Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
944/16.8GEALM-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, abrangendo a sindicabilidade da medida concreta da pena a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.

II. Justifica-se a intervenção correctiva do Supremo quando se constata que, na fundamentação da pena única de acórdão, são identificáveis imprecisões, como seja a de que o cúmulo inclui «condenações por crimes de roubo agravado», o que não sucede.

III. E assim, a pena única de 9 anos de prisão deve ser reduzida para 8 anos, apresentando-se esta ainda consistentemente robusta para a satisfação das concretas exigências de prevenção geral e especial, assegurando a tutela dos bens jurídicos, e revelando-se mais adequada à reinserção social do condenado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No Processo Comum Colectivo n.º 944/16.8GEALM, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de... - J... ., foi proferido acórdão a decidir:

“- Condenar o arguido, AA, nos termos dos arts. 77.º e 78.º do CP:

I- Primeiro Cúmulo Jurídico - Cúmulo A - englobando os processos:

- n.º 944/16.8GEALM, deste juízo (excluindo-se a condenação na pena parcelar de dois anos de prisão pela prática em 06-04-2018 de um crime de furto qualificado que integra o cúmulo B);

- n.º 114/17.8..., do Juízo de competência genérica da ... (apenas a condenação na pena parcelar de um ano de prisão pela prática em 25-04-2017 de um crime de furto qualificado),

- na pena única de três anos de prisão.

II – Segundo Cúmulo Jurídico – Cúmulo B -, englobando os processos:

- n.º 944/16.8GEALM, deste juízo (apenas a condenação na pena parcelar de dois anos de prisão pela prática em 06-04-2018 de um crime de furto qualificado);

- n.º 122/18.1..., Juízo central cível e criminal de ..., .. e

- n.º 114/17.8..., do Juízo de competência genérica da ... (excluindo-se a condenação na pena parcelar de um ano de prisão pela prática em 25-04-2017 de um crime de furto qualificado que integra o cúmulo A),

- na pena única de nove anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.”

Inconformado com o decidido, interpôs o arguido recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“I - O recorrente AA, foi condenado por Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” a 18/05/2023, em Primeiro Cúmulo Jurídico na pena única de três anos de prisão, e em Segundo Cúmulo Jurídico na pena única de nove anos de prisão.

II - As penas aplicadas ao arguido no Primeiro e Segundo cúmulos Jurídicos são muito exageradas, penalizadoras e desadequadas.

III - Apesar do Douto Tribunal ora recorrido mencionar no Aresto a aplicação do artigo 77.º do Código Penal, determinando que na quantificação da pena correspondente ao concurso de crimes prescreve-se para o efeito que se atenda em conjunto, aos factos e à personalidade do agente de aplicação dos dispositivos legais insertos nos artigos 41.º n.º 1, e 71.º do Código Penal para a determinação da medida concreta da pena, considerando o grau de ilicitude do agente, as necessidades de prevenção geral e especial no caso concreto e as circunstâncias que militarem em favor do arguido aquando da aplicação da punição, não se compreende, a aplicação de penas tão elevadas e duras.

IV - Na determinação da medida concreta da pena, conforme estatui o artigo 71.º n.º 1, do Código Penal, deve ainda considerar-se a culpa do agente, a qual é seu limite e as exigências de prevenção geral e especial que se façam sentir.

V - Existem circunstâncias que militam a favor do arguido que não terão sido, com o devido respeito, todas valoradas aquando da aplicação da medida das penas únicas em apreço:

- A idade do arguido de 69 anos.

- O arguido sofreu um AVC hisquémico em Março de 2014, do qual resultou uma situação clínica delicada, marcada pelo comprometimento da fala, mobilidade e sensibilidade a nível dos membros superiores, tendo passado a residir com a progenitora que constitui o seu suporte familiar.

- Em reclusão, apresentar um percurso regular, sem registo de infrações disciplinares.

- O arguido sofrer um segundo AVC no final de 2020 enquanto cumpria obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, o que ocorreu entre 02.01.2019 e 05.11.2020.

- O arguido estar integrado a nível familiar.

VI - Mostra-se, pois, desproporcional e desadequada a aplicação ao arguido no cúmulo A da pena única de 3 anos de prisão efectiva e no cúmulo B da pena única de 9 anos de prisão efectiva.

VII - Os critérios pelos quais o julgador deve orientar-se na determinação da medida concreta da pena resumem-se do seguinte modo: culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente; exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.

VIII - Sendo a concretização da sanção resultado de todos os referidos fatores, não pode esquecer-se que a função primordial da pena consiste na proteção dos bens jurídicos (prevenção geral positiva), entendida como tutela e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal.

IX - Respeitado que seja o princípio da culpa, segundo o qual, a medida da pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa, a sanção concreta há-de corresponder às expectativas comunitárias na validade da norma violada.

X - Deverá o arguido ser condenado em penas únicas mais harmoniosas, proporcionais e justas face às circunstâncias supra expostas, de acordo com o disposto no artigo 71.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar no cúmulo A os 2 anos e seis meses de prisão, e no cúmulo B os 5 anos e seis meses de prisão, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade.

XI - Deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se o Douto Acordão proferido com as legais consequências.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“Compulsado o Acórdão recorrido, verifica-se que o tribunal teve em consideração todos os critérios estabelecidos no Art.º 77º, n.º 1 do Código Penal, designadamente, teve em conta, para cada um dos cúmulos, a gravidade dos crimes praticados, o grau de culpa elevado, a duração da actividade criminosa, a que apenas a detenção do recorrente pôs termo, e as elevadas exigências a nível da prevenção especial e geral.

Assim sendo, constata-se que o tribunal a quo, ao ponderar a medida concreta das penas únicas, não olvidou cada um dos fatores relevantes, pelo que não podemos deixar de concordar com a medida das penas de prisão fixadas, as quais, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não são excessivas, nem desproporcionadas, antes pelo contrário, primando pela justiça e pelo equilíbrio, tendo sido plenamente satisfeitos os critérios estabelecidos no Art.º 77º, nos 1 e 2 do Código Penal.

Assim sendo, dúvidas não podem restar de que o Tribunal não violou qualquer norma legal tendo decidido bem e com elevada Justiça, pelo que se deverá manter a condenação do arguido recorrente nos seus precisos termos, negando-se total provimento ao recurso.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, distanciando-se da resposta ao recurso e pronunciando-se no sentido da parcial procedência, do modo que merecerá acolhimento, como se exporá.

O arguido nada acrescentou, o processo foi aos vistos e teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido, na parte que ora releva, tem o seguinte teor:

“Resultam provados os seguintes factos: Foi julgado e condenado:

1) Nestes autos, por sentença proferida em 28-11-2022 e transitada em julgado em 10-01-2023, o arguido AA foi condenado pela prática em 13-02-2017 de um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, ambos do C.P. na pena de um ano de prisão; pela prática em 09-03-2017 de um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do C.P, na pena de um ano de prisão; pela prática em 09-03-2017 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão; pela prática em 11-06-2017 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão e pela prática em 06-04-2018 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão. Em cúmulo jurídico das penas supra referidas o arguido AA foi condenado na pena única de quatro anos de prisão.

2) Nos referidos autos resultaram provados os seguintes factos:

“ 1. No dia 13.02.2017, entre as 11h23 e as 12h43, o arguido AA, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-XR, dirigiu-se à Av. ..., ..., decidido a apoderar-se de bens e valores que lograsse encontrar no interior de veículos aí estacionados.

2. Em execução de plano previamente traçado, o arguido aproximou-se do veículo de matrícula ..-..-XZ, desferiu uma pancada no vidro da porta do condutor, partindo-o, abriu a porta e introduziu-se no seu interior do veículo, de onde retirou e levou consigo, fazendo seus, bens de BB entre eles uma mala preta, bens de valor não concretamente determinado.

3. Ao agir da forma descrita, o arguido AA quis e representou, mediante quebra do vidro, introduzir-se no interior do veiculo ..-..-XZ e do seu interior retirar, levar consigo e fazer seus bens e valores que lá se encontrassem, o que conseguiu.

4. Bem sabia o arguido que aqueles bens não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu dono.

NUIPC 78/17.8...

5. No dia 09.03.2017, entre as 11h40 e as 14h30 m, os arguidos AA e CC, fazendo-se transportar no veículo ..-..-XR, dirigiram-se ao Parque de estacionamento do Cabo Espichel, decididos a apoderar-se de bens e valores que lograssem encontrar no interior dos veículos aí estacionados.

6. Em execução de plano comum previamente traçado, ai chegados, o arguido CC saiu da viatura enquanto o arguido AA ficou de vigia, aproximou-se do veículo de matrícula ..-LS-.., desferiu uma pancada no vidro traseiro do lado esquerdo, partindo-o, pelo qual retirou e levou consigo os seguintes bens de DD, que fez seus e do arguido AA, a saber:

- Uma mala de senhora contendo no seu interior documentos de identificação pessoal; - Um batom,

- Uma caixa de óculos vazia, - Isqueiros:

- Outros objetos pessoais e de higiene íntima, de valor não concretamente apurado.

7. Que posteriormente o arguido AA deitou fora na Rua ..., ..., ....

8. Ao agirem da forma descrita, os arguidos AA e CC em conjugação de esforços e intentos, quiseram e representaram introduzir-se no interior do veiculo ..-LS-.. com o propósito retirarem, levarem consigo e fazerem seus bens e valores que no mesmo encontrassem, o que conseguiram.

9. Bem sabiam que aqueles bens e valores não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.

NUIPC 10/17.9...

10. Ainda nesse dia e durante esse período temporal, arguidos AA e CC, dirigiram-se à via de cesso ao ..., decididos a apoderar-se de bens e valores que lograssem encontrar no interior de veículos aí estacionados.

11. Aí chegados, aproximaram-se do veículo de matrícula ..-RL-.., desferiram uma pancada no vidro da porta do pendura, partindo-o, abriram a mesma e introduziram-se dentro do veículo de onde retiraram, levaram consigo e fizeram seus os seguintes bens de EE e FF:

- Uma mala de senhora, que tinha no seu interior uma chave do veículo e carteira com documentos pessoais de FF;

- Uma mala da marca case logic que tinha no seu interior um computador Fujitsu, modelo T901, com carregador e rato;

- Um telemóvel da marca huawei, modelo 9 lite.

12. Bens esses de valor não concretamente apurado mas superior a 102,00Euros.

13. Ao agirem da forma descrita, os arguidos AA e CC em conjugação de esforços e intentos, quiseram e representaram introduzir-se no interior do veiculo ..-RL-.., com o propósito retirarem, levarem consigo e fazerem seus bens e valores que no mesmo encontrassem, o que conseguiram.

14. Bem sabiam que aqueles bens e valores não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu dono.

15. Ainda nesse dia, por volta das 16h20, ao serem abordados por uma patrulha da GNR, o arguido AA atirou do veículo em que se fazia transportar a mala preta acima descrita que tinha no seu interior, o computador, as chaves da viatura e o telemóvel supra referidos.

16. Nessa ocasião foi ainda aprendido ao arguido CC um objeto utilizado para o arrombamento de fechaduras de veículos automóveis.

NUIPC 157/17.1...

17. No dia 11.06.2017, as 14h00, o arguido AA, conduzindo o veículo ..-..-XR, dirigiu-se ao parque de estacionamento do restaurante Eurest, sito na A2-, sentido Sul – Norte, ..., decidido a apoderar-se de bens e valores que lograsse encontrar no interior das viaturas ai estacionadas.

18. Em execução de plano previamente traçado, aproximou-se da viatura de matrícula ....-HPS, desferiu uma pancada no vidro da porta da frente do lardo esquerdo, partindo-o, e do interior do veículo retirou, levou consigo e fez seus os seguintes bens de GG:

- Uma mochila rosa no valor de 20,00Euros;

- Uma mala de ombro no valor de 20,00Euros;

- uma máquina fotográfica Panasonic DMC GF3 e lentes no valor de 600,00Euros;

- um telemóvel Homtom H17 Pro, no valor de 100,00Euros;

- Power Banck – ukey PB – N15 no valor de 30,00Euros - Diversos cabos e carregadores no valor de 30,00Euros; - 1 par de auriculares da Apple no valor de 20,00Euros;

- 40,00Euros em notas no Banco Central Europeu.

19. Ao agir da forma descrita, o arguido AA quis e representou introduzir-se no interior do veículo de matrícula ....-HPS com o propósito conseguido de do seu interior retirar e levar consigo bens e valores que lograsse encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu dono. (…) H) NUIPC 23/18.3...

29. No dia 06.04.2018, entre 12h30 e as 12h45, o arguido AA, conduzindo o veículo de matrícula ..-..-XR, dirigiu-se à Rua ..., ..., decidido a apoderar-se de bens e valores que lograsse encontrar no interior dos veículos aí estacionados.

30. Em execução de plano previamente traçado, o arguido AA aproximou-se do veículo de matricula ..-PC-.., desferiu uma pancada no vidro da porta da frente do lado direito, através do qual retirou os seguintes bens de HH:

- Uma carteira com pelo menos 600,00Euros.

31. Quando se preparava para abandonar o local foi surpreendido pelo ofendido, HH, que se lançou sobre o arguido e logrou deitá-lo ao chão, tendo o arguido deixado cair os bens furtados no chão que foram recuperados pelo ofendido.

32. Ao agir como agiu, o arguido AA quis e representou introduzir-se no interior do veículo ..-PC-.., com o propósito conseguido de retirar, levar consigo e fazer seus bens e valores que lograssem encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu dono.

33. Os arguidos agiram sempre e em todas as circunstâncias supra referidas de forma livre, deliberada e cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.”

3. Por acórdão proferido em 29/01/2020, no processo n.º 122/18.1..., do JC Cível e Criminal de ..., transitado em julgado em 06/10/2020, foi condenado pela prática, em 09-11-2018 e 06-12-2018, de dois crimes de furto qualificado, p.e p. pelos arts. 203.º, 204.º, n.º 1, al. b) nas penas parcelares de dois anos de prisão, pela prática em 27 Outubro de 2018 e 06-11-2018 de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do C.P. nas penas parcelares de um ano de prisão, pela prática em 27-10-2018 de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do C.P. na pena de seis meses de prisão; pela prática em 06-12-2018 de dois crimes de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, al. c), nas penas parcelares de dois anos de prisão, pela prática em 06-12-2018 de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1 e 2, do C.P. na pena de dois anos e seis meses de prisão e pela prática em 06-12-2018 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b) na pena de dois anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de um ano. Em cúmulo jurídico das citadas penas o arguido foi condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.

4. Nos referidos autos resultaram provados os seguintes factos:

“(…) 11. No dia 27 de outubro de 2018, entre as 13h00 e as 13h50, o arguido deslocou-se na sua viatura automóvel de matrícula ..-..-IA ao parque de estacionamento do restaurante denominado “...”, sito na..., ..., em ....

12. Aí chegado, o arguido avistou o veículo automóvel da marca Renault, com a matrícula ..-IM-.., propriedade de II que ali se encontrava estacionado.

13. Ato contínuo, o arguido abeirou-se do mesmo e, de forma não concretamente apurada, partiu o vidro da frente do lado esquerdo, acedendo, dessa forma, ao seu interior, de onde retirou uma pochete de cor cinzenta e castanha, a qual continha no seu interior vários cartões pessoais de II, “cartões de visita”, a quantia monetária de cerca de € 10,00 (dez euros) em moedas e umas chaves.

14. Na posse dos suprarreferidos bens, o arguido abandonou aquele local, levando consigo tais objetos, que fez seus integrando-os na sua propriedade, apesar de saber que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu legítimo dono.

15. Ao partir o vidro da viatura, o arguido causou a II um prejuízo de cerca de € 300,00 (trezentos euros).

16. No dia 6 de dezembro de 2018, tais cartões foram apreendidos na viatura do arguido.

17. No dia 6 de novembro de 2018, o arguido, renovando o seu propósito de se apoderar de bens que encontrasse no interior de veículos automóveis, deslocou-se até ao parque de estacionamento do ...-Hotel, sito em ....

18. Nesse local, pelas 13h00, o arguido avistou o veículo automóvel da marca e modelo Peugeot 308 com a matrícula ..-RV-.., propriedade da empresa Leaseplan, que se encontrava estacionado no parque de estacionamento do ...-Hotel e que tinha todas as portas devidamente fechadas.

19. Então, o Arguido abeirou-se da referida viatura automóvel e, mediante a utilização de objeto não concretamente apurado, partiu o vidro da porta dianteira da viatura, assim acedendo ao seu interior, de onde retirou papéis/documentos de trabalho, com cadernos de anotações do queixoso JJ.

20. Na posse de tais bens, o arguido abandonou aquele local, levando-os consigo, integrando-os na sua propriedade, não obstante saber que não lhe pertenciam e que os levava contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono.

21. Mantendo o propósito que o animou na prática dos factos supra descritos, no dia 9 de novembro de 2018, o Arguido conduziu a sua viatura automóvel de matrícula ..-..-IA em direção ao parque de estacionamento em frente ao restaurante denominado “O Forjador”, sito na Estrada ..., em ....

22. Aí chegado, pelas 13h45, o arguido avistou a viatura automóvel com a matrícula ..-SE-.., que se encontrava estacionado com todas as portas devidamente fechadas, propriedade de KK.

23. Munido de objeto não concretamente apurado, o arguido partiu o vidro da porta do lado direito do veículo, acedendo dessa forma ao seu interior, de onde retirou e fez seus os seguintes bens: uma mochila de tecido impermeável, de cor castanho-camel, no valor declarado de € 40,00 e que se encontrava por debaixo do banco dianteiro da viatura.

24. No interior dessa mochila encontravam-se os seguintes objetos:

- um par de óculos graduados da marca Ray Ban, no valor declarado de € 700,00 guardados no interior de uma bolsa alusiva à Ilha da Madeira;

- duas carteiras de cor preta, no valor total declarado de € 25,00;

- uma bolsa da marca Galenic com produtos de higiene e beleza no seu interior, no valor declarado de € 20,00;

- documentos pessoais da queixosa KK.

25. Na posse de tais bens, que fez seus, o arguido abandonou aquele local, não obstante saber que os mesmos não lhe pertenciam e que, ao atuar da forma descrita, o fazia contra a vontade da sua legítima proprietária.

26. O par de óculos graduados da marca Ray Ban, a bolsa alusiva à Ilha da Madeira e a bolsa da marca Galénic foram recuperados por terem sido apreendidos na posse do arguido, no dia 6 de dezembro de 2018.

27. No dia 6 de dezembro de 2018, pelas 10h05m, o arguido saiu da sua residência, sita na Rua ..., n.º..., ... e, conduzindo a sua viatura automóvel com a matrícula ..-..-IA, seguiu na direção da localidade de ....

28. Durante o trajeto, o arguido foi efetuando algumas paragens em parques de estacionamento, onde se apeou e espreitou de forma discreta e cuidadosa para o interior das viaturas automóveis que ali se encontravam estacionadas.

29. Assim, pelas 12h35, já no ..., em ..., o arguido saiu do seu veículo e espreitou para o interior das viaturas que ali se encontravam estacionadas, o que fez, também, no Kartódromo de ....

30. Pelas 13h00, o arguido estacionou a sua viatura automóvel no parque de estacionamento do restaurante da ..., sito à entrada da localidade de ..., saiu da viatura e voltou a espreitar para o interior dos veículos automóveis que ali se encontravam estacionados.

31. Nesse local, o arguido abeirou-se da viatura automóvel da marca e modelo Toyota Yaris, com a matrícula ..-FB-.. e, de forma não concretamente apurada, partiu o vidro da porta dianteira, acedendo ao seu interior, de onde retirou uma mochila da marca East Pack, contendo no seu interior os seguintes bens:

- vários artigos escolares, no valor de € 30,00;

- um carregador para telemóvel da marca Samsung e extensão, no valor de € 25,00;

- um perfume de marca não apurada, no valor de € 25,00;

- um desodorizante de marca não apurada, no valor de € 5,00;

- uma mala da marca Benetton, de cor preta e cinzenta, no valor de € 75,00, contendo no seu interior um par de botas para futebol da marca Adidas, de cor verde, n.º 42,5, no valor de € 60,00; um par de caneleiras da marca Nike, de cor branca, no valor de € 30,00, uma blusa e um par de calções de cor branca, no valor de € 30,00.

32. Tais bens eram propriedade de LL e ascendiam à quantia global de cerca de € 300,00.

33. Nesse momento, o arguido foi surpreendido pelos Militares da Guarda Nacional Republicana que, de imediato, lhe deram ordem de paragem.

34. Não obstante ter-se apercebido da ordem que lhe era dada, o arguido decidiu não acatar tal ordem, legítima e dimanada da autoridade competente, correu em direção à sua viatura automóvel, entrou na mesma e colocou-se em fuga, pela ... em direção a ....

35. De imediato, os referidos militares da GNR iniciaram perseguição ao arguido em duas viaturas descaracterizadas, mas com a sinalização sonora e luminosa de emergência acionada.

36. Seguindo no encalço do automóvel tripulado pelo arguido em fuga, transpondo por diversas vezes a linha contínua, efetuando diversas ultrapassagens a veículos que ali circulavam em sentido contrário ao seu sentido de trânsito.

37. Ao chegar ao entroncamento da ... com a ..., o arguido, porque os militares da GNR seguiam no seu encalço, entrou na ..., no sentido cruzamento da ..., atravessando a sua viatura na via, parando-a e colocou as mãos ao alto.

38. De imediato, os militares da GNR, Sargento Ajudante MM e Cabo NN, saíram do interior das suas viaturas dirigindo-se para junto do arguido.

39. Nesse momento, por forma a evitar a sua detenção, o arguido iniciou a marcha do seu veículo automóvel, direcionando-o para o corpo dos referidos militares que se viram obrigados a efetuar manobras evasivas, desviando-se para o lado, para não serem atropelados pelo arguido.

40. Ato contínuo, o arguido dirigiu a sua viatura em direção à localidade de ..., no sentido da localidade de ..., ..., ao mesmo tempo que atirava pela janela do condutor do seu veículo os bens/objetos que havia subtraído do interior do veículo de LL, sempre em fuga e em velocidade superior à permitida, efetuando curvas em faixa de rodagem destinada ao trânsito de sentido contrário e desobedecendo à sinalização luminosa vermelha de paragem obrigatória, que se encontravam na referida localidade, ao mesmo tempo que lhe eram dadas, pelos militares que seguiam no seu encalço, ordens de paragem, que o arguido nunca acatou.

41. Em fuga e já na localidade do ..., o arguido efetuou uma rotunda em sentido contrário, seguiu na direção da ... e, sempre que os referidos militares tentavam a sua ultrapassagem por forma a forçar a pagarem da sua marcha, o arguido guinava repentinamente o seu veículo na direção das viaturas tripuladas pelos referidos militares e pertença da GNR, visando com a sua conduta que os militares se despistassem por forma a evitar ser detido.

42. O arguido, ao chegar à localidade de ..., deparando-se com uma barreira policial formada por militares da GNR devidamente uniformizados, constituída, entre outros, pelo Cabo OO e pelo Guarda Principal PP, e com a nova ordem de paragem que de imediato lhe foi dada por aqueles, abrandou a marcha do seu veículo e colocou as mãos ao alto.

43. Subitamente, e animado do propósito de se voltar a colocar em fuga, acelerou e direcionar o veículo de encontro os militares os quais tiveram que efetuar manobra evasiva, saltando, para não serem atropelados, chegando o arguido a roçar com a sua viatura na perna esquerda do Cabo OO, logrando, dessa forma, passar aquela barreira policial, continuando em fuga.

44. Pelas 13h35m, o arguido entrou na localidade de ..., no sentido ... e, junto à Rotunda do …, simulou a imobilização da sua viatura, momento em que o Sargento MM parou a viatura distribuída à GNR em que se fazia transportar.

45. De imediato, o arguido acelerou a sua viatura, invadiu a via de trânsito contrária e embateu na lateral posterior direita da viatura automóvel da marca e modelo Nissan Primera, com a matrícula ..-..-UJ distribuída à GNR -Destacamento Territorial de ... - partindo o para-choques, amolgando o painel posterior direito e capot.

46. A reparação dessa viatura custou € 3 622,13 (três mil, seiscentos e vinte e dois euros e treze cêntimos).

47. Sempre em fuga, à saída da localidade de ..., o arguido deparou-se com nova barreira policial com viatura caracterizada e militares da GNR devidamente uniformizados, constituída pelo Cabo QQ e Guardas RR e SS, os quais deram nova ordem de paragem ao arguido.

48. Ordem a que o arguido desobedeceu, direcionando o seu veículo para os referidos militares, os quais tiveram que efetuar manobra evasiva para não serem atropelados, saiu da faixa de rodagem e entrou numa valeta.

49. O arguido continuou em fuga em direção a ..., tripulando a sua viatura sempre em velocidade superior à permitida.

50. Ao chegar junto ao entroncamento para a localidade de ..., encontrava-se uma patrulha com viatura automóvel caracterizada e militares devidamente uniformizados, constituída pelo Cabo TT e Guarda Principal UU, que vieram auxiliar na perseguição ao arguido em fuga, dando-lhe nova ordem de paragem que o arguido voltou a ignorar, continuando a sua fuga.

51. Pelas 13h55m, junto ao aterro sanitário de ..., o arguido deparou-se com duas barreiras policiais, que vieram em auxílio na perseguição à viatura tripulada pelo arguido, constituídas por viaturas militares caracterizadas e militares uniformizados, sendo uma barreira com viaturas alternadas, tendo sido dada nova ordem de paragem ao arguido.

52. O arguido AA, animado do propósito de continuar em fuga e não ser detido, não acatou a referida ordem de paragem que lhe fora dada pelos militares da GNR e que o mesmo bem compreendeu, atravessou aquela barreira policial, guinando o volante da sua viatura em “gincana”, mudou para a faixa contrária e embateu na viatura automóvel distribuída à GNR, da marca e modelo Skoda Octavia, com matrícula ..-EX-.., com o militar VV, no seu interior.

53. Como consequência da conduta do arguido, VV sofreu fortes dores no peito, tendo tido necessidade de receber tratamento hospitalar.

54. Com a conduta descrita em 52, o arguido amolgou e partiu o painel lateral posterior direito, o para-choques e o capot da viatura, cuja reparação custou € 9 913,33 (nove mil, novecentos e treze euros e trinta e três cêntimos).

55. Nesse local e pelas 14h, foi o arguido AA detido pela Guarda Nacional Republicana.

56. Efetuada busca à residência do arguido AA, sita na ..., 2.º esquerdo, ..., nesse dia 6 de dezembro de 2018, pelas 18h40, foram encontrados e apreendidos os seguintes objetos:

- um conjunto de lentes e filtros para máquinas fotográficas das marcas Nikone e Kenko, que se encontrava numa gaveta da cómoda, no hall de entrada;

- uma mala de senhora da marca Tsonga de cor roxa, contendo uma folha manuscrita de origem belga e diversos nomes de pontos turísticos e ainda uma bolsa da marca Galénic de cor branca.

57. Na mesma data, foi realizada busca à viatura automóvel de matrícula ..-..-IA, conduzido pelo arguido, onde foram encontrados e apreendidos os seguintes objetos:

- um troley da marca Belcamp, de cor cinzenta, contendo diversas peças de roupa no seu interior, que se encontrava na mala do veículo;

- uma bolsa alusiva à Ilha da Madeira, contendo um par de óculos graduados da marca Ray Ban;

- um quebra-vidros artesanal, que se encontrava junto ao banco do condutor;

- um par de óculos de sol, sem marca, que se encontrava na porta do condutor; - três cartões de visita em nome de “M.... ........ – Sistema e Serviço”, junto à calha do banco do condutor.

58. O arguido, nas ocasiões descritas nos pontos 11 a 32, ao introduzir-se nos veículos cujos vidros partiu, quis e conseguiu apoderar-se dos bens que encontrou no seu interior, sabendo que não estava autorizado para esse efeito e que agia sem o conhecimento e contra a vontade dos respetivos donos, objetivo que logrou alcançar.

59. Para tanto, querendo e conseguindo remover obstáculos materiais a tal desiderato.

60. Ao causar estragos nos veículos, partindo-lhes os vidros, conforme se deixou descrito, o arguido agiu querendo causar prejuízos nessas viaturas, o que fez e logrou alcançar.

61. Quis também o arguido, impedir que os militares concretizassem a sua detenção, tendo para tanto e além do mais, embatido nas viaturas afetas ao uso da Guarda Nacional Republicana, querendo estilhaçar, amolgar e quebrar partes integrantes e estruturantes das referidas viaturas militares, assim afetando aqueles veículos automóveis na sua estrutura e composição, danificando-os e retirando-lhe funcionalidade, mesmo que temporariamente, o que arguido conseguiu.

62. Sabendo que as referidas viaturas militares que danificou não lhe pertenciam e que atuava contra o seu legítimo proprietário - o Estado Português.

63. Atuou o arguido com o objetivo de, com a conduta supra descrita, impedir os militares da GNR de concretizarem a sua detenção, bem sabendo que os mesmos eram membros das forças de segurança e que ali se encontravam no exercício das suas funções.

64. Sabia também o arguido e foi seu propósito, que com o comportamento descrito, poderia atingir o corpo e a saúde dos elementos da GNR, de forma a provocar-lhes dores e mal-estar físico, como efetivamente veio a provocar em VV, não hesitando, com os referidos embates nas duas viaturas policiais e com as várias investidas que fez contra as barreiras policiais com que se deparou em todo o seu percurso de fuga, em constranger psicologicamente os referidos militares da GNR, confrontando-os com a iminência, o receio e o medo de ficarem feridos, ou até mesmo de perderem a vida, fruto das vezes que o arguido direcionou o veículo que conduziu na direção e de encontra aos militares que efetuaram a sua perseguição.

65. E agiu ainda com o objetivo concretizado de, ao efetuar as manobras estradais atrás descritas, de criar perigo de colisão com outros veículos que circulavam na via, representando a possibilidade de embater noutro veículo e dessa forma causar lesões na integridade física de outros condutores e passageiros que com ele se cruzaram durante todo o percurso de fuga que realizou.

66. O arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser todo o seu comportamento proibido e punido por lei e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.”

5) Por acórdão proferido em 10/09/2021 e transitado em julgado em 19-04-2022 no âmbito do processo n.º 114/17.8..., do Juízo de competência genérica da ..., o arguido foi condenado pela prática, em 25-04-2017, 15-05-2018, 17-05-2018 e 13-06-2018 de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e h), do C.P., cada um, na pena de um ano de prisão e em cúmulo jurídico de penas foi condenado na pena única de três anos de prisão.

6) Nos referidos autos resultaram provados os seguintes factos:

“1. Em data não concretamente apurada mas certamente anterior a 25.04.2017, estando desempregado e não possuindo qualquer fonte de rendimento, o Arguido AA formulou o propósito de se deslocar a locais estrategicamente por si definidos, mais concretamente, a parques de estacionamento de zonas balneares ao longo de todo o país, ou em zonas turísticas, com intenção de se apoderar de quaisquer bens ou objetos de valor que se encontrassem no interior das viaturas automóveis que aí encontrasse.

2. Visando preferencialmente viaturas de matrículas estrangeira ou carros de empresas de aluguer.

3. Por forma a iludir as autoridades e a dificultar a sua deteção e referenciação o Arguido decidiu que se iria dirigir para tais locais munido de luvas, de binóculos e de material para abrir as portas e quebrar os vidros, bem como de têxteis e lanterna.

4. No exercício da referida atividade o Arguido recorria e fazia-se transportar num veículo da marca Toyota, modelo Yaris, Com a matrícula ..-..-XR, o qual adquiriu em 16.06.2014 a WW, num Stand em ....

5. E o qual tem ininterruptamente em seu poder desde então e até à presente data.

6. Por forma a evitar a sua identificação e referenciação o Arguido decidiu que nunca registaria o referido veículo junto da Conservatória de Registo Automóvel em seu nome.

7. Pese embora tenha decidido celebrar seguro de responsabilidade civil obrigatório sobre o referido veículo em seu nome a partir de 18.06.2014.

8. De igual forma, e para execução do plano previamente delineado, pelo menos desde de 09.04.20I8 o Arguido passou a utilizar o veículo da marca Renault, modelo Clio, Com a matrícula ..-..-DR.

9. Para evitar ser referenciado o Arguido não registou o referido veículo na Conservatória de Registo Automóvel em seu nome.

10. E, no dia 09.04.2018 celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, para um veículo da marca Renault, modelo Clio, com a matrícula ..., o qual nunca esteve em seu poder, e que a essa data, tinha a respetiva matrícula cancelada,

11. Em vez de celebrar um contrato seguro de responsabilidade civil obrigatória, para o veículo que efetivamente tinha em seu poder, a saber: um veículo da marca RenauIt, modelo Clio, com a matrícula ..-..-DR.

12. Procurando dessa forma evitar ser referenciado, e iludir as autoridades em caso de fiscalização rodoviária.

13. Assim, em execução do plano previamente delineado, no dia 25.04.2017, cerca das 111130, o Arguido dirigiu-se no veículo de matrícula ..-..-XR, marca Toyota Yaris, de cor cinza, que então possuía, à ..., sita na ...

14. Uma vez aí chegado, estacionou ao lado da viatura de matrícula ..-SN-.., marca "Fiat", modelo "356", de COI' preta, propriedade da sociedade comercial "Centauro Rent a car", e conduzida e em poder de XX e YY, após o que partiu o vidro da porta traseira do lado esquerdo, acedeu ao fecho da porta e introduziu-se no interior do veículo, local de onde retirou, uma mochila de Cor bege, no valor de EUR 1 00,00 (cem euros) e uma carteira, fazendo-os seus, bem como os objetos que se encontravam no respetivo interior, a saber:

(i) 2 (dois) cartões de débito do Banco "ITAU BRASIL" dos titulares XX e YY;

(ii) 2 (dois) cartões de crédito do Banco "ITAU BRASIL" dos titulares XX e YY;

(iii) 3 (três) cartões de Plano Saúde dos titulares XX, YY e ZZ;

(iv) 1 (um) fio em ouro de cor branco com pingente em ouro branco com formato em sapatinho de salto, no valor de EUR 900,00 (novecentos euros);

(v) 10 (dez) notas do BCE no valor de EUR 100,00 (cem euros) cada, no valor global de EUR 1.000,00 (mil euros);

(vi) 1 (um) par de brincos em prata, no valor de EUR 50,00 (cinquenta euros); (vii) 2 (dois) anéis em prata, no valor de EUR 100,00 (cem euros) cada;

(viii) 1 (um) conjunto de chaves da residência dos ofendidos;

(ix) Vários documentos pessoais.

15. Tudo no valor global de EUR 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), e pertença dos ofendidos XX e YY.

16. Após, o Arguido colocou-se em fuga.

17. No dia 15.05.2018, pelas 09h20, o Arguido saiu da sua residência sita na ..., na ..., dirigiu-se à Rua ... naquela localidade, na ..., onde se encontrava o veículo de matrícula ..-..-DR, marca "Renault", modelo "Clio", de cor branca, e conduziu a mesma em direção ao centro do país.

18. Sendo que, em primeiro lugar, dirigiu-se pela A8 à vila da ..., onde chegou por volta das 11 h08 e estacionou no parque do estabelecimento comercial denominado "Continente", onde permaneceu no interior da viatura durante cerca de 40 minutos.

19. Pelas 11 h50 do referido dia, o Arguido dirigiu-se à ..., na ..., e dirigiu-se ao parque de ... em busca de veículos que lhe pudessem interessar, tendo estacionado o seu veículo junto às ventoinhas eólicas, numa artéria em terra batida, onde permaneceu 20 minutos, voltando novamente ao parque do Continente onde voltou a permanecer mais 20 minutos.

20. Seguidamente, o Arguido dirigiu-se à ... na ..., local onde se abeirou de três viaturas de matrícula estrangeira, olhando para o interior das mesmas, no sentido de apurar da existência de objetos suscetíveis de serem furtados.

21. Tendo desistido dos seus intentos por não ter encontrado nada de valor nos respetivos interiores.

22. Todo este percurso que o Arguido fez, alternando entre períodos de circulação a baixa velocidade, pelos inúmeros parques de estacionamento ou zonas de terra batida existentes na zona, com paragens, saídas da sua viatura e abordagens a outras, que se encontravam estacionadas, com vista a reconhecer eventuais alvos, mas sem que tivesse cometido qualquer ato de intrusão em viatura.

23. Pelas 12h45, o Arguido AA, dirigiu-se pela ... no sentido sul/norte, em direção à ..., ..., e mais concretamente, à Rua ..., onde estacionou o Renault Clio, num parque de estacionamento no início da artéria.

24. Uma vez aí chegado, saiu da viatura, efetuou uma breve paragem, tendo-se acercado das diversas viaturas aí estacionadas, tendo, posteriormente, entrado novamente na sua.

25. Seguidamente, o Arguido iniciou a marcha pela referida artéria e parqueou, paralelamente, a um veículo de marca Seat Ateca, de cor laranja e com a matrícula EM048QF, que se encontrava estacionada junto ao restaurante "Tonico".

26. Pelas 12h53m, o Arguido AA saiu do Renault Clio, abeirou-se do veículo da marca SEAT ATECA, com a matrícula EM...QF, propriedade de AAA, circundou-o, e partiu o vidro lateral esquerdo da porta traseira com uma chave de roda em metal (cruzeta), abriu a fechadura da porta, introduziu-se no seu interior, local de onde retirou uma mala rígida, com punho de cor preta, que fez sua, juntamente com os seguintes objetos:

(i) Diversos cabos de ligação internet, (ii) 11 (onze) discos rígidos e

(iii) 1 (uma) estação de leitura com duas entradas (dock station), tudo com o valor global de EUR 1.500,00 (mil e quinhentos euros).

27. De imediato, o Arguido entrou na sua viatura Renault Clio e colocou-se em fuga. 28. No dia 17.05.2018, pelas 09h23, o Arguido saiu da sua residência na Rua ..., na ..., dirigiu-se ao veículo de matrícula ..-..-DR, marca "Renault", modelo "Clio", de cor branca, e conduziu a mesma em direção ao Centro do País.

29. Sendo que, em primeiro lugar, dirigiu-se pela A8 à vila da ..., onde chegou por volta das 11h13 e estacionou no parque do estabelecimento comercial denominado "Continente", onde ali permaneceu no interior da viatura durante cerca de 40 minutos.

30. Pelas 11h50minutos do referido dia, o Arguido dirigiu-se à ... na ..., em direção à ....

31. Todo este percurso que o Arguido fez, alternando entre períodos de circulação a baixa velocidade, pelos inúmeros parques de estacionamento ou zonas de terra batida existentes na zona, com paragens, saídas da sua viatura e abordagens a outras, que se encontravam estacionadas, com vista a reconhecer eventuais alvos, mas sem que tivesse cometido qualquer ato de intrusão em viatura.

32. Pelas 12h 13, o Arguido AA, dirigiu-se pela ... no sentido norte, em direção à ..., e concretamente à ..., ..., ... e ... e ..., fazendo manobras idênticas, entrando nos respetivos parques de estacionamento, abeirando-se de viaturas estacionadas, mas sem cometer qualquer ato de intrusão.

33. Finalmente, o Arguido dirigiu a sua viatura no sentido sul, em direção à ..., pelas 14h05m, em ..., tendo parado na Avenida..., junto ao veículo de marca Renault, de cor branca e com a matrícula ..-TZ-.., que se encontrava ali estacionada.

34. De seguida, o Arguido AA saiu do Renault Clio, abeirou-se do veículo da marca Renault, com a matrícula ..-TZ-.., então conduzido por BBB e propriedade da firma "R... .. ...", circundou-o, e partiu o vidro da frente do lado direito, com uma chave de roda em metal (cruzeta), abriu a fechadura da porta, introduziu-se no seu interior, local de onde retirou uma mala de cor castanha, no valor de EUR 35,00 (trinta e cinco euros), que tez sua, juntamente com um tablet da marca Samsung, com o IMEI .............73, no valor global de EUR 300,00 (trezentos euros).

35. De imediato, o Arguido entrou na sua viatura Renault Clio e colocou-se em fuga.

36. No dia 13.06.2018, pelas 09h05 o Arguido saiu da sua residência na ..., na

..., dirigiu-se ao veículo de matrícula ..-..-DR, marca "Renault", modelo "Clio", de cor branca, e conduziu o mesmo cm direção ao Centro do País.

37. Dirigiu-se pela A33 em direção à A8 à vila da ..., saindo no nó de ..., dirigindo-se à ... - Sítio da ..., onde acedeu ao parque de estacionamento em terra batida existente após percorrer a Rua ....

38. Pelas 11h15m e no referido parque de estacionamento de terra batida, o Arguido imobilizou a sua viatura Renault Clio junto de dois veículos, saiu do seu e circundou aquelas duas outras viaturas para observar o interior das mesmas.

39. De seguida, estacionou paralelamente ao veículo do Arguido, o veículo de matrícula ..-UM-.., Fiat Panda, de cor preta, propriedade da firma de aluguer de automóveis "Inter...", utilizada pelos ofendidos CCC e DDD, que a haviam alugado no Aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto.

40. Após aqueles ofendidos saírem da viatura, o Arguido saiu do seu Renault Clio e observou o interior daquela viatura, por forma a observar da existência de bens suscetíveis de serem subtraídos.

41. Verificando a existência de bens no interior da viatura, o Arguido voltou a entrar na sua viatura Renault Clio e saiu do referido parque de estacionamento, colocando-se num caminho de terra batida contíguo e mais elevado, por forma a poder observar a movimentação do casal de ofendidos, que se se afastava no areal em direção ao mar.

42. Verificando que o casal se afastava, da respetiva viatura, o Arguido voltou a entrar no Renault Clio conduziu em direção ao parque de estacionamento de terra batida onde estivera anteriormente, estacionando paralelamente ao veículo de matrícula ..-UM-...

43. Em ato contínuo o Arguido saiu do seu veículo, abordou a viatura da marca Fiat Panda com a matrícula ..-UM-.. e que se encontrava parqueada paralelamente, observando novamente o seu interior, muniu-se de uma chave de rodas em metal e com recurso à mesma, partiu o vidro e retirou do interior do veículo uma mala de senhora de cor bege escura marca Aunts@Uncles, no valor de EUR 180,00 (cento e oitenta euros), que fez sua, juntamente com os seguintes objetos:

(i) 1 (um) telemóvel da marca Samsung A5, de cor branco, com o IMEI ..........04, com o valor de EUR 280,00 (duzentos e oitenta euros);

(ii) 1 (um) ebook Kindle 1.0, de cor rosa, no valor de EUR 150,00 (cento e cinquenta euros);

(iii) 1 (um) par de óculos de marca Alian Afflelou, de lentes progressivas e com o estojo, com o valor de EUR 500,00 (quinhentos euros);

(iv) I (uma) carteira em pele tipo porta documentos contendo no seu interior vários documentos pessoais de CCC e 11 francos suíços;

(v) Vários documentos pessoais em nome de CCC.

(vi) Tudo no valor de EUR 1.1 10,00 (mil cento e dez euros), propriedade de CCC.

44. De imediato, o Arguido colocou-se em fuga, entrando na viatura, abandonando o local, e fazendo-se transportar na viatura supra referida, em direção à Rua ...

45. Nessa ocasião o Arguido foi encontrado em poder dos objetos subtraídos, guardando ainda no interior do veículo, debaixo do banco do condutor a chave metálica utilizada para partir o vidro, no compartimento da porta, uma luva de cor preta, no compartimento da porta do passageiro (frente), um rolo de sacos plásticos pretos (sacos do lixo) e um rolo de papel de alumínio.

46. Mais detinha no porta luvas uma lanterna com canivete multifunções e uma bolsa, com um par de binóculos.

47. Todos os objetos supra referidos eram utilizados pelo Arguido para a prática dos furtos em interior de veículos, sendo que a uma chave de roda em metal (cruzeta) serviu para aquele quebrar os vidros das viaturas e assim, aceder ao seu interior de forma rápida e eficaz.

48. O Arguido AA agiu de modo livre, voluntária e consciente, na execução do plano por si previamente delineado, com intenção de fazer seu, como fez, os objetos supra melhor identificados, deles se apoderando e passando a usar os mesmos em proveito próprio.

49. Mais, sabia o Arguido que o fazia de forma ilegítima, e que tais viaturas e bens/dinheiro não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários, o que logrou e conseguiu concretizar.

50. Ao Arguido AA não é conhecida qualquer atividade profissional remunerada, fazendo da prática de furtos em interior de viaturas automóveis o seu modo de vida, sendo que os seus rendimentos advêm apenas da prática de ilícitos contra o património, nomeadamente dos proveitos que obtêm com a venda dos objetos e dinheiro resultantes do furto em interior de viaturas automóveis propriedade de terceiros.

51. Os factos supra referidos foram praticados num curto espaço de tempo.

52. O Arguido atuou sempre com recurso ao mesmo modus operandi que demonstra elevado profissionalismo e bastante prática no furto em interior de viaturas automóveis.

53. Ao atuar da forma descrita, o Arguido sabia que as suas condutas supra descritas, para além de censuráveis, eram proibidas e punidas pela lei penal.”

7) O arguido AA possui ainda as seguintes condenações:

a) Por sentença proferida em 07-01-2003 e transitada em julgado em 29-06-2004, no âmbito do processo n.º 144/01.1..., que correu os seus termos no 2.º Juízo criminal de ..., o arguido foi condenado pela prática em 01-11-2000 de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do C.P. na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00, tendo a referida pena sido extinta pelo seu cumprimento em 29-07-2008.

b) Por sentença proferida em 08-10-2012 e transitada em julgado em 16-11-2017, no âmbito do processo n.º 267/10.6..., que correu os seus termos no ... Juízo de competência genérica de ..., o arguido foi condenado pela prática em 11-06-2010 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do C.P. na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, tendo a referida pena sido extinta pelo seu cumprimento em 15-12-2017.

Das condições económicas e socais do arguido:

8) Filho único, o processo de socialização de AA decorreu junto do agregado de origem na ..., em contexto sócio-educativo pró-social.

9) O pai era empregado fabril e a mãe, após alguns anos a trabalhar como empregada têxtil, passou a executar trabalhos por conta própria.

10) O seu percurso escolar foi regular e isento de problemas significativos no período da infância/adolescência, vindo a ingressar no ensino superior, no curso de engenharia civil, no Instituto Superior de Engenharia em Lisboa (ISEL), tendo concluído a licenciatura aos 23 anos de idade.

11) Aos 24 anos saiu de casa dos pais e foi viver e trabalhar para ....

12) Começou o exercício de funções como engenheiro numa empresa do setor cimenteiro, com atividade entre ... e o ..., optando com 30 anos por se fixar em ....

13) Após cinco anos, a empresa passou a apresentar dificuldades financeiras, situação que levou à dispensa de vários funcionários, incluindo o arguido.

14) Nessa sequência, passou a trabalhar como empresário em nome individual, exercendo funções como gestor de empreendimentos nos ramos da construção civil e imobiliário.

15) No plano afetivo, salientam-se três relacionamentos significativos, em especial o último, em que manteve vida conjugal durante cerca de 20 anos e que viria a terminar em 2014.

16)Tem um filho, atualmente com 27 anos, nascido da segunda relação.

17) Em março de 2014, o arguido sofreu um acidente vascular cerebral isquémico, motivo de internamento hospitalar e vivência de uma situação clínica delicada, marcada pelo comprometimento da fala, mobilidade e sensibilidade a nível dos membros superiores.

18) Nesse contexto, viria a mudar-se para casa da mãe na ..., onde fixou residência desde aí, mantendo acompanhamento médico com evolução clínica descrita como favorável, todavia com persistência das limitações descritas.

19) AA teve o seu primeiro envolvimento com o sistema de justiça em 2015, após o que seguiram vários processos em que foi constituído arguido, sobretudo por crimes contra a propriedade.

20) Manteve sempre o apoio referencial da mãe, sendo que o pai faleceu há largos anos, constitui-se o relacionamento com esta como fator de estabilidade.

21) A mãe do arguido constitui ainda o seu principal suporte em meio livre.

22) A problemática de saúde, incapacitou o arguido para o exercício normal da sua atividade laboral, pelo que permanecia desocupado laboralmente.

23) A situação económica do agregado, apresentava-se limitada, com rendimentos provenientes da reforma da mãe e do trabalho informal desta como comerciante de produtos alimentares.

24) Mantém atualmente o apoio familiar da mãe, a qual apresenta já idade avançada (86 anos) e alguns problemas de saúde, em ambiente familiar integrador, mantendo o agregado residência na ..., na morada onde sempre residiram.

25) No âmbito do Procº122/18.1... e desde 02-01.2019 e até 05-11-2020, o arguido permaneceu em situação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sem que se tivessem registado problemas, tendo-se manifestado cumpridor das obrigações a que ficou adstrito.

26) Em meio contentor apresenta um percurso regular, sem registo de infrações disciplinares.

27) Mantém-se em regime celular normal e não desenvolve, de momento, qualquer atividade ocupacional, face também às suas limitações físicas.

28) Mantém um estilo de vida tendente ao isolamento, passando grande parte do tempo na sua cela individual, mostrando resignação e tranquilidade.

29) Não recebe visitas, face à idade avançada da mãe, embora mantenha contactos telefónicos regulares e esta o auxilie economicamente, na medida das suas possibilidades, não mantendo, por outro lado, qualquer contacto com o filho.

(…)

* Assim:

Verificadas as condenações deste arguido conclui-se que antes do trânsito em julgado da condenação que o arguido sofreu no âmbito do processo 122/18.1... (trânsito em 06-10-2020) o arguido cometeu outros crimes pelos quais já foi condenado, nomeadamente no período compreendido entre 06-12-2018 e 13-02-2017, pelo que há que proceder ao cúmulo jurídico das penas acima aludidas, cuja necessidade tem subjacente o facto de à contemporaneidade dos factos não ter correspondido uma contemporaneidade processual, pese embora atenta a proibição de cúmulos por arrastamento tenham de ser efetuadas duas operações de cúmulo, tendo em conta a data da prática dos factos e as respetivas decisões proferidas.

E é este Tribunal o competente para o conhecimento do concurso por força da moldura, penal aplicável e da última condenação proferida, - tudo ao abrigo do disposto no art. 471º, nº 2, do C.P.Penal que preceitua:

“Conhecimento superveniente do concurso

1 - Para o efeito do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal colectivo ou o tribunal singular. É correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação.”

Não pode deixar ainda referir-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2016 para fixação de jurisprudência datado de 28.04.2016 disponível em http://www.dgsi.pt, que determinou que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do transito em julgado da primeira condenação.

Para a realização do cúmulo regem as regras constantes do artº 77º, do C.Penal (ex vi artº. 78º, nº 1 “in fine”): a pena unitária tem como limite superior “a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes” e como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação.

Acresce, conforme já supra referido, que face à proibição de realização de cúmulos por arrastamento, ter-se-ão que efetuar dois cúmulos jurídicos:

- O cúmulo A englobando a pena do processo 114/17.8... apenas quanto ao crime de furto qualificado praticado em 25-04-2017 e as penas do processo 944/16.8GEALM, com exceção da pena quanto ao crime de furto qualificado praticado em 06-04-2018 que integrará o cúmulo B;

- O cúmulo B englobando as penas do processo 114/17.8..., com exceção da pena do crime de furto qualificado praticado em 25-04-2017 que integrou o cúmulo A), as penas do processo 122/18.1... e a pena do processo 944/16.8GEALM, quanto ao crime de furto qualificado praticado em 06-04-2018.

Cúmulo A:

Há que considerar as penas individuais:

a) Processo 114/17.8... do juízo de competência genérica da ...:

- integra apenas a condenação pela prática em 25-04-2017 de um crime de furto qualificado pelo qual o arguido foi condenado na pena de um ano de prisão. As demais condenações sofridas pelo arguido neste processo integram o cúmulo B).

b) Processo 944/16.8GEALM deste juízo:

- o arguido AA foi condenado nesses autos pela prática em 13-02-2017 de um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, ambos do C.P. na pena de um ano de prisão; pela prática em 09-03-2017 de um crime de furto, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do C.P, na pena de um ano de prisão; pela prática em 09-03-2017 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão; pela prática em 11-06-2017 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão.

Quanto à condenação que o arguido sofreu nestes autos pela prática em 06-04-2018 de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), do C.P., na pena de dois anos de prisão a mesma, face à data da prática dos factos integra o cúmulo B).

Não integra este cúmulo a condenação que o arguido sofreu no âmbito do processo 267/10.6... uma vez que nesses autos o arguido foi condenado em pena de multa já extinta. Face à diferente natureza da referida pena quanto às demais que integram o cúmulo e estando esta já extinta a mesma não integrará o presente cúmulo, ainda que tenha sido relevante para efeitos de marco de cúmulo.

Quanto à quantificação da pena correspondente ao concurso de crimes, o mesmo normativo, o artº 77º, do C.Penal, é expresso em prescrever que, para o efeito, se atenda, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente.

Assim, dentro dos limites máximos e mínimo da penalidade do concurso, deverá chegar-se à pena concreta atendendo à gravidade dos crimes cometidos, ao grau de culpa do

agente, à conexão entre os factos concorrentes e à relação de todos estes elementos com a personalidade do arguido enfim, tendo em conta a necessidade de fixar uma pena única, encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção.

No caso em apreço, e quanto ao cúmulo A temos como moldura do cúmulo o mínimo de dois anos de prisão e o máximo de sete anos de prisão.

Os crimes em causa revestem-se de gravidade e da mesma natureza – crime de contra o património, essencialmente, crimes de furto qualificado, usando o arguido sempre a mesma técnica e visando quase sempre carros alugados por estrangeiros, onde partia o vidro dos mesmos para aceder aos bens que estes tinham guardado nos veículos.

A duração da atividade delitiva do arguido que é de quase dois anos, sendo que o arguido apenas parou a sua atividade criminosa quando foi detido.

Assim, entende-se adequada, justa e proporcional a pena única de três anos de prisão, que não poderá ser suspensa atenta a existência de inúmeras condenações que permitem concluir que a suspensão de tal pena não seria proveitosa nem para a reintegração do arguido nem para a prevenção do cometimento de outros crimes, cfr. art. 50º do C.Penal a contrario, sendo que foi intensa a resolução criminosa do arguido que, como vimos perdurou durante um longo período, tendo o arguido apenas cessado a sua conduta quando foi detido.

São, assim, razões de prevenção especial que ditam o cumprimento efetivo da referida pena única de prisão.

* Cúmulo B:

Há que considerar as penas individuais:

a) Processo 114/17.8..., apenas quanto ao crime de furto qualificado praticado em 06-04-2018, sendo que o arguido foi condenado na pena parcelar de dois anos de prisão;

b) Processo 122/18.1... onde o arguido foi condenado pela prática, em 09-11-2018 e 06-12-2018, de dois crimes de furto qualificado, p.e p. pelos arts. 203.º, 204.º, n.º 1, al. b) nas penas parcelares de dois anos de prisão, pela prática em 27 Outubro de 2018 e 06-11-2018 de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do C.P. nas penas parcelares de um ano de prisão, pela prática em 27-10-2018 de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do C.P. na pena de seis meses de prisão; pela prática em 06-12-2018 de dois crimes de dano qualificado, p. e p. pelos arts. 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, al. c), nas penas parcelares de dois anos de prisão, pela prática em 06-12-2018 de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1 e 2, do C.P. na pena de dois anos e seis meses de prisão e pela prática em 06-12-2018 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b) na pena de dois anos de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de um ano. Em cúmulo jurídico das citadas penas o arguido foi condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.

c) Processo n.º 114/17.8... integra apenas a condenação pela prática em 15 e 17-05-2018 e 13-06-2018 de três crimes de furto qualificado, cada um na pena de um ano de prisão.

Logo, a moldura penal do caso sub iudice vai, pois, de dois (2) anos e seis meses a 20 anos de prisão, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.

Quanto à quantificação da pena correspondente ao concurso de crimes, o mesmo normativo, o artº 77º, do C.Penal, é expresso em prescrever que, para o efeito, se atenda, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente.

Assim, dentro dos limites máximos e mínimo da penalidade do concurso, deverá chegar-se à pena concreta atendendo à gravidade dos crimes cometidos, ao grau de culpa do agente, à conexão entre os factos concorrentes e à relação de todos estes elementos com a personalidade do arguido enfim, tendo em conta a necessidade de fixar uma pena única, encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção.

No caso em apreço, os crimes em causa revestem alguma gravidade, sendo quase todos eles crimes contra o património, adotando o arguido sempre o mesmo modus operandi, nos termos já supra referidos.

A duração da atividade delitiva do arguido que é de quase dois anos, sendo que o arguido apenas parou a sua atividade criminosa quando foi detido.

Acresce que em causa neste cúmulo temos também condenações por crimes de roubo agravado, crime de elevada gravidade o que releva elevadas exigências de prevenção especial e geral face ao tipo de alarme que este tipo de criminalidade provoca.

Assim, entende-se adequada, justa e proporcional a pena única de nove anos de prisão, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano.”

2. Fundamentação

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas respectivas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), as questões a apreciar respeitam à medida das duas penas únicas principais, aplicadas no acórdão.

Em síntese, entende o recorrente que as penas únicas aplicadas nos dois cúmulos jurídicos são “exageradas, penalizadoras e desadequadas já que não foram tidas em consideração circunstâncias que militavam em favor do recorrente”, tais como a sua idade (69 anos), a saúde débil, a ausência de infrações disciplinares durante a reclusão, a boa integração familiar.

Conclui peticionando “penas únicas mais harmoniosas, proporcionais e justas face às circunstâncias supra expostas, (…) que não deverão ultrapassar, no cúmulo A, os 2 anos e 6 meses de prisão, e no cúmulo B, os 5 anos e 6 meses de prisão”.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da confirmação das penas únicas. Mas já no parecer no Supremo, o Senhor Procurador-Geral Adjunto notou desacertos no acórdão e concluiu pela redução da pena principal correspondente ao segundo cúmulo jurídico.

Disse:

“Importa assinalar, desde já, algumas falhas.

Contrariamente ao exposto, os crimes que integram os cúmulos A e B foram cometidos ao longo de um período de 4 meses (de 13 de fevereiro de 2017 a 11 de junho de 2017) e de 8 meses (de 6 de abril de 2018 a 6 de dezembro de 2018), respetivamente.

A alusão, em cada um dos dois blocos, a uma atividade criminosa com a duração «de quase dois anos» não é, por isso, correta.

Igualmente desacertadas são as referências, em relação ao cúmulo A, de que o arguido apenas cessou a sua conduta «quando foi detido» (detenção que apenas veio a ocorrer em 6 de dezembro de 2018), e em relação ao cúmulo B, que o mesmo inclui «condenações por crimes de roubo agravado».”

Para depois prosseguir numa linha de argumentação que é inteiramente de acompanhar e que, por isso, aqui se transcreve, dispensando-nos de repetir por outras palavras o que ali se disse tão bem:

“O cúmulo A integra dois crimes de furto simples (em bom rigor, dois crimes de furto da previsão do art. 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, desqualificados nos termos do n.º 4 do mes-mo normativo) e três crimes de furto qualificado, crimes que ofendem «a propriedade, inclu-indo a posse e a detenção legítimas» alheias (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comen-tário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direi-tos do Homem, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 858).

Os factos foram cometidos entre fevereiro e junho de 2017.

Os crimes tiveram por objeto coisas colocadas em veículos e foram praticados nos concelhos de ..., ..., ..., ... e ...

O valor total dos bens e valores subtraídos ascende a, pelo menos, 3257 euros.

O cúmulo B integra dois crimes de furto simples (tal como os do cúmulo A, crimes de furto da previsão do art. 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, desqualificados face ao diminuto ou indeterminado valor das coisas subtraídas), três crimes de furto qualificado, um crime de dano simples, dois crimes de dano qualificado, um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Neste segundo grupo, além da propriedade alheia, o arguido atingiu, com o crime de resistência e coação sobre funcionário, «a autonomia intencional do funcionário (considerando “a liberdade na execução dos poderes das autoridades públicas” (…)» e «acessoriamente» a integridade a integridade física do mesmo (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, obra citada, pág. 1176), e com o crime de condução perigosa «a vida, a integridade física e o património de outrem» (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, obra citada, pág. 1098).

Os factos foram cometidos entre abril e dezembro de 2018.

Os crimes foram praticados nos concelhos da ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....

Também aqui os furtos e os danos recaíram sobre veículos e coisas colocadas em veículos

O valor total dos bens e objetos subtraídos totaliza, pelo menos, 1995 euros.

O valor total dos danos causados foi de 13.835,46 euros.

Com o crime de resistência e coação, legalmente considerado criminalidade violenta (art. 1.º, al. j), do Código de Processo Penal), o arguido condicionou a atuação funcional de oito militares da GNR, investindo contra os mesmos, em diversas ocasiões e locais, o veículo que conduzia.

A factualidade assente quanto ao crime de condução perigosa de veículo, cometida durante uma perseguição automóvel por estradas e povoações dos concelhos de ..., ... (...) e ... (...), pelo seu inusitado arrojo e aparato, parece saída de um filme de Hollywood.

Com respeito à situação pessoal, familiar e económica provou-se que o recorrente, que nasceu em... de junho de 1954, é engenheiro civil, encontra-se inativo e incapacitado para o exercício normal da sua atividade devido a um AVC que sofreu em março de 2014 e que deixou sequelas ao nível da fala e da mobilidade e sensibilidade dos membros superiores (mas que, perdoe-se a ironia, não o impediu de assaltar vários veículos, partindo os respetivos vidros, e de conduzir nos moldes temerários que ficaram provados no processo 122/18.1...), tem um filho de 27 anos com quem não mantém quaisquer contactos, beneficia do apoio, inclusive ao nível financeiro, da sua progenitora, atualmente com 86 anos de idade, apresenta uma situação económica limitada e, no estabelecimento prisional, apresenta um percurso regular, sem registo de infrações disciplinares.

Para além dos crimes que integram os cúmulos, regista duas outras condenações em penas de multa pela prática, em 1 de novembro de 2000, de um crime de ofensa à integridade física, e em 11 de junho de 2010, de um crime de furto simples.

Não consta da factualidade provada que o arguido tivesse sofrido, conforme alega, um segundo AVC no final de 2020.

A imagem global dos factos que integram os dois cúmulos evidencia, assim, uma vontade criminosa persistente e insensível face aos diversos bens jurídicos tutelados, desqualificadora da personalidade do arguido, alguém de quem, face à idade, formação académica e competências profissionais, seria exigível uma atuação íntegra e consentânea com os valores sociais, e um grau de ilicitude elevado, particularmente no bloco B do concurso.

A moldura penal abstrata do cúmulo A tem como limite mínimo 2 anos de prisão e como limite máximo 7 anos de prisão.

A moldura penal abstrata do cúmulo B vai de 2 anos e 6 meses de prisão a 20 anos de prisão.

Na ponderação de todo o exposto, não sendo impugnado o entendimento do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... quanto à existência de dois conjuntos de crimes em concurso, entendemos que se deve manter a pena única de 3 anos de prisão efetiva do cúmulo A mas aceita-se que a pena única de prisão do cúmulo B seja reduzida e fixada nos 7 anos e 6 meses.

Nada mais se oferecendo aduzir, emitimos parecer no sentido da parcial procedência do recurso.”

Dá nota Figueiredo Dias que “a generalidade das legislações manda construir para a punição do concurso uma pena única ou pena do concurso, desde logo justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do agente; e politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo de prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280). E ensina que a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa. Pois se a culpa não deixa de ser sempre referida ao facto (no caso, aos factos), a verdade é que, ao ser aferida por várias vezes, num mesmo processo, relativamente ao mesmo agente, ela ganha um mesmo efeito multiplicador. (…) Por outro lado, uma execução fraccionada (…) opõe-se inexoravelmente a qualquer tentativa séria de socialização” (loc. cit.).

Razões de culpa, de prevenção e da personalidade da pessoa justificam, pois, o cúmulo de penas. E lembra Cavaleiro de Ferreira que o cúmulo material de penas não só não é adoptado na lei vigente, como nunca o foi por nenhum dos códigos penais precedentes (Lições de Direito Penal, II, 2010, p. 156).

O condenado tem direito à pena única, resultante da soma jurídica das penas (parcelares) correspondentes aos crimes por si cometidos, desde que estes concorram efectivamente entre si. Assim é, independentemente de o concurso ser conhecido num mesmo ou em vários processos, desde que todas as penas correspondam a crimes cometidos antes do trânsito em julgado da primeira condenação.

A pena única determina-se dentro de uma moldura penal casuisticamente encontrada após fixação de todas as penas parcelares integrantes de uma certa adição jurídica. E na fixação da pena aditiva das penas correspondentes a todos os crimes concorrentes, o tribunal procede à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77.º, n.º 1, do CP), o que exige uma especial fundamentação na sentença, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 291).

No presente caso, procedeu-se à efectivacão de dois cúmulos jurídicos de penas, em sucessão. Esta operação prévia não integra o objecto do recurso, o qual se circunscreve à medida das duas penas únicas arbitradas no acórdão. E nada mais se suscita também conhecer, oficiosamente.

Relativamente ao primeiro cúmulo jurídico efectuado, que encontrou a pena única de 3 anos de prisão, a análise dos factos e da decisão, no confronto da argumentação desenvolvida no recurso e o contributo do contraditório, não permite constatar que exista fundamento sério a justificar a redução desta pena única.

O recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, abrangendo a sindicabilidade da medida concreta da pena a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

A pena única de 3 anos de prisão, fixada numa moldura de 2 anos a 7 anos de prisão, próximo do limite mínimo e após valoração de todas as circunstâncias retiradas dos factos que deviam ter sido sopesadas, não justifica a intervenção correctiva do Supremo

Mas já relativamente ao segundo cúmulo jurídico se justificará essa intervenção, constatando-se que, na fundamentação da pena única de acórdão, são identificáveis imprecisões, como se sinaliza no parecer, mormente a de que o cúmulo B inclui «condenações por crimes de roubo agravado». Não inclui.

É certo que alguns dos crimes cometidos se revestem de um grau de ilicitude bastante elevado, sendo ainda denunciadores de uma personalidade do arguido (revelada no facto) expressivamente desvaliosa. Assim sucede com o crime de resistência e coação, em que, como se diz no acórdão, o arguido condicionou a atuação funcional de oito militares da GNR, investindo contra os mesmos o veículo que conduzia, em diversas ocasiões e locais. E assim sucede com o crime de condução perigosa de veículo, cometida durante uma perseguição automóvel por estradas e povoações dos concelhos de..., ... (...) e ... (...), como também bem se nota no acórdão.

Assim, na avaliação do ilícito global perpetrado, na ponderação da conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes, e a sua relação com a personalidade do arguido, reconhece-se que o conjunto dos factos – o grande facto – evidencia aqui um ilícito global expressivamente desvalioso, tendo designadamente em conta o a personalidade do arguido revelada nos factos acabados de mencionar, como se disse. O “grande facto” apresenta-se aqui já algo indiciador de uma tendência criminosa, reconhecendo-se a gravidade do concreto ilícito global. No entanto, na moldura penal abstrata de 2 anos e 6 meses de prisão a 20 anos de prisão, aceita-se justificar–a anunciada redução da pena, tendo em conta a correcção na fundamentação peticionada pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo.

E assim, a (agora) pena única de 8 anos de prisão apresenta-se também consistentemente robusta para a satisfação das concretas exigências de prevenção, quer geral, quer especial. Ainda assegura a tutela dos bens jurídicos, e apresenta-se como mais adequada à reinserção social do condenado, aspecto que não pode ser postergado.

Em suma, a prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, e ela permanecerá em concreto assegurada; a prevenção especial positiva, que não pode pôr em causa (e aqui não põe) a pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, mostra-se igualmente assegurada quer com a pena única de 3 anos de prisão, já aplicada no referente ao primeiro cúmulo, quer com a pena única de 8 anos de prisão, a aplicar agora no referente ao segundo cúmulo jurídico.

3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso, reduzindo-se a pena principal correspondente ao segundo cúmulo jurídico para 8 anos de prisão, mantendo-se no mais o acórdão.

Sem custas (art. 513.º, n.º 1, do CPP, a contrario).


Lisboa, 11.10.2023

Ana Barata Brito, relatora

José Luís Lopes da Mota, adjunta

Sénio dos Reis Alves, adjunto