Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18124/20.6T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
DIREITO DE VOTO
CREDOR
ADMISSIBILIDADE DE REVISTA
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
LEI ESPECIAL
REVISTA EXCECIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I - A figura da contradição entre julgados, enquanto requisito legal da admissibilidade da revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem, o que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.

II Inexiste contradição de julgados quando o único aspecto factual e jurídico relevante é a modificação do crédito que legitimaria a tomada em consideração do sentido do voto do credor relativamente ao acordo de pagamento, havendo o acórdão fundamento atendido essencialmente a determinada cláusula constante do acordo de pagamento, daí retirando a procedência da apelação por estar em causa nesse aresto o seu efeito restritivo (do crédito) pelo facto de o credor ter aceite expressamente reduzi-lo, abrindo mão das consequências jurídicas que lhe eram mais favoráveis (as quais decorriam da situação de mora em contratos de mora já resolvidos e que foram objectos da competente acção executiva, com a subsistência da situação devedora da executada ao longo de vários anos), nada disto se passando no acórdão recorrido em que o acordo de pagamento não contém qualquer cláusula com o mesmo teor (de consolidação de dívida) que representasse uma concreta e efectiva cedência do credor relativamente aos direitos que já havia adquirido, há muito, sobre o seu devedor, e não existindo notícia de qualquer tipo de resolução de contratos de mútuo, purgação da mora, instauração de acções executivas e, muito menos, “apagamento” do incumprimento contratual do devedor ao longo de vários anos.

III - A revista excepcional encontra-se afastada pelo regime especialíssimo previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE, sendo esta disposição legal totalmente clara e inequívoca ao estabelecer como regra geral, quanto aos processos de insolvência, que “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”, significando que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação é, em princípio, definitiva e insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

IV Sendo, aliás, a revista excepcional uma modalidade da revista normal (que tem a ver com a limitação em que consiste a dupla conforme nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil), vedando a lei in casu a possibilidade de interposição de revista normal (independentemente da constituição da dupla conforme), tal implica inevitavelmente que não seja permitida a interposição da revista excepcional, o que, a aceitar-se, afrontaria claramente o equilíbrio e a lógica deste mesmo regime.

Decisão Texto Integral:

Revista nº 18124/20.6T8SNT.L1.S1.

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Pelo Conselheiro relator dos presente autos foi proferida decisão de rejeição do conhecimento do objecto do recurso, a qual foi agora objecto de reclamação nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Tal decisão singular é do seguinte teor:

“Foi proferido em 1ª instância o despacho datado de 20 de Junho de 2023, nos seguintes termos:

“AA instaurou Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP).

Em 11 de Janeiro de 2021 foi proferido o despacho previsto no n.º 4 do artigo 222º-C do CIRE, tendo sido nomeado Administrador Judicial Provisório.

Foi junta aos autos a lista provisória de créditos referida no n.º 3 do artigo 222.º-D do CIRE, tendo a mesma sido objeto de impugnação, entretanto decidida por sentença proferida em 17 de Maio de 2021.

Em 17 de Maio de 2021 foi junto aos autos o acordo de pagamento proposto aos credores.

Em 7 de Junho de 2021, o Administrador Judicial Provisório juntou aos autos documento com o resultado da votação, concluindo que o aludido acordo de pagamento não foi aprovado por não se ter verificado qualquer das condições impostas nas alíneas do n.º 5, do art.º 222º-F.

Com relevo, refere que «(...) não tem direito à totalidade dos votos o credor Novo Banco, S.A., por o plano apresentado a votação não prever a modificação de 7 créditos reclamados – al. a) n.o 2 art.o 212.o do CIRE, apenas prevê a modificação de um dos créditos reclamados e reconhecidos (...)», razão pela qual apenas conferiu a este credor 8,283% de percentagem de voto.

Inconformado com este entendimento, o devedor veio requerer, em 10 de Junho de 2021, que seja conferido ao credor Novo Banco a percentagem de voto de 55,97% e não de 8,283%, devendo, nessa sequência, ser considerado aprovado o acordo apresentado nos autos.

Defende o devedor que um dos contratos celebrados com o Novo Banco viu o seu prazo de pagamento alargado em 60 meses e que a percentagem do direito de voto deverá corresponder à totalidade dos créditos, globalmente considerados.

Foi proferida sentença que decidiu não aprovar o PEAP, onde se realçou que:

“ (…) os créditos reclamados e reconhecidos ao Novo Banco mostram-se perfeitamente autonomizados entre si, pelo que, não tendo seis deles sido afetados com a aprovação do plano de pagamentos (quer quanto ao montante que se encontrava em dívida, quer quanto às demais condições contratuais a que o devedor estava vinculado, designadamente, as relativas ao prazo, taxa de juros e “spread”), é da mais elementar justiça que, nessa parte, não lhe seja conferido direito de voto ao abrigo do sobredito normativo.

Entendimento divergente traduzir-se-ia numa intolerável imposição aos demais credores de condições mais desfavoráveis, nomeadamente, com redução dos valores dos respetivos créditos e mais gravosas condições de pagamento.”.

Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Fevereiro de 2023 proferido em Conferência, manteve a decisão singular do Exmº Sr. Desembargador relator de 20 de Junho de 2020 que confirmara a decisão de 1ª instância.

Interpôs agora o requerente recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido, nos termos do qual o Tribunal da Relação decidiu manter ao credor NOVO BANCO, S.A. a percentagem de voto de apenas 8,283 % e, consequentemente, julgou o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente não aprovado, recusando a sua homologação, consubstancia uma interpretação e aplicação erradas da Lei:

Da admissibilidade liminar do presente recurso

2. A admissibilidade do presente recurso de revista excecional decorre da oposição entre o acórdão recorrido e outros acórdãos proferidos pelas relações, no domínio da mesma legislação, que decidiram de forma divergente as mesmas questões fundamentais de direito, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme ao acórdão recorrido (cfr. art.º 14.º, n.º 1 do CIRE e art.º 672.º, n.º 1, al. c) do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE ex vi art.º 14.º, n.º 1 do CIRE).

3. O acórdão ora recorrido está, entre outros, em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 08/11/2021, no âmbito do processo n.º 909/21.8T8STS.P1 (“acórdão fundamento”).

4. Ambos os referidos acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação relativa ao processo especial para acordo de pagamento, sem que entre um e outro tenham ocorrido alterações legislativas relacionadas com as questões fundamentais de direito apreciadas pelos mesmos,

5. Tendo tais acórdãos, no entanto, decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito relacionada com a verificação ou não de modificação substancial do crédito, nos casos em que, por via do acordo de pagamento, se subtrai ao correspondente credor o direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

6. Há uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e a questão de direito apreciada no acórdão fundamento,

7. E a oposição mostra-se essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos, uma vez que, no caso dos presentes autos, foi entendido não existir modificação substancial do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. e diferentemente, no acórdão fundamento, foi considerado verificar-se modificação substancial do crédito aí em discussão.

Da modificação do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. pela parte dispositiva do plano de pagamentos

8. A verificação da existência ou não de uma modificação do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. exige a comparação dos direitos do credor NOVO BANCO, S.A. em decorrência dos contornos concretos do seu crédito que resultariam, por um lado, da aplicação das regras gerais do Direito e/ou das regras supletivas do CIRE com os que resultam, por outro, da aplicação do plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente (neste sentido, cfr. transcrição supra do excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra).

9. Mediante o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, o credor NOVO BANCO, S.A. verá liquidada a integralidade do capital em dívida, e respetivos juros.

10. Já, contrariamente, na ausência de plano de pagamentos, o pagamento da integralidade da dívida não se encontra assegurado, podendo, eventualmente, verificar-se a não realização tempestiva de uma prestação devida ao NOVO BANCO, S.A., o que consubstanciaria uma situação de incumprimento.

11. Nos termos das regras gerais de Direito, tratando-se de uma obrigação de prestação fracionada, a falta de realização de uma prestação importaria o vencimento imediato de todas as restantes, que se tornariam automática e imediatamente exigíveis (cfr. art.º 781.º do CC).

12. O incumprimento do pagamento de uma prestação conduziria, assim, à perda do respetivo benefício do prazo e constituiria o credor NOVO BANCO, S.A. no direito de exigir ao Recorrente antecipadamente o cumprimento da totalidade da obrigação.

13. Portanto, da aplicação das normas gerais de Direito, resultaria que o valor vencido e não pago ao credor NOVO BANCO, S.A. pelo Recorrente (que incluiria todas as demais prestações vencidas automaticamente no seguimento daquele incumprimento) seria satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

14. Diversamente, nos termos do plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, evita-se o futuro incumprimento.

15. Donde resulta que o valor do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. deixa de ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo como resultaria da aplicação das regras gerais do Direito em caso de se vir a verificar no futuro algum incumprimento.

16. Mais se diga que, também, num contexto hipotético de insolvência, os direitos dos credores (entre os quais, do credor NOVO BANCO, S.A.) poderiam ser exercidos de imediato, uma vez que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (cfr. art.º 91.º, n.º 1 do CIRE).

17. No caso subjacente ao acórdão fundamento (cfr. Doc. n.º 1), o devedor propôs relativamente a um dos créditos hipotecários, a consolidação do crédito à data do trânsito em julgado da sentença de homologação, e a manutenção de todas as condições contratualizadas, sem qualquer alteração.

18. A alteração proposta no caso do acórdão fundamento, ao desconsiderar o incumprimento contratual anteriormente verificado, subtraiu ao credor o direito à satisfação imediata decorrente do vencimento automático de todas as prestações, o que levou precisamente o Tribunal da Relação a decidir pela existência de modificação substancial do crédito (cfr. excerto do acórdão fundamento acima transcrito).

19. Paralelamente, no caso “sub judice”, o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, ao evitar o futuro incumprimento, também subtrai ao credor NOVO BANCO, S.A. o direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo como resultaria da aplicação das regras gerais do Direito em caso de se vir a verificar no futuro algum incumprimento.

20. No entanto, o Tribunal da Relação considerou que, no caso ora recorrido, não havia modificação substancial do crédito, diferentemente do julgado no acórdão fundamento.

21. Certo é que resulta da interpretação do art.º 212.º, n.º 2, al. a) e b) do CIRE serem duas as distinções a operar, para aferir do quórum e poder de votação:

No que toca aos credores, entre credores que viram os seus créditos serem modificados, por um lado, e os que não viram os seus créditos serem modificados, por outro; e

No que toca aos créditos, entre créditos subordinados e não subordinados (garantidos, comuns).

22. No caso dos autos, os créditos do credor NOVO BANCO, S.A. são todos créditos não subordinados, pelo que deverão ser considerados como um todo, ou seja, na sua globalidade (e não “contrato a contrato”).

23. Além disso, foi o senhor Administrador Judicial Provisório que, aquando da Lista Provisória de Credores, distinguiu a natureza dos créditos de cada credor, tendo, no entanto, conferido o respetivo poder de voto por referência à globalidade dos seus créditos (e não “crédito a crédito”).

24. No caso do credor NOVO BANCO, S.A., o contrato n.º ........78 viu o seu prazo de pagamento alargado em 60 meses, face ao inicialmente contratualizado, donde resulta ter havido uma modificação substancial dos seus créditos (globalmente considerados).

25. A interpretação justa e devida, à luz do preceituado nos arts. 212.º, n.º 2, al. a) e 222.º-F, n.º 3, ambos do CIRE, deverá ser a de que os créditos detidos pelo credor NOVO BANCO, S.A. foram alvo de modificação pela parte dispositiva do plano, cabendo, consequentemente, a este credor, a totalidade do direito de voto, na percentagem correspondente da totalidade dos seus créditos, por referência à globalidade de todos os créditos detidos por todos os credores.

26. Razão pela qual deveria o Tribunal da Relação ter considerado, para o credor NOVO BANCO, S.A., a percentagem de voto de 55,97 % e não de 8,283% como erradamente indicado pelo senhor Administrador Judicial Provisório e erradamente validado pelo Tribunal de Primeira Instância.

27. E, consequentemente, deveria ter considerado o acordo aprovado, com 56,09 % de votos a favor (credores NOVO BANCO, S.A. e AUTORIDADE TRIBUTÁRIA).

Da inaplicabilidade do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE ao PEAP

28. A questão da modificação do crédito do NOVO BANCO, S.A. pela parte dispositiva do plano para efeitos de direito de voto apenas tem relevância no presente caso porque o Tribunal da Relação, confirmando a decisão do Tribunal de Primeira Instância, assenta a decisão recorrida na aplicação ao PEAP do disposto no art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE, que afasta o direito de voto dos créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano.

29. Não se ignora que parte da jurisprudência dos Tribunais Superiores tenha entendido no mesmo sentido das decisões recorridas, mas entende o Recorrente, alicerçado em diversa Doutrina, que o art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE não tem aplicação ao PEAP, pelo menos com a interpretação que foi feita pelo Tribunal de Primeira Instância.

30. A regra em questão é uma regra especialmente adaptada ao domínio do plano de insolvência no âmbito do processo de insolvência, pelo que não teria aplicação ao PEAP.

31. O plano de insolvência assenta num regime especial face ao modelo supletivo da liquidação universal do património do devedor e, por isso, derroga as normas do CIRE (cfr. resulta da letra do art.º 192.º, n.º 1 CIRE),

32. Vindo especialmente regulado no título IX que começa no art.º 192.º e termina no art.º 222.º do CIRE, assim como também o PEAP - processo igualmente especial - obedece a regras próprias decorrentes dos art.º 222.º-A a 222.º-J do CIRE.

33. Enquanto o plano de insolvência surge numa fase posterior à declaração de insolvência, o PEAP precede essa mesma declaração.

34. A especialidade da regra decorrente do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE resulta, também, do seu elemento histórico, já que a mesma foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de agosto, que veio alterar o DL n.º 53/2004 que aprovou o CIRE, em cujo preâmbulo se fazia referência ao carácter especial do plano de insolvência.

35. Por datar de 2004, a regra em questão tampouco poderia ter visado o PEAP, dado que este último só viria a ser criado em 2017 (DL n.º 79/2017).

36. Também a inserção sistemática da regra decorrente do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE, a saber no capítulo referente à aprovação e homologação do plano de insolvência (capítulo II) do título referente ao plano de insolvência (título IX) sustentam o respetivo carácter especial.

37. A própria letra da Lei também reforça a especialidade da regra em questão, já que o art.º 212.º,n.º1 do CIRE,ao qualse reporta on.º 2 do mesmo artigo, faz referência expressa à figura do “plano de insolvência”.

38. E se é verdade que o disposto no art.º 222.º-F, n.º 5 do CIRE remete para as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE, não menos verdade é que expressamente remete para o disposto nos art.º 215.º e 216.º do CIRE, omitindo qualquer referência ao disposto no art.º 212.º do CIRE.

39. O regime originário do PER, no âmbito do qual se discutiu a aplicabilidade da regra decorrente do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE, veio a ser alterado, num período ainda anterior à criação do PEAP, no sentido de eliminar qualquer remissão para o art.º 212.º, n.º 1 do CIRE (cfr. art.º 17.º-F, n.º 3 do CIRE nas redações dadas pela Lei n.º 16/2012 e pelo DL n.º 26/2015).

40. E, ainda antes dessa alteração, autores já havia (e.g. BB, CC e DD) que se opunham expressamente à aplicação da regra do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE.

41. À semelhança do que se veio a confirmar em sede do regime do PER, a “ratio” subjacente à delimitação do universo dos credores votantes, decorrente do art.º 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE, não se aplica ao PEAP, o qual nunca sequer conteve qualquer remissão expressa ou tácita para aquela regra.

42. No âmbito do PEAP, o critério relevante na determinação dos direitos de voto de um credor é a inserção do seu crédito na lista definitiva de créditos a que alude o art.º 222.º-D, n.º 3 e 4 do CIRE,

43. Pelo que, tendo o crédito do credor NOVO BANCO, S.A. sido devidamente relacionado na lista provisória de créditos, que se converteu em definitiva, assistia-lhe – como assiste – direito de voto.

Em suma,

44. Não tendo assim decidido, o Tribunal da Relação (à semelhança do Tribunal de Primeira Instância) violou o disposto no art.º 222.º-F, n.º 2, 3 e 5 e no art.º 212.º, n.º 1, 2, al. a) do CIRE, no art.º 405.º, n.º 1 e no art.º 781.º do Código Civil (doravante “CC”) e, ainda subsidiariamente, no art.º 91.º, n.º 1 do CIRE,

45. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposições ter sido interpretadas e aplicadas por aquele Tribunal no sentido de conceder ao credor NOVO BANCO, S.A. direitos de voto com referência à totalidade dos seus créditos,

46. Razão pela qual deverá a decisão, objeto do presente recurso, ser substituída por outra que considere os direitos de voto do credor NOVO BANCO, S.A. correspondentes à totalidade dos seus créditos, conforme à correta interpretação das acima referidas normas.

Não houve resposta.

Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, veio o recorrente referir:

1º. O recurso de revista interposto pelo Recorrente, em 21/03/2023, tem por objeto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 28/02/2023, nos termos do qual foi decidido manter a decisão sumária que tinha julgado a apelação improcedente e confirmado a decisão recorrida do Tribunal de Primeira Instância que, por sua vez, tinha:

⎯ decidido manter ao credor NOVO BANCO, S.A. a percentagem de voto de apenas 8,283 % previamente atribuída pelo senhor Administrador Judicial Provisório; e consequentemente

⎯ julgado o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente não aprovado, recusando a sua homologação.

2º. No âmbito do despacho de 05/06/2023 – a que ora se responde –, o Exmo. Juiz Conselheiro Relator entendeu que a admissibilidade do presente recurso de revista se encontrava subordinada ao regime especial consignado no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, ou seja, à existência (indispensável) de uma situação de contradição de julgados, com a indicação pelo Recorrente, de forma clara e precisa, do acórdão fundamento (cfr. despacho de 05/06/2023, constante dos autos).

3º. E concluiu, no caso concreto, pela inexistência de oposição de acórdãos para efeitos da aplicabilidade do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE (cfr. despacho de 05/06/2023, constante dos autos).

Pois bem,

4º. Salvo melhor opinião, o Recorrente não pode concordar com a conclusão do Exmo. Juiz Conselheiro Relator.

Senão vejamos,

5º. Não se contesta que a admissibilidade do presente recurso de revista decorra do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE,

6º. Bastando, para o efeito, a demonstração de contradição de julgados, a qual pode consistir numa oposição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da mesma ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (cfr. artigo 14.º, n.º 1 do CIRE).

7º. Por isso mesmo, o Recorrente invocou, para o que aqui nos interessa, a oposição do acórdão recorrido com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 08/11/2021, no âmbito do processo n.º 909/21.8T8STS.P1 (doravante “acórdão fundamento” – cfr. Doc. n.º 1 que acompanhou o requerimento de interposição do recurso de revista e cuja certidão judicial foi também junta como Doc. n.º 1 do requerimento de 05/06/2023).

8º. Ambos os referidos acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, sem que entre um e outro tenham ocorrido quaisquer alterações legislativas relacionadas com as mesmas questões fundamentais de direito apreciadas por ambos,

9º. Não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme ao acórdão recorrido (cfr. art.º 14.º, n.º 1 do CIRE).

No caso,

10º. O acórdão recorrido e o acórdão fundamento decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito relacionada com a verificação ou não de modificação substancial do crédito, nos casos em que, por via do acordo de pagamento, se subtrai ao correspondente credor o direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

11º. Há uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e a questão de direito apreciada no acórdão fundamento,

12º. Mostrando-se a situação factual subjacente num e noutro acórdão similar no que respeita à questão aqui relevante.

13º. Além disso, a oposição mostra-se essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos,

14º. Pois, enquanto, no caso dos presentes autos, foi entendido não existir modificação substancial do crédito do credorNOVO BANCO, S.A., já no acórdão fundamento, foi considerado verificar-se modificação substancial do crédito nele em discussão.

Vejamos melhor:

15º. Em sede de recurso, o Recorrente sustenta a existência de modificação dos créditos do credor NOVO BANCO, S.A. e a correspondente atribuição da totalidade de direitos de voto.

16º. Há que ter em conta que a modificação do crédito pela parte dispositiva do plano, a que alude o artigo 212.º, n.º 2, al. a) do CIRE não se reporta ao crédito em si, nem ao respetivo montante, mas antes à situação creditícia do credor,

17º. Por ser a relação creditícia que conforma o crédito e, consequentemente, afeta a relação do credor para com o Recorrente e para com os demais credores.

18º. Assim, impõe-se comparar os direitos do credor NOVO BANCO, S.A. em decorrência dos contornos concretos dos seus créditos que resultariam, por um lado, da aplicação das regras gerais do Direito e/ou das regras supletivas do CIRE com os que resultam, por outro, da aplicação do plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente.

19º. Na ausência de plano de pagamentos, o pagamento da integralidade da dívida não se encontra assegurado, podendo verificar-se a não realização tempestiva de uma prestação devida ao NOVO BANCO, S.A., o que consubstanciaria uma situação de incumprimento; e

20º. Nos termos das regras gerais de Direito, tratando-se de uma obrigação de prestação fracionada, a falta de realização de uma prestação importaria o vencimento imediato de todas as restantes (cfr. art.º 781.º do CC).

21º. Significa isto que logo que uma prestação não fosse realizada, todas as prestações posteriores se tornariam automática e imediatamente exigíveis, podendo o credor exigir ao devedor antecipadamente a totalidade das prestações.

22º. Logo, no caso dos presentes autos, o incumprimento do pagamento de uma prestação conduziria, assim, à perda do respetivo benefício do prazo e constituiria o credor NOVO BANCO, S.A. no direito de exigir ao Recorrente antecipadamente o cumprimento da totalidade da obrigação.

23º. Portanto, da aplicação das normas gerais de Direito, resultaria que o valor vencido e não pago ao credor NOVO BANCO, S.A. pelo Recorrente (que incluiria todas as demais prestações vencidas automaticamente no seguimento daquele incumprimento) seria satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

24º. Sucede que, diversamente, nos termos do plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, evita-se o futuro incumprimento.

25º. Donde resulta que o valor do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. deixa de ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo como resultaria da aplicação das regras gerais do Direito em caso de se vir a verificar no futuro algum incumprimento.

26º. Também num contexto hipotético de insolvência, os direitos dos credores (entre os quais, do credor NOVO BANCO, S.A.) poderiam ser exercidos de imediato,

27º. Uma vez que a Lei estabelece que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (cfr. art.º 91.º, n.º 1 do CIRE).

Ora,

28º. O Tribunal da Relação do Porto, no acórdão fundamento, deu precisamente relevância ao facto de o valor vencido e não pago ao credor (decorrente da existência de mora) deixar de poder ser satisfeito imediatamente, para concluir pela existência de modificação substancial do crédito.

29º. No caso subjacente ao acórdão fundamento, o devedor propôs relativamente a um dos créditos hipotecários, a consolidação do crédito à data do trânsito em julgado da sentença de homologação, e a manutenção de todas as condições contratualizadas, sem qualquer alteração.

30º. A alteração proposta no caso do acórdão fundamento, ao desconsiderar o incumprimento contratual anteriormente verificado, subtraiu ao credor o direito à satisfação imediata decorrente do vencimento automático de todas as prestações.

31º. Paralelamente, no caso recorrido, da aplicação das normas gerais de Direito, resultaria que o valor vencido e não pago ao credor NOVO BANCO, S.A. pelo Recorrente (que incluiria todas as demais prestações vencidas automaticamente no seguimento daquele incumprimento) seria satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

32º. Ora, o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, ao evitar o futuro incumprimento, também subtrai ao credor NOVO BANCO, S.A. o direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo como resultaria da aplicação das regras gerais do Direito em caso de se vir a verificar no futuro algum incumprimento.

Acontece que,

33º. O Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, ao confirmar a decisão recorrida, adotou um entendimento divergente do entendimento subjacente ao acórdão fundamento, ao entender não existir modificação substancial do crédito do credor NOVO BANCO, S.A. apesar da referida subtração do direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo.

34º. A transposição do entendimento vertido no acórdão fundamento para o caso dos presentes autos deveria traduzir-se numa decisão que considerasse a situação creditícia do NOVO BANCO, S.A. substancialmente modificada.

35º. No entanto, constata-se que, no acórdão recorrido, foi feita uma ponderação diferente (e errada) dos mesmos factos essenciais.

36º. As oposições acima mencionadas revelaram-se essenciais na determinação do resultado, que foi oposto num e noutro acórdão.

37º. Não se trata, portanto, de diferente materialidade factual em apreciação, nem de uma mera divergência de alguns argumentos sem valor decisivo,

38º. Mas entende-se que foi, sim, levada a cabo uma ponderação diferente relativamente ao sentido e ao alcance dos factos essenciais subjacentes, a qual importa agora corrigir em sede de recurso de revista.

Por fim,

39º. Diga-se que, ainda que este douto Tribunal entendesse não existir contradição de julgados – o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio –, estando em causa a aprovação de um acordo de pagamento, sempre estaria em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica (capaz de influir na decisão da causa), seria claramente necessária para uma melhor aplicação do direito,

40º. Donde decorreria, igualmente, a admissibilidade da revista excecional por via do disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE.

Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista:

O presente recurso encontra-se subordinado ao regime especial consignado no artigo 14º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE).

Ou seja, a admissibilidade da revista nestes especiais termos pressupõe a existência (indispensável) de uma situação de contradição de julgados, com a indicação pelo recorrente, de forma clara e precisa, do respectivo acórdão fundamento, acompanhado da sua junção e justificação das razões demonstrativas da oposição de julgados relativamente a uma decisão final.

Por outro lado, a figura da contradição entre julgados, enquanto requisito legal da admissibilidade da revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, pressupõe necessariamente que as situações versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, analisadas e confrontadas no plano factual ou material, sejam rigorosamente equiparáveis quanto ao seu núcleo essencial, de modo a proporcionar a aplicação, em cada um deles, do mesmo regime legal em termos directamente conflituantes, com soluções de direito opostas e inconciliáveis que assim se contradizem.

O que significaria, na prática, que aplicada a posição adoptada no acórdão fundamento (sobre o ponto em conflito) ao acórdão recorrido o veredicto deste seria forçosamente diverso e favorável aos interesses do recorrente.

Tal não sucede na situação sub judice.

Quanto ao único aspecto factual e jurídico relevante para este efeito, a saber a modificação do crédito que legitimaria a tomada em consideração do sentido do seu voto relativamente ao acordo de pagamento, cumpre referir:

O acórdão fundamento, proferido no processo nº 909/21.8T8STS.P1, do Tribunal da Relação do Porto (relator Carlos Gil), tomou essencialmente em consideração uma determinada cláusula constante do acordo de pagamento, daí retirando a sua argumentação decisiva para a procedência da apelação.

Aludiu-se nesse aresto a que:

“Quanto ao Crédito Hipotecário da C, propõe-se a consolidação do crédito à data do trânsito em julgado da sentença de homologação, e a manutenção de todas as condições contratualizadas, sem qualquer alteração”.

E nessa medida foi afirmado no mesmo acórdão fundamento que:

“Embora a cláusula que antecede não tenha a clareza desejável retiram-se da mesma dois efeitos jurídicos distintos: em primeiro lugar, a consolidação do crédito da recorrente à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento, ou seja, a fixação do montante total em dívida nesse momento temporal, e, em segundo lugar, a partir de então, a manutenção de todas as condições contratualizadas, sem qualquer alteração, ou seja, se bem entendemos a proposta, pagamento fraccionado do montante assim apurado e nos termos contratuais, sendo certo que estão em causa contratos distintos.

Porém, o montante reclamado pela recorrente respeita ao valor exigido em sede executiva, tendo por base um incumprimento contratual que determinou a resolução dos contratos de mútuo.

(…) Neste circunstancialismo, a cláusula proposta e homologada na decisão recorrida afecta duplamente o crédito da recorrente, na medida em que lhe impõe uma purgação da mora da devedora, com a consolidação da dívida nos termos propostos e, por outro lado, impõe-lhe a repristinação das cláusulas contratuais dos contratos incumpridos e já resolvidos, “apagando” o incumprimento contratual da devedora ao longo de vários anos”.

Ou seja, está em causa nesse aresto o efeito restritivo (do crédito) atribuído a uma determinada cláusula prevista no acordo de pagamento através da qual o credor aceitou expressamente reduzir o seu crédito, abrindo mão das consequências jurídicas que lhe eram mais favoráveis e que decorriam da situação de mora em contratos de mora já resolvidos e que foram objectos da competente acção executiva, com a subsistência da situação devedora da executada ao longo de vários anos.

Ora, rigorosamente nada disto se verifica na situação sub judice.

Desde logo, não é prevista no acordo de pagamento qualquer tipo de cláusula com a mesmo teor (de consolidação de dívida) e que representaria uma concreta e efectiva cedência do credor relativamente aos direitos que já havia adquirido, há muito, sobre o seu devedor.

Na situação sub judice, salvo o contrato de crédito do credor Novo Banco, SA, que foi efectivamente modificado (no contrato n.º ........78 o prazo de pagamento alargado foi alargado em 60 meses), todos os outros contratos de crédito, devidamente autonomizados nos autos, permaneceram exactamente como antes se encontravam, não existindo notícia de qualquer tipo de resolução dos contratos de mútuo, purgação da mora, instauração de acções executivas correspondentes e, muito menos, “apagamento” do incumprimento contratual do devedor ao longo de vários anos.

Ou seja, no plano factual essencial, do que se trata é da previsão de manutenção de contratos de crédito que, não obstante incumpridos pelo requerente/devedor, constam no acordo de pagamento rigorosamente intocáveis, sem nenhuma diferença, com as mesmas condições e garantias que antes apresentavam, acabando assim o respectivo credor por não ser minimamente afectado pela eventual aprovação do plano de pagamento.

Neste mesmo sentido, nada se retira do plano de pagamento (com excepção do único contrato de crédito apontado) que traduza qualquer espécie de cedência do credor Novo Banco, S.A., quanto aos créditos de que é titular sobre o requerente, seu devedor, nada sofrendo verdadeiramente, por conseguinte, com esta aprovação desse plano (com ressalva, insista-se, do único contrato de crédito que aceitou modificar).

O que lhe retira, por isso mesmo, legitimidade para a sua votação.

Sendo desta forma claramente dessemelhantes as situações de facto essenciais em análise nos dois arestos em confronto, cumpre concluir não se verificar in casu qualquer situação de contradição de julgados que suporte a admissibilidade da presente revista nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE.

Apreciando agora a motivação apresentada pelo recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil:

O recorrente entende basicamente que “o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, ao evitar o futuro incumprimento, também subtrai ao credor NOVO BANCO, S.A. o direito a poder vir a ser satisfeito imediatamente ou num curto prazo como resultaria da aplicação das regras gerais do Direito em caso de se vir a verificar no futuro algum incumprimento”.

Acontece que a ratio decidendi que justifica a decisão do acórdão fundamento assenta num núcleo factual essencial diverso daquele que está em causa nos presente autos.

A mesma tem como fundamento essencial a cláusula da “consolidação do crédito” – de que aqui não se trata – a partir da qual o acórdão fundamento considerou que havia cedência substancial e efectiva por parte do credor na medida em que o mesmo concordava em esquecer o considerável período temporal em que se verificou o incumprimento do devedor, após a resolução do contrato de mútuo em causa e que foi aliás objecto de acções executivas que decorreram os seus termos.

Ou seja, aceitando o credor apagar as consequências desse persistente e ostensivo incumprimento e concedendo nessa medida ao seu devedor a oportunidade de ser agora colocado praticamente na posição inicial, não se poderia afirmar então que ao prestar o seu acordo ao plano de pagamento o mesmo não seria patrimonialmente afectado.

O que se nos afigura óbvio, dentro desta linha particular de raciocínio.

Na situação sub judice nada disso sucede.

Em relação aos créditos que aqui relevam a dívida que já existia é precisamente aquela que o devedor se propõe satisfazer nos mesmos exactos termos e condições, sem nenhuma efectiva do credor cedência ou restrição de qualquer espécie.

É evidente que não vale para estes efeitos a consideração da possibilidade de “um futuro incumprimento”.

O que é decisivo no sentido da legitimidade do credor para poder votar o acordo de pagamento é saber se este, à semelhança do que sucede com os outros credores intervenientes nos autos, abriu mão de qualquer circunstância (actual) reveladora do seu posicionamento quanto à modificação das condições de pagamento do seu crédito ou se, pelo contrário, deixou tudo na mesma (tal como as condições de pagamento dos seus créditos já antes existiam ao tempo da instauração do presente processo especial).

Por tudo o que se disse, é claro que se verifica esta segunda situação, não assistindo assim legitimidade ao recorrente para exercer o seu direito de voto.

Acrescente-se ainda que não está neste tocante e para estes efeitos em discussão sequer se a circunstância apontada pela recorrente quanto à hipótese de futuro incumprimento constitui, ou não, em tese, uma cedência do credor.

O que interessa apurar para efeitos de verificação de contradição de julgados é se as razões específicas e essenciais do acórdão fundamento são transponíveis para a análise do acórdão recorrido, por comungarem de um núcleo factual comum ou perfeitamente equiparável.

Tal não sucede, conforme se demonstrou.

Logo, é ostensivo, patente e efectiva, a inexistência da oposição de julgados que sustentaria, nos termos do artigo 14º, nº 1, do CIRE, a admissibilidade da presente revista.

Acresce, ainda, que o regime especial quanto à admissibilidade da revista nos processos de insolvência, devidamente delimitado nos termos do referido artigo 14º, nº 1, do CIRE, afasta desde logo a possibilidade de interposição de revista excepcional nos termos do artigo 672º do Código de Processo Civil, conforme constitui jurisprudência firmada nesta 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual se encontra deferida a competência específica quanto a matéria insolvencial.

Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julgará findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil.

Pelo exposto:

Julga-se findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código Civil.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC”.

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste razão ao reclamante.

Inexiste similitude essencial entre as situações de facto versadas no acórdão fundamento e o acórdão recorrido, tal como foi suficientemente desenvolvido no despacho reclamado.

A ratio decidendi, fulcral e decisiva, de cada um deles não é equiparável em termos de poder afirmar-se, com a necessária segurança que, aplicado o argumentário do acórdão fundamento ao acórdão recorrido este deveria logicamente conduzir a um veredicto diverso e antagónico daquele que foi proferido.

O que significa basicamente que inexiste contradição entre os dois acórdãos em confronto.

Pelo que não se verifica o fundamento especial para a admissibilidade da revista que o artigo 14º, nº 1, do CIRE proporciona.

Dir-se-á ainda que a revista excepcional se encontra desde logo afastada pelo regime especialíssimo previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE.

Esta disposição legal é totalmente clara e inequívoca ao estabelecer como regra geral, quanto aos processos de insolvência, que “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”.

O que significa que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação é, em princípio, definitiva e insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, cujo acesso se encontra legalmente vedado

Este modelo consagrado pelo legislador nacional em matéria insolvencial, que se compreende atendendo à necessidade de consolidar com a maior brevidade possível a definitividade do decidido, não permitindo o arrastamento e incerteza dessas decisões, com prejuízo para a segurança e interesse dos directamente envolvidos, revela o propósito deliberado de tornar fortemente restritivo o regime da admissibilidade de revista e, através dele, do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

Por isso mesmo, neste contexto especialíssimo, não faria qualquer sentido, nem reveste lógica, a admissibilidade da revista excepcional.

Ou seja, sendo a revista excepcional uma modalidade da revista normal (e que tem a ver com a limitação em que consiste a dupla conforme nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil) e vedando a lei a possibilidade de interposição de revista normal (independentemente da constituição da dupla conforme) tal implica inevitavelmente que não seja permitida in casu a interposição da revista excepcional, afrontaria claramente o equilíbrio deste regime.

Na situação sub judice, a recorrente exerceu o seu direito ao recurso nos termos legalmente permitidos, isto é, para o Tribunal da Relação de Guimarães, que conheceu do seu recurso de apelação.

Tal aresto é, por todos os motivos indicados, definitivo.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em indeferir a reclamação apresentada nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, mantendo-se a decisão singular reclamada, julgando-se consequentemente findo o presente recurso e não se conhecendo do respectivo objecto, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 679º do mesmo diploma legal.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Lisboa, 17 de Outubro de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ricardo Costa

Maria Olinda Garcia

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.