Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | CATEGORIA PROFISSIONAL REINTEGRAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : |
Não cumpre a condenação em “atribuir ao A. posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional de escriturário”, face à definição dessa categoria na convenção coletiva aplicável, o empregador que coloca o trabalhador a trabalhar como Administrativo de Controle de Inventário. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 518/14.8TTBRG-B.G1.S1
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
No processo nº 518/14.8TTBRG.G1.S1, em que era Autor AA e Ré BOSCH Car Multimedia Portugal, S.A., foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação que decidiu condenar a ali Ré a “atribuir ao A. posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional de escriturário”. Nesse mesmo processo, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.03.2017, foi decidido manter o Acórdão do Tribunal da Relação, afirmando-se expressamente na fundamentação que “Tem, pois, a Ré que atribuir ao Autor um posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional de escriturário, no horário de trabalho estabelecido para esta categoria.”.
O Trabalhador intentou ação executiva para prestação de facto que corre termos sob o nº 518/14.8TTBRG-A.G1.S1 contra a Entidade Empregadora, tendo alegado o seguinte: “1- Nos autos de ação de processo comum, que correu termos no J... do Juízo do Trabalho ... do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o número 518/14.8TTBRG, foi a ora Executada, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 17/03/2017 e já transitado em julgado, condenada a atribuir ao Autor, ora Exequente, um posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional de Escriturário. 2- Conforme ficou provado nos autos que o Exequente tem a categoria profissional de Escriturário. 3- O escriturário tem como função executar tarefas no escritório onde trabalha, redigindo relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, bem como elaborar, ordenar ou preparar os documentos relativos à encomenda, distribuição e regularização das compras e vendas bem como todos os demais actos relacionados com o escritório. 4- Sucede que, não obstante o acórdão proferido, o Exequente não se encontra a exercer funções adstritas à categoria de escriturário. 5- Com efeito, o Exequente foi colocado a acompanhar a contagem de material no inventário permanente, a fazer medição de batas, inventários da produção “contagem de material” e inventários das disponentes “contagem de material nos armazéns”. 6- Ora, é evidente que a Executada não cumpriu com o douto acórdão proferido. 7- Tal facto foi já, aliás, objeto de várias reuniões da comissão de trabalhadores com a Executada e de cartas remetidas pelo Autor à Executada. 8- A atribuição de funções inerentes à sua categoria profissional, trata-se de um facto infungível, pois só a Executada pode cumprir. 9- O Exequente dispõe de um título executivo (art.703º, nº1, alínea a) e 704º, nº1 do C.P.C.) que pretende executar como forma de ver realizado o seu direito que o douto acórdão lhe reconheceu.”
A Entidade Empregadora/Executada deduziu oposição à Execução, distribuída sob o n º518/14.8TTBRG-B.G1.S1. sustentando que “deu cabal cumprimento à decisão judicial em apreço, no período de tempo considerado necessário para o efeito, e sem prejuízo do período de formação necessário para o exercício de algumas das funções que integram o respetivo posto de trabalho”.
O Exequente/Trabalhador contestou a oposição à execução e a Executada apresentou articulado de resposta. Foi realizada audiência prévia, frustrando-se a conciliação das partes. Foi realizada audiência final.
Por Sentença de 09.07.2021, foi decidido o seguinte: “Em face do exposto, julgo procedentes os presentes embargos, e, consequentemente determino a extinção da execução.”.
O Exequente/Trabalhador interpôs recurso de apelação.
O Tribunal da Relação proferiu Acórdão em 30.06.2022, no qual decidiu o seguinte: “Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, determinando-se o prosseguimento da execução.”.
A Executada interpôs recurso de revista. Neste invoca erros de julgamento do Tribunal da Relação (mormente quanto ao poder de direção e conteúdo deste, á noção de local de trabalho e à interpretação da lei – Conclusões n.º 10) e nulidades do Acórdão recorrido. Assim, haveria uma nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, de acordo com o artigo 615.º, alínea b) do CPC, por ter o Acórdão recorrido afirmado que foram confiadas ao trabalhador funções administrativas, mas ainda assim não foi cumprido o Acórdão que condenou o empregador a atribuir ao trabalhador funções compatíveis com as de escriturário (Conclusões 7, 8 e 9)
O Exequente contra-alegou.
Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
A Executada respondeu ao Parecer.
Fundamentação
De facto (Alterado pelo Tribunal da Relação)) h) Tais funções foram-lhe atribuídas pela executada, de acordo com o planeamento e os procedimentos subjacentes a qualquer (re)afectação /integração de recursos humanos numa estrutura organizativa/produtiva como a da executada, o que implicou planeamento, como “tempo”, tendo em conta todas as decisões, procedimentos, formação e demais consequências inerentes.
De Direito
O Acórdão transitado em julgado cuja correta execução agora se discute, condenou a Ré (agora Executada) “a atribuir ao Autor um posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional de escriturário, no horário de trabalho estabelecido para esta categoria”. Tendo sido nesse processo dado como provado que o Autor era “associado do SITE – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Norte” (facto b) e que “a partir de 23/10/2006, passou a exercer, ininterruptamente, as funções correspondentes à categoria de escriturário” (facto d), o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães procurou determinar qual a convenção coletiva aplicável a este trabalhador, para apurar o conteúdo funcional da referida categoria. Fê-lo, nos seguintes termos: «Escriturário. — Executa várias tarefas que variam consoante a natureza e importância do escritório onde trabalha; redige relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, manualmente ou à máquina, dando-lhes o seguimento apropriado; tira as notas necessárias à execução das tarefas que lhe competem; examina o correio recebido, separa-o, classifica-o e compila os dados que são necessários para preparar as respostas; elabora, ordena ou prepara os documentos relativos à encomenda, distribuição e regularização das compras e vendas; recebe pedidos de informações e transmite-os à pessoa ou serviço competente; põe em caixa os pagamentos de contas e entrega os recibos; regista em livros ou em impressos próprios as receitas e despesas, assim como outras operações contabilísticas; estabelece o extracto das operações efectuadas e de outros documentos, para informação da direção; atende os candidatos às vagas existentes, informa-os das condições de admissão e efectua registos de pessoal; preenche formulários oficiais relativos ao pessoal ou à empresa; ordena e arquiva notas de livrança, recibos, cartas e outros documentos e elabora dados estatísticos. Acessoriamente, nota em estenografia, escreve à máquina e opera com máquinas de escritório. Pode ainda efetuar, fora do escritório, serviços de informação, de entrega de documentos e de pagamentos necessários ao andamento de processos em tribunais ou repartições públicas.»[1] Face a esta definição, o Acórdão recorrido decidiu que o essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador não corresponde a esta categoria. No seu detalhado, e bem fundamentado, Parecer junto deste Tribunal o Ministério Público, por seu turno, afirmou que: Com efeito, apenas se poderá considerar existir alguma similitude na realização de operações com um sistema informático, na introdução de dados no sistema e na recolha de dados sobre os materiais, bem como no recebimento e envio de e-mails. Ainda assim, essa atividade é meramente acessória e instrumental à contagem de material no âmbito do inventário permanente, atividade que se revela bem distante do núcleo funcional essencial do escriturário (…)” Só podemos aderir a esta argumentação. Com efeito, face ao facto b) provado neste processo e às funções atribuídas ao Autor – no horário de escritório, mas fora deste… – é forçoso concluir que não lhe foi efetivamente atribuído um posto de trabalho compatível com a categoria de escriturário, como exigido pelo Acórdão transitado em julgado. As funções que lhe foram efetivamente atribuídas correspondem antes a um controlo do inventário. Antes de mais, sublinhe-se que, ao contrário do que pretende a Recorrente/Executada a importância do local de trabalho transparece com clareza da definição da categoria, feita na convenção coletiva, já que é no fim da definição que se admite – “Pode, ainda” – o exercício como que complementar de funções fora do escritório. Por outro lado, o núcleo essencial das funções de escriturário é bem diverso das funções atribuídas ao Autor/Exequente: este não elabora registos de pessoal, não atende candidatos a vagas, não procede à triagem do correio (isto é, não examina, separa e classifica o correio recebido), não trata da documentação inerente a compras e vendas, etc. Foi esse o teor da condenação e não o simples exercício de funções administrativas, pelo que não existe qualquer contradição nem qualquer nulidade do Acórdão recorrido ao afirmar que o empregador atribuiu funções administrativas ao Exequente, mas nem por isso cumpriu e respeitou a condenação. O trabalhador tem, nos termos da lei, direito, em princípio, a exercer as funções para que foi contratado (artigo 118.º, n.º 1) e tal direito não foi, no caso concreto, respeitado. Ressalvado o artigo 120.º do CT o empregador não pode exigir ao trabalhador funções não compreendidas na atividade contratada. Mas o artigo 120.º n.º 1 exige a invocação do interesse da empresa, sendo que, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, a ordem de alteração deve ser justificada e indicar a duração previsível da mesma. Dos factos provados, mormente da carta referida no facto b), não consta que qualquer uma destas exigências tenha sido satisfeita e competia ao empregador alegar e provar os factos constitutivos do exercício deste direito de modificação temporária as funções exercidas. Sendo que a justificação teria sempre que ser particularmente importante numa situação como esta em que o empregador foi já condenado por não respeitar a categoria do trabalhador.
Decisão: Negada a revista Custas pelo Recorrente Lisboa, 10 de maio de 2023
Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Domingos José de Morais
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