Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
209/21.3YHLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
REJEIÇÃO DE RECURSO
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe, em regra, recurso de revista, salvo nos casos em que é sempre admissível recurso, que são os tipificados no nº2 do art. 629º do CPC.

II - Sendo invocado como fundamento da revista, contradição entre o acórdão recorrido e um outro da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (art. 629, nº2, d)), o recorrente tem o ónus de apresentar cópia, ainda que não certificada do acórdão, alegadamente em oposição com a decisão recorrida (art. 637º, nº2 do CPC).

III – Não estão em oposição, por não estar em causa a mesma questão fundamental de direito,  o acórdão da Relação que entendeu que o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 para painéis na classe 25.01 da Classificação de Locarno, relativo a um painel de estrutura celular, destinado a formar, em conjunto com outros painéis de forma compatível sucessivamente acoplados, a cobertura de edifícios, com registo no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), que goza da protecção prevista para o desenho ou modelo comunitário, por força do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002, e o acórdão da Relação, invocado como fundamento, proferido no recurso de um despacho do Director do INPI que recusou o registo de um modelo de telha por não apresentar características de novidade e singularidade, em confronto com um modelo de telha já registado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Polímeros Gestión Industrial SL, sociedade comercial constituída segundo as leis de Espanha, registada no Registo Comercial de Córdoba sob o número B560002157, com sede na Autovia A-4, KM 412, 14013, Córdoba, Espanha, instaurou procedimento cautelar contra Kinya Solutions Lda, com sede no Eco-Parque Empresarial de Estarreja, Rua de Veiros, n.º 11, 3860-529, Estarreja, pedindo:

1) Se ordene à Requerida que, de imediato, cesse e se abstenha de continuar a produzir, armazenar, distribuir, colocar à venda, publicitar, comercializar, exportar e utilizar, sob qualquer forma, os painéis que constituem uma cópia dos painéis que integram o Desenho Comunitário nº 002778647-0001, de cujo registo a Requerente é titular;

2) Determine a apreensão judicial dos produtos identificados na alínea anterior, existentes nas instalações da Requerida e em qualquer outro local onde sejam detectados;

3) Determine a apreensão de todos os moldes e ferramentas que sirvam para o fabrico dos mesmos produtos, que se encontrem nas instalações da Requerida ou em qualquer outro local onde sejam detectados;

4) Ordene à Requerida a remoção e eliminação de todos os suportes físicos, tais como placas, letreiros, cartazes, cartões de visita, panfletos, anúncios, impressos, correspondência e demais material publicitário, bem como de todas as páginas da internet, incluindo o seu site, em que constem os referidos painéis;

5) Fixe uma sanção pecuniária compulsória de € 1.500 por cada dia de atraso no cumprimento das medidas cautelares ordenadas.’

Citada, a requerida deduziu oposição.

       

Por decisão de 8.6.2022, o Tribunal da Propriedade Intelectual julgou improcedente a providência cautelar e absolveu a requerida do pedido.

Inconformada, a Requerente interpôs recurso de apelação.

Por acórdão da Relação de Lisboa, foi concedido parcial provimento à apelação, tendo aquele Tribunal decidido:

I. Alterar a matéria de facto nos termos constantes do presente acórdão;

II. Revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra que decreta as seguintes medidas cautelares;

III. Ordenar à recorrida que, de imediato, cesse e se abstenha de continuar a produzir, armazenar, distribuir, colocar à venda, publicitar, comercializar, exportar e utilizar, sob qualquer forma, o desenho ou modelo constante do parágrafo 20 deste acórdão, incorporado no painel alveolar constante da imagem reproduzida no parágrafo 17, aí designado por Kynia Painel Alveolar, por isso violar o desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001, de cujo registo a recorrente é titular;

IV. Ordenar à recorrida que remova de imediato do seu website/páginas internet, a publicidade aos painéis designados por Painel Alveolar Kynia, mencionados supra no ponto III.


É a vez da Requerida interpor recurso de revista, nos termos do art. 629º, nº2, d), do CPC, com fundamento em contradição jurisprudencial, por o acórdão recorrido estar em oposição com o Acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, proferido no P. nº891/05.9TYLSB, tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. O acórdão recorrido está em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pela Relação de Lisboa, por ter considerado que as características de interconexão da aparência de um produto determinadas, exclusivamente, pela sua função técnica, gozam da excepção prevista no n.º 3 do art. 8.º do Regulamento.

2. Ao invés do douto aresto recorrido, o Tribunal da Propriedade Intelectual (1ª Instância) decidiu, e bem, que «Enquanto tais, as características determinadas unicamente pela função técnica são insusceptíveis de apropriação, nos termos do já citado artigo 8º nºs 1 e 2 do Regulamento 6/2002/CE.».

3. Com efeito, da leitura do referido artigo facilmente se conclui que as características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica não são passíveis de  protecção como desenho ou modelo, nos termos do art. 8º, nº1 do Regulamento

4. Nos casos em que as características de um desenho ou modelo sejam ditadas apenas pela sua função técnica, a protecção por desenho ou modelo é liminarmente excluída pelo n.º 1, não havendo necessidade de se analisar os n.º 2 e 3.º do art. 8.º

5. O n.º 2 do artigo 8.º foi previsto para acautelar as situações em que as características de interconexão de um desenho ou modelo, não são ditadas exclusivamente pela sua função técnica, mas por outras funções como pro exemplo, estéticas/visuais e não meramente técnicas, o que não é claramente, o caso dos autos, tal como o tribunal recorrido deu como provado no parágrafo 134 do acórdão.

6. Apenas quando os desenhos das características de interconexão também tiveram por base razões estéticas é que tem lugar a avaliação do preenchimento do nº2 do art. 8º e, consequentemente a excepção prevista no n.º 3 daquele artigo, a qual apenas derroga o n.º 2 do art. 8.º (conforme é, aliás, reconhecido no parágrafo 135. do acórdão recorrido).

7. O Tribunal recorrido entendeu ter aplicação ao caso dos autos a excepção prevista no n.º 3 do art. 8.º do Regulamento, por ter efectuado uma incorrecta interpretação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia T-515/197, de 24.03.2021 (acórdão “Lego”).

8. Nomeadamente, interpretou incorrectamente que «a previsão do n.º 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002 é mais ampla do que a do n.º 1, pois abrange dois tipos de casos, aqueles em que as formas de interconexão são ditadas pela sua função técnica, como sucede no caso dos autos, e aqueles em que as formas de interconexão podem ser arbitrárias (ditadas pela função estética)» (destaques nossos) -parágrafos 133. e 134.

9. Acontece que como esclarece o parágrafo 62. desse acórdão, para efeitos da aplicação do n.º 2 do art. 8.º, as características de interconexão do produto objecto de um desenho ou modelo não podem ser ditadas exclusivamente pela sua função técnica, tendo que ter por base, por exemplo, uma função estética, sob pena de caírem apenas no n.º 1 do art. 8.º

 Do parágrafo 63. resulta que as características de interconexão, para efeitos do artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento, devem ser desenhada de forma a que tenham sido tidas em consideração questões visuais e, por essa razão, essas características não caem no âmbito do art. 8.º, n.º 1, do Regulamento


Refere-se ainda no parágrafo 66. desse acórdão que o nº. 2 do art. 8.  apenas foi previsto para as situações em que as características de interconexão não são ditadas exclusivamente pela função técnica

10. Se dúvidas ainda restassem, veja-se que considerando (10) do Regulamento determina que «A inovação tecnológica não pode ser entravada pela concessão de protecção de desenhos ou modelos, com características ditadas unicamente por uma função técnica (… ). Assim sendo, as características do desenho ou modelo que são excluídas da protecção por estes motivos não podem ser tomadas em consideração para se apreciar outras características do desenho ou modelo que preenchem os requisitos para a obtenção da protecção

11. Assim, tendo o Tribunal a quo dado por provado que as características do desenho ou modelo da Recorrida são ditadas exclusivamente pela função técnica, deveria ter considerado preenchida a exclusão de protecção por desenho ou modelo, prevista no n.º 1 do art. 8.º, não havendo lugar à análise da disposição do art. 8.º, n.º 2 por não ter sido apontada nenhuma característica estética/visual do desenho ou modelo n.º 002778647-0001.

12. Existem várias decisões jurisprudenciais que, sobre o mesmo thema decidendum, contrariam o acórdão recorrido. No entanto, a Recorrente terá de nomear apenas um acórdão, por determinação legal, sendo esse o acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, proferido no âmbito do Proc. n.º 891/05.9 YHLSB, cuja certidão se protesta juntar, e consultável em www.dgsi.pt.

13. Neste acórdão estava em causa avaliar se no âmbito do desenho industrial n.º 30.993 (actualmente designado desenho ou modelo), «(… )as nervuras e encaixes transversais existentes nos topos e bordos longitudinais das faces anterior e posterior da telha da Figura 2 do Modelo registando, conferem carácter de novidade e de singularidade a esse modelo, justificativo da concessão de protecção legaI.».

14. Salienta-se, a este respeito, que tal como nos presentes autos, este produto é igualmente considerado um produto de interconcexão, e tem a mesma classificação de Locarno, ou seja, 25.01

15. Neste acórdão-fundamento foi entendido – e bem – que “No caso dos autos, a telha em questão. tendo em conta a definição de modelo e de produto a que aludem os arts. 173° e 174°, n.º 1 obedece aos pressupostos necessários para poder ser protegida, caso reúna os requisitos legalmente exigidos para o efeito. Note-se que a requerente realça o facto de não pretender garantir quaisquer exclusivos sobre a telha tipo lusa, sobejamente conhecida, designadamente em virtude da sua configuração em meia-cana, mas sim garantir a protecção para uma telha que, no seu entender, apresenta características inovadoras, na medida em que introduziu novas formas de encaixe e vedação, concretizadas por novas configurações de ranhuras e entalhes. Porém, o que resulta, desde logo, dos autos é a falta de novidade e de carácter singular do modelo que se pretende proteger, em comparação, nomeadamente, com a telha designada por «Océane Canal», sendo que, os aludidos encaixes e nervuras desempenham uma função essencialmente técnica, o que não é relevante do ponto de vista da aferição do caracter singular do modelo, atento o disposto no citado art.176°, n.º 6, al. a), não sendo, pois, tais características protegidas pelo registo. Aliás. parece até que a própria requerente tem consciência disso mesmo quando refere, expressamente, no seu requerimento de interposição de recurso, que «Sendo a telha lusa e telha tipo lusa sobejamente conhecidas, resta apenas aos criadores de novos modelos  o  melhoramento deste tipo  de telhas através de características técnicas diferentes» (sublinhado nosso e  que «Haverá, pois, que desvalorizar os elementos vulgares da telha tipo lusa (desde há muito conhecidos) e atentar nos pormenores geométricos  que, embora promovam uma função predominantemente técnica (sublinhado nosso) , não deixam de contribuir para a apreciação e o aspecto global da telha.

Poder-se- à dizer, assim, que não estamos no domínio da pura criação estética de um produto, mas antes no âmbito da inovação tecnológica, a qual poderá, eventualmente, encontrar protecção noutros domínios.» -

16. Ora, no acórdão-fundamento, no domínio da mesma legislação (artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento e artigo 175.º, n.º 6, al. a) do CPI) e sobre a mesma questão fundamental de direito, foi considerado que as características da aparência de um produto determinadas, exclusivamente, pela sua função técnica, não são passiveis, em hipótese alguma, de protecção como desenho ou modelo, não sendo necessário sequer analisar, consequentemente, o disposto no art. 175.º n.º 6, al. b) e n.º 7 do CPI – que encontram paralelismo nos n.ºs 2.º e 3.º do art. 8.º do Regulamento.

17. Não obstante este acórdão-fundamento tenha sido prolatado com base no CPI de 2003 (aprovado pelo decreto-lei 36/2003), tal não obsta a que se tenha por verificada a contradição pressuposta pelo art. 629.º, n.º 2, al. d), para a admissão do recurso de revista (Cfr. Ac. STJ de 05.03.2015: Proc. 3762/12.9TBCSC-B.L1.S1, consultável em dgsi.com), uma vez que estamos sempre no domínio da mesma legislação.

18. É manifesta a contradição entre os acórdãos em causa, sobre a mesma questão de direito (a exclusão de protecção, como desenho ou modelo, de características, incluindo de interconexão, definidas exclusivamente por funções técnicas), pois no acórdão recorrido conclui-se que: «134. A esta luz, as características do desenho ou modelo da recorrente (geometria da aba e saliência na extremidade do painel), sendo ditadas exclusivamente pela função técnica de permitir a interconexão dos painéis num sistema modular, são cobertas, simultaneamente, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002.

137. Em consequência, afigura-se que a geometria da aba e saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis num sistema modular, mencionada no parágrafo 23, goza da protecção prevista para o desenho ou modelo comunitário, por força do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002, conjugado com o artigo 4.º n. 2 do mesmo regulamento»

enquanto no acórdão-fundamento concluiu-se que:

«os aludidos encaixes e nervuras desempenham uma função essencialmente técnica, o que não é relevante do ponto de vista da aferição do caracter singular do modelo, atento o disposto no citado art.176°, n.º 6, al. a), não sendo, pois, tais características protegidas pelo registo.».

19. Razões por que o acórdão recorrido deve ser revogado, sendo repristinada a decisão da 1.ª Instância, com as legais consequências.

20. (…).

21. Ora, o Tribunal recorrido, a propósito da análise da alegada infracção do DMC n.º 002778647-0001, não obstante ter tido em consideração que a impressão global a que se refere o artigo 10.º do Regulamento 6/2002 apenas pode ser visual (cf. T-9/07, parágrafo 50) – parágrafo do acórdão recorrido, concluiu no parágrafo 146. que «À luz dos critérios mencionados nos parágrafos anteriores é forçoso constatar que a geometria da aba e a saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis, existentes no desenho ou modelo da recorrida, tal como ficou apurado nos parágrafos 17 e 20, são visíveis depois da sua incorporação no produto para uma utilização normal como painel de cobertura no sector da construção e, não suscitam no utilizador informado uma impressão global diferente da causada pelas mesmas características nos painéis da recorrente, constantes dos parágrafos 13 e 23

Uma imagem com esboço, diagrama, file, Paralelo

Descrição gerada automaticamente

22. De todo o modo, assinala-se que o Tribunal recorrido não chega sequer a fundamentar quais as características do produto da Recorrente que, alegadamente, não suscitam uma impressão global distinta do DMC n.º 002778647-0001, da Recorrida.

(…)

30. O acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia, uma vez que deu como provado um facto não alegado pelas partes.

31. Concretamente, o Tribunal recorrido deu como provado facto 34. E concluiu, no parágrafo 137., que o alegado direito de exclusivo da Recorrida sobre o desenho ou modelo aqui em causa é apenas sobre a geometria da aba e saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis num sistema modular, ou seja, sobre a seguinte forma:

desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001 em representação coberta por fita técnica e chapa


32. Acontece que no seu requerimento inicia a Recorrida nunca invocou qualquer direito de exclusivo sobre a supra reproduzida forma , nem invocou a existência de qualquer infracção da DMC nº 002778647-0001 por parte da Recorrente, pelo facto de o produto desta apresentar a supra referida forma.

33. Com efeito, o que a Recorrida defendeu foi que o produto da ora Recorrente alegadamente infringe o DMC n.º 002778647-0001 por reproduzir as características que o Tribunal a quo entendeu, justamente, não serem visíveis, ou seja, o interior das vistas dos desenhos abaixo reproduzidos, como o número de câmaras internas:

34. Aliás, nunca foi alegado pela Recorrida, nem dado à Recorrente a correspondente possibilidade de se defender, o facto de aquela poder ter, alegadamente, um direito de exclusivo sobre a forma/silhueta do painel de policarbonato objecto do DMC n.º 002778647-0001, tanto mais quando resultou, aliás, provado na 1ª instância que essa é exactamente igual à dos já conhecidíssimos painéis sandwich, como mas facilmente se observa da imagem abaixo reproduzida no parágrafo 27. do acórdão recorrido.

35. Nessa medida,  o acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia, sendo, por conseguinte, nulo nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), 2.ª parte e 666.º, n.º 1 do CPC.

Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio

36. Tal como ficou demonstrado a propósito da contradição do presente acórdão com outro acórdão da Relação, mal andou o Tribunal a quo ao ter considerado que, face à factualidade provada, tem aplicação aos presentes autos a excepção prevista no n.º 3 do art. 8.º

37. Conforme melhor detalhado (…) nos casos em que as características de um desenho ou modelos sejam ditados apenas pela sua função técnica, a protecção por desenho ou modelos é liminarmente excluída pelo nº1, não havendo necessidade de se analisar os nºs 2 e 3 do art. 8º.

38. Para que dúvidas não restem a este respeito, veja-se que o n.º 2 do art. 8.º não refere características “determinadas exclusivamente pela sua função técnica”, mas tão somente “características da sua aparência”.

39. Nestes termos, dúvidas não podem restar de que o DMC n.º 002778647-0001 não goza de protecção como desenho ou modelo comunitário, nos termos do art. 8.º, n.º 1, não tendo aplicação ao caso dos autos a exclusão prevista no n.º 3 do art. 8.º, tal como considerado pela 1ª Instância

40. Em face da factualidade provada, o Tribunal a quo deveria ter concluído que o DMC n.º 002778647-0001 não é novo nem goza de carácter singular, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 2, al. a), uma vez que todas as suas características não ficam visíveis em utilização normal.

41. No entanto, o tribunal recorrido entendeu que “(…) a geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do painel, destinadas a permitir a sua junção (cf. Facto mencionado no parágrafo 23), são visíveis a olho nu, por um utilizador normal que, depois dos painéis montados como telhado ou cobertura, observe a construção do exterior” (parágrafo 77).

42. No presente caso foi feita pelo Tribunal recorrido uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, essencialmente no tocante ao conceito de visibilidade do produto em utilização normal.

43. O facto de haver uma “geometria” visível não indicia minimamente se, por baixo da “fita técnica e uma chapa” há uma aba, uma saliência ou qualquer outra forma, ou seja, poderá eventualmente conceber-se que há uma geometria visível, mas não que há uma aba ou uma saliência visíveis.

44. Esta circunstância é imediatamente perceptível ao comparar o DMC n.º 002778647-0001 no seu formato, com o respectivo formato apresentando pela sua representação coberta por fita técnica e chapa:



desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001 no seu formato tal como apresentado


desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001 em representação coberta por fita técnica e chapa

45. Fica assim perfeitamente claro que, quando um painel alveolar é coberto por fita técnica e chapa, tal como resultou provado no acórdão recorrido, não é visível se por baixo dessa fita e chapa existe uma aba ou uma saliência.

46. Ficando a lateral do painel definida no desenho ou modelo em causa inteiramente coberta, não sobra qualquer característica que seja visível, ou seja, não resta qualquer característica que se enquadre nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 4.º do Regulamento – não tendo esta disposição qualquer aplicação no caso dos autos.

47. Sem prescindir, mesmo que se entenda que há características da DMC em causa que ficam visíveis em utilização normal, o que não se concede, nunca teria aplicação da alínea b) do nº2 do art. 4º, uma vez que, como adiante se demonstrará, essas características não gozam de novidade, nem carácter singular, nos termos do disposto nos arts. 5 e 6 do Regulamento.

48. O DMC n.º 002778647-0001 não possui, ao contrário do decidido no aresto recorrido, novidade nem carácter singular.

49. Ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, encontram-se no processo            inúmeros elementos que consistem em divulgações realizadas antes de 30.04.2015, isto é, a data de prioridade do desenho ou modelo em causa, como por exemplo a figura reproduzida no parágrafo 27, que reproduz um painel tipo sandwich com uma configuração exactamente igual à geometria da aba e saliência na extremidade do painel que o Tribunal recorrido entendeu estar protegida pelo registo do DMC n.º 002778647-0001

(…)

50. Assim, uma divulgação anterior constante no processo consiste, desde logo, no painel sandwich que tem uma configuração igual à do desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001 em representação coberta por fita técnica e chapa, o que destrói a novidade do DMC n.º 002778647-0001 nos termos do art. 5.º, nºs 1 e  2.

51. Também foi reconhecido pelas testemunhas AA (parágrafo 98 da decisão recorrida) e BB (terceiro ponto do parágrafo 98) que já eram conhecidos painéis de abas iguais que apresentam uma configuração igual à que o Tribunal a quo entendeu estar protegida pelo registo do DMC n.º 002778647-0001.

52. A própria Recorrente, conforme resulta dos desenhos técnicos do produto “KINYA PANEL BRANCO OPALINO” constantes do Doc. 2., junto pela mesma à sua Oposição, já comercializava painéis de abas iguais ou abertas.

53. Como se constata imediatamente, quando um painel de abas iguais ou abertas, está coberto por fita técnica e chapa, o mesmo apresenta a mesma forma do DMC n.º 002778647-0001 em representação coberta por fita técnica e chapa, conforme comparação exemplificativa abaixo reproduzida:



desenho ou modelo comunitário n.º 002778647-0001 em representação coberta por fita técnica e chapa


Painel de abas iguais em representação coberta por fita técnica e chapa

54 . Resulta assim dos autos que o DMC n.º 002778647-0001 não possui novidade, uma vez que à data da prioridade, ou seja 30.04.2015, já se encontravam divulgados desenhos e modelos cujas características diferem da geometria da aba e saliência na extremidade do painel objecto do DMC apenas e pormenores insignificantes.

55. Em qualquer circunstância, ainda que se possa considerar que o DMC n.º 002778647-0001 é novo – o que não se concede – o mesmo não preenche o requisito cumulativo do carácter singular

56. Na avaliação do carácter singular de um DMC, para efeitos da sua concessão, não são tidas em consideração as características ditadas unicamente pela sua função técnica.

57. Ora, tendo o Tribunal recorrido concluído que as características do DMC n.º 002778647-0001 que ficam visíveis em utilização normal sem prejuízo quanto ao já referido no ponto VII supra, são ditadas exclusivamente pela sua função técnica, então as mesmas não poderão ser tidas em consideração na análise da impressão global que esse desenho suscita face a divulgações anteriores

58. Neste sentido, e tendo em consideração as divulgações mencionadas supra a propósito da falta de novidade, o Tribunal recorrido deveria ter concluído que o DMC n.º 002778647-0001 não possui singularidade em face, nomeadamente, da configuração do painel sandwich e do painel alveolar de abas iguais, já amplamente divulgados à data da prioridade, por não haver característica divulgados à data da prioridade, por não proteger nenhuma característica que lhe confira singularidade face aos mesmos.

59. Como foi já amplamente referido ao longo da presente revista, não obstante o Tribunal a quo ter considerado provado que o DMC não possui quaisquer outras características para além das ditadas pela sua função técnica, concluiu que o produto da Recorrente alegadamente infringe o DMC n.º 002778647-0001.

60. A única fundamentação do Tribunal a quo a esse respeito, é a constante no parágrafo 146 que se limita a referir que a geometria da aba e a saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis, existentes no desenho ou modelo da recorrida, não suscitam no utilizador informado uma impressão global diferente da causada pelas mesmas características nos painéis da recorrente.

61. Seguindo esta lógica, resultaria que um painel sandwich infringiria o DMC da Recorrida pois, depois de coberto lateralmente, tem a mesma “geometria da aba e saliência”. Inversamente, e seguindo essa lógica, então o DMC da Recorrida também infringiria os painéis de abas iguais, que as testemunhas AA e BB reconheceram existiram já antes da data de prioridade do desenho ou modelo.

62. De qualquer forma, mesmo seguindo-se aquele entendimento, sempre se dirá que não existe, no presente caso, infracção, devido às diferenças existentes entre o produto da Recorrente e o DMC 002778647-0001 melhor identificadas nas alegações de recurso, mas cujo exemplo se reproduz abaixo, como por exemplo as diferenças na forma das abas as quais também terão impacto na geometria exterior dos painéis:

(…)

63. Ao mesmo tempo, verifica-se também que a extensão dos produtos da Recorrente, em proporção para a extensão das abas, é muito menor do que a mesma extensão do objecto do DMC:

(…)

64. Adicionalmente, também a projecção esquerda do objecto do DMC 002778647-0001, está ausente dos produtos da Recorrente:

(…)

65. Por fim, a extensão dos produtos da Recorrente, em proporção para a extensão das abas, é muito menor do que a mesma extensão do objecto do DMC

66. De onde se conclui que, mesmo que o DMC 002778647-0001 fosse válido, o que de forma alguma se concede, os produtos da Recorrente apresentam diferenças de tal forma significativas em relação ao mesmo, que levam a que não exista qualquer infracção por parte da Recorrente

67. Ou seja, se se considerar que i) o DMC cumpre os requisitos de novidade ou carácter singular com base na sua silhueta da geometria da aba e saliência na extremidade do painel, quando comparado com as divulgações anteriores apontadas,  então é  logicamente obrigatório que ii) o painel Kinya em causa também tem de causar uma impressão global distinta no utilizador informado

68. A decisão recorrida está, inclusivamente, a criar um elevado prejuízo económico para a Recorrente que, de repente, se vê confrontada com o facto de ter que cessar a produção de um produto que não pode ser de produção exclusiva por parte de nenhuma entidade, sendo, inclusivamente comercializado por inúmeras empresas do ramo.

69. Para o decretamento da presente providência cautelar, devem demonstrar-se preenchidos os dois requisitos que constam dos n.ºs 1 e 2 do artigo 345.º do CPI, ou seja, (i) a titularidade do direito de propriedade industrial e (ii) que se verifica a alegada violação do direito em questão.

70. Nos presentes autos resultaram provados factos que colocam em causa a validade do DMC registado n.º 2778647-0001, não se indiciando, assim, a titularidade do direito de propriedade industrial invocado pela Recorrida como fundamento da requerida providência nos termos do artigo 345, n° 1, alíneas a) e b) e n° 2 do CPI.Por outras palavras, há ausência de fumus  boni iuris, e prova ostensivamente evidente da invalidade do registo invocado, suficiente para afastar a presunção legal prevista no art. 4.º, n.º 2 do CPI e 17.º do RDMC.

71. Mesmo que se considere que o DMC da Recorrida é válido, o que de forma alguma se concede, sempre se dirá que, como se referiu supra e se encontra melhor detalhado nas alegações de recurso, o produto da Recorrente aqui em causa não constituiu, em hipótese alguma, uma infracção do DMC n.º 2778647-0001.

72. Consequentemente, deverá a providência cautelar, intentada pela ora Recorrida Polímeros Gestión Industrial SL contra a ora Recorrente Kinya Solutions, Lda., ser julgada totalmente improcedente.


*


Contra alegou a Recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

a) O presente recurso deve ser liminarmente rejeitado porque a recorrente não cumpriu o disposto no artigo 637º nº 2 in fine do CPC;

b) Caso assim não se entenda, a realidade é que não existe contradição entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos-fundamento, pelo que não se encontra preenchida a alínea d) do n. º2 do artigo 629.º do CPC;

c) O Acórdão recorrido e o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 891/05.9 YHLSB não foram proferidos ao abrigo da mesma legislação, uma vez que o Acórdão-fundamento foi proferido ao abrigo do CPI – estava em causa um Modelo Nacional –, ao passo que o Acórdão recorrido foi proferido ao abrigo do Regulamento da União Europeia n.º 6/2002 – nos presentes autos está em causa um Desenho Comunitário;

d) No entanto, caso se entenda que se trata da mesma legislação, mas sem conceder, não há uma contradição de decisões no âmbito da mesma questão fundamental de direito, nem tão pouco uma contradição com jurisprudência do Tribunal Geral da União Europeia (bem pelo contrário, uma vez que o Acórdão ora posto em crise vai precisamente ao encontro do entendimento perfilhado no Acórdão T-515/19 (doravante, “Acórdão Lego”);

e) O TRL, na decisão-fundamento, afirma que as características do Modelo aí em causa desempenham  uma “função essencialmente técnica”, “função predominantemente técnica” ou “função “eminentemente técnica”, ou seja, uma função que não é exclusivamente técnica. Deste modo, bem ou mal, o que foi entendido no Acórdão-fundamento foi que as referidas característicaseram essencialmente/predominantemente/eminentemente técnicas, mas não exclusivamente técnicas, como sucede no Acórdão recorrido,

f) Em todo o caso, se se considerar, por hipótese de raciocínio, que, por lapso, o Acórdão-fundamento pretendia afirmar que as características determinadas exclusivamente pela sua função técnica não são suscetíveis de proteção como desenho ou modelo, a verdade é que, ainda assim, não existe qualquer contradição entre o mesmo e o Acórdão recorrido;

g) Com efeito, o Acórdão-fundamento apenas se limitou a afirmar que as características em apreço do Modelo industrial ali em causa não são protegidas nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do art. 176.º do CPI (de 2003) – a alegada norma “paralela” do art. 8.º/1 do Regulamento –, não se tendo pronunciado nem sobre a alínea b) do referido n.º 6 – a alegada norma “paralela” do art. 8.º/2 do Regulamento –, nem sobre o n.º 7 do mesmo artigo – a alegada norma “paralela” do art. 8.º/3 do Regulamento. Ou seja, no Acórdão-fundamento, o TRL não analisou se o disposto no art. 176.º, n.º 6.º, alínea b) e no n.º 7 do CPI de 2003 – as tais normas “paralelas” do n.º 2 e n.º 3 do art. 8.º do Regulamento – eram aplicáveis ao caso em análise;

h) E muito menos disse, como afirma a Recorrente, que as referidas características “não são passiveis, em hipótese alguma, de protecção como desenho ou modelo, não sendo necessário sequer analisar, consequentemente, o disposto no art. 175.º n.º 6, al. b) e n.º 7 do CPI”. Na verdade, o Acórdão recorrido apenas considerou que as referidas características técnicas não são protegidas pelo registo, de acordo com o citado art. 176.º, n.º 6, alínea a) do CPI. Ou seja, esta afirmação da Recorrente não tem qualquer correspondência no texto do Acórdão;

i) Tendo o TRL entendido, no Acórdão recorrido, que as características que preenchem simultaneamente os requisitos da novidade, da singularidade e da visibilidade, são a geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do painel, destinadas a permitir a junção sucessiva dos painéis entre si, através da sobreposição de um painel sobre a saliência do painel contíguo, e que essas características foram determinados unicamente por funções técnicas, o TRL considerou que, nessa medida, se a situação se enquadrar unicamente no artigo 8.º n.º 1 do Regulamento 6/2002, as referidas características não gozam de proteção porque, embora se tenha provado que admitem formas alternativas, a necessidade de cumprir uma função técnica (permitir a ligação dos painéis) foi o único fator que se apurou ter determinado a escolha dessas formas do desenho ou modelo. Ou seja, no Acórdão recorrido, tal como no Acórdão-fundamento, o TRL considerou que as características ditadas exclusivamente por uma função técnica não são protegidas pelo registo, nos termos do n.º 1 do art. 8.º do Regulamento, pelo que não há qualquer contradição com o Acórdão-fundamento;

j)   O que sucede dediferente, é que o Acórdão recorrido debruçou-se aindasobre os restantes números do art. 8.º do Regulamento, tendo entendido que, na medida em que a geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do painel “devem ser necessariamente reproduzidas nas suas formas e dimensões exacta para permitirem que o produto a que o desenho ou modelo se aplica ou em que é incorporado seja ligado mecanicamente a outro produto ou colocado dentro, à volta ou contra outro produto, de modo a que ambos possam desempenhar a sua função”, o desenho da Recorrida enquadra-se também na previsão do n.º2doart.8.ºdoRegulamento devido às formas deinterconexão;

k) E que a previsão do n.º 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002 é mais ampla do que a do n.º 1 do mesmo artigo, pois abrange dois tipos de casos – aqueles em que as formas de interconexão são ditadas pela sua função técnica, como sucede no caso dos autos, e aqueles em que as formas de interconexão podem ser arbitrárias (ditadas pela função estética) –, pelo que “é possível que um desenho ou modelo se enquadre simultaneamente no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002”.

l)     Sendo assim, entendeu o TRL que o artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002 “derroga a exclusão deproteção consagradanon.º2 desse preceito (“excepção Lego”), no caso de sistemas modulares, como sucede com o desenho oumodelo comunitário da recorrente (cf. considerandos (10) e (11) do Regulamento 6/2002)”, pelo que “a geometria da aba e saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis num sistema modular (…), goza da protecção prevista para o desenho ou modelo comunitário, por força do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002 (…).”;

m) Ou seja, não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento, uma vez que aquele partilha o mesmo entendimento quanto ao n.º 1 do art. 8.º do Regulamento, mas indo mais longe, analisa também os n.ºs 2 e 3 desse artigo;

n) Além de o Acórdão recorrido não ser contraditório com o Acórdão-fundamento, não é também contraditório com o Acórdão Lego. Bem pelo contrário, já que acolhe precisamente o entendimento espelhado por este quanto à proteção dos sistemas modulares. Com efeito, resulta do Acórdão Lego – e apesar de o n.º 3 do art. 8.º não ter chegado a ser aplicado – que a proteção dos desenhos cuja função seja permitir a sua ligação num sistema modular abrange quer as características estéticas, quer as características ditadas exclusivamente por funções técnicas;

o) Acresce que, em 30 de maio de 2022, foi proferida a decisão do Third Board of Appeal (decisão R 1524/2021-3), na qual este vem precisamente aplicar a exceção prevista no art. 8.º, nº 3 do Regulamento, seguindo o entendimento exposto na alínea anterior pelo Tribunal Geral da União Europeia. Mais concretamente, o Board refere que, se todas as características do desenho foram exclusivamente ditadas por uma função técnica, é aplicável o n.º 1 do art. 8.º, mas refere, contudo, que, se assim for, é então necessário aferir se o desenho reúne os requisitos de proteção da exceção prevista no n.º 3 do art. 8.º. E, considerando que o desenho tem o objetivo de permitir a montagem múltipla ou a conexão de produtos mutuamente interligados, o Board conclui, então, pela proteção ao abrigo da exceção prevista no n.º 3 do art. 8.º do Regulamento, tal como sucedeu no Acórdão recorrido;

p) No que diz respeito ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo n.º 85/18.3YHLSB.L1-6, observa-se que neste estava em causa aferir se o fabrico e comercialização de uma sola de sola de sapato constituíam atos de infração de um Desenho Comunitário e, mais concretamente, se as características da aparência dessa sola não suscitariam a um utilizador informado uma impressão global distinta da aparência da sola protegida pelo Desenho Comunitário, tendo sido aí decidido que não havia infração uma vez excluídos da análise da impressão global os elementos ou características que resultavam necessariamente da função técnica;

q) A solução interpretativa sobre o artigo 10.º do Regulamento vertida no Acórdão recorrido carece de ser melhor contextualizada e enquadrada face ao exposto a propósito da proteção dos painéis da Recorrida, pois só assim se alcança o seu verdadeiro sentido. Mais concretamente, a interpretação e aplicação do artigo 10.º do Regulamento pelo TRL, no sentido de considerar as características da geometria aba e a saliência na extremidade do painel aquando da apreciação da impressão global para efeitos de aferição da infração dos painéis da Recorrida pelos painéis da Recorrente, é consequência necessária da proteção que lhes foi reconhecida. Aliás, a solução não poderia ser outra, visto que o TRL entendeu que as referidas características técnicas mereciam proteção ao abrigo do artigo 8.º, n.º 3 do Regulamento;

r) Não faria sentido em face da lei aplicável, admitir, por um lado, a proteção de características exclusivamente técnicas de desenhos ou modelos de sistemas modulares (ao abrigo do artigo 8.º, n.º 3) e, por outro, não ser possível efetivar ou concretizar os efeitos dessa mesma proteção contra desenhos ou modelos de terceiros que reproduzissem essas mesmas características ou outras sobre as quais não seja possível retirar uma impressão global distinta, pelo que não pode merecer acolhimento a tese da Recorrente no sentido de excluir as características técnicas (leia-se, as características protegidas in casu) da apreciação da impressão global do desenho, nos termos em que a mesma se encontra sustentada pelo Acórdão-fundamento invocado. É que o Acórdão-fundamento debruça-se sobre a irrelevância das características técnicas para a apreciação do âmbito de proteção de um desenho ou modelo porque àquelas não foi reconhecida nenhuma proteção, contrariamente ao que sucedeu no caso sub judice;

s) No Acórdão-fundamento, os produtos cuja aparência é protegida pelos desenhos em confronto, por serem parte integrante de um sapato, não dizem respeito a um desenho ou modelo cuja finalidade seja permitir a montagem múltipla de produtos idênticos ou intermutáveis, ou a sua ligação num sistema modular, pelo que quaisquer características da aparência ditadas exclusivamente por uma função técnica são excluídas de proteção nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento e a exceção prevista no n.º 3 deste artigo não tem, nesse caso, aplicação. Desta forma, não existe qualquer contradição entre o Acórdão-fundamento e o Acórdão recorrido, desde logo porque não se verifica o pressuposto base da identidade da situação de facto subjacente;

t)  A Recorrida não alegou apenas a proteção e a infração “do interior das vistas do painel” no seu RI, mas a de outras características, em particular as mencionadas nos arts. 21.º 22.º, 26.º e 28.º, nas quais se incluem a geometria/aparência da aba e saliência, pelo que o Acórdão recorrido não sofre de qualquer nulidade por excesso de pronúncia, nos termos dos arts. 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1 do CPC;

u) A decisão de primeira instância não pode ser repristinada, uma vez que o TRL retificou erros materiais da sentença proferida pelo TPI e modificou a decisão sobre a matéria de facto e regras sobre o ónus da prova, pelo que este Supremo Tribunal irá aplicar definitivamente o direito que julgue adequado aos factos dados como provados pelo TRL (art. 682.º e art. 674.º, n.º 3 do CPC);

v) Por outro lado, o direito aplicável é limitado ao âmbito do presente recurso, o qual apenas é admissível no que diz respeito à alegada contradição de julgados e à nulidade da sentença. Isto é, o Tribunal não irá pronunciar-se sobre todos os outros aspetos que Recorrente invocanos capítulos VI e seguintes das suas alegações, razão pela qual deverão os mesmos ser desconsiderados.

w) Em todo o caso, se se entender que as características de um desenho ou modelo são ditadas apenas pela sua função técnica, a proteção por desenho ou modelo nãoéliminarmente excluídapelon.º1,como bementendeu oAcórdão Lego, o qual esclarece precisamente o contrário. Com efeito, neste aresto foi entendido que, uma vez verificados os pressupostos do n.º 1 do art. 8.º, importa verificar se os requisitos de proteção do n.º 3 estão ou não preenchidos, sendo que a exceção aí prevista abrange todas as características previstas no n.º 2, isto é, as exclusivamente técnicas e as não exclusivamente técnicas. Este entendimento, que foi também espelhado na decisão do Board of Appeal, corresponde precisamente ao entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, pelo que bem andou o TRL ao ter entendido que o Desenho da Recorrida goza de proteção ao abrigo do disposto no art. 8.º, n.º 3 do Regulamento;

x) A Recorrente não invoca qualquer decisão do TRL que seja contraditória com a do Acórdão recorridorelativamente ao entendimento quantoàvisibilidadedas características do Desenho da Recorrida por um utilizador normal, não estando, portanto, este trecho da decisão sujeito à reapreciação deste Supremo Tribunal, sendo que, em todo o caso, as características em apreço são suscetíveis de proteção;

y) A forma resultante da aposição de uma fita técnica e chapa no painel da Recorrida não é aquela que a Recorrente vem reproduzir nas suas alegações, sendo que, em todo o caso, este Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá apreciar, no caso em concreto, a matéria de direito e não a matéria de facto fixada pelo TRL (art. 682.º, n.º 2 do CPC), razão pela qual sempre se veria limitado na apreciação das questões aqui suscitadas pela Recorrente. Acresce que, também aqui a Recorrente não invoca qualquer decisão do TRL que seja contraditória com a do Acórdão recorrido, não estando, portanto, este trecho da decisão sujeito à reapreciação deste Tribunal;

z) Na medida em que as características técnicas que permitem a montagem ou acoplamento, e que à partida não beneficiariam de proteção por força do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 8.º do Regulamento, podem ser protegidas ao abrigo do n.º 3 desse artigo, naturalmente que as mesmas deverão ser tidas em consideração aquando da apreciação da impressão global para aferição do requisito da singularidade, sob pena de se retirar a eficácia do n.º 3 do artigo 8.º do Regulamento;

aa) As características protegidas consistem na geometria da aba e saliência na extremidade existentes no painel da Recorrida, as quais, por sua vez, também se verificam nos painéis da Recorrente;

bb) A presença dessas características nos painéis da Recorrente, que não suscitam, no utilizador informado, uma impressão global distinta das existentes na aparência dos painéis protegida pelo Desenho da Recorrida em causa, não foram autorizadas pela Recorrida, pelo que, tendo tais factos – a verificação das referidas características nos painéis da Recorrente e a ausência de uma autorização dessa reprodução por parte da Recorrida – sido dados como provados, houve infração dos direitos emergentes do registo da Recorrida, pelo que dúvidas não restam de que o TRL fez uma correta subsunção da solução de direito aos factos. Nesta medida, pode a Recorrida lançar mão do mecanismo revisto no art. 19.º, n.º 1 do Regulamento;

cc) A ilisão da presunção legal de validade do registo de desenho comunitário estabelecida no n.º 2 do art. 4.º do CPI e no art. 17.º do Regulamento n.º 6/2002 não se coaduna com uma mera contraprova que crie dúvidas – mesmo que sérias – sobre a validade do registo de desenho da Recorrida, mas antes implica que o julgador fique convicto, em face da prova produzida, de que o direito é inválido. Isto é, tem de ser feita prova do contrário, nos termos do artigo 350º nº 2 do Código Civil;

dd) Tem sido entendimento estável dos tribunais superiores queos procedimentos cautelares requeridos ao abrigo do art. 345.º do CPI não podem ser indeferidos com fundamento na não verificação do fumus boni iuris, exceto quando a invalidade do direito invocado como causa de pedir é ostensiva, sendo que, neste caso, nem sequer o TPI entendeu que assim fosse, uma vez que este fundamentou o indeferimento do procedimento cautelar por se suscitarem “sérias dúvidas” quanto aos requisitos de validade do Desenho da Recorrida (as “sérias dúvidas” não bastam para indeferir requerimento de providências cautelares, uma vez que, por efeito jurídico da presunção legal, a invalidade teria de ter sido provada pela Recorrente e dessa prova ela resultar ostensivamente evidente aos olhos do tribunal);

ee) A Recorrida cumpriu também o outro pressuposto de decretamento das providências cautelares requeridas, isto é, a demonstração da infração dos direitos emergentes do seu registo, não restando dúvidas de que o produto da Recorrente é uma imitação do desenho da Recorrida, apresentando a mesma impressão global, em particular em face da factualidade dada como provada pelo TRL, isto é, que a geometria da aba e saliência nas extremidades do painel não suscitam no utilizador informado uma impressão global diferente da causada pelas mesmas características da aparência protegida dos painéis da Recorrida.

ff) Estão, assim, verificados todos os requisitos legais necessários para o decretamento das providências cautelares, nos termos do n.º 1 do art. 345.º do CPI


Fundamentação de facto.

A decisão recorrida assentou no seguinte acervo factual:

1. A requerente é uma empresa espanhola sediada em Córdova que se dedica ao fabrico de plásticos em formas primárias, cfr. doc. 1 junto a fls. 18-23 dos autos, que se dá por reproduzido.

2.  Encontra-se registado no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em nome da requerente, desde 24.09.2015 com reivindicação de prioridade do pedido de desenho ou modelo espanhol nº DO521121 reportada a 30.04.2015, o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 para painéis na classe 25.01 da Classificação de Locarno, relativo a um painel de estrutura celular composto por várias câmaras internas apresentando uma primeira lateral com uma aba de configuração convexa, que define uma cavidade e ostenta um espessamento na junção com o corpo principal do painel, e uma segunda lateral com uma saliência/grega em forma de trapézio que encaixa na cavidade definida pela aba da primeira lateral do painel.


3. O produto a que se reporta o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 * da
requerente (ponto 2 do presente enunciado de factos) é um painel de estrutura celular
composto por várias câmaras internas apresentando uma primeira lateral com uma aba de
configuração convexa, que define uma cavidade e ostenta um espessamento na junção com
o corpo principal do painel, e uma segunda lateral com uma saliência/grega em forma de
trapézio que encaixa na cavidade definida pela aba da primeira lateral do painel, destinado a
formar, em conjunto com outros painéis de forma compatível sucessivamente acoplados, a
cobertura de edifícios.

4. A requerida é uma sociedade constituída em 30.01.2015 que tem como objecto social a “fabricação de painéis alveolares de policarbonato e acessórios; fabricação de perfis metálicos; comércio por grosso de produtos  relacionados;  actividades de engenharia e técnicas afins”. 

5.  No âmbito da sua actividade, a requerida fabrica, vende e faz a instalação de sistemas de revestimento em policarbonato alveolar, apresentando-se no seu site https://www.kynia.pt/sobre.html como “o primeiro fabricante português de painéis em policarbonato” e almejando “(…) ser uma referência do mercado nacional, em termos de fabrico de painéis de Policarbonato (…), mas com foco no crescimento a nível internacional”, cfr. doc. 22 junto a fls. 89-89v dos autos, que se dá por reproduzido.

6. No referido site da requerida (ponto 5 do presente enunciado de factos) é possível observar que esta fábrica placas modulares alveolares e compactas, com respectivamente as aparências seguintes, cfr. doc. 23 junto a fls. 90-90v dos autos, que se dá por reproduzido

7. Entre as várias características do policarbonato estão a maleabilidade, a impermeabilização e a transparência, as quais permitem a entrada de luz natural nos edifícios e a consequente poupança energética, cfr. doc. 16 junto a fls. 43-45 dos autos, que se dá por reproduzido.

8.  Em 2.10.2019, a requerida e o grupo Verzatec S.A. de C.V. do qual a requerente faz parte assinaram um acordo de confidencialidade (‘Non-disclosure Agreement’) pelo prazo de 6 meses, nos termos do qual se comprometeram a não divulgar a terceiros informação confidencial que qualquer das partes divulgue uma à outra no âmbito do dito acordo, sem o consentimento prévio da outra parte, cfr. doc. 1 da oposição junto a fls. 129-130v dos autos, que se dá por reproduzido.

9.  Em 29.11.2019, a requerente enviou uma carta à requerida, interpelando esta a no prazo de 10 dias cessar o fabrico, oferta, publicidade, distribuição, colocação no mercado e venda dos seguintes produtos de revestimento, alegando que violavam o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-001 dos autos, cfr. doc. 2 da oposição junto a fls. 131-138v dos autos que se dá por reproduzido:

10. Nos desenhos esquemáticos de configurações de painéis de “policarbonato alveolares” reproduzidos no artigo 14º do requerimento inicial, todas as seguintes figuras, que se dão por reproduzidas, contêm a referência “Producto Patentado” que em português significa “produto Patenteado:

11.  A estrutura alveolar do painel objecto do registo de desenho ou modelo comunitário nº 2778647-001 tem o propósito de assegurar designadamente um isolamento térmico melhorado (relativamente a painéis compactos) pela existência de ar no interior dos alvéolos delimitados pelas várias paredes da dita estrutura

12. A geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do dito painel (ponto 11 do presente enunciado de factos e vistas 2 e 3 do desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001) têm por função permitir a junção sucessiva de painéis entre si, através da sobreposição da aba de um painel sobre a saliência do painel contíguo, cfr. indicado no artigo 29º do requerimento inicial que se dá por reproduzido.

13. A projecção existente na extremidade do painel correspondente à dita saliência e a reentrância existente na extremidade oposta são destinadas a permitir o respectivo acoplamento quando sucessivamente juntos para formar revestimentos de cobertura, como descrito (ponto 12 do presente enunciado de factos).

14. Em 18.08.2021, a requerida apresentou um pedido de declaração de invalidade do desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 da requerida, por não se tratar de um desenho ou modelo comunitário, ser determinado pela sua função técnica e ainda por falta de novidade e carácter singular, nos termos constantes do doc. junto com o requerimento de 19.08.2021 (ref.ª 3959295) a fls. 159v-161 dos autos, que se dá por reproduzido.

15. (eliminado pela Relação por se tratar de um parecer técnico).

16. (eliminado pela Relação por se tratar de um parecer técnico).

17.  Coexistem no mercado, designadamente o português, vários painéis alveolares de policarbonato como os seguintes, um produzido e comercializado pela empresa italiana Alveco e o outro da firma Ferreira & Américo, Lda., cfr. docs. 3 e 4 da oposição juntos a fls. 139-140 dos autos:

18. Em 2019, a requerente passou a integrar o conhecido grupo empresarial mexicano Verzatec, especializado em laminados plásticos reforçados com fibra de vidro, lâminas de policarbonato e painéis para a indústria de construção e de transporte, cfr. docs. 12, 13 e 14 do requerimento inicial, que se dão por reproduzidos.

19.  A requerente é uma empresa conhecida por apostar na inovação dos seus produtos e dedica-se em particular ao fabrico e à comercialização de painéis de policarbonato para aplicação em coberturas industriais, tendo sido galardoada em 2018 com o “Premio Pyme”, atribuído pela Camara de Comercio espanhola e pelo Banco Santander, cfr. docs. 6 a 11 do requerimento inicial, que se dão por reproduzidos.

20.  A estrutura alveolar dos painéis objecto do desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 não é visível, uma vez aplicados estes nas coberturas a que se destinam.

Factos aditados pela Relação

21. O preço (PVP – preço de venda ao público) dos painéis da recorrida, à data de 2019, apresentava um valor inferior ao preço (PVP) dos painéis da recorrente.

22. Quer os elementos ditados unicamente pela função técnica mencionada nos parágrafos 22 e 24 (factos provados 11 e 13 da sentença recorrida), que não são visíveis na utilização como telhado ou cobertura a que se destinam os painéis, quer os elementos ditados unicamente pela função técnica mencionada no parágrafo 23 (facto provado 12 da sentença recorrida), que são visíveis na utilização como telhado ou cobertura a que se destinam os painéis, admitiam formas alternativas.

23. Estão protegidas pelo registo mencionado no parágrafo 13 (facto provado 2 da decisão recorrida) as características desse desenho ou modelo que continuam visíveis após incorporação no produto, mencionadas no parágrafo 33.

24. A recorrente não autorizou a recorrida a fabricar os painéis com as características mencionadas no parágrafo 20 quanto à geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do dito painel.

Facto não provado:

 A requerente é a única produtora na Península Ibérica de painéis de policarbonato para aplicação em coberturas industriais.


*


Da admissibilidade da revista.

A Recorrida suscita a questão prévia da não admissibilidade da revista por a Recorrente não ter apresentado cópia do acórdão fundamento, nem se verificar a contradição jurisprudencial invocada como fundamento do recurso.

O recurso vem interposta de um acórdão da Relação que, revogando a sentença de 1ª instância, deferiu a providência cautelar instaurada pela Recorrida, recurso estribado no art. 629º, nº2, alínea d), do CPC, uma vez que o art. 370º/2 do CPC restringe o recurso de revista nos procedimentos cautelares “aos casos em que o recurso é sempre admissível”, o que remete para do art. 629º nº2.

Sendo invocado como fundamento a hipótese da alínea d) – “é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro dessa ou de diferente Relação no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão  fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme” – o recorrente tem o ónus de juntar com o requerimento de interposição de recurso, “cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento” (art. 637º/2 do CPC).

No caso vertente, a Recorrente invocou como acórdão em oposição com a decisão recorrida o acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, proferido na Apelação nº 891/05.09TYLSB, tendo apresentado cópia do mesmo por requerimento de fls, pelo que se considera cumprido o ónus a que alude o nº2 do art. 637º.


Vejamos então se se verifica o fundamento do recurso invocado.


A contradição de julgados a que alude a alínea d), do nº2 do art. 629º pressupõe que os acórdãos em confronto tenham sido proferidos i) no domínio da mesma legislação, e ii) que versem sobre a mesma questão fundamental de direito.


O Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo de forma reiterada que “uma questão fundamental de direito considera-se decidida de forma oposta quando corresponde a interpretações divergentes de um mesmo regime normativo, situando-se ou movendo-se no âmbito da interpretação e aplicação de um mesmo instituto ou figura jurídica fundamental” (Acórdão do STJ de 11.02.2020, CJ/STJ, I, p. 68-71).


Ou seja, as decisões são divergentes se têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos interesses específicos das partes em conflito  - sejam análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito  jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, e que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso (isto é, que integre a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto, não sendo suficientes decisões implícitas ou menções acessórias).


Posto isto, vejamos se o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se debruçaram sobre a mesma questão fundamental de direito


Em ambos os acórdãos estava em causa saber se determinadas características da aparência de um produto gozam de protecção, pelo seu carácter de novidade e de singularidade, à luz das pertinentes disposições do Código da Propriedade Industrial (CPI), e do Regulamento Comunitário (CE) 6/2002, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, e sobretudo a denominada regra da funcionalidade, que leva a excluir da protecção as características do produto, determinadas pela sua função técnica.


Princípio este consagrado no art. 175º, nº6, alínea a), do CPI ( DL nº 110/2018, de 2018), que corresponde ao art. 176º, nº6, al. a) do CPI de 2003:


Não são protegidas pelo registo as caraterísticas da aparência de um produto determinadas, exclusivamente, pela sua função técnica.


De modo idêntico prescreve o art. 8º, nº1 do Regulamento:

As características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica não são susceptíveis de protecção como desdenho ou modelos comunitários.


Dito isto.

O acórdão recorrido foi proferido num procedimento cautelar, intentado por uma sociedade de direito espanhol, que tem registado no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), desde 24.09.2015 com reivindicação de prioridade do pedido de desenho ou modelo espanhol nº DO521121 reportada a 30.04.2015, o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 para painéis na classe 25.01 da Classificação de Locarno, relativo a um painel de estrutura celular composto por várias câmaras internas apresentando uma primeira lateral com uma aba de configuração convexa, que define uma cavidade e ostenta um espessamento na junção com o corpo principal do painel, e uma segunda lateral com uma saliência/grega em forma de trapézio que encaixa na cavidade definida pela aba da primeira lateral do painel;

O produto a que se reporta o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-0001 da requerente, destina-se a formar, em conjunto com outros painéis de forma compatível sucessivamente acoplados, a cobertura de edifícios;

Por sua vez, a requerida é uma sociedade constituída em 30.01.2015 que tem como objecto social a “fabricação de painéis alveolares de policarbonato e acessórios; fabricação de perfis metálicos; comércio por grosso de produtos relacionados; actividades de engenharia e técnicas afins”;

A requerente interpôs a presente providência cautelar visando, no essencial, a intimação da requerida a cessar o fabrico, oferta, publicidade, distribuição, colocação no mercado e venda dos seguintes produtos de revestimento, alegando que violam o desenho ou modelo comunitário nº 2778647-001;

O acórdão recorrido, revogando a sentença de 1ª instância, decretou a providência.

Considerou para tanto que o modelo da Requerente goza de protecção conferida pelo art. 19º do Regulamento Comunitário (CE) 6/2002, relativo aos desenhos ou modelos comunitários – “1. Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento (…) - .

A Relação, depois de identificar os requisitos de protecção do desenho ou modelo – a novidade, a singularidade, a visibilidade, a susceptibilidade de o desenho ser incorporado num produtoe o requisito negativo de protecção previsto no art. 8º do Regulamento – concluiu que de entre os elementos do desenho ou modelo da recorrente, que esta alega não serem banais, os únicos que, não sendo insignificantes, causaram no utilizador informado uma impressão global diferente e que, pelos motivos já acima expostos, preenchem simultaneamente os requisitos da novidade, da singularidade e da visibilidade, são a geometria da aba e saliência existentes nas extremidades do painel, destinadas a permitir a sua junção a outros painéis, beneficiando do requisito de protecção previsto no art. 4º, nº2, b):

“um desenho ou modelo aplicado ou incorporado um produto que constitua um componente de um produto complexo só é considerado novo e possuidor de carácter singular se as características visíveis do componente satisfizerem, enquanto tal, os requisitos de novidade e singularidade.”

Mais considerou, quanto ao requisito negativa de protecção, que o caso não se subsume unicamente ao nº1 do art. 8º do Regulamente, como sustenta a Requerida e ora Recorrente, mas também ao nº2, sendo-lhe aplicável a excepção prevista no nº 3 do art. 8º.

O artigo 8º do Regulamento estatui:

Desenhos ou modelos ditados pela sua função técnica e desenhos ou modelos de interconexões

1. As características da aparência de um produto determinadas exclusivamente pela sua função técnica não são susceptíveis de protecção como desenhos ou modelos comunitários.

2. Um desenho ou modelo não será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que as características da sua aparência devam necessariamente ser reproduzidas nas suas formas e dimensões exactas para permitirem que o produto a que o desenho ou modelo se aplica ou em que é incorporado seja ligado mecanicamente a outro produto ou colocado dentro, à volta ou contra outro produto, de modo a que ambos os produtos possam desempenhar a sua função.

3. Em derrogação do disposto no n.º 2, um desenho ou modelo cuja finalidade seja permitir a montagem múltipla de produtos idênticos ou intermutáveis, ou a sua ligação num sistema modular, será protegido como desenho ou modelo comunitário nas condições definidas nos artigos 5.º e 6.º.


Sobre este requisito, ponderou o acórdão recorrido:

“ (…) a previsão do n.º 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002 é mais ampla do que a do n.º 1, pois abrange dois tipos de casos, aqueles em que as formas de interconexão são ditadas pela sua função técnica, como sucede no caso dos autos, e aqueles em que as formas de interconexão podem ser arbitrárias (ditadas pela função estética).

A esta luz, as características do desenho ou modelo da recorrente (geometria da aba e saliência na extremidade do painel), sendo ditadas exclusivamente pela função técnica de permitir a interconexão dos painéis num sistema modular, são cobertas, simultaneamente, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002.

Sendo assim, tal como defende a recorrente, o artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002, derroga a exclusão de protecção consagrada no n.º 2 desse preceito (“excepção Lego”), no caso de sistemas modulares, como sucede com o desenho ou modelo comunitário da recorrente (cf. considerandos (10) e (11) do Regulamento 6/2002).

Perante isso e embora o Tribunal Geral da União Europeia não chegue a aplicar o n.º 3 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002 no caso Lego, o certo é que conclui que o n.º 3 desse artigo, apesar de se aplicar apenas às situações previstas no n.º 2, deve aplicar-se a todas elas, incluindo aquelas que são simultaneamente cobertas pelos n.ºs 1 e 2 deste preceito legal (cf. parágrafos 77 e 78 do acórdão T- 515/19).

Em consequência, afigura-se que a geometria da aba e saliência na extremidade do painel destinada a permitir a sua interconexão com outros painéis num sistema modular, mencionada no parágrafo 23, goza da protecção prevista para o desenho ou modelo comunitário, por força do disposto no artigo 8.º n.º 3 do Regulamento 6/2002, conjugado com o artigo 4.º n. 2 do mesmo regulamento, aqui aplicáveis, pelos motivos já acima expostos.”


Vejamos agora o acórdão fundamento.

Este acórdão foi proferido no recurso de um despacho do Director do Instituto Nacional de Propriedade Industrial que recusou o registo do modelo industrial para um tipo de telha, “tipo lusa”, com “configuração rectangular, com uma parte plana e uma parte ondulada em meia cana e as faces anterior e posterior com nervuras e encaixes transversais nos topos e longitudinais”, na sequência de reclamação apresentada por uma sociedade de direito francesa.

A 1ª instância negou provimento ao recurso e manteve o despacho do Senhor Director de INPI, decisão confirmada pela Relação (acórdão de 12.03.2009).

A confirmação da decisão de recusa do registo de modelo baseou-se na falta dos requisitos de novidade e de singularidade, por comparação com um modelo de telha com registo anterior, tendo ponderado que as características da telha – nervuras e encaixes transversais existentes nos topos e bordos longitudinais das faces anteriores do modelo da telha – “desempenham uma função essencialmente técnica, o que não é relevante do ponto de vista da aferição do carácter singular do modelo, atento o disposto no art. 176º, nº6, alínea a) do CPI, não sendo, pois, tais características protegidas pelo registo.”

(…)

Do confronto das duas decisões resulta que:

Ambas partilham o mesmo entendimento quanto às características da aparência de um produto determinadas, exclusivamente, pela sua função técnica: não são protegidas pelo registo, à luz do art. 176º/6 a) do CPI de 2003 e art. 8º, nº1, do Regulamento.


No entanto, não se pode afirmar que ocorra contradição entre os acórdãos em confronto relativamente a uma questão de direito que se tenha revelado decisiva para os resultados a que chegaram os acórdãos recorrido e fundamento. Com efeito;

A ratio decidendi do acórdão fundamento foi o entendimento de que as características do produto não lhe conferiam novidade e singularidade em confronto com um modelo de telha já registado;

Já o acórdão recorrido relevou a circunstância de as características do desenho ou modelo da recorrente (geometria da aba e saliência na extremidade do painel), serem cobertas, simultaneamente, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º do Regulamento 6/2002, mas pelo facto de integrarem um sistema modular ser de aplicar o nº3 do art. 8º, que derroga a exclusão consagrada no nº2, estando assim protegido pelo registo.


Não demonstrada a contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o acórdão indicado como fundamento, não se verifica o fundamento invocado para a interposição da revista (art. 629º, nº2, d), do CPC), pelo que o recurso não pode ser admitido.

           

Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento da revista por inadmissibilidade da mesma.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 06.07.2023


Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Sousa Lameira