com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso solicitar a apreciação superior do douto Acórdão que condenou o Recorrente na pena de sete anos e seis meses de prisão em cúmulo jurídico;

2. A pena aplicada no cúmulo e as penas parcelares configuram-se excessivas e desproporcionais tendo em conta os critérios de determinação concreta da pena e toda a factualidade aqui inerente;

3. Até porque, a determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra os arguidos;

4. Assim, no que concerne às exigências de prevenção geral é de realçar que estas se encontrariam igualmente verificadas, se a pena aplicada ao aqui Recorrente fosse menor, até porque esta tem sido a tendência dos Tribunais Portugueses;

5. Em relação à prevenção especial ou individual, parte-se da ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, propondo-se evitar que, no futuro, esta pessoa cometa novos crimes, mais concretamente na sua faceta positiva ou de socialização.

6. Nos presentes autos o Recorrente é uma pessoa que viveu desde muito novo num ambiente familiar/educativo conturbado, caracterizado principalmente pela instabilidade e conflitualidade entre os progenitores, bem como é uma pessoa extremamente influenciável e que consome elevados níveis de substâncias psicoativas e uma pessoa que independentemente da situação começara a tentar orientar-se através de um trabalho na área da construção civil;

7. A pena de sete anos e seis meses aplicada ao Recorrente extrapola as exigências que deviam ter sido consideradas;

8. Existem ainda outras circunstâncias, no presente caso, que levam à atenuação especial da pena, designadamente: a característica do ambiente familiar ao longo do decurso do tempo, a não introdução de programa terapêutico sobre substâncias psicoativas, as circunstâncias em que o crime ocorre (mediante ou após consumo de estupefaciente, bem como na tentativa de adquirir drogas para esse fim);

9. Os Venerandos Desembargadores devem alterar a pena aplicada porque esta foi incorretamente determinada, a pena deve ainda ser alterada, tendo como termo de comparação decisões, em casos semelhantes, dos nossos Tribunais, nomeadamente:

a. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19 de Setembro de 2019, processo n.º 813/17.4SFLSB.L1.S1;

b. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27 de Outubro de 2010, processo n.º1546/09.0PCSNT.L1.S1;

c. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 2 de Julho de 2019, processo n.º 100/16.5GBABF.E1;

d. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 9 de Junho de 2022, processo n.º 59/21.7SVLSB.L1.S1;

e. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31 de Março de 2021, processo n.º 316/18.0JALSB.L1.S1;

f. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07 de Julho de 2016, processo n.º23/14.2GBLSB.L1.S1.

10. Perante todo o já exposto, deve a pena privativa da liberdade de sete anos e seis meses ser diminuída para pena de prisão perto do seu limite mínimo, em primeiro lugar;

11. E consequentemente ser suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova, ou seja, através de acompanhamento pelos serviços de reinserção social, por cumprir os pressupostos constantes do artigo 50.º do Código Penal ou executada em regime de permanência na habitação de acordo com o artigo 43.º do Código Penal.”

E acaba a pedir que “deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se o douto Acórdão proferido, e posteriormente ser alterada a pena de prisão de sete anos e seis meses aplicada ao aqui Recorrente”

I.3. Respondeu o Ministério Público finalizando a resposta com os seguintes remates conclusivos:

1. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão.

2. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido de ser-lhe aplicado uma pena inferior 5 anos de prisão suspensa na sua execução entendemos que a sua pretensão não deve proceder, não devendo ser alterada a pena de prisão determinada.

3. Tendo optado pela sua não aplicação o Tribunal a quo contra o qual recorrente se insurge, alegando que apenas praticou os factos para adquirir produto estupefaciente, o que nada abona o seu favor, mas pelo contrário, agrava sua conduta.

4. Ao que acresce que os factos ocorreram após o recorrente ter cumprido pena de prisão pela prática de crimes da mesma natureza, em concreto, o arguido foi condenado no processo nº182/13.1..., do Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 2, pela prática, em 7-12-2013 de 1 crime de Roubo Qualificado na pena de 6 anos de prisão e pela prática, em 30-11-2013, de 1 crime de Roubo na pena de 2 anos e 10 meses de prisão. Iniciou o cumprimento da pena em 7 de dezembro de 2013, a qual se extinguiu em 1 de abril de 2022, o que, desde logo, faz com que as exigências de prevenção especial sejam elevadíssimas.

5. É assim de concluir que tal condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido, não se logrando assegurar, pela referida condenação, as exigências de prevenção geral e especial que àquele caso cabiam.

6. É, ainda de salientar que a sua postura em julgamento nos presentes autos, não tendo demonstrado qualquer arrependimento, com uma postura enfadada por estar no julgamento, da ausência de respeito pelo próximo revelado nos atos por si praticados, bem como a ausência de quaisquer outras circunstâncias que militem a seu favor, é de molde a afirmar que a atenuação da pena em nada contribuiria para a reintegração do arguido, não sendo este merecedor da aplicação de um tal instituto.

7. Assim e, em resumo, se o que releva para o efeito é um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade – sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para aquele juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projeção de personalidade especialmente desvaliosa, se importa perceber se o desenvolvimento sócio-psicológico do recorrente ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como uma “vantagem para a sua reinserção social” – ou se pelo contrário, qualquer intervenção já é tardia, perante uma personalidade que apresenta o seu quadro de desenvolvimento concluído, revelando um discernimento claro nas opções de vida que tomou, perante matéria factual apurada, reportada ao tempo dos factos, aparente integração, que não obstante, não o impediu de praticar os factos aqui em apreciação, a falta de projeto de mudança de vida, efetiva e séria vontade de integração, não só, no mundo laboral, mas ainda, num meio envolvente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos ora praticados, não só, não tornam diminuta a ponderação das exigências de prevenção especial, como, pelo contrário, constituem circunstâncias que, colidem, de forma preponderante, com as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e a garantia de proteção dos bens jurídicos, assumidas, em sede de prevenção geral, censurabilidade pelo que, por um lado, carece de fundamento fáctico a conclusão afirmada nas alegações, de que existe um forte e fundado juízo de prognose de não voltar a praticar atos delituosos e, por outro, da materialidade apurada se justifica a conclusão de que, não concorrem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará a reinserção do arguido, não resulta com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização do arguido, o que, então, impede a aplicação do artigo 50.º do Código Penal.

8. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao afastar a aplicação do referido regime previsto no artigo 50.º, pelo que a pena decretada pela 1ª instância é de manter, pois respeita os critérios legais previstos nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal. 9. Tal pena de 7 anos e 6 meses de prisão mostra-se, assim, ajustada não merecendo qualquer censura, pelo que não sendo admissível a pena ser suspensa na sua execução ou substituída por outro tipo de pena substitutiva.

10. Por último, sempre sedirá que a efetiva execução da pena de prisão, na situação em apreciação, mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela do bem jurídico e a estabilização das expectativas comunitárias.

11. Não se vislumbram violações de preceitos legais com o decidido, nomeadamente, as dos artigos 40.°, n.º 1, 70.°, 71.°, n.ºs 1 e 2, alíneas d ) e c), tudo do Código Penal.”

E acaba a pedir que deve “improceder, assim, a pretensão do recorrente.”

I.4. Do parecer do Sr PGA neste STJ retira-se o seguinte:

“Comecemos por dizer que a possibilidade de atenuação especial da pena só se colocaria em relação às penas parcelares. A pena única não admite atenuação especial (cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2007, processo 07P2820, e de 11 de dezembro de 2008, processo 08P3632, ambos relatados pelo conselheiro SIMAS SANTOS, de 9 de junho de 2010, processo 29/05.2GGVFX.L1.S1, relatado pelo conselheiro OLIVEIRA MENDES, e de 5 de dezembro de 2012, processo 1213/09.SPBOER.S1, relatado pelo conselheiro PIRES DA GRAÇA, de 10 de dezembro de 2015, processo 282/05.1PAVNF.S1, relatado pelo conselheiro MANUEL BRAZ, e de 11 de outubro de 2017, processo 2678/16.4T8CSC.L1.S1, relatado pelo conselheiro MANUEL AUGUSTO DE MATOS, todos em www.dgsi.pt, que traduzem a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça).”

De todo o modo, adita, “No caso dos autos nem se verifica nenhuma das circunstâncias exemplificativas previstas no art. 72.º, n.º 2, do Código Penal, nem a ilicitude dos factos, a culpa do arguido ou a necessidade da pena se revelam diminuídas, muito menos de forma acentuada ou significativa.”

E, “Daí que a reivindicada atenuação especial das penas parcelares de qualquer um dos crimes de roubo (e ainda menos daquele em que, sem que o arguido contra tal tenha reagido, se considerou verificada a circunstância agravante da reincidência, só por si reveladora de uma culpa agravada), careça de total justificação.”

Depois, “Quanto às demais questões suscitadas (medida das penas e efetividade da pena conjunta), acompanhamos a posição do tribunal recorrido.

Os acórdãos que o recorrente indica para ilustrar o exagero das penas que lhe foram impostas partem de diferentes bases factuais.

Ora, como se costuma dizer, cada caso é um caso.

O que importa vincar é que o arguido cometeu três crimes que atentam contra a propriedade, a integridade física e a liberdade de decisão e ação das vítimas e que integram a categoria de criminalidade especialmente violenta (art. 1.º, al. l), do Código de Processo Penal), que em todos atuou com dolo direto, que as necessidades de prevenção geral, face à pluralidade de bens jurídicos atingidos e ao alarme social e insegurança que os crimes de roubo justificadamente provocam, sobretudo em meios populacionais de pequena/média dimensão, como ..., são elevadas, e que as exigências de prevenção especial, levando em consideração, conforme já aflorado, que o recorrente não completou a escolaridade mínima obrigatória e nunca exerceu atividade profissional de forma duradoura, que em 2010, ainda adolescente, incumpriu a medida tutelar de frequência de formação profissional aplicada pelo Tribunal de Família e Menores de ..., que é consumidor de estupefacientes, que regista antecedentes criminais pela prática de crimes de ofensa à integridade física simples, furtos, simples e qualificados, e roubos, simples e qualificado, que durante que o período de liberdade condicional concedida no último processo em que foi condenado não concretizou a inscrição na Agência para a Qualificação e Emprego para a qual havia sido orientado pretextando (é o que, em termos formalmente discutíveis, consta do facto provado 47: «segundo o arguido …»), sem que disso haja comprovativo, que começou a trabalhar na construção civil, e que não beneficia de um enquadramento familiar que o motive para o respeito dos valores fundamentais da comunidade, são igualmente expressivas.

À vista deste conjunto de circunstâncias, temos por certo que a medida concreta das penas, parcelares e única, fixada pelo tribunal coletivo não é merecedora de censura.”

I.5. Foi cumprido o contraditório. Não veio resposta.

I.6. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. O acórdão recorrido deu como provada a seguinte factualidade:

1. No dia 22 de agosto de 2022, cerca das 23H30, os arguidos AA e BB, em comunhão de intentos e esforços e depois de previamente combinarem a forma de atuarem, abordaram CC e DD quando estes se encontravam a passear na Travessa ..., ..., ..., tendo exigido a ambos que lhes entregassem estupefaciente e 5 €.

2. Cada um dos ofendidos entregou-lhes um pacote de estupefaciente – “sintética” – e o ofendido DD entregou-lhes 1 euro e o ofendido CC 2 euros, dizendo que não tinham mais, tendo o arguido AA obrigado o ofendido DD a mostrar o conteúdo da sua carteira.

3. O arguido AA continuou em tom de voz exaltada a exigir que os arguidos lhes entregassem mais estupefacientes e perante a reação do ofendido CC que lhes disse “se querem fumem connosco”, o AA bateu-lhe no peito ao mesmo tempo que dizia “se não dás mais vou-te bater”.

4. Entretanto, DD fugiu.

5. O arguido AA desferiu então diversos murros e pontapés em todo o corpo e face do ofendido CC, tendo a certa altura a arguida BB desferido uma pancada na nuca do ofendido, com um objeto não concretamente apurado, fazendo com que CC caísse ao solo desamparado, tendo nesse momento o arguido AA retirado do interior do bolso das calças um telemóvel Samsung no valor de 500 € e a quantia de 30 €, abandonando de seguida ambos os arguidos o local.

6. Em consequência da atuação dos arguidos sofreu o ofendido CC dores intensas e lesões na zona do olho esquerdo, nariz e boca, tendo temido pela própria vida atenta a violência.

7. No dia 31 de agosto de 2022, pelas 02H33, os arguidos AA e BB, em comunhão de intentos e esforços e depois de previamente combinarem a forma de atuarem, abordaram a ofendida EE quando esta se encontrava a passear na Rua da ..., ..., ..., colocando-se forma a impossibilitar a ofendida de sair do local, tendo o arguido AA sugerido que a ofendida mantivesse relações sexuais com ele a troco de dinheiro, o que esta recusou, ficando o arguido cada vez mais agressivo.

8. Enquanto isso a arguida colocou-se do outro lado da ofendida assegurando-se de que a ofendida não conseguia fugir.

9. A determinada altura a ofendida pegou no telemóvel e disse que chamava a polícia, altura em que o arguido AA lhe mostrou umas tesouras perguntando-lhe se queria que as usasse, desferindo de seguida um soco que atingiu a ofendida junto ao olho esquerdo, atordoando-a, tirando-lhe de seguida o telemóvel das mãos, deles se apoderando.

10. Seguidamente enquanto um dos arguidos retirou uma bolsa que a ofendida trazia a tiracolo e o outro a mochila tendo a arguida BB de seguida empurrado a ofendida, fazendo com que a mesma caísse no solo desamparada, altura em que os óculos da ofendida caíram ao chão, deixando de conseguir ver corretamente.

11. O arguido AA, contra a vontade da ofendida e sabendo que tais objetos lhes não pertenciam, retirou a bolsa que a ofendida tinha ao peito, no interior da qual tinha uma máquina fotográfica Olympus VR-350 no valor de cerca de 15,00 €, óculos de sol, uma lanterna pequena, carregador de telefone, algumas moedas polacas, uma carteira vermelha com os seus documentos e cartões de crédito, e outros objetos de uso pessoal, no valor total de € 250,00 e afastou-se do local com os objetos de que se apropriaram.

12. Quando a ofendida se levantou a arguida BB bateu-lhe novamente, com socos na face, fazendo-a cair ao chão novamente, empunhando de seguida uma navalha na sua direção dizendo que se ela fosse atrás deles que não teria problemas em a usar, colocando-se de seguida em fuga.

13. Os arguidos atuaram de forma livre, deliberada e consciente em conjugação de esforços, munindo-se dos referidos objetos que usaram como armas, com o objetivo de criar medo nos ofendidos e os constranger a entregar-lhes objetos e valores que consigo tivessem e colocá-los na impossibilidade de resistirem a que lhes retirassem os objetos e valores e fazer deles como fizeram deles coisa sua, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, e que agiam contra a vontade dos ofendidos.

14. Mais sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Apenso B

15. No dia 11 de agosto de 2021, pelas 13h00, quando se encontravam na Rua ..., em ..., o Arguido AA viu o Ofendido FF, abeirou-se do mesmo e disse-lhe “Eh primo, dá-me um cigarro…”.

16. O Ofendido retirou da carteira de cigarros um cigarro e estendeu o braço, com aquele, na direção do Arguido.

17. O Arguido, ao aperceber-se de que na referida carteira de cigarros estava guardada uma nota de €10,00 do BCE, de forma repentina, com uma mão agarrou o cigarro e, com a outra, a carteira.

18. Ato contínuo, o Ofendido agarrou a carteira com as mãos, exercendo força muscular e o Arguido, em estado de exaltação dirigiu-lhe a expressão “Larga já isso caralho!”.

19. O Ofendido largou a carteira e o Arguido da mesma retirou os €10,00 e arremessou-a para o chão.

20. De seguida, quando o Arguido se afastava do local, a pé, o Ofendido replicou “Eh AA, dá cá o dinheiro, pediste-me um cigarro dei-te um cigarro, vou-te chamar a polícia…”.

21. Após, AA, frustrado pela atitude de FF, retirou da mochila que trazia consigo duas facas de características não cabalmente determinadas, abeirou-se daquele e apontou a extremidade da lâmina de cada uma das facas, uma ao lado direito e outra ao lado esquerdo da cabeça do Ofendido, e dirigiu-lhe a expressão “Se chamares a polícia eu esfaqueio-te todo!”.

22. O Ofendido, com receio de ser morto pelo Arguido, disse-lhe “Caga nisso, também não é por causa de €10,00…”, reação que apaziguou o Arguido e o fez abandonar o local.

23. O Ofendido tentou impedir os intentos do Arguido, agarrando-se à carteira de cigarros, mas deixou de reagir face à força física e às ameaças do Arguido, que, assim subtraiu e integrou no seu património a referida nota de €10,00.

24. O arguido, agiu com o propósito logrado de fazer sua a referida nota, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia, que o fazia contra a vontade do seu legítimo dono.

25. Agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

26. AA foi condenado por Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 182/13.1..., do Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 2, pela prática, em 7-12-2013 de 1 crime de Roubo Qualificado na pena de 6 anos de prisão e pela prática, em 30-11-2013, de 1 crime de Roubo na pena de 2 anos e 10 meses de prisão.

27. O Arguido, em cúmulo jurídico daquelas penas, foi condenado na pena única de 7 anos de prisão.

28. Iniciou o cumprimento daquela pena em 7 de dezembro de 2013, a qual se extinguiu em 1 de abril de 2022.

29. Descontando o período de reclusão do Arguido, em cumprimento de pena de prisão efetiva, conclui-se não terem decorrido mais do que 5 anos entre a data da prática dos crimes pelos quais cumpriu a pena referida e a prática dos factos aqui descritos, pelos quais deverá ser sempre condenado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

30. Não obstante, tal condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido, não se logrando assegurar, pela referida condenação, as exigências de prevenção geral e especial que àquele caso cabiam, devendo aqui ser aplicada pena de prisão efetiva superior a 6 meses.


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Do pedido de indemnização civil

31. Em consequência direta da conduta dos arguidos, CC deu entrada no serviço de urgência do Hospital ... e aí foi assistido onde lhe ministraram cuidados de saúde no valor de 112,07€.


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Das condições socioeconómicas do arguido AA:

32. Natural de ..., AA é o quinto de uma fratria de dez elementos, um dos quais portador de deficiência (espinha bífida).

33. No contexto familiar/educativo de AA destaca-se o alcoolismo do progenitor, problemas de conflitualidade das figuras parentais, com episódios de violência doméstica, culminando numa dinâmica instável e disfuncional, com lacunas em termos de transmissão de valores socialmente integrados.

34. Embora AA aponte o pai como figura de autoridade, acatando as ordens deste, foi pelo medo da punição física que aquele familiar parecia controlá-lo. A mãe foi e é percecionada como mais afetiva, mas também mais permissiva, não tendo o arguido beneficiado, por isso, de adequada supervisão parental, com reflexos na adoção de comportamentos desajustados.

35. O percurso escolar, interrompido, definitivamente, há mais de doze anos, foi marcado pelo insucesso, absentismo e instabilidade comportamental, pelo que o arguido não completou a escolaridade mínima obrigatória.

36. Após o abandono da escola, AA nunca exerceu atividade profissional de forma duradoura, embora já tenha apoiado um conhecido em trabalhos de construção civil e jardinagem. Manteve-se assim, maioritariamente desocupado, sem qualquer atividade estruturada.

37. Por crime de roubo, foi-lhe instaurado em 2010, pelo Tribunal de Família e Menores de ..., processo tutelar educativo, com aplicação de medida tutelar (imposição de obrigações – frequência de formação profissional durante o ano letivo de 2010/2011), que não cumpriu por falta de adesão, colaboração e acentuada resistência às intervenções técnicas (quer por parte dos Serviços de Reinserção Social, quer dos profissionais do Centro de ... e da Associação de Promoção de Públicos Jovens em Risco), o que lhe determinou revisão da medida, tendo, então, executado a substitutiva (tarefas a favor da comunidade).

38. Muito influenciável pelos pares, costumava acompanhar amigos e conhecidos com problemática criminal, alguns dos quais com hábitos de consumo de substâncias estupefacientes, embora, não existissem, até há relativamente pouco tempo, referências de consumos a este nível por parte de AA.

39. Todo este contexto determinou-lhe, à semelhança de alguns dos seus irmãos, vários contactos com o sistema formal de Justiça, tendo sido, em 2013, condenado por crimes de furto e furto qualificado, em pena de prisão (cúmulo jurídico) substituída por trabalho a favor da comunidade, que cumpriu, embora de modo irregular.

40. Em dezembro de 2013, AA ficou sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica no processo 182/13.1... Nesse, entretanto, em junho de 2014, cumpriu 133 dias de prisão subsidiária, à ordem do processo 1061/12.5...

41. Por sentença transitada em julgado em 15 de dezembro de 2014, AA veio a ser condenado no processo 182/13.1... pela prática, como coautor material e na forma consumada de um crime de roubo e também, pela prática, como coautor material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, na pena única de sete anos de prisão efetiva. Foi libertado condicionalmente em 26 de janeiro de 2020, sendo que o termo da liberdade condicional ocorreu em 18 de abril de 2021.

42. Após concessão de liberdade condicional, AA reintegrou o seu agregado familiar de origem, do qual nunca se autonomizou, residindo na morada fixada judicialmente. Contudo, aquando da ocorrência dos factos constantes da presente acusação, encontrava-se fora da residência dos pais, segundo a mãe, frequentemente na companhia da coarguida, BB.

43. O núcleo familiar do arguido é composto por um total de 10 elementos, sendo que o progenitor não trabalha há algum tempo e a mãe sempre foi doméstica. Esta também assume a prestação de cuidados a vários netos, filhos de pais separados. A habitação que ocupam foi-lhes concedida pelo Governo Regional, dispondo de razoáveis condições de habitabilidade.

44. O agregado sobrevive de apoios sociais, dentre os quais o Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de 320 Euros, Abono de Família, no valor de 111 Euros, acrescidos de 290 Euros de Pensão de Inclusão (subsídio por deficiência de uma irmã do arguido) e ainda de 150 Euros do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores. Contudo, o mesmo subsiste com dificuldades, sendo frequente o recurso à solicitação do B.... ......... ...... . .....

45. Minimamente colaborante com os serviços sociais que o acompanham, o agregado é, contudo, negativamente referenciado no meio de residência e ao nível das relações de vizinhança, subsistindo a propensão para o conflito e para a inadequada compreensão de regras e limites.

46. Neste sentido, o agregado revela profunda coesão na descrição que faz das respetivas dinâmicas, avaliando com relativa autocrítica a inadequação de determinados comportamentos, subsistindo, nomeadamente em AA, dificuldades de descentração e de autonomia.

47. Durante o curto período em que decorreu a liberdade condicional foi orientado para realizar inscrição na a Agência para a Qualificação e Emprego, o que nunca concretizou. Neste, entretanto, pouco tempo antes da reclusão, segundo o arguido, começou a trabalhar na área da construção civil (como ... e ...), na freguesia de .... Porém, segundo a mãe, não colaborava em qualquer das despesas domésticas.

48. AA iniciou, entretanto, os consumos de estupefacientes, de canabinóides e heroína e pouco antes da reclusão, de substâncias sintéticas, em conjunto com a namorada e coarguida, reconhecendo esta situação como fator desestruturante do seu percurso.

49. Em meio prisional, não se encontra integrado em qualquer programa terapêutico, não tendo sido submetido a teste de despiste toxicológico interno. Não foi alvo de qualquer infração disciplinar e tem recebido visitas regulares da mãe e de uma irmã.

50. Já foi julgado e condenado:

a) Por sentença de 20/02/2013, na pena de 200 dias de multa, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples a 23/07/2012;

b) Por acórdão de 05/03/2013, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho, pela prática de um crime de furto simples, um crime de furto qualificado e um crime de furto qualificado tentado em 2012;

c) Por acórdão de 01/07/2014, na pena de 7 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado a 07/12/2013 e um crime de roubo a 30/11/2013.”

II.2. O acórdão recorrido assinalou a seguinte motivação

“O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade à luz das regras de experiência comum (artigo 127º do Código de Processo Penal).

Foram assim valoradas as declarações pelo arguido AA, sendo que BB remeteu-se ao silêncio, e pelas testemunhas GG (em sede de memória futura), CC (ofendido), DD (que se encontrava com CC), FF (ofendido), HH (companheira de FF), II, JJ e KK (testemunhas abonatórias da arguida BB) e LL e MM (irmãs do arguido AA).

Relativamente à prova documental, o Tribunal teve em consideração, o auto de notícia (fls. 2), a reportagem fotográfica (fls. 12,13, 28, 29, 39, 40 e 52 a 59), o auto de apreensão (fls. 35 a 38), o auto de reconhecimento pessoal (fls. 47 a 50). Já no apenso A atendeu-se ao auto de notícia (fls. 2) e à reportagem fotográfica (fls. 13). Mais se atendeu à fatura junta pelo Hospital .... No processo apensado atendeu-se ao auto de notícia (fls. 2), ao auto de reconhecimento pessoal (fls. 25-28) e às peças processuais do processo nº 182/13.1...

Concretizando, o arguido AA negou a prática de todos os factos pelos quais vinha acusado. Relativamente ao primeiro episódio referiu que esteve com o CC e com o DD durante o dia e que quando os deixou o CC não estava da forma como as fotografias demonstram (fls. 13 do apenso A), sendo que a BB não estava presente. Contudo, reproduzidas as declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial, logo percebemos que o arguido se encontrava a mentir, uma vez que disse que agrediu o CC com socos para se defender e que a BB, que estava presente, nada fez. Quanto ao segundo episódio, o arguido disse que nada fez e, quanto ao terceiro episódio, não prestou declarações.

Conforme resulta do parágrafo anterior, as declarações prestadas pelo arguido não mereceram qualquer credibilidade, sendo certo que o Tribunal não pode deixar de reparar que os três episódios são semelhantes, revelando um padrão comportamental. No entanto, analisemos os restantes meios de prova.

Quanto ao primeiro episódio, disse-nos DD que ambos os arguidos o abordaram a si e ao seu amigo CC a pedirem dinheiro para irem consumir, tendo dado, de livre vontade, um euro, sendo que o seu amigo deu mais uns trocos. No entanto, o arguido pedia-lhes que lhe dessem a droga e começou a brigar com o CC, motivo pelo qual fugiu, pois teve medo que o arguido lhe batesse. Por seu turno, CC, num discurso marcadamente objetivo e claro, onde não transpareceu qualquer sentimento de vingança pelo arguido, corroborou as declarações de DD, tendo acrescentando que depois do seu amigo fugir a BB lhe bateu na cabeça com um objeto que julga ser um taco de basebol e que o AA lhe desferiu diversos murros e pontapés (lesões compatíveis com o descrito no relatório pericial), tendo lhe retirado o telemóvel e ainda 30,00€.

Já que no tange ao segundo episódio, o Tribunal teve em considerações as declarações prestadas pela ofendida em memória futura, a qual descreveu, de forma sequencial e lógica, os factos, devidamente suportadas pelos autos de reconhecimento pessoal (fls. 47 a 50) e pelo auto de apreensão à arguida BB, a qual tinha em seu poder diversa documentação da ofendida.

Por fim, e quanto ao terceiro episódio, o ofendido FF começou por dizer que queria tirar a queixa, mas, informado que não o poderia fazer, optou por dizer que não se lembrava de nada, tal como a sua companheira HH. No entanto, lidas, em audiência, as declarações prestadas em inquérito, ficámos sem quaisquer dúvidas quanto à dinâmica dos factos, tornando-se patente que aqueles ainda têm medo do arguido, pelo que valorámos tais declarações, prestadas a seguir aos factos numa altura em que a memória ainda estava mais fresca e, de tal forma tiveram medo daquele, que apresentaram queixa.

Em relação aos elementos subjetivos dos factos imputados aos arguidos, os mesmos decorrem da conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador. Quem atua como os arguidos atuaram, sem qualquer interferência de elemento perturbador da capacidade intelectual e volitiva, não pode deixar de querer atuar como descrito, de ter consciência da proibição da conduta e de conformarem-se com as consequências legais das mesmas.

Os factos da reincidência resultam não só da prova documental, como das regras da normalidade e da experiência comum, conjugadas com o relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, donde se infere que a condenação anterior não serviu de suficiente advertência, sendo de censurar a sua conduta.

Por fim, atendeu-se ao ofício da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em conjugação com os depoimentos das testemunhas abonatórias de ambos os arguidos e analisaram-se os respetivos certificados de registo criminal.

Quanto aos factos do pedido de indemnização civil, teve-se em consideração as declarações do ofendido CC, conjugadas com o relatório pericial e com a fatura emitida pelo Hospital ....”

II.3. Admissibilidade e objeto do recurso

II.3.1. Estamos perante um recurso direto, per saltum, em que o Recorrente tem legitimidade, interesse em agir, está em tempo e devidamente representado por advogado. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, nº 1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões de direito suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, seja, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Nos termos do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 5/2017, in “DR” I, de 23.6.2017, “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo--lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.”

Ora, estando aqui em causa uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, uma vez que vêm impugnadas.

Os factos estão fixados e não se vislumbra questão de que oficiosamente cumpra conhecer.

II.3.2. Aqui o recorrente, discordando, ataca no seguinte:

(i) quer as penas parcelares quer a única mostram-se excessivas e desproporcionais, excedendo as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial; (ii) está a reintegrar-se socialmente, o que até levaria à atenuação especial da pena; (iii) é excessiva igualmente por se mostrar fora daquilo que tem sido aplicado em outras situações comparáveis, com o que deve ser reduzida para perto do seu limite mínimo e, a seguir suspensa na sua execução.

O objeto do recurso resume-se, pois, a saber se as penas parcelares e a pena única são excessivas por desproporcionais, se há lugar a atenuação especial e se se afrontou o referente jurisprudencial.

II.4. Vejamos:

No que tange às medidas das penas o acórdão recorrido considerou o seguinte:

“No caso em análise, as exigências de prevenção geral são extremamente elevadas, devido à frequência com que este tipo de crime é praticado, especialmente nesta Comarca dos Açores, conforme é disso expressão o elevado número de julgamentos pela prática deste crime. Dada a grande incidência destes crimes, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado.

Também elevadas se mostram as necessidades de prevenção especial, atendendo a que o grau de ilicitude é elevado, quer pelo grau de violência da conduta, quer pelo plano engendrado pelos dois arguidos. Por seu turno, também elevado se deve considerar o dolo porquanto os arguidos bem sabiam o que estava a fazer e persistiram nas suas condutas. No que se refere aos antecedentes criminais, há que ter atenção que a arguida BB é primária, mas já não o arguido AA, o qual, vem, inclusive, acusado, numa das acusações como reincidente, donde se infere que a presente conduta não representou um episódio isolado na sua vida, antes denotando uma personalidade insensível perante as normas jurídicas que regulam a vida em sociedade e revela resistência em se deixar influenciar positivamente pelas penas sofridas, o que resulta também evidenciado no relatório social. O arguido AA continua a revelar-se imaturo, pouco autónomo e permeável à associação a grupos de pares socialmente problemáticos, não se constituindo a família fator de proteção de relevo, nem se anteveem garantias por parte do arguido no sentido da procura da sua valorização pessoal e escolar e/ou profissional, vindo ainda a enfrentar problemática aditiva, ao nível das substâncias psicoativas. Já a arguida indicia acentuadas lacunas em termos de competências pessoais e sociais, nunca tendo concretizado qualquer autonomia da família, não possuindo hábitos ou experiência laboral e revelando-se ténues as estratégias em termos de reinserção social, mormente ao nível da contenção aditiva, principal fator de risco do seu percurso.

Tudo visto e ponderado, o Tribunal decide condenar o arguido AA numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão para cada um dos crimes de roubo do processo principal e uma pena de 4 anos para o crime de roubo do processo apensado. Já a arguida BB será condenada na pena de 3 anos de prisão pela prática de cada um dos dois crimes de roubo.


*


Da reincidência

Aqui chegados, importa descortinar a verificação da reincidência enquanto circunstância agravante modificativa com previsão legal nos artigos 75º e 76º do Código Penal.

De acordo com o nº 1 do artigo 75º são pressupostos da reincidência: (i) a comissão de crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; (ii) à data da a prática desses factos, o arguido ter já sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso; e (iii) ser de censurar a conduta do agente por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime.

Por seu turno, estabelece o nº 2 do mesmo artigo um pressuposto “negativo” da aplicabilidade do instituto, qual seja a ausência do decurso do período de mais de cinco anos entre a prática de ambos os crimes, não sendo computado o tempo durante o qual o agente esteve em cumprimento da pena privativa da liberdade.

Feito este enquadramento, constatamos que, no caso dos autos, mostram-se reunidos os ditos pressupostos objetivos (positivos – alíneas (i) e (ii) e negativo): o arguido foi condenado no processo nº182/13.1..., do Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 2, pela prática, em 7-12-2013 de 1 crime de Roubo Qualificado na pena de 6 anos de prisão e pela prática, em 30-11-2013, de 1 crime de Roubo na pena de 2 anos e 10 meses de prisão. Iniciou o cumprimento da pena em 7 de dezembro de 2013, a qual se extinguiu em 1 de abril de 2022. Ora descontando o período de reclusão do arguido, em cumprimento de pena de prisão efetiva, conclui-se não terem decorrido mais do que 5 anos entre a data da prática dos crimes pelos quais cumpriu a pena referida e a prática dos factos aqui descritos, pelos quais deverá ser sempre condenado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

É assim de concluir que tal condenação não constituiu obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido, não se logrando assegurar, pela referida condenação, as exigências de prevenção geral e especial que àquele caso cabiam, devendo aqui ser aplicada pena de prisão efetiva superior a 6 meses.

Atento o disposto no artigo 76º nº 1 do Código Penal, pelo que, levando em conta os fundamentos supra vertidos a propósito da determinação da medida da pena, consideramos justo, necessário, adequado e proporcional a aplicação da pena agravada do terceiro crime de roubo (o único pelo qual vem acusado pela reincidência) em 4 anos e 8 meses de prisão.

Verificando-se, um concurso real e efetivo de infrações, a punição deve realizar-se de acordo com o disposto no artigo 77º do Código Penal.

Nos termos do nº 2 da norma acima referida, a pena única deverá ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a todos os crimes.

Dentro desta moldura, há também que atender aos factos e à personalidade dos agentes, apreciados conjuntamente (artigo 77º, nº 1, parte final do Código Penal), que revelam uma tendência criminosa, e realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade (nomeadamente a gravidade do ilícito global, atento o modo de execução dos crimes, o período temporal e os valores em causa), de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, demonstra-se adequada a fixação da pena única do arguido AA em 7 anos e 6 meses de prisão e da arguida BB em 4 anos e 10 meses de prisão.”

II.5. Visto o acórdão recorrido, dele não se manifesta qualquer vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou, ainda, de erro notório na apreciação da prova, a que se refere o n.º 2 do artigo 410º do CPP, suscetíveis de prejudicar a decisão de direito, dos quais, por esse motivo, este tribunal deva conhecer.

Também não se identificam nulidades do acórdão (artigo 379.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, do CPP) ou a subsistência de nulidades não sanadas que devam ser conhecidas (artigo 410.º, n.º 3, do CPP).

A aplicação da circunstância modificativa comum agravante de reincidência não vem questionada.

II.6. Determinação concreta da pena

Manda o artigo 40º do Código Penal, sob a epígrafe “finalidades das penas (…)”, que “a aplicação de penas (…) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1) e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).

E estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, sempre em atividade judicial legalmente vinculada, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo (nº 2) o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, o que deve constar da fundamentação (n.º 3).

Para a medida da gravidade da culpa há, pois, que, de acordo com o artigo 71.º, nº 2, do CP, considerar os factores relativos à execução do facto referidos nas alíneas a), b), c) e e), os fatores relativos à personalidade do agente, alíneas d) e f), e os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (alínea e). Concretizando, tem o juiz de atender ao grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, às condições pessoais e situação económica, á conduta anterior e posterior ao facto e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto.

Na esteira da esquemática formulação do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Parte Geral”, I, 3ª Edição Gestlegal, 96, recorrentemente citada pelo STJ, “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.

Simas Santos e Leal-Henriques, in “Noções de Direito Penal”, 8ª ed., 187, escrevem: “(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”

Por outro lado, importa atentar outrossim na prevenção especial positiva, que visa a socialização do agente, a sua reinserção na sociedade.

E antolhando sempre que a culpa é fundamento mas também limite inultrapassável da pena. A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2)

Na confeção do concreto é instrumento indispensável o princípio da proporcionalidade na sua tríplice vertente de necessidade, adequação e justa medida, assim se dando corpo ao comando constitucional desde logo expresso no artigo 18, nº 2, da CRP. (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

Sempre no respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração, ut artigo 71, nº 2, do CP, se bem que nada obste a que a medida concreta da pena possa variar em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico ou de uma circunstância modificativa e a que, em caso de cúmulo, se possa valorar aquilo que ao global especificamente respeite, id est, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares, mas ao conjunto deles.

Para a confeção da pena única, impõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), um critério especial, a saber, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Segundo Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

“É o momento de olhar a “floresta”, sem que cada árvore perca a sua individualidade.”, in “As reacções criminais no direito português”, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, UC Editora, 2022, pag. 191.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente aí refletida.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”.

E “é este critério especial, porque os factos e a personalidade do agente são considerados em conjunto, que garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração.” (in “Penas e Medidas de Segurança”, 2ª edição, Almedina, pag. 71, Maria João Antunes)

É que a pena única visa sancionar a acão do agente pelo facto global, no seu conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento unitário do agente e naqueles revelado.

Volvendo ao caso concreto:

II.7. Atenuação especial

Como bem salienta o Sr PGA, “a possibilidade de atenuação especial da pena só se colocaria em relação às penas parcelares. A pena única não admite atenuação especial (cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2007, processo 07P2820, e de 11 de dezembro de 2008, processo 08P3632, ambos relatados pelo conselheiro SIMAS SANTOS, de 9 de junho de 2010, processo 29/05.2GGVFX.L1.S1, relatado pelo conselheiro OLIVEIRA MENDES, e de 5 de dezembro de 2012, processo 1213/09.SPBOER.S1, relatado pelo conselheiro PIRES DA GRAÇA, de 10 de dezembro de 2015, processo 282/05.1PAVNF.S1, relatado pelo conselheiro MANUEL BRAZ, e de 11 de outubro de 2017, processo 2678/16.4T8CSC.L1.S1, relatado pelo conselheiro MANUEL AUGUSTO DE MATOS, todos em www.dgsi.pt, que traduzem a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça).”

E, pelo acerto e suficiência, repetiremos o que, em tal conspecto, acrescentou:

“Segundo o art. 72.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Para esse efeito, acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo, são consideradas, entre outras, as seguintes circunstâncias:

a) Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

Observa a este propósito JORGE DE FIGUEIREDO DIAS que o «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção». Essa diminuição só poderá considerar-se acentuada «quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os "casos normais", lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios» (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 305).

No caso dos autos nem se verifica nenhuma das circunstâncias exemplificativas previstas no art. 72.º, n.º 2, do Código Penal, nem a ilicitude dos factos, a culpa do arguido ou a necessidade da pena se revelam diminuídas, muito menos de forma acentuada ou significativa.

É verdade que o trajeto de vida criminoso do arguido, iniciado quando ainda era inimputável em razão da idade (v. os factos provados 37, 40, 41 e 50), foi influenciado pelo ambiente familiar disfuncional e permissivo em que cresceu (factos provados 33 e 34) e que o mesmo consome cannabis, heroína e «substâncias sintéticas» (facto provado 48).

Todavia, tais circunstâncias, podendo embora aligeirar o seu grau da culpa [a situação familiar adversa porque contribuiu para (de)formar a respetiva personalidade e para tornar menos censurável a sua impreparação para levar uma vida conforme ao direito e a toxicodependência porque, a admitir que a atuação do arguido nos diversos episódios foi determinada pela necessidade de obter meios para adquirir estupefacientes (o que não ficou provado), «a pressão que a satisfação do vício exerce» pode «enfraquecer os mecanismos de auto-controlo» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2013, processo 56/13.6YFLSB.S1, relatado pelo conselheiro SOUSA FONTE, www.dgsi.pt)], constituem fatores criminógenos que, associados aos factos de o arguido não ter completado a escolaridade obrigatória (facto provado 35), não possuir competências nem hábitos de trabalho (facto provado 36) e, pelo menos no meio prisional, não estar integrado em qualquer programa terapêutico de desintoxicação (facto provado 49), avolumam as necessidades de prevenção especial e da pena.

Daí que a reivindicada atenuação especial das penas parcelares de qualquer um dos crimes de roubo (e ainda menos daquele em que, sem que o arguido contra tal tenha reagido, se considerou verificada a circunstância agravante da reincidência, só por si reveladora de uma culpa agravada), careça de total justificação.”

Concordamos e aditamos no mesmo sentido o ac. do STJ de 28/06/2023, 357/21.0GBILH.S1, Pedro Branquinho Dias, “I. Na esteira da doutrina mais relevante, são pressupostos do instituto da atenuação especial da pena, previsto no art. 72.º, do Cód. Penal, para além dos casos que lei expressamente prevê, existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporânea dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção, sendo que a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipótese tais quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo de facto respetivo.

II. Na mesma linha, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, com particular destaque para a deste Supremo Tribunal, tem vindo a acentuar que a atenuação especial da pena só em casos verdadeiramente extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidades dos casos, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.

III. Acontece que, no caso sub judice, as razões que a recorrente invoca para fazer intervir o instituto da atenuação especial da pena são manifestamente muito insuficientes e sem particular relevância para o efeito pretendido.

IV. Por outro lado, importa também não esquecer que foi dado como provado que a arguida tinha já um antecedente criminal e também por um crime de roubo.

V. Não estão, assim, reunidos os requisitos para a atenuação especial da pena.”

Também aqui não estão reunidos os requisitos para a atenuação especial da pena.

II.8. medidas concretas das penas parcelares

O Recorrente coloca em causa as penas parcelares aplicadas por excessivas e desproporcionais, excedendo as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial e porque está a reintegrar-se socialmente, o que até levaria à atenuação especial da pena.

Mas, como vimos a pretensão da atenuação especial da pena não pode proceder.

O crime de roubo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos (artigos 210º, nº1 e 211º do Código Penal).

Foi aplicada a cada um dos crimes a pena parcelar de quatro anos e seis meses, sendo que a pena do terceiro se viu aumentada para quatro anos e oito meses por via da reincidência. A meio, portanto, da moldura penal abstrata.

No que tange às penas parcelares aplicadas, não nos merecem censura as considerações efetuadas no acórdão recorrido sobre as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial.

Assim como também não nos merece censura aquilo que da fundamentação da medida da pena se reporta aos fatores considerados no artigo 71º, e no que à verificada reincidência se consagrou.

Em cada um dos casos o dolo foi direto e intenso. O grau de culpa do arguido é muito elevado, demonstrando personalidade violenta, insensível e temerária. Completamente alheada dos danos físicos e psíquicos provocados.

O grau de ilicitude é elevado. O modus operandi é temerário, mostra-se arrojado e sem medo; em actuação com co-arguida nos casos de agosto de 2022; nos dois praticados em agosto de 2023 pela calada da noite; agredindo a soco e pontapé por todo o corpo e na face, no caso de 22/08/2022; no caso de 31/08/2023 utilizando a ameaça com tesouras e desferindo um soco no olho; no caso de 11/08/2021 prevalecendo-se da utilização de duas facas.

Mesmo considerando isoladamente cada ilícito, as necessidades de prevenção geral (“proteção dos bens jurídicos”), entendida como prevenção positiva, ou seja, como afirmação contrafática da validade das normas perante a comunidade, são elevadíssimas. O crime de roubo é, consabidamente, um crime complexo, que tutela simultaneamente bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais. Se na primeira vertente se protege o direito de propriedade ou de mera detenção de coisas móveis, na segunda tutela-se o direito à liberdade pessoal, à integridade física e a outros bens pessoais, e a sua prática gera enorme insegurança e elevado alarme social. É enorme a gravidade dos ilícitos praticados pelo arguido em que, para além de valores patrimoniais apurados, estão sobretudo em causa valores pessoais, relativos à integridade física, à segurança e saúde das pessoas.

Mas as exigências de prevenção especial são outrossim instantes. O arguido revela tendência para delinquir, em “padrão comportamental”, como bem assinala o acórdão recorrido, com tendência para o crime de roubo, e manifesta evidente falta de preparação para manter uma conduta lícita, em manifesta dissociação com as regras jurídicas sendo, por conseguinte, prementes e elevadas as necessidades de socialização.

Um desses crimes é mesmo praticado antes de estar extinta a pena única de sete anos em que tinha sido condenado. Pena essa que até pelo seu peso era pressuposto ter funcionado de modo ressocializador e altamente admonitório.

Não se deu como provado arrependimento. E não vem provada reparação dos danos causados.

Na factualidade dada como provada não se desvelaram atenuantes que determinem correcção das penas.

E o seu registo criminal não pode deixar de ser sopesado negativamente.

Com o que, forçoso é concluir, não merece censura a medida concreta que coube a cada pena parcelar, por proporcional à sua culpa e necessária para satisfação das necessidades de prevenção geral e também especial.

II.9. Referente jurisprudencial e medida da pena única

O recorrente suscita uma questão que vem sendo tida em conta nos arestos deste STJ, a saber, a questão do referente jurisprudencial. Da sua importância fala-nos o ac. do STJ de 22/06/2022, proc. nº 8/21.2JAPDL.S1, Ana Brito, e já o referimos também nós no acórdão de 11/10/2023, proc. nº 444/22.7PCSNT.S1, de que fomos relator. E na transversalidade jurisprudencial o mesmo efeito visa o chamado fator de compressão (v., por todos, os acs do STJ de 12/01/2022, proc. nº 695/17.6T9LRS.S1, Nuno Gonçalves, e de 15/12/2021, proc. nº 5402/20.3T8LRS.S1, Nuno Gonçalves).

Mas, advirta-se, no comparativo, só acórdãos do STJ contam. E, levantada a questão, importa, pois, proceder a tal comparativo, começando pelos mais recentes invocados:

O acórdão de 09/06/2022, proc. nº 59/2021, Carmo Dias, não é comparável quanto à pena única, já que aí estamos perante a resultante do concurso de um crime de roubo, com reincidência, cuja pena parcelar foi de 4 anos e nove meses de prisão e, no mais, temos, na forma tentada e como reincidente, de 1 (um) crime de coação agravada, p. e p. pelos arts. 22.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 75.º, n.ºs 1 e 2, 76.º, n.º 1, 154.º, n.ºs 1 e 2, e 155.º, n.º 1, al. a), com referência ao art. 131.º, todos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e a prática, em autoria imediata e na forma tentada, de 1 (um) crime de coação, p. e p. pelos arts. 22.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 154.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

A comparação não procede, Mas, assinale-se, o crime de roubo, com reincidência, foi mais gravemente punido do que o crime de roubo com reincidência, neste processo.

No acórdão de 31/03/2021, processo nº 316/18.0JALSB.L1.S1, o STJ aceita a pena única que já vem da Relação, sem liberdade para a aumentar, face ao princípio da reformatio in pejus e diz que cabe dentro da culpa. Mas o mínimo da moldura penal abstrata é menor do que o dos presentes autos. e o máximo também. E falta a reincidência, o que impede o comparativo. porque só situações idênticas se podem comparar. E, como se sabe, a reincidência exponencia as necessidades de prevenção especial geral.

No acórdão de 07/07/2016, proc. nº 23/14.2GBLSB. L1.S1, falha a reincidência, o crime de roubo até é punido mais gravemente, com pena de prisão de cinco anos. No demais não é comparável uma vez que ao roubo agravado acresce um roubo agravado tentado e um roubo simples.

No acórdão de 27/10/20010. proc. nº 1546/09.0PCSNT.L1.S1, a factualidade e tipicidade aí descrita situação aí também não serve de comparação dado que no acórdão só está em causa um crime de roubo agravado, punido,

No acórdão de 19/09/2019, 813/17, 813/17.4SFLSB.L1.S1, é certo que se trata da apreciação das penas relativas a três crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nº 2, b), com referência ao art. 204º, nºs 1, a), e 2, f), ambos do Código Penal (CP), que o STJ acabou a reduzir de 4 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles, e, em cúmulo, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão respetivamente para 4 anos de prisão para cada parcelar e 5 anos e seis meses para a única. Mas fá-lo porque valoriza em muito as condições pessoais. Assim: “à data dos factos, ele vivia com a mãe, e que trabalhava; mais se provou que passava o tempo livre com a filha, contribuindo para o sustento da mesma.” E “merecendo uma certa “aposta”, face ao apurado quanto ao enquadramento familiar, nomeadamente a relação com a filha, e até a manutenção da relação afetiva com uma companheira que o visita na prisão.” E foi essa “aposta” que aqui se não vislumbra que acaba a fazer toda a diferença.

Por aí se vê que a comparação das penas únicas resultantes de diferentes concursos não se apresenta como de exercício pronto e fácil. Primeiro, normalmente os crimes ou não são em mesmo número de prática ou têm tipicidades diferentes. Segundo, as molduras penais abstratas de cada concurso surgem, quer nos respetivos mínimos quer nos seus máximos, diferentes. Sendo múltiplos os fatores, nuns casos mais e noutros menos, em cada um com maior ou menor peso, em que se fundou cada pena parcelar e em que se vai fundar a pena única. A seguir na apreciação do facto global e da personalidade unitária, entra a apreciação da verificação da pluriocasionalidade ou da propensão ou tendência ou da carreira, o que determina toda a diferença entre um e outro caso(s) a comparar. Depois a fenomenologia em causa, sempre em actividade judicialmente vinculada de determinação da pena demanda fator de compressão mais ou menos gravoso, com resultados necessariamente diferentes. E mesmo que se queira dispensar o factor de compressão sempre ficará o indispensável princípio da proporcionalidade, que, nos seus três subprincípios gerará produtos diferenciados. E se há casos em que o princípio da dupla valoração exclui qualquer valoração na confecção do cúmulo outros casos se surpreendem em que casos haverá em que o princípio não obsta à valoração no facto global. E depois há o histórico criminal, sempre decisivo e, se pesado, sopesado normalmente sempre para um plus de pena, exigido pelas necessidades de prevenção especial de socialização. E, ainda mais decisivo, a culpa de cada arguido, em caso único e irrepetível, que, individualizável e insuscetível de equiparação com os demais, singulariza e particulariza o caso.

No caso, sublinhe-se, atrás dos crimes de roubo praticados evidencia-se uma personalidade reiteradamente violenta.

A moldura penal abstrata para o cúmulo jurídico vai de 4 anos e 8 meses a 13 anos e 8 meses (art. 77º, nº 2, do CP). A pena única foi fixada em sete anos e seis meses.

AA já tinha sido condenado por Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 182/13.1..., do Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz 2, pela prática, em 7-12-2013 de 1 crime de Roubo Qualificado na pena de 6 anos de prisão e pela prática, em 30-11-2013, de 1 crime de Roubo na pena de 2 anos e 10 meses de prisão. E em cúmulo jurídico daquelas penas, foi condenado na pena única de 7 anos de prisão. Iniciou o cumprimento da pena única em 7 de dezembro de 2013, a qual se extinguiu em 1 de abril de 2022. Mas mesmo antes da sua extinção cometeu o crime de roubo de 11/08/2021. E pouco depois da extinção dessa pena única voltou a cometer dois crimes de roubo, um em 22/08/2022 e outro, nove dias depois, em 31/08/2022.

Ora, se aquela pena única de sete anos, pela prática de dois crimes de roubo, um deles qualificado, não teve qualquer efeito de socialização impõe-se que a pena única nestes autos se fixe, como o coletivo a fixou, em sete anos e seis meses de prisão. Mostrando-se dentro do grau de culpa apurado e, em termos de proporcionalidade, necessária, adequada e na justa medida. E mesmo abaixo daquilo que ditaria um fator de compressão de 1/3, não podendo a fração ser menor face à fenomenologia criminal em causa e à personalidade unitária do agente revelada na factualidade praticada. Ademais, revelando-se o facto global aqui presente mais grave do que o anterior para o qual já fora cominada pena de sete anos de prisão seria um “prémio” para o arguido a manutenção do mesmo quantum sancionatório além de tal manutenção se apresentar como evidente anomia processual.

Com o que ponderados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, havemos de concluir que a pena única aplicada no acórdão recorrido está longe de pecar por excessividade, mostrando-se outrossim justa e equitativa e manifestamente apta a realizar as finalidades da punição não se mostrando necessária intervenção corretiva por parte do STJ.

O seu histórico, em termos de registo criminal, não o favorece. Ademais quando a prática de um dos crimes ocorreu ainda sem extar extinta a pena de prisão anterior, frustrando irremediavelmente as expectativas de ressocialização.

Por outro lado, desconhece-se qualquer atitude de arrependimento ou de interiorização do mal praticado por banda do arguido, o que torna também prementes as exigências de prevenção.

Pena única em quantum menor comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à imposta pela 1ª instância.

Na presença da matéria de facto dada como provada, não se encontra fundamento que permita contrariar as conclusões alcançadas pela instância, em aplicação quer do artigo 71º quer do artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, respetivamente, na tríplice ponderação parcelar e, em termos de cúmulo jurídico, na apreciação do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, para chegada àquela pena única. Penas parcelares e pena única que se contêm dentro da medida da culpa e respeitam o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes, da necessidade, da adequação e da justa medida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em seis (6) UC`s.

STJ, 25 de outubro de 2023

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira Adjunta)

Sénio Reis Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)