Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1341/14.5T8VNF.G1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
REQUISITOS
EXECUÇÃO
REVISTA EXCECIONAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I - Da decisão recorrida não há recurso de revista, nos termos do artº854º e do artº671º nº2 do CPC.

II - Daí que os recorrentes invoquem a revista excepcional a que alude o artº672º nº1 a) do CPC.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - AA e BB, executados nestes autos de execução para prestação de facto, em que são exequentes, Fibrosom - Materiais de Construção, Lda. e J..., Lda. - todos devidamente identificados nos mesmos autos - interpuseram recurso/apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, da seguinte decisão:

Compulsados os autos, resulta assente que:

1.- A obra a que alude a douta sentença apresentada à execução não foi realizada no prazo fixado e concedido aos executados.

2.- Foi efectuada a avaliação da prestação de facto.

3.- Foi penhorado um imóvel.

Neste contexto, atento o disposto no artigo 871.º, n.º 1, do C.P.C., deverão os exequentes proceder à execução da obra, prestando, depois, contas e obtendo o respectivo pagamento pelo produto da venda do imóvel.”

II - Por acórdão exarado no Tribunal da Relação de Guimarães/TRG foi julgada, parcialmente procedente, a apelação, revogando-se o despacho recorrido, no seguinte segmento:

“-…-

Determinando-se no despacho recorrido a posterior obrigação de os exequentes prestarem contas e como pressuposto de obtenção do pagamento pelo produto da venda do imóvel, e ao abrigo do disposto no artº 871º do CPC, nesta parte não se acompanha a decisão.

Com efeito, como resulta assente e é exarado na decisão recorrida, foi efectuada a avaliação da prestação de facto e realizada a penhora e não foi ainda realizada a obra.

Tais circunstâncias afastam a aplicação, no caso sub judice, da tramitação prevista no artº 871º do CPC, norma que se reporta aos casos em que o exequente inicia as obras ou trabalhos necessários para a prestação do facto sem que estejam terminadas a avaliação e realizada a penhora, previstas no artº 870º, nestes casos se impondo assumir o exequente o risco de custeamento, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo (nº1 do artº 871º do CPC ) - (neste sentido v. Castro Mendes, in DPC,III, pg.530; Rui Pinto, in obra citada, pg.1223/4).

Dispondo o indicado artº 871º do CPC: “1. Mesmo antes de terminada a avaliação ou a execução regulada no artigo anterior, pode o exequente fazer, ou mandar fazer sob sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo”.

Nas situações do artº 870º do CPC, distintamente, “o exequente terá de mandar fazer as obras ou trabalhos que constituam o facto prestando e só depois disso poderá levantar daquele produto o respectivo custo (E. Lopes Cardoso, obra citada, pg.744).

Estando terminada a avaliação, “fará o exequente “os contratos que quiser para efectuar a prestação”; “A avaliação pode ser confirmada ou desmentida pela realização das obras” (Rui Pinto, obra citada, pg.1223), ao valor da avaliação devendo ser somado o das custas prováveis da execução (Lopes Cardoso, obra citada, pg.744), e – Ac. STJ de 4/7/1989, P. 077877, Ac. TRL de 18/4/1991, sumário, P. 0041432, in www.dgsi.pt. - 1. Na execução para prestação de facto, a avaliação tem em vista apenas o cálculo provável do custo da prestação, cujo objectivo é o de permitir determinar a extensão da penhora. 2.Esta avaliação pode ser confirmada ou desmentida pela realização das obras. (…) - Ac. TRG de 4/10/2007, P. 1454/07-2, in www.dgsi.pt, mais se referindo no indicado Ac. do TRG - “Temos, em conclusão, que se trata de uma avaliação de custos que mais se consubstancia numa mera estimativa, cujo fim é o de permitir determinar a extensão da penhora (…)”.

Nos termos expostos, e muito embora por distintos fundamentos, se julgando procedente a apelação quanto ao segmento da decisão recorrida que ao abrigo do disposto no artº 871º do CPC determina a obrigação de, após a realização da obra, os exequentes prestarem contas e como pressuposto de obtenção do pagamento pelo produto da venda do imóvel, segmento que se revogará, julgando-se inaplicável a previsibilidade do artº 871º do CPC com referência ao contexto factual em referência na decisão.

-…-”

III – Desta última decisão do Tribunal da Relação de Guimarães/TRG vieram os exequentes interpor recurso de REVISTA, TENDO O RESPECTIVO REQUERIMENTO SIDO OBJECTO DO SEGUINTE DESPACHO NO TRIBUNAL RECORRIDO:

Requerimento de interposição de recurso de 2/5/2022, interposto pelos exequentes: Sendo aplicáveis nos presentes autos de processo executivo e no tocante aos “Recursos” as normas reguladoras especiais dos artº 852º a 854º do CPC, não cabe o recurso de Revista interposto na previsibilidade do artº 854º citado.

E, ainda, em qualquer caso, não são as decisões interlocutórias proferidas susceptíveis de recurso de Revista nos termos do artº 671-nº2 do CPC.

Termos em que se não admite o recurso de revista ordinário interposto.

Declarando os recorrentes na Conclusão 2ª do recurso de revista pretender interpor recurso de Revista Excepcional, nos termos do disposto no artº 672º-nº3 do CPC determino a remessa dos autos ao STJ.”

III – DAS CONCLUSÕES DO RECURSO INTERPOSTO PARA ESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELO EXEQUENTE - seleccionadas, em função da sua relevância para o presente recurso:

- Na eventualidade de ser considerado que o despacho decisório recorrido é acórdão de decisão final então porque se encontrariam reunidos os pressupostos para tal, verificar-se-á a impugnação da decisão em causa pela ocorrência do recurso ordinário de revista excepcional.

- No que respeita ao, aliás douto acórdão na parte em que pretende que, tendo os exequentes/recorrentes optado pela prestação por outrem, a execução prosseguirá como execução para pagamento de quantia certa, para custeamento da obra, nos termos do art.º 870.º do CPC, sendo o facto prestado, por outrem, sob a direção dos exequentes, à custa do executado; sendo que a execução da obra constitui atividade extraprocessual (conf. se deduz da conjugação do “segmento indicado cfr. A) 2. com a “conclusão (sumário)”;

- Há que recordar que tais asserções; quer na parte em que respeita, à atribuição da tarefa e responsabilidade de, sendo o facto prestado por outrem o seja sobre a direcção dos exequentes/recorrentes, quer na parte que considera actividade;

- São actividades (tarefas/funções) que em nenhum preceito legal se encontram atribuídas (no caso concreto) aos exequentes/recorrentes, nem são considerados extraprocessuais;

- Muito antes pelo contrário são actividades (tarefas/funções) que preenchem os conceitos processuais (pelos mesmos sendo abrangidos) e clara e expressamente atribuídos pelo legislador ao agente de execução (no caso o oficial de justiça/agente de execução);

- A ampla regra que define as competências do agente de execução diz-nos: “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligencias do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do Juiz” (n.º 1 do art.º 719.º do Cód. Proc. Civil);

- “O agente de execução pode sob sua responsabilidade e supervisão, promover a realização de quaisquer diligências materiais do processo executivo que não impliquem a apreensão de bens, a venda ou o pagamento por empregado ao seu serviço devidamente credenciado pela entidade com competência para tal nos termos da lei” (conf. n.º 6 do art.º 720.º do Cód. Proc. Civil).

- Deve, pois, ser impugnado, o aliás douto, acórdão recorrido, na parte em que é desfavorável aos exequentes/recorrentes (lhe atribuem o encargo da direção da obra) e na medida em que não apontam, esclarecendo os preceitos legais que afastam os preceitos legais que determinam que compete ao agente de execução, na tramitação do processo executivo, para prestação de facto praticar todos os actos necessários à realização da prestação de facto (facto ou conjunto de factos), pois, para o efeito o legislador até estipule quanto lhe deve ser pago (no caso 4UC) (conf. Anexo VII da Portaria n.º 282/2013, de 29/08);

- Sendo a falta de explicitação da lei aplicável em qualquer decisão motivo da nulidade desta (muito mais se o preceito legal não existir);

- Em consequência desta impugnação deve o acórdão recorrido ser revogado na parte em que lhe é desfavorável (“obra a realizar sob direção do exequente” e “ulteriores actos de execução da «obra constituem atividade extraprocessual”);

- E em consequência desta impugnação, ser o mesmo, aliás douto, despacho revogado e substituído por aliás douto acórdão que tendo-o revogado;

a) determine que, nos termos requeridos, os autos sigam a tramitação própria do requerido ou seja, que nos termos do n.º 1 do art.º 868.º do Cód. Proc. Civil (face à deserção dos executados) nos autos intervenha, como deve, o oficial de justiça (que desempenhe no caso as funções/tarefas do agente de execução);

b) designando o “outrem” que sob a orientação e vigilância do mesmo oficial de justiça (o agente de execução tem por função/tarefas a prática de todos os actos necessários à realização da prestação do facto (facto ou conjunto de factos realize o objectivo do presente processo executivo face à sentença (acórdão) exequenda (as obras em causa).

Nestes termos e nos mais de direito aplicável:

a) deve o, aliás douto acórdão ser revogado na parte impugnada e substituído por, aliás douto, acórdão, que contemple as alterações propostas e as conclusões narradas;

b) Pois que assim será feita INTEIRA JUSTIÇA.

IV – Neste STJ, decidiu-se singularmente, deste modo:

“-…-

- Assim e pelos fundamentos antes expostos, particularmente, in fine, decide-se, igualmente, não admitir a revista excepcional requerida pelos recorrentes/exequentes.

-…-”

V – Apenas o recorrente/exequente reagiu ao decidido por este STJ e com os mesmos fundamentos que estiveram na base do recurso de revista antes interposto e que não foi admitido, o que só pode ser entendido como RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA DAQUELA DECISÃO SINGULAR, nos termos do artº 652º nº 3 do CPC – cfr. ponto IV -

VI - APRECIANDO E DECIDINDO

A) Introdução da questão sub judice

O processo executivo é instrumental, visando, in casu, a satisfação do direito antes reconhecido aos exequentes: o cumprimento do acórdão do STJ que condenou os executados a, além de mais: retirar a vala para a qual mudaram o leite do ribeiro em causa; repondo o ribeiro a correr pelo leito anterior.

As prestações de facto negativo são pela sua natureza infungíveis, mas a obrigação de demolir em causa, pressupondo uma prévia violação da omissão a que os executados estavam obrigados, por respeito ao direito de propriedade dos lesados, torna a prestação de facto em análise fungível – vide, LEBRE DE FREITA, in, “A AÇÃO EXECUTIVA À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013”, 7ª EDIÇÃO, GESTLEGAL, pag,18, nota 12.

Estamos, pois, perante uma execução para prestação de facto, tendo os exequentes, na falta de iniciativa dos executados, optado no sentido desse escopo ser realizado por outrem – artº868º do CPC vigente, e antes da reforma da acção executiva previsto no artº935º do CPC, com a mesma redacção na parte que aqui interessa, uma vez que não foi requerida indemnização.

Foi realizada a avaliação da solicitada prestação de facto.

E foi penhorado um imóvel para garantia do pagamento das inerentes despesas – artº871º do CPC.

Sabemos que a reforma da acção executiva (iniciada em 2003) teve em vista a desjudicialização da justiça neste particular, tendo o juiz deixado de promover as diligências executivas, passando as mesmas a caber ao agente de execução, à semelhança do que se verifica em França (huisser).

O agente de execução constitui um misto de figura liberal e de funcionário auxiliar da justiça, com poderes de autoridade.

O Oficial de Justiça em regra só tem intervenção em nome do Estado, não podendo, nomeadamente, promover diligências por outrem – cfr. artº 722º do CPC.

B) Da questão prévia da não admissão do recurso

A nota introdutória deixa claro não estarmos na presença duma decisão final, mas sim, perante uma decisão interlocutória de natureza processual.

Como, correctamente foi assinalado, no despacho de não admissão do recurso ordinário – cfr. supra III – de tal decisão não há recurso de revista, atento ao disposto no artº854º do CPC e do artº671º nº2 do CPC.

Daí que os recorrentes invoquem a revista excepcional a que alude o artº672º nº1 a): esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

E foi devido a tal invocação que os autos foram remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº3 do aludido artº672º do CPC.

Acontece que a revista excepcional, não abrange os casos não susceptíveis de recurso de revista, o que é manifestamente o casovide, por todos, CONSELHEIRO ABRANTES GERALDES, in, “RECURSOS EM PROCESSO CIVIL”, 7ª edição actualizada, pag.446v.

Como também foi referido, no recente Acordão do STJ, de 28-9-2023, exarado no pº nº 2085/20.4T8CBR-A.C1.S1 (relatado pelo Conselheiro Fernando Baptista e subscrito pelo aqui relator na qualidade de Adjunto), não havendo revista, igualmente não pode ter lugar a revista excepcional, sendo nesse aresto citada abundante jurisprudência do STJ, nomeadamente, os Acórdãos da Formação que se seguem: “de 29-4-2014 (Relator Sebastião Póvoas), 6-2-2014 (Relator Silva Salazar), 8-4-2014 (Relator Moreira Alves), 27-4-2016 (Relator Alves Velho), 7-4-2016 (Relator Bettencourt de Faria), 22-2-2017 (Relator Bettencourt de Faria), 22-6-2017 (Relator Paulo Sá), 21-9-2017 (Relator Garcia Calejo), 9-11-2017 (Relator João Bernardo), in SASTJ, site do STJ.”

Nada mais há a analisar, desde logo, pela razão antes explicada: o recorrente limita-se a reproduzir as alegações e conclusões do respectivo recurso – cfr. ponto V.

Sumariando:

I - Da decisão recorrida não há recurso de revista, nos termos do artº854º e do artº671º nº2 do CPC.

II - Daí que os recorrentes invoquem a revista excepcional a que alude o artº672º nº1 a) do CPC.

III - Acontece que a revista excepcional, não abrange os casos não susceptíveis de recurso de revista, o que é manifestamente o caso.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação e consequentemente confirma-se a decisão singular antes proferida.

- Custas pelo recorrente/exequente (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário), fixando-se a taxa de justiça em 2Ucs.


Afonso Henrique (relator)

Isabel Salgado

Maria da Graça Trigo