Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1669/23.3YRLSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
EXTRADIÇÃO
RECUSA
PROCEDIMENTO PENAL
OPOSIÇÃO
NULIDADE
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO/M.D.E./RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: JULGAMENTO ANULADO
Sumário :
I - A obrigação de extraditar que resulta do art. 1.º da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP) apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu art. 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art. 4.º. Conforme jurisprudência do STJ, trata-se, pois, de um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção, que delimita em conformidade a soberania dos Estados Contratantes, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não faz sentido recorrer às normas da Lei n.° 144/99.

II - Assim, o invocado na oposição de o “crime ter sido cometido em território português” (art. 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99) não é fundamento de exclusão da extradição, uma vez que esta foi pedida ao abrigo da CEEMCPLP e, esse fundamento, não se enquadra em nenhum dos indicados nos arts. 3.º e 4.º da mesma Convenção.

III - Para além disso, nem sequer se verifica o condicionalismo previsto no art. 4.º, al. c), da Convenção, uma vez que a pessoa reclamada nem sequer está a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido, sendo certo que nem sequer há pendente em Portugal um qualquer inquérito pelos mesmos factos e contra o extraditando, o que igualmente não preenchia o requisito indicado no referido art. 4.º, al. c), da Convenção.

IV - Aliás, compreende-se mesmo que não haja sequer pendente um qualquer inquérito sobre os mesmos factos contra o requerido em Portugal (mas a existir sempre seria insuficiente para efeitos do art. 4.º, al. c) da Convenção), pois, como foi bem explicado, a matéria de facto considerada indiciada, integra-se no âmbito da criminalidade internacional organizada, pelo que de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transacional ratificada por Portugal, considera-se que se trata de infração de caráter transnacional (neste caso, verificando-se que há factos praticados a partir de Portugal mas, consumados no Brasil), tendo o Brasil competência para a perseguição criminal, de acordo com a sua legislação interna e, assim, igualmente tinha legitimidade para pedir, como pediu, a extradição do requerido.

V - De resto, nem sequer existia qualquer norma que impusesse a instauração de qualquer processo/inquérito em Portugal sobre os mesmos factos contra o requerido. E, tão pouco incumbe ao tribunal português controlar ou sindicar os indícios ou factos imputados ao extraditando no pedido de extradição contra ele formulado.

VI - Além de que, perante os motivos taxativos previstos nos arts. 3.º e 4.º da Convenção, nem sequer era aplicável o disposto no art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, cujos pressupostos nem se verificavam.

VII - O facto de o recorrente, cidadão brasileiro, ir para o Brasil para fins de procedimento criminal e, ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e está integrado familiarmente, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem é extraditado para esse efeito, não se vendo que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado (que foi deferido, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito).

VIII - Não se verificando, por serem infundados, os motivos apresentados na oposição, para ser recusada a extradição, era inútil ouvir as testemunhas arroladas sobre essa matéria, que tinham sido oferecidas na mesma peça (oposição), tal como também sustentou o MP na sua resposta, quando teve vista nos termos do art. 55.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99.

IX - O estabelecido no artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, permite ao juiz o indeferimento de diligências inúteis que tenham sido requeridas pelo extraditando, não constituindo tal decisão qualquer violação das garantias de defesa e, muito menos, qualquer nulidade. Aliás, essa tem sido a jurisprudência deste STJ, já desde pelo menos o ac. de 3.05.2012, proferido no processo n.º 205/11.9YRCBR, no qual bem se explica que, uma vez indeferidas as diligências de prova requeridas, por inúteis, “não há lugar à produção de alegações, por estas terem como pressuposto prévio necessário a existência de produção de prova. Contudo, com a audição do recorrente, nos termos do art. 54.º da Lei 144/99, de 31.08, e com a oposição deduzida, nos termos do art. 55.º do mesmo diploma, foi adequadamente assegurado o exercício do contraditório».

X - Destinando-se os recursos a suscitar a oportuna apreciação da decisão de que se recorre (neste caso o acórdão do Tribunal da Relação impugnado) nele não devem ser apresentadas questões novas que não foram colocadas ao Tribunal recorrido (ressalvado aquelas que devam ser conhecidas oficiosamente, o que não é o caso), uma vez que não se pode apreciar tais novas questões sem haver decisão que sobre elas recaía (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ), pelo que sempre serão de indeferir.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31.08.2023 foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, para procedimento criminal, por factos praticados entre 2019 e 2023, no âmbito do processo n.º .....28-91.2023.4.01.3400, que corre termos pela ... Vara Federal Criminal do Distrito Federal, Brasil, sendo-lhe imputada a prática de crimes de fraude, burla em comércio eletrónico, branqueamento de capitais e organização criminosa, punidos pelos arts. 172, § 2-A do Código Penal Brasileiro, art. 1.° da Lei 9613/98 e art.° 1.° da Lei 12850/13, a que correspondem moldura penal de prisão até 26 anos, crimes esses que são puníveis na legislação portuguesa ao abrigo dos arts. 217.° (burla), 218.° (burla qualificada), 221.° (burla informática ou nas comunicações), 368.°-A (branqueamento) e 299.° (associação criminosa), que preveem penas de prisão até 12 anos.

II. Inconformado com esse acórdão recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, AA apresentando as seguintes conclusões:

a) O Extraditando por não concordar com a decisão de extradição proferida no âmbito do presente processo, vem, nos termos conjugados dos artigos 58º nº1 e 49º nº3, ambos da Lei nº144/99 de 31 de agosto apresentar Recurso daquela decisão para o Supremo Tribunal de Justiça;

b) Por ter legitimidade e estar em tempo, deve o mesmo ser recebido com o efeito suspensivo da decisão nos termos dos artigos 58º nº1 e 49º nº4 da Lei n º144/99 de 31 de Agosto;

c) Os fundamentos são todos de direito e são os seguintes:

- Violação do estatuído relativamente ao processo de extradição, nomeadamente no que concerne à produção de prova prevista no artº 56º nº1 e 2 da Lei nº 144/99 de 31 de agosto durante a fase judicial do mesmo;

- Pela violação do estatuído nos termos dos artigos 6º nº 2 e 3 nº1 b) a d) e 8º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº49/2008;

- Pelo não cumprimento do estatuído nos artigos 31º nº1, 32º nº1 alínea a) da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto;

- Pelo não cumprimento do estatuído no art. 6º alínea a) da Lei nº144/99 de 31 de Agosto, nomeadamente no que respeita ao artigo 6º (Direito a um processo equitativo), 17º e 18º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

- Pela violação do disposto no art. 9º nº2 da Lei nº144/99 de 31 e Agosto,

- Pela violação do disposto no art. 242º nº1 alínea b) do C.P.P.

d) O Recorrente deduziu Oposição por escrito defesa fundamentada ao pedido de extradição e indicou meios de prova, os quais são admitidos pela lei portuguesa, indicando testemunhas cujo número é inferior a 10, nos termos do artº 55º nº1 da Lei nº144/99 de 31 de agosto;

e) A defesa foi fundamentada nos termos do artº 55º nº. 2 da mesma lei, no facto de não se verificarem os pressupostos da extradição.

f) Deveria nos termos do n.º 3 do art. 55º, ter o processo seguido com vista ao Ministério Público afim de requerer o que tiver por conveniente, o que não aconteceu;

g) Além disso, deveriam ter sido realizadas as diligências que foram requeridas, nomeadamente, a audição das testemunhas arroladas e entendidas necessárias à produção de prova do alegado por parte do ora recorrente, o que não aconteceu;

h) O Juiz relator poderia ainda requerer diligências que entendesse necessárias com vista a decidir sobre o destino das coisas apreendidas;

i) Devendo tudo isso ser realizado com a presença do extraditando, o que não aconteceu;

j) Finalizada ainda toda a produção de prova, deveria o processo ter sido dado vista, sucessivamente ao Ministério Público e ao Advogado constituído, por cinco dias para alegações, o que também não aconteceu, em clara violação do disposto ao artigo 56º nº1 e 2 da Lei nº144/99 de 31 de Agosto;

k) Ao invés foi proferida decisão final, da qual ora se recorre, a qual foi prolatada em claro atropelo, tanto das normas que regulam o processo de extradição, mas também em violação nomeadamente no que respeita ao artigo 6º (Direito a um processo equitativo), 17º e 18º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

l) Restou provado que no presente processo foi ignorado o direito de defesa do ora recorrente na fase judicial do mesmo, nomeadamente, no que concerne ao direito que qualquer pessoa tem que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, por um tribunal independente e imparcial, num prazo razoável, previsto no nº1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a qual é aplicável ao presente caso nos termos do disposto no artº 6 al. a) da Lei 144/99 de 31 de Agosto;

m) Em flagrante atropelo dos direitos do extraditando ora recorrente, o que deixa transparecer uma falta de independência e parcialidade por parte do tribunal a quo, o qual, salvo o respeito por opinião diferente e mais esclarecida, não logrou constituir um processo equitativo, precipitando-se a proferir uma decisão que não constituindo novidade, atendendo à época de férias judiciais, foi extemporânea.

n) Porque na verdade, conclui-se que dos autos foram imputados comportamentos não provados, os quais constituem crime em ambos os países, constantes no pedido formal de extradição, mas que daqueles, o ora recorrente, só poderá defender-se após a sua extradição para o seu país de origem que é o requerente neste processo, razão pela qual não deve proceder;

o) Resulta do nº3 deste mesmo artigo 6º da CEDH, o recorrente tem, como mínimo os seguintes direitos: b) Dispôr do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha (…); d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas da defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

p) Sendo evidente que, foram nestes pontos em que os direitos do recorrente foram completamente vilipendiados: se por um lado conseguiu produzir a defesa, e esta foi legalmente aceite no processo,

q) Os seus direitos de defesa foram cerceados, no que concerne ao seu direito de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas que foram indicadas, no referido pedido de extradição, nomeadamente, no que concerne à veracidade das declarações destas, bem como ao local da prática dos crimes que lhe são imputados, já que o local da prática dos crimes constitui motivo de exclusão à extradição, e como tal, foi impedido de os exercer face á pratica processual ilegal seguida no processo.

r) Constituindo um abuso de direito por parte do Tribunal a quo, na medida em que a decisão é proferida de forma extemporânea e for a do contexto no processo, contrariando assim a jurisprudência dominante;

s) O que deixa transparecer uma desproporção objetiva entre os direitos de gozo, do ora recorrente e a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular, o qual resolveu proferir a decisão que, previsivelmente, irá proferir dando a ideia da inutilidade da defesa, demonstrando uma parcialidade inequívoca e da qual ora também se recorre;

t) O artigo 3º nº1 a) da Convenção entre os Estados membros da CPLP, sob a epígrafe “Inadmissibilidade da extradição” estabelece o seguinte: “1 – Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.”;

u) Ou seja, não haverá extradição se resultar desta uma condenação que resulte em lesão física irreversível para o extraditado, o ora recorrente.

v) Neste ponto, frisamos que entre 53 e 67 anos, será a diferença, tendo em conta que o recorrente nasceu em 1982, ou seja, em consequência da pena que lhe poderá ser aplicada se for extraditado, o recorrente sairá diretamente para a reforma;

w) É claro que em caso de condenação, se o pedido de extradição for deferido, resultará, atento a diferença de penas aplicáveis no ordenamento penal brasileiro, em lesão irreversível da integridade física, quando comparada com a moldura penal portuguesa;

x) Isto se considerarmos todos os comportamentos que caracterizam os ilícitos criminais foram praticados em Portugal, assunto que será abordado atempadamente nestas alegações.

y) A lesão irreversível da integridade física resulta do facto de, no caso de lhe ser aplicada a pena de reclusão graduada nos limites do ordenamento penal brasileiro, o efeito regenerador que deve ser retirado destas penas é-lhe ceifado uma vez que o extraditado passa na prisão toda a sua vida ativa,

z) Flagrante ainda a violação artigo 8º da mesma convenção, verificamos o facto de não terem sido cumpridos os tramites processuais, resultou numa impossibilidade de gozo dos direitos e garantias concedidos na legislação do Estado requerido para a defesa do extraditando ora recorrente.

aa) Questiona-se ainda como os alegados crimes perpetrados pelo extraditando em Portugal poderão ser julgados no Brasil, sendo as suas autoridades incompetentes para o julgamento destes crimes.

bb) Isso porque, extradição é excluída quando: «a) O crime tiver sido cometido em território português.», nos termos do artº 32º nº1 al. a) da Lei nº144/99 de 31 de Agosto.

cc) A decisão de extradição transcreveu no ponto 16. os seguintes factos constantes no pedido de extradição apresentado pela República Federativa do Brasil:

O arguido «faz parte do esquema criminoso montado por BB e os seus cúmplices, que, através da empresa de fachada P... unipessoal(…)»

dd) Nos termos A «organização criminosa que atua na suposta financeira, P... unipessoal, em Portugal aplicando um golpe do falso Day Trade, cooptando supostos investidores em Forex (vitimas brasileiras) que buscam rendimentos da aplicação de seu capital. A organização atuava por meio de um cal center com 4 escritórios distintos, empregando cerca de 150 emigrantes brasileiros.(…)»;

ee) A P... unipessoal é uma empresa portuguesa com sede na Rua ... ..., com o NIPC ... ... .87,

ff) A referida Empresa bem ao contrário do que é referido no pedido de extradição possui contabilidade organizada apresentando contas junto da Autoridade Tributária desde a data da sua fundação em 2018 até à presente data em 2021, encontrando-se as contas publicadas;

gg) Tendo sido AA identificado como o funcionário que realizava contatos telefônicos com as vitimas pelo terminal ..........66 e que se apresentava como "CC". Também apurou-se que foi o responsável pela perda de mais de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) da vítima DD e de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) das vitimas EE e FF.(…)»;

hh) O terminal ... .......66 é português atento o seu indicativo, (+351) e só pode funcionar de Portugal para o estrangeiro.

ii) Além disso a «A prova testemunhal revelou que após as prisões dos líderes, o grupo criminoso se reuniu em um churrasco e pretende se reorganizar para dar continuidade às práticas delitivas. Além do que, revelou a prática de lavagem de dinheiro dentro da P... unipessoal, por meio da abertura de pessoa jurídica no nome dos integrantes da organização criminosa, das quais recebiam como prestadores de serviço. Apurou-se que AA comprou um restaurante e patrocinou uma banda de pagode, criando uma pessoa jurídica "fantasma". Há indícios de que o esquema de emissão de notas para ocultar a origem e quantia era administrado por GG. Também ficaria a cargo de GG, a formalização dos contratos e tradução.»;

jj) Restando assim provado que todos os factos relatados são passados em Portugal desde o churrasco, até à alegada compra do restaurante cujo proprietário reside em ... e foi arrolado como testemunha, o vocalista da dita banda de pagode foi arrolado como testemunha e, Inclusivamente, a GG reside em Portugal, tendo sido arrolada como testemunha e requerida a informação sobre a sua morada, tendo em conta que corre contra si, no mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, um processo de extradição;

kk) «Foi apurado que HH encarregava-se de mascarar o DDD internacional das ligações telefônicas realizadas pelos captadores da organização criminosa, dando a aparência de serem do Brasil, e não de Portugal.»

ll) Isto posto, não restam dúvidas acerca do local da prática dos ilícitos imputados ao recorrente;

mm) Defende o extraditando um entendimento inclusivo no que concerne às lacunas da Convenção, sendo exatamente para esse efeito que foi criada a Lei 144/99 de 31 de Agosto.

nn) Assim, no seu art. 31º nº1 se defina que a extradição pode ter lugar para efeitos de procedimento penal (…) por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente, o que não acontece.

oo) Concluindo entretanto que, são competentes para julgar os crimes cometidos os tribunais do país onde o crime foi consumado, no caso dos autos Portugal, obedecendo assim o princípio da territorialidade;

pp) Isso significa dizer que, o estado requerente só pode punir crimes que foram praticados no seu território ou que tenham efeitos no seu território, sendo este um conceito de aplicação da lei penal no espaço;

qq) O que pode nos levar a crer que o processo penal poderá não ser a razão principal que motivou o pedido de extradição;

rr) Portanto, dúvidas não subsistem que o recorrente deve responder o processo em Portugal, uma vez que os indícios dos crimes são todos de que a prática ocorreu em território nacional, razão pela qual a extradição não pode ter lugar;

ss) É certo que o Brasil não possui condições de salvaguardar o direito a um processo equitativo, por essa razão deverá ser recusada a extradição do recorrente,

tt) Não conseguindo assegurar minimamente as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, além de outros instrumentos internacionais relevantes ratificados por Portugal.

uu) Uma vez que na prática nunca poderão garantir que não serão impostas ao extraditando outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, devendo assim, influenciar diretamente na decisão, sob pena de condenar o mesmo indiretamente em pena proibidas pela legislação.

vv) Mesmo sendo possível se notar aspetos positivos na situação das prisões e os esforços que estão a ser feitos nesse sentido, nomeadamente através da promoção das “Regras de Nelson Mandela”, as observações dão nota de que o sistema penitenciário brasileiro enfrenta sérios desafios, em particular no que se refere a sobrelotação e violência física e sexual no interior da maioria dos estabelecimentos prisionais, com riscos para a vida dos reclusos, condições de detenção com falta de condições sanitárias e de higiene, de acesso a água potável, a alimentos, a cuidados de saúde, e de ventilação e luz natural, tendo o Comité produzido um conjunto considerável de recomendações para se ultrapassarem essas dificuldades.

ww) Portanto, por mais que as autoridades do Estado requerente assegurem as genericamente as respetivas garantias, sustentadas pela legislação interna, de que não submeterão o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas desumanos ou degradantes, as quais, embora de natureza genérica, baseadas no direito interno, não podem deixar de, nessa base, ser entendidas como um compromisso do Estado requerente de cumprimento das obrigações que lhe são impostas.

xx) Não vislumbramos que o Tribunal recorrido tenha emitido qualquer juízo sobre tais garantias, que tenha procedido à sua “adequada avaliação”, em concreto, e que tenha concluído pela sua suficiência, para que possa ser ordenada a extradição.

yy) Logo, Ao não efetuar esta avaliação, o tribunal deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar, essencial à decisão final sobre a extradição, o que constitui a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, que deve ser declarada.

zz) Bem como, se observarmos com rigor, a maioria das testemunhas arroladas são de nacionalidade brasileira, podendo incidir o objecto do seu depoimento precisamente para atestar a realidade brasileira, face à assimetria de condições nos estabelecimentos prisionais e ao tratamento desumano existente nos mesmos, quer por parte da administração pública e/ou privada dos EPs, e principalmente a advinda dos restantes reclusos;

aaa) De forma que, estamos perante a uma nulidade perpetrada pelo recorrido, em função da omissão de pronúncia e ainda por omissão de diligências que foram consideradas como profícuas para a defesa do extraditando, pelo que se requer a declaração de nulidade do acórdão recorrendo, com as legais consequências dos arts. 118.º, 120.º, n.º 2, al. d) e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, subsidiariamente aplicável ao presente caso concreto, devendo ser determinada a audição das testemunhas, nos termos do art.º 56.º da Lei n.o 144/99, de 31 de Agosto;

bbb) Com isso, de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 33.º da Constituição da República Portuguesa “não é admitida a extradição, nem a entrega a qualquer título, por motivos políticos ou por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física”, mas infelizmente consideramos que ao ser extraditado tal venha a ocorrer, não pela longa manus directa do Estado, mas pelo que ocorre dentro dos estabelecimentos prisionais brasileiros – não só no que concerne à sobrelotação, mas também no que se refere aos castigos corporais sofridos e, em muitos casos, à perda da vida intencional de reclusos, pela mão de outros reclusos.

ccc) Devendo ser negada a extradição sobretudo no caso dos presentes autos, vez que, em decorrência das imputações criminosas que são impostas ao recorrente, o mesmo coleciona diversos desafetos com o poder aquisitivo alto, que facilmente no Brasil poderiam acabar com a vida do mesmo dentro dos próprios estabelecimentos prisionais.

ddd) Bastando para o efeito que um desses indivíduos oferecesse dinheiro a outro detento, sendo certo que no Brasil atualmente mata-se por muito menos, para que este condene o extraditando a pena de morte, fazendo assim a dita justiça com as próprias mãos, uma vez que pode ser do entendimento deles que o prejuízo que sofreram não será mais restituído;

eee) O que certamente não pode ser aceite pelos Nobres Julgadores, por estarem indiretamente condenando o extraditando a pena de morte, proibida em ambos os ordenamentos jurídicos;

fff) Sendo certo que infelizmente é essa a atual realidade do sistema prisional brasileiro, sendo assim, impossível o estado, ou qualquer pessoa assegurar a manutenção da vida do extraditando.

ggg) Razões pelas quais, deve ser declarado a nulidade do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, por omissão de pronúncia e ainda por omissão de diligências que foram consideradas como profícuas para a defesa do extraditando com as legais consequências dos arts. 118.º, 120.º, n.º 2, al. d) e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

hhh) Primeiro por restar provado que o estado requerente não possui condições mínimas de respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, além de outros instrumentos internacionais relevantes ratificados por Portugal.

iii) O que configura violação do art. 6º alínea a) da Lei nº144/99 de 31 de Agosto, nomeadamente no que respeita ao artigo 6º (Direito a um processo equitativo), 17º e 18º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

jjj) A decisão do Tribunal a quo violou ainda o disposto no art. 242º nº1 alínea b) do C.P.P.

kkk) Isso porque, conforme prevê a alínea b, a denúncia é obrigatória quando estamos perante: “(…) funcionários, na acepção do artigo 386.º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.”;

lll) Sendo assim, dos autos resulta a flagrante omissão do Ministério Público quanto aos factos ocorridos em território português que permeiam a presente Ação.

mmm) Sendo sua obrigação oferecer a denúncia;

nnn) Nomeadamente porque tiveram conhecimento dos factos ocorridos em território nacional, desde o dia 01 de Janeiro de 2023, e, mesmo assim, optaram por não apresentar a denúncia que deveriam ter feito em virtude da regra da territorialidade.

ooo) Conhecimento este que adveio da prova que consta nos autos, em função da detenção do extraditando AA, desde o dia 01 de julho de 2023, pelas 18:20 horas, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em ..., onde o mesmo se entregou voluntariamente.

ppp) Que naquela data foi detido em função do Red Notice da INTEPOL com o Control Number n.º A-..09/5-..., File Number .../28542, emitido em 31 de maio de 2023.

qqq) O mandado de detenção ou captura judicial que ordenava a detenção do requerido foi emitido a 4 de abril de 2023, com o n.º 1023028-91.2023.4.01.3400 pela 10.ª Corte Criminal da Secção Judiciária do Distrito Federal.

rrr) Contendo o as acusações que estão fartamente abordadas nos presentes autos.

sss) Concluindo portanto que a Procuradoria teve conhecimento pelo menos desde o dia 01 de julho, ficado a saber neste momento, os factos que estão a ser imputados ao extraditando, pelos quais o mesmo está sendo indiciado.

ttt) Não restando dúvidas que os mesmos foram praticados em território nacional, não sendo possível considerar que os mesmos foram praticados no ....

uuu) Salvo melhor opinião, muitos dos crimes de que o Extraditando está a ser investigado cairão por terra por falta de prova, e mesmo porque este não os cometeu.

vvv) Podendo concluir em conformidade com o despacho que encerra o inquérito e que determina os actos preventivos nomeadamente as prisões preventivas e as apreensões de valores, que acompanha o pedido de extradição, podemos concluir que, embora os lesados sejam todos brasileiros, toda a “operação” descrita funcionava em Portugal.

www) Isso porque o Extraditando está em Portugal desde 2018, sendo que a alegada prática criminosa foi perpetrada entre 2019 e 2023;

xxx) Além disso, a dita operação consistia num Call Center, em Lisboa, que ligavam de números portugueses, nessas chamadas, as pessoas supostamente eram aliciadas a investir em bens de existência meramente informática como “criptomoedas”, acedendo a sites no universo “.com”, realizando o envio de valores monetários destinados a investir em Portugal;

yyy) A sede da empresa P... unipessoal é em ..., na R ..., ..., tel: .......17, NIF .......87, e o seu Call Center, situado na Praça ..., em ....

zzz) Bem como, o próprio telefone de onde, alegadamente, o Extraditando realizava as ligações a “aliciar as vítimas”, é identificado pelo magistrado como “..........66”, ou seja, de uma operadora portuguesa;

aaaa) Não fazendo nenhum sentido que até a presente data ainda não tenha nenhum inquérito a apurar os crimes que foram praticados em Portugal.

bbbb) Até porque, os supostos ilícitos correspondem aos seguintes crimes no ordenamento jurídico nacional:

Artº 217º do CP - Burla simples, multa a 3 anos de prisão;

Artº 218º/2 a) do CP– Burla agravada pelo valor, até 5 anos de prisão;

Artº 221º do CP- Burla informática, até 3 anos de prisão;

Artº 368º-A do CP - Branqueamento, 6 meses a 5 anos de prisão;

Artº 299º do CP - Associação criminosa, de 1 a 5 anos de prisão.

cccc) Pelo que, resta evidenciado a violação do artº 242º nº1, alínea b) do C.P.P.

dddd) Devendo assim, salvo opinião diversa, ser determinado na decisão que irá julgar procedente o presente recurso, a imediata apresentação de denúncia para apurar os factos ocorridos em território português, sob pena de violação da lei, uma vez que a mesma determina a obrigatoriedade da realização de tal acto por parte da Ilustre Procuradoria.

Termina pedindo que o Recurso seja julgado procedente, e, em consequência, seja ordenada a realização das diligências requeridas na oposição apresentada, no presente processo que correu trâmites no Tribunal da Relação de Lisboa, 5ª Secção, em violação do disposto no artigo 56º da Lei 144/99 de 31 de Agosto ou, caso assim não se entenda, que seja dado provimento a todas as razões expostas no recurso, excluindo-se a extradição do recorrente nos termos e para os efeitos dos artigos 9º nº2 e 32º nº2 da Lei 144/99 de 31 de Agosto.

III. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. É admissível o indeferimento da audição de prova testemunhal que se revele desnecessária à prova do fundamento da oposição e tal sucede quando é insuscetível de comprometer o deferimento da extradição, o que sucede quando estão em causa o local da prática dos factos e as condições pessoais e sociais do extraditado.

2. Exerce plenamente o seu direito de defesa o extraditando que apresenta os seus argumentos aquando da sua audição e da oposição escrita.

3. Não compete ao tribunal português aferir dos indícios ou factos atribuídos ao extraditando, onde se inclui o lugar onde foram praticados.

4. Tal tarefa incumbe às autoridades requerentes no exercício do seu poder de soberania, reconhecido pelo Estado Português.

5. Ao Estado requerido compete tão só verificar se o extraditando é a pessoa reclamada e se se verificam ou não os requisitos legais para a extradição, pois que apenas estes são fundamentos admissíveis da oposição, como decorre do art. 55.º, n.º 2, da Lei 144/99.

6. O TRL apurou da existência de inquérito ou processo-crime a correr termos em Portugal contra o extraditando pelos mesmos factos e pronunciou-se sobre a existência de atos de execução do crime em território português.

7. Inexistindo inquérito ou processo a correr em Portugal, tendo presente os fundamentos admissíveis para a oposição à extradição e os motivos que a ela obstam ou podem obstar, constantes da CEEMCPLP, e ainda o teor da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, nos termos em que o acórdão recorrido a aplicou, está afastada a possibilidade de exclusão da extradição ao abrigo do art. 4.º, al. c), da CEEMCPLP.

8. Constitui questão nova suscitada no recurso a de saber se a extradição deve ser declinada ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 1, al. a), da CEEMCPLP quando previsivelmente o condenado, passará a sua vida ativa na prisão e a que quando cumprir a pena terá idade para se reformar.

9. “Os recursos não se destinam a criar ou debater questões novas (salvo o caso das questões que devem ser oficiosamente conhecidas) que não tenham sido suscitadas ou apreciadas pelo tribunal recorrido, mas apenas a reapreciarem uma questão (ou questões) decidida ou que deveria ter sido decidida pelo tribunal recorrido.” [ac. do STJ de 13/02/2019, proferido no P. 65/14.8YRLSB, relatado pelo Sr. Conselheiro Vínico Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt].

10. O segmento do art. 3.º, n.º 1, al. a), da CEEMCPLP [“1 – Não haverá lugar a extradição nos seguintes casos: a) Quando se tratar de crime punível com pena de morte ou outra de que resulte lesão irreversível da integridade física.”] atende tão só ao efeito da pena de prisão, que não sendo perpétua, determine uma lesão irreversível na integridade física do extraditando.

11. Não constitui lesão irreversível da integridade física o efeito da normal passagem do tempo sobre a idade da pessoa que tanto se dá em liberdade como em reclusão.

12. Não se viola o art. 8.º da CEEMCPLP quando o extraditando exerceu plenamente o seu direito de defesa no processo de extradição.

13. O extraditando não fundou a sua oposição nas condições das prisões na República Federativa do Brasil, o que constitui questão nova.

14. A CEEMCPLP, que regula a presente extradição, não contempla norma equivalente ao art. 6.º, al. a), da Lei n.º 144/99, sendo expressa quanto aos motivos de inadmissibilidade de extradição (recusa obrigatória) e de recusa facultativa da extradição [arts. 2.º, 3.º e 4.º da CEEMCPLP].

15. Ainda que existisse um pedido de produção de prova sobre as condições nos estabelecimentos prisionais do Estado requerente o mesmo não se inscreveria na comprovação da não verificação dos pressupostos da extradição, pelo que a não pronúncia sobre prova que o extraditando pretendesse ver produzida sobre aquelas condições não constituirá nulidade do acórdão recorrido.

16. A extradição poderia ser declinada por aplicação do art. 4.º, al. c), da CEEMCPLP e não do art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, caso corresse termos em Portugal inquérito ou processo-crime contra o extraditando pelos mesmos, ou parte dos factos imputados pela República Federativa do Brasil.

17. “independentemente do poder/ dever que o Ministério Público detém de desencadear procedimento no Estado de execução, sempre haverá que atentar a que, no âmbito de um pedido de cooperação judiciária, não pode ignorar-se o princípio do reconhecimento mútuo, assente no princípio da confiança entre os Estados e, por isso, actuando de acordo com esses princípios, haverá que viabilizar a entrega para prossecução da acção penal no Estado emitente sempre que nada de formal ou substancial obste ao deferimento do pedido, como é o caso dos presentes autos.”

Termina considerando que não se verificaram as violações e incumprimentos de normas nem nulidades apontadas no recurso, o qual não merece provimento.

IV. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, no exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

Factos

V. Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes:

1. Para efeitos de procedimento criminal, AA, de nacionalidade brasileira, nascido em ... de ... de 1982, no ..., Brasil, com autorização de residência em Portugal com o n.° KK.....14, de profissão comercial, residente na R. ..., lote D, piso 0, porta 2, ..., foi detido a 1/6/2023, em cumprimento de Red Notice da INTERPOL com o Control Number n.° A-..09/5-..., File Number .../28542, emitida em 31 de Maio de 2023, onde é identificado como sendo fugitivo procurado para efeitos de procedimento criminal.

2. No âmbito de Processo, que corre termos pela ... Vara Federal Criminal do Distrito Federal, ..., ao ora extraditando foi imputada a prática de factos integradores de crimes de fraude, burla em comércio electrónico, branqueamento de capitais e organização criminosa, punidos pelos arts. 172, § 2-A do Código Penal Brasileiro, art. 1.° da Lei 9613/98 e art. 1.° da Lei 12850/13, a que correspondem moldura penal de prisão até 26 anos.

3. Tais crimes são puníveis na legislação portuguesa ao abrigo dos arts. 217.° (burla), 218.° (burla qualificada), 221.° (burla informática ou nas comunicações), 368.°-A (branqueamento) e 299.° (associação criminosa), que preveem penas de prisão até 12 anos.

4. O arguido foi ouvido a 2/6/2023, foi-lhe dado conhecimento das razões pelas quais foi detido e de que, naquela diligência estava em apreciação apenas apreciada a legalidade da sua detenção e a aplicação de medida de coacção, que foi fixada em detenção para extradição. O arguido declarou, desde logo, que na eventualidade de ser formalizado pelo Brasil o pedido de extradição, não dava o seu consentimento à sua entrega ao Estado requerente e não prescindia do princípio da especialidade.

5. A 19/6/2023 o Ministério Público informou o processo de que a autoridade judicial brasileira formulou, junto da Procuradoria-Geral da República, o pedido formal de extradição do cidadão, pelo que foi proferido despacho, no mesmo dia, a declarar o início da fase administrativa do processo, ficando o mesmo a aguardar o cumprimento do disposto no artigo 48º da Lei 144/99.

6. A 7/7/2023 o arguido requereu a substituição da medida de detenção para extradição por medida menos gravosa.

7. A 10/7/2023 o Ministério Público requereu pedido de extradição, comunicou aos autos que, por Despacho da Sra. Ministra da Justiça n.º 73/MJ/2023, de 07/07/2023, no Processo n.º 1457/2023, se declarou admissível o pedido de extradição apresentado, considerando o disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 10.º, n.ºs 1 e 3 da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e ainda os artigos 3.º e 4.º a contrario da mesma Convenção e 6.º a 8.º a contrario e 48.º, n.º 2 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, tal como a informação favorável prestada pela Procuradoria-Geral da República, junta aos autos.

8. Foi declarada aberta a fase judicial por despacho de 10/7/2023 e a 12/7/2023 procedeu-se a audição do arguido. Foi o mesmo notificado para deduzir oposição ao pedido de extradição, em prazo, e foi determinada a manutenção da medida de detenção para extradição.

9. O arguido deduziu oposição, sustentando a competência da jurisdição Portuguesa para o procedimento criminal em curso no Brasil, com fundamento em que os factos imputados foram cometidos em Portugal e que, nos termos do art. 32º nº1 al. a) da Lei nº144/99 de 31 de Agosto, tal norma exclui a possibilidade de extradição.

10. Solicitada informação sobre a eventualidade da existência de inquérito crime a correr em Portugal, pelos mesmo factos, foi obtida e reiterada a informação da sua inexistência (vide ofício de 4/8/2023- « Em referência à v/ comunicação acima indicada, informo V Exa que, informaticamente e nesta data, não existe qualquer inquérito, nem no DIAP de ..., nem no DIAP Regional de ..., onde conste como interveniente AA.

Mais se informa que nos n/ autos em epígrafe, AA não é suspeito, nem referenciado e, estando a investigação já na sua fase final, não é previsível nem provável que venha a ser constituído arguido».

11. Em face do teor do ofício o Ministério Público exarou o entendimento de que se mostra afastada a possibilidade da extradição diferida (art. 35.º da L 144/99).

12. A 8/8/2023 o arguido requereu a sua libertação imediata, com fundamento em que se mostrava ultrapassado o prazo de 65 dias a que alude o art. 52º nº1 da Lei nº144/91 de 31 de agosto.

13. No dia seguinte invocou irregularidade por falta de assinatura de promoção do MP, insistiu pela libertação imediata e requereu a abertura de processo de inquérito em Portugal para apreciação dos ilícitos enumerados no pedido de extradição, nos termos dos artigos 19º nº 1, 48º, 52º nº1, 53º nº 1 e 2 al. a), b) e c);

14. A promoção foi repetida, o MP pronunciou-se pela ocorrência de excesso de detenção para extradição com a alteração da medida, foi cumprido o contraditório, o arguido insistiu pela abertura de processo judicial em Portugal pelos factos que enformam o pedido de extradição, o MP voltou a pronunciar-se sobre o prazo da detenção, considerando, então, que não estava ultrapassado e deveria manter-se, de acordo com o acórdão do STJ, relatado no processo 02P368, n.º convencional JSTJ000, em 24 de Outubro 2002, que decidiu que «Tendo havido detenção antecipada do extraditando, o prazo de 65 dias a que se refere o artigo 52.º, n.º 1, da lei n.º 144/99, de 31/8, conta-se a partir da data em que o pedido de extradição foi apresentado em juízo” – e não a partir da detenção». O arguido apresentou pedido de Habeas Corpus, com fundamento em excesso de detenção para extradição.

15. A 18/8/2023 o STJ decidiu o Habeas Corpus, indeferindo-o, considerando que «o prazo de 65 dias para decisão final previsto no n.º 1 do artigo 52.º da Lei nº144/99 e a considerar para os efeitos da determinação ou não de excesso de detenção em processo extradicional, conta-se apenas a partir da data da apresentação do pedido formal de extradição (in casu a 10 de Julho) e não a partir da data da detenção antecipada, ex vi do disposto no artigo 63.º, n.º 4, parte final, daquele diploma», portanto, com termo a 13 de Setembro.

16. Ao arguido é imputada a seguinte factualidade:

O arguido «faz parte do esquema criminoso montado por BB e os seus cúmplices, que, através da empresa de fachada P... unipessoal, criaram várias empresas fantasma de corretagem (B......), entre as quais estão identificadas: 5.. ......., F......., G......., I........., P... trade, Z.......... e V..... .... Estas empresas não têm existência real, são apenas páginas na Internet, em que as vítimas acreditam estar a transacionar capital, em supostos investimentos em bolsas de valores, e são levadas a acreditar que perderam legitimamente o seu dinheiro em flutuações inesperadas do mercado».

A «organização criminosa que atua na suposta financeira, P... unipessoal, em Portugal aplicando um golpe do falso Day Trade, cooptando supostos investidores em Forex (vitimas brasileiras) que buscam rendimentos da aplicação de seu capital. A organização atuava por meio de um call center com 4 escritórios distintos, empregando cerca de 150 emigrantes brasileiros. A parte de vendas, sala, é constituída por 10 pessoas responsáveis por captar clientes via ligação telefônica, em nome de supostas corretoras de ações (P... trade, F........, V....., I.........., 5.. .......) que, na verdade, são plataformas arquitetadas. Após, encaminham o cliente para o relation, consultores/corretores, encarregados de convencer a clientela a realizar os investimentos. O dinheiro então sai da conta da vítima para empresas que estão legalmente autorizadas a enviar valores para fora do Brasil, como: F......., S........... e M...... ...., convertendo em criptomoedas».

«AA foi identificado como o funcionário que realizava contatos telefônicos com as vitimas pelo terminal ..........66 e que se apresentava como "CC". Também apurou-se que foi o responsável pela perda de mais de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) da vítima DD e de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) das vitimas EE e FF.

A prova testemunhal revelou que após as prisões dos líderes, o grupo criminoso se reuniu em um churrasco e pretende se reorganizar para dar continuidade às práticas delitivas. Além do que, revelou a prática de lavagem de dinheiro dentro da P... unipessoal, por meio da abertura de pessoa jurídica no nome dos integrantes da organização criminosa, das quais recebiam como prestadores de serviço. Apurou-se que AA comprou um restaurante e patrocinou uma banda de pagode, criando uma pessoa jurídica "fantasma". Há indícios de que o esquema de emissão de notas para ocultar a origem e quantia era administrado por GG.

Também ficaria a cargo de GG, a formalização dos contratos e tradução.

II, ex-esposa de AA, confirmou que JJ seria o braço direito de BB e desempenhava a função de gerente da P... unipessoal. Além disso, afirmou que AA possui estreito relacionamento com KK.

Foi apurado que HH encarregava-se de mascarar o DDD internacional das ligações telefônicas realizadas pelos captadores da organização criminosa, dando a aparência de serem do Brasil, e não de Portugal.

JJ e HH eram gerentes ligados a S..........., empresa intermediadora responsável por enviar o dinheiro para a P... trade».

Apurou-se também que LL seria uma das gerentes de vendas, cujo contato telefônico e e-mail, figura na propaganda da empresa P... unipessoal, MM e NN, sócios da empresa A..... . ........, possuem ligação direta com a P... trade. O dinheiro da vítima é convertido em criptomoeda e depositado na carteira Binance, de NN.

Com relação ao sequestro de valores, embora apurado que o prejuízo decorrente da empreitada criminosa foi de R$ 16.000.000,00 (dezasseis milhões de reais), os primeiros bloqueios autorizados judicialmente foram pouco efetivos, pois pouco dinheiro foi encontrado.

Há indícios suficientes nos autos e devidamente apontados pela autoridade policial de que os investigados integram organização criminosa com atuação internacional, em estrutura complexa e bem definida, com divisão de tarefas, agindo de forma ordenada com o propósito de captar vítimas brasileiras para a realização de supostos investimentos.

«Além da prova testemunhal produzida, com a oitiva de ex-funcionários da suposta financeira, confirmou-se a materialidade delitiva e os veementes indícios de autoria. A partir de então, surgiram novos elementos que revelam a participação de outros envolvidos, bem como o intento de continuidade da prática delitiva. Com a divulgação pela mídia sobre a deflagração da Operação Difusão Vermelha, diversos ex-funcionários da P... unipessoal (suposta financeira sediada em Lisboa, Portugal), bem como supostas vítimas, procuraram a autoridade policial e prestaram esclarecimentos, o que auxiliou na descoberta de outros integrantes da organização criminosa e a individualização da participação de cada um. AA foi identificado como o funcionário que realizava contatos telefônicos com as vítimas pelo terminal ..........66 e que se apresentava como "CC".».

«O esquema criminoso se desenvolve há pelo menos 4 anos, ou seja de 2019 a 2023».

17. Mais consta do pedido formal, subscrito por Juiz da Vara cima referenciada que «Assumo as seguintes garantias a serem apresentadas pelo Estado brasileiro ao Estado requerido:

I - não submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição;

II - computar o tempo da prisão que, no Estado requerido, foi imposta por força da extradição;

III - comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos;

IV - não entregar o extraditando, sem consentimento do Estado requerido, a outro Estado que o reclame;

V - não considerar qualquer motivo político para agravar a pena;

VI - não submeter o extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes».

18. Não se mostra extinto, por prescrição, o procedimento criminal respectivo, nem perante a lei penal brasileira, nem de acordo com o ordenamento jurídico-penal português.

19. O pedido de extradição encontra-se instruído com cópia certificada do mandado de prisão, descrição dos factos pelos quais se requer a extradição, indicando-se o lugar e a data de sua ocorrência, sua qualificação legal e fazendo-se referência às disposições legais aplicáveis, dados quanto à identidade, nacionalidade, domicílio, residência ou localização da pessoa reclamada, fotografia, e impressões digitais e cópia dos textos legais que tipificam e sancionam o crime, identificando a pena aplicável, bem como os que estabelecem o respectivo regime prescricional.


***

Direito

VI. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Ora, analisadas as conclusões do recurso apresentado pelo requerido para o STJ, verifica-se que foram colocadas as seguintes questões:

1. violação do disposto no art. 56.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 144/99, de 31.08 (com o indeferimento da produção de prova requerida na oposição ao pedido de extradição);

A título subsidiário:

2. Não cumprimento do estatuído nos arts. 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08;

3. Violação do estatuído nos termos dos arts. 3.º, n.º 1, al. a), e 8.º da CEEMCPLP;

4. Não cumprimento do estatuído nos arts. 6.º, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08, 6.º, 17.º e 18.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

5. Violação do disposto no art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08;

6. Violação do disposto no art. 242.º, n.º 1, al. b), do CPP;

7. Violação do estatuído nos arts. 6.º, n.º 2, 3.º, n.º 1, als. b) a d) e 8.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP).

VII. Antes de mais, vejamos então o que consta do acórdão sob recurso, quando se pronunciou sobre a oposição apresentada pelo extraditando ao pedido de extradição (notando-se, desde já, como adiante se explicará melhor, que as questões novas que foram indevidamente colocadas em sede de recurso para o STJ, não poderão ser apreciadas por este Tribunal):

II - Fundamentos de direito:

A extradição entre Portugal e o Brasil regula-se pela Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, subscrita em 23/11/2005 e aprovada pela Resolução da AR n° 49/2008, de 18/7, no DR n° 178, de 15/09/2008, com entrada em vigor em 01/03/2010 e, supletivamente, pelas normas gerais contidas na Lei 144/99.

A Convenção, ratificada no Brasil em 01/06/20097, vigora na ordem interna, face ao disposto no art° 8º/1 e 2, da Constituição da República (CRP) «após a sua publicação oficial e enquanto vincular internacionalmente o Estado Português» por força do princípio do primado do Direito Internacional convencional, tendo primazia sobre o direito interno infraconstitucional, ou seja, prevalecendo os seus dispositivos sobre normas concorrentes contidas na legislação ordinária interna, designadamente sobre as disposições paralelas da Lei nº 144/99.

A referida Convenção estabelece um processo claro de cooperação, tendo em vista os objectivos que a mesma define, de incrementar, simplificar e agilizar a cooperação judiciária internacional em matéria penal, no propósito de combater de forma eficaz a criminalidade.

Os estados membros estabeleceram uma “Obrigação de extraditar” (artigo 1º) excepcionada de forma taxativa (artigos 3º e 4º). Da lista das excepções à obrigação de extraditar não consta a comissão do crime em território nacional. Esta exclusão, a que respeita o artº 32º nº 5 da Lei nº144/99 de 31 de Agosto não tem, pois, campo de aplicação no âmbito das extradições requeridas ao abrigo da Convenção.

Aliás, diga-se que face aos dados fornecidos pela matéria de facto considerada indiciada, os crimes em causa incluem-se no âmbito da criminalidade internacional organizada, realidade nova à qual não se ajustam as regras de competência exclusiva de um estado.

Neste âmbito há que referir que Portugal aprovou, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 02/04, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 02/04, que promove a cooperação internacional nos domínios da extradição, auxílio judiciário e investigação conjunta, por força da qual se considera que uma infracção será de carácter transnacional se, dentre o mais, for cometida em mais de um Estado, for cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direcção ou controlo tenha lugar noutro Estado for cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique actividades criminosas em mais de um Estado, ou até se for cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado (artigo 3º). No caso, verifica-se que há factos praticados a partir de Portugal mas consumados no Brasil (os simples contactos para estabelecimento do “negócio”) sendo que este país se considera com competência para a perseguição criminal, de acordo com a sua legislação interna.

Inexistente o impedimento decorrente da existência de actos de execução do crime em território Português, verifica-se que a alegada estabilidade familiar e social do arguido também não é fundamento dirimente do deferimento da extradição.

Por outro lado, mostram-se cumpridos todos os trâmites processuais de que depende o deferimento da medida e estão dadas garantias judiciais formais de acordo com os termos da Convenção, pelo que não há fundamento que obste ao cumprimento da obrigação de extradição a que Portugal está sujeito.

Importa, pois, deferir o pedido de extradição ao arguido.

Não há fundamento para alteração da medida de coacção fixada, de detenção provisória, por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que a determinaram.

Analisemos então o recurso.

1.ª questão (violação do disposto no art. 56.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 144/99, de 31.08)

Alega o recorrente, em resumo, que para a defesa que apresentou na oposição, indicou testemunhas, em número inferior a 10, nos termos do art. 55.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, pelo que nos termos do n.º 2 da mesma norma, o processo deveria ter seguido com vista ao MP, deviam ter sido depois realizadas as diligências que requereu, bem como as que o Juiz relator entendesse convenientes, tudo na presença do extraditando e, terminada a produção de prova, deveria ser observado o disposto no art. 56.º, n.º 1 e n.º 2, do mesmo diploma legal, nada disso tendo acontecido, antes sendo proferida a decisão final sob recurso em violação dos arts. 6.º, 17.º e 18.º da CEDH, sendo ignorados os seus direitos de defesa, sendo-lhe imputados comportamentos não provados, que constituem crimes em ambos os países, mas dos quais apenas se pode defender após a sua extradição para o país de origem, o que tudo igualmente significa um abuso de direito do tribunal a quo.

Pois bem.

A oposição apresentada à extradição foi limitada, por um lado, à invocação de que o crime foi cometido em Portugal e, por isso, a competência para dele conhecer era dos tribunais portugueses, o que nos termos do art. 32.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, seria motivo de exclusão da extradição e, por outro lado, considerando as suas condições pessoais, familiares e sociais em Portugal, onde se considerava integrado, sendo pai de um menor de um ano e meio, cujo crescimento estava a perder, numa fase crucial, deixando de prestar o apoio familiar que esta fase requer.

Por sua vez, na resposta à oposição, o Ministério Público defende, em resumo, que os argumentos apresentados pelo extraditando “são totalmente infundados e carecem de suporte legal, revelando-se, manifestamente, inútil a audição das testemunhas indicadas pelo requerido,” promovendo que se indefira, concluindo que “no caso em apreço não se verificam quaisquer motivos, de natureza obrigatória ou facultativa, impeditivos do deferimento do pedido de extradição do requerido”.

Na conclusão aberta em 30.08.2023 foi proferido o seguinte despacho judicial:

O extraditando indicou testemunhas para serem ouvidas.

A produção de prova é necessariamente uma diligência que se repute com utilidade para a prolação de uma decisão judicial em curso.

Essa utilidade deriva unicamente da existência de um juízo de verosimilhança sobre probabilidade de a prova a produzir demonstrar a existência de factos que relevem para a decisão.

No caso, atenta a legislação aplicável, todos os factos relevantes para a decisão se mostram documentados nos autos.

Os factos indicados pelo extraditando como sendo objecto do depoimento testemunhal não têm aptidão para influenciar a decisão, atenta a legislação aplicável.

Assim, e por manifesta desnecessidade, não se procede a produção de nova prova requerida.

Notifique.


***

Conferência a 31/8/2023, com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo.

Posteriormente em 31.08.2023 teve lugar a conferência e, foi proferido o acórdão sob recurso, no qual se explicou que “a comissão do crime em território nacional” não consta da lista das exceções à obrigação de extraditar constantes da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, aqui aplicável, prevalecendo tal Convenção sobre as normas da legislação ordinária interna, nomeadamente sobre a Lei n.º 144/99, pelo que a exclusão aludida no art. 32.º, n.º 5, dessa Lei n.º 144/99, não tem campo de aplicação no âmbito das extradições requeridas ao abrigo da referida Convenção, para além de que a matéria de facto considerada indiciada, integra-se no âmbito da criminalidade internacional organizada, aliás, de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transacional ratificada por Portugal, verificando-se que há factos praticados a partir de Portugal mas, consumados no Brasil, considerando-se este país com competência para a perseguição criminal, de acordo com a sua legislação interna e, por isso, pediu a extradição do requerido.

De resto, em Portugal não corre termos inquérito pelos mesmos factos e contra o extraditando.

Perante o acima exposto, temos de concordar que efetivamente tem razão o tribunal a quo.

Com efeito, a extradição foi pedida pelo Brasil ao abrigo da Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CEEMCPLP), a qual tem primazia e prevalece sobre as normas da legislação ordinária interna, como acontece, nomeadamente com a Lei n.º 144/99 (cf. art. 8.º, n.º 2, da CRP).

A obrigação de extraditar que resulta do art. 1.º para os Estados contratantes da referida Convenção (CEEMCPLP) apenas pode ser recusada quando ocorrem os motivos de inadmissibilidade previstos no seu art. 3.º ou os de recusa facultativa previstos no seu art. 4.º.

Trata-se, pois, de um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que delimita em conformidade a soberania dos Estados Contratantes, inexistindo lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não faz sentido recorrer às normas da Lei n.° 144/991.

Assim, o invocado na oposição de o “crime ter sido cometido em território português” (art. 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99) não é fundamento de exclusão da extradição, uma vez que esta foi pedida ao abrigo da CEEMCPLP e, esse fundamento, não se enquadra em nenhum dos indicados nos arts. 3.º e 4.º da mesma Convenção.

Para além disso, nem sequer se verifica o condicionalismo previsto no art. 4.º, al. c), da Convenção, uma vez que a pessoa reclamada nem sequer está a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido, sendo certo, além disso, que nem sequer há pendente em Portugal um qualquer inquérito pelos mesmos factos e contra o extraditando, o que igualmente não preenchia o requisito indicado no referido art. 4.º, al. c), da Convenção.

Aliás, compreende-se mesmo que não haja sequer pendente um qualquer inquérito sobre os mesmos factos contra o requerido em Portugal (mas a existir sempre seria insuficiente para efeitos do art. 4.º, al. c) da Convenção), pois, como foi bem explicado, a matéria de facto considerada indiciada, integra-se no âmbito da criminalidade internacional organizada, pelo que de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transacional ratificada por Portugal, considera-se que se trata de infração de caráter transnacional (neste caso, verificando-se que há factos praticados a partir de Portugal mas, consumados no Brasil), tendo o Brasil competência para a perseguição criminal, de acordo com a sua legislação interna, igualmente tinha legitimidade para pedir, como pediu, a extradição do requerido.

De resto, nem sequer existia qualquer norma que impusesse a instauração de qualquer processo/inquérito em Portugal sobre os mesmos factos contra o requerido.

E, tão pouco incumbe ao tribunal português controlar ou sindicar os indícios ou factos imputados ao extraditando no pedido de extradição contra ele formulado.

Além de que, perante os motivos taxativos previstos nos arts. 3.º e 4.º da Convenção, nem sequer era aplicável o disposto no art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, cujos pressupostos nem se verificavam.

Portanto, essa argumentação do requerido era inócua para afastar a extradição.

O outro fundamento invocado pelo requerido na oposição relacionava-se com as suas condições pessoais, familiares e sociais em Portugal, onde se considerava integrado, sendo pai de um menor de um ano e meio, cujo crescimento estava a perder, numa fase crucial, deixando de prestar o apoio familiar que esta fase requer.

Porém, também essa argumentação não pode ser atendida pois não preenche nenhum dos motivos taxativos previstos nos arts. 3.º e 4.º da CEEMCPLP, não sendo aqui aplicável o disposto no artigo 18º da Lei n.º 144/99, de 31.08.

O facto de o recorrente, cidadão brasileiro, ir para o Brasil para fins de procedimento criminal e, ficar nesse período afastado de Portugal, onde se inseriu profissionalmente e está integrado familiarmente, mesmo interrompendo temporariamente o seu projeto de vida, não ofende os seus direitos fundamentais, antes é uma consequência normal de quem é extraditado para esse efeito, não se vendo que haja qualquer desproporção entre as suas condições de vida em Portugal por um lado e a importância do ato de cooperação aqui em causa por outro lado (que foi deferido, por se verificarem os pressupostos legais para o efeito).

Como já foi explicado não há motivos de inadmissibilidade de extradição ou da sua recusa obrigatória ou facultativa.

Ora não se verificando, por serem infundados, os motivos apresentados na oposição, para ser recusada a extradição (importando ter presente o disposto no art. 3.º da Lei n.º 144/99, que dá prevalência nomeadamente às Convenções que vinculem o Estado Português), era inútil ouvir as testemunhas arroladas sobre essa matéria, que tinham sido oferecidas na mesma peça (oposição), tal como também sustentou o MP na sua resposta, quando teve vista nos termos do art. 55.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99.

Por isso, se compreende, o despacho proferido em 30.08.2023, acima transcrito, que indeferiu a produção de prova testemunhal, por manifesta desnecessidade, seguindo os autos para os vistos e à conferência nos termos do art. 57.º, da Lei n.º 144/99.

Com efeito, o que o extraditando pretendia provar estava em parte provado documentalmente e, noutra parte, era perfeitamente inútil, por não ter qualquer influência na decisão da causa, face à legislação aplicável, sendo proibido ao tribunal praticar atos inúteis.

O estabelecido no artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, permite ao juiz o indeferimento de diligências inúteis que tenham sido requeridas pelo extraditando, não constituindo tal decisão qualquer violação das garantias de defesa e, muito menos, qualquer nulidade.

Aliás, essa tem sido a jurisprudência deste STJ, já desde pelo menos o ac. de 3.05.2012, proferido no processo n.º 205/11.9YRCBR.

De resto, tal como igualmente se defende no ac. do STJ de 9.07.2015, proferido no processo n.º 65/14.8YREVR.S1 (relator João Silva Miguel), “De facto, a letra da lei, apelando às diligências que tiverem sido requeridas, consente uma interpretação que exclua a realização de diligências que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.”

E o cumprimento desse princípio não significa abuso de direito do tribunal a quo, como pretende o recorrente de forma gratuita, não havendo qualquer extemporaneidade na decisão, no contexto em que foi proferida.

Assim, uma vez indeferidas as diligências de prova requeridas, por inúteis, como bem se diz no citado Acórdão do STJ de 3 de maio de 2012, “não há lugar à produção de alegações, por estas terem como pressuposto prévio necessário a existência de produção de prova. Contudo, com a audição do recorrente, nos termos do art. 54.º da Lei 144/99, de 31.08, e com a oposição deduzida, nos termos do art. 55.º do mesmo diploma, foi adequadamente assegurado o exercício do contraditório»2.

Daí que, não assista razão ao recorrente, uma vez que não tendo sido produzida prova, não havia vista para alegações nos termos do art. 56.º, n.º 2, da Lei 144/99, estando asseguradas todas as garantias de defesa do extraditando, com a sua audição e com a apresentação de oposição, não havendo, por isso, qualquer atropelo dos seus direitos, sendo garantido o acesso a um processo equitativo, bem como o direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, por um tribunal independente e imparcial, em prazo razoável, não tendo sido violados os invocados arts. 6.º, 17.º e 18.º da CEDH.

Improcede, pois, essa argumentação genérica e abstrata do recorrente, não merecendo censura o acórdão impugnado na matéria aqui em apreciação.

2ª questão (Violação do estatuído nos arts. 3.º, n.º 1, al. a) e 8.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)

Invoca o recorrente que se forem aplicadas as diferentes penas pelos limites previstos no ordenamento brasileiro para as infrações que lhe são imputadas, que são muito superiores às do ordenamento português, isso resultará “em lesão irreversível da sua integridade física” (art. 3.º, n.º 1, al. a), da CEEMCPLP), na medida em que vai passar a sua vida ativa preso, uma vez que tendo nascido em 1982, cumprirá pena entre os seus 53 anos e 67 anos e sairá diretamente para a reforma, sendo-lhe ceifado o efeito regenerador que deve ser retirado das penas; para além disso acrescenta que foi violado o disposto no art. 8.º da mesma Convenção, por não terem sido cumpridos os trâmites processuais, o que resultou na impossibilidade de gozo dos direitos e garantias concedidos na legislação do Estado requerido para a defesa do extraditando/recorrente.

Pois bem.

Como bem argumenta na resposta ao recurso o Ministério Público, tratam-se de questões novas que não foram colocadas, como deviam, quer no ato de audição, quer na oposição apresentada pelo extraditando.

Uma vez que tais questões não foram suscitadas no momento próprio o Ministério Público não teve oportunidade de se pronunciar, quando respondeu à oposição e também o Tribunal da Relação de Lisboa não proferiu qualquer decisão sobre essa matéria no seu acórdão, porque as mesmas não lhe foram sequer colocadas.

Portanto, esqueceu o recorrente que destinando-se os recursos a suscitar a oportuna apreciação da decisão de que se recorre (neste caso o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa impugnado) nele não devem ser apresentadas questões novas que não foram colocadas ao Tribunal recorrido (ressalvado aquelas que devam ser conhecidas oficiosamente, o que não é o caso), uma vez que não se pode apreciar tais novas questões sem haver decisão que sobre elas recaía (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ)3.

Daí que sempre serão de indeferir tais questões colocadas pelo recorrente.

De todo o modo, sempre se dirá que, neste caso concreto, face às molduras abstratas aplicáveis às infrações em causa imputadas ao recorrente/extraditando, o alegado decurso do tempo que pode decorrer por eventualmente ter de cumprir pena de prisão, é uma consequência natural da vida, que também ocorre estando em liberdade, não constituindo a invocada “lesão irreversível da integridade física” para efeitos do art. 3.º, n.º 1, al. a), da CEEMCPLP.

E, tal como não foi violado o disposto no art. 3.º, n.º 1, al. a), da CEEMCPLP, também não foi violado o disposto no art. 8.º da mesma Convenção, pois o recorrente/extraditando beneficiou de todos os direitos e garantias do Estado requerido, sendo representado por Advogado e exercendo totalmente o seu direito de defesa, tendo sido cumpridos todos os trâmites processuais.

Improcede, pois, esta questão colocada pelo recorrente.

3ª questão (Não cumprimento do estatuído nos arts. 31.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08)

Argumenta o recorrente que, perante os factos que constam do acórdão recorrido o crime consumou-se em Portugal e, portanto, seriam os tribunais portugueses os competentes para o julgamento e não o Estado requerente, considerando que existe uma lacuna na Convenção, quando ali não se previu a comissão do crime em território nacional, as quais devem ser integradas pelo disposto nos arts. 31.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08, havendo, assim, motivo para rejeitar a extradição.

Porém, não lhe assiste razão.

Como decorre do que já acima se explicou, não existe qualquer lacuna na referida Convenção.

O que sucede é que como já acima se referiu, foi vontade expressa dos Estados contratantes estabelecer um regime próprio e taxativo em matéria de causas de recusa de extradição no âmbito da referida Convenção de Extradição entre os Estados-Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que delimita em conformidade a soberania dos respetivos Estados Contratantes, inexistindo, por isso, lacuna a preencher nesse domínio, pelo que não faz sentido recorrer às normas da Lei n.° 144/99.

Assim, o invocado na oposição de o “crime ter sido cometido em território português” (art. 32.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 144/99) não é fundamento de exclusão da extradição, uma vez que esta foi pedida ao abrigo da CEEMCPLP e, esse fundamento, não se enquadra em nenhum dos indicados nos arts. 3.º e 4.º da mesma Convenção.

Para além disso, como acima foi dito, nem sequer se verifica o condicionalismo previsto no art. 4.º, al. c), da Convenção, uma vez que a pessoa reclamada nem sequer está a ser julgada no território do Estado requerido pelos factos que fundamentam o pedido, sendo certo, além disso, que nem sequer há pendente em Portugal um qualquer inquérito pelos mesmos factos e contra o extraditando, o que igualmente não preenchia o requisito indicado no referido art. 4.º, al. c), da Convenção.

Aliás, compreende-se mesmo que não haja sequer pendente um qualquer inquérito sobre os mesmos factos contra o requerido em Portugal (mas a existir sempre seria insuficiente para efeitos do art. 4.º, al. c) da Convenção), pois, como foi bem explicado, a matéria de facto considerada indiciada, integra-se no âmbito da criminalidade internacional organizada, pelo que de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transacional ratificada por Portugal, considera-se que se trata de infração de caráter transnacional (neste caso, verificando-se que há factos praticados a partir de Portugal mas, consumados no Brasil), tendo o Brasil competência para a perseguição criminal, de acordo com a sua legislação interna, igualmente, enquanto Estado requerente tinha legitimidade para pedir, como pediu, a extradição do requerido para efeitos de procedimento penal, uma vez que os seus tribunais tem competência para o respetivo julgamento.

De resto, nem sequer existia norma que impusesse a instauração de qualquer processo/inquérito em Portugal sobre os mesmos factos contra o requerido.

Daí que, estando eliminada a possibilidade de exclusão da extradição por aplicação do art. 4.º, al. c), CEEMCPLP e, não havendo violação do disposto nos arts. 31.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2, al. a) e n.º 5, da Lei n.º 144/99, de 31.08, não assiste razão ao recorrente nesta matéria por si suscitada.

4.ª questão (Não cumprimento do estatuído nos arts. 6.º, al. a), da Lei n.º 144/99, de 31.08, 6.º, 17.º e 18.º da CEDH)

Argumenta o recorrente que o pedido de extradição deve ser recusado, nomeadamente, porque é do conhecimento geral que o Brasil não tem condições de salvaguardar, nem sequer respeitar minimamente a CEDH de 4.11.1950, além de outros instrumentos internacionais relevantes ratificados por Portugal, não podendo ser garantido que não lhe serão impostas outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, sendo que o sistema prisional brasileiro enfrenta sérios desafios, em particular relacionados com a sobrelotação e a violência física e sexual no interior da maioria dos EP, com riscos para a vida dos reclusos, condições de detenção com falta de condições sanitárias e de higiene, de acesso a água potável, a alimentos, a cuidados de saúde, pelo que o TRL deveria ter exigido garantias suplementares à República Federativa do Brasil e emitido um juízo sobre as garantias do Estado requerente do cumprimento das obrigações que lhe são impostas e, assim, ao não efetuar essa avaliação cometeu a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por deixar de se pronunciar sobre questão que devia apreciar e que era essencial para a decisão final de extradição.

Para além disso, ao omitir diligências que eram profícuas para a defesa do extraditando, deixando de ouvir a maioria das testemunhas arroladas, que eram de nacionalidade brasileira e cujo depoimento podia incidir sobre a assimetria de condições nos estabelecimentos prisionais e o tratamento desumano existente nos mesmos, quer por parte da administração pública e/ou privada dos EP´s, cometeu uma nulidade, por omissão de pronúncia e ainda por omissão de diligências consideradas profícuas para a defesa do extraditando, nos termos dos arts. 118.º, 120.º, n.º 2, al. d) e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, subsidiariamente aplicáveis neste caso, devendo ser determinada a audição das testemunhas nos termos do art. 56.º da Lei n.º 144/99, havendo, ainda, violação dos arts. 6.º, al. a), da Lei n.º 144/99 e, nomeadamente, dos arts. 6.º, 17.º e 18.º da CEDH.

Pois bem.

Mais uma vez, tratam-se de questões novas que não foram colocadas, como deviam, quer no ato de audição, quer na oposição apresentada pelo extraditando.

Uma vez que tais questões não foram suscitadas no momento próprio o Ministério Público não teve oportunidade de se pronunciar, quando respondeu à oposição e também o Tribunal da Relação de Lisboa não proferiu qualquer decisão sobre essa matéria no seu acórdão, porque as mesmas não lhe foram sequer colocadas.

Portanto, como acima se referiu, mais uma vez, esqueceu o recorrente que destinando-se os recursos a suscitar a oportuna apreciação da decisão de que se recorre (neste caso o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa impugnado) nele não devem ser apresentadas questões novas que não foram colocadas ao Tribunal recorrido (ressalvado aquelas que devam ser conhecidas oficiosamente, o que não é o caso), uma vez que não se pode apreciar tais novas questões sem haver decisão que sobre elas recaía (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ).

Daí que sempre serão de indeferir tais questões colocadas pelo recorrente.

De todo o modo, poder-se-á dizer que a CEEMCPLP, nos seus arts. 2.º a 4º não tinha de contemplar qualquer referência à CEDH e/ou a outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados pelo Brasil, como o faz o art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, pois os Estados contratantes daquela Convenção, como bem diz o MP na resposta ao recurso, apelando ao ac. do STJ de 7.09.2017, processo n.º 483/16.7YRLSB.S1 (Francisco M. Caetano), são em princípio Estados democráticos, vinculados à defesa e garantia dos direitos humanos, sendo o Brasil “um Estado Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), que ratificou em 1992, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e que, à semelhança da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não deixam de lhe conferir o direito a um processo justo e equitativo, no modo como é consagrado pelo art.º 6.º desta Convenção.”

No mesmo sentido defende-se no ac. do STJ de 23.03.2023, processo n.º 110/23.6YRLSB.S1 (Sénio Alves), que “A verdade é que o Brasil é um Estado democrático, assente em princípios fundamentais como a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a separação de poderes, regendo-se nas suas relações internacionais pelos princípios da prevalência dos direitos humanos, sendo certo que subscreveu inúmeras convenções internacionais respeitantes aos direitos humanos e à Cooperação Judiciária Internacional, nomeadamente a Convenção de 1987 contra a tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes 4 e a Convenção de extradição entre os Estados membros da CPLP 5, razão pela qual as autoridades brasileiras não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do extraditando e, nomeadamente, a sua própria integridade física.”

Acrescenta-se, neste acórdão de 23.03.2023 que, como se refere no acórdão do STJ, de 30.10.2013, Proc. 86/13.8YREVR.S1, “A Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê a possibilidade de recusa de extradição com fundamento no alegado funcionamento deficiente do sistema de justiça e do sistema prisional do Estado emissor do pedido de cooperação”. E isto porque à dita Convenção “encontra-se subjacente a ideia de cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em vista o combate célere e eficaz da criminalidade, na base da confiança recíproca entre os Estados contratantes e do reconhecimento mútuo, princípios através dos quais se garante que as decisões judiciais de qualquer um dos Estados serão respeitadas e tomadas em consideração por todos os outros Estados nos precisos termos em que foram proferidas”. Aliás, apoiando-se no Ac. STJ de 22.04.2020, Proc. 499/18.9YRLSB.S1, refere-se que “O princípio de confiança mútua que subjaz e constitui o cerne da cooperação judiciária internacional funda-se na convicção de que todos os subscritores dos instrumentos daquela cooperação comungam de um conjunto de valores nucleares tributários dos direitos do Homem, estando sujeitos aos mesmos mecanismos específicos e comuns da garantia daqueles valores”. 6

Por isso, não assiste qualquer razão ao recorrente quando faz ex novo as afirmações supra descritas em sentido contrário ao supra exposto.

Para além disso, não existe qualquer omissão de pronúncia do tribunal a quo pois sendo o Brasil um país democrático, garante dos direitos humanos como se viu, perante as questões colocadas na audição e na oposição, analisadas as garantias judiciais formais oferecidas, não era de exigir ao Coletivo que fizesse qualquer outra avaliação/juízo, pois nada mais tinha que apreciar do que o que apreciou, que fosse essencial para a decisão final sobre a extradição.

Improcede, pois, a arguição da nulidade por omissão de pronúncia prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

De salientar ainda que, ao contrário do sugerido no recurso, nem sequer houve um pedido de inquirição de testemunhas sobre as condições dos estabelecimentos prisionais, assimetrias de condições, tratamento desumano existente nos mesmos, quer por parte das administrações públicas, quer por parte das privadas, e advindas dos restantes reclusos como alega apenas em sede de recurso, nem se justificava que o tribunal a quo oficiosamente diligenciasse nesse sentido.

Daí que igualmente não se pudesse concluir que existisse uma nulidade por omissão de pronúncia e ainda por omissão de diligências, prevista nos arts. 118.º, 120.º, n.º 2, al. d) e 379.º, n.º 1, c), do CPP, não se impondo determinar a audição das testemunhas (como pretende no recurso) nos termos do art. 56.º da Lei nº 144/99 e, como referido anteriormente, nem sequer ocorre qualquer violação do disposto nos arts. 6.º, al. a) da Lei nº 144/99 e 6.º, 17.º e 18.º da CEDH.

5.ª questão (Violação do disposto no art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08)

Argumenta o recorrente que por todos os crimes que lhe são imputados serem no território nacional, não pode ser extraditado para o Brasil, porque os tribunais brasileiros não tem competência para o julgar, atento o princípio da territorialidade, não podendo ficar sob ordenamento jurídico incompetente para o julgar, o que também constitui uma violação do princípio da especialidade, pelo que apenas pode concluir que o seu julgamento no Brasil seria por outros factos.

No entanto, como já se viu acima, mais uma vez o recorrente coloca uma questão nova no recurso, que não colocou ao Tribunal recorrido.

E, como já se referiu acima o recurso não serve para apreciar questões novas, sobre as quais não recaiu uma decisão (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ).

Daí que sempre serão de indeferir tais questões colocadas pelo recorrente.

De todo o modo, como acima já se explicou, não havendo motivo para correr em Portugal inquérito pelos mesmos factos a que se refere o pedido de extradição e, não sendo os tribunais portugueses competentes para o seu julgamento, não é caso de aplicar o disposto no art. 4.º, al. c) da CEEMDPLP e, nem sequer é aplicável ao caso o disposto no invocado art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08.

Portanto, improcede essa argumentação do recorrente, não havendo qualquer violação das normas, dos princípios da especialidade e/ou da territorialidade, sendo igualmente errada a dedução que retira de que no Brasil vai ser julgado por factos distintos, esquecendo o que consta do pedido de extradição.

6.ª questão (Violação do disposto no art. 242.º, n.º 1, al. b), do CPP)

Argumenta o recorrente que o MP devia ter instaurado inquérito desde que soube da sua detenção a pedido do Brasil, o que era uma obrigação por força do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CPP, uma vez que os factos ocorreram em território português, tudo funcionando em Portugal, pelo que não faz sentido que até à presente data ainda não tenha sido instaurado nenhum inquérito para apurar todos os crimes que foram praticados em Portugal, não se podendo considerar que tivessem sido praticados no Brasil, razão pela qual deve ser julgado procedente o recurso e impedida a extradição.

Porém, mais uma vez vem o recorrente colocar uma questão nova no recurso, que não colocou ao Tribunal recorrido.

E, como já se referiu acima, o recurso não serve para apreciar questões novas, sobre as quais não recaiu uma decisão (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ).

Daí que sempre serão de indeferir tais questões colocadas pelo recorrente.

De todo o modo reitera-se que, como explicado acima, para além de não ser caso de abertura de inquérito em Portugal pelos factos que lhe são imputados no pedido de extradição, também importa ter presente que no âmbito deste tipo de pedido não pode ignorar-se (como se alega na resposta à oposição) o princípio do reconhecimento mútuo, assente na confiança mútua entre Estados e, por isso, havia que viabilizar a entrega para prossecução da ação penal ao Estado emitente, desde que não houvesse razões formais ou materiais que obstassem ao seu deferimento, como sucede neste caso.

No caso, o Estado requerido cumpriu a sua tarefa de verificar se o requerido era a pessoa reclamada e se se verificavam ou não os requisitos legais da pretensão de extradição, uma vez que só estes são fundamentos admissíveis da oposição, como claramente resulta do art. 55.º, n.º 2 da Lei 144/99.

Improcede, pois, a argumentação do recorrente, uma vez que não houve violação da norma citada, dado que não existia a obrigação de instaurar inquérito contra o extraditando pelos mesmos factos do pedido de extradição.

7ª questão (Violação do estatuído nos arts. 6.º, n.º 2, 3.º, n.º 1, als. b) a d) e 8.º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa)

Apesar de invocar a violação deste grupo de normas, o certo é que o recorrente não apresenta argumentação para o efeito, sendo certo que, mais uma vez, coloca uma questão nova no recurso, que não colocou ao Tribunal recorrido.

E, como já se referiu acima, o recurso não serve para apreciar questões novas, sobre as quais não recaiu uma decisão (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, matérias que não suscitou, como podia, na sua audição e na oposição apresentada e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, não podendo também agora ser sindicadas, nem conhecidas por este STJ).

Daí que sempre será de indeferir esta invocação de violação de normas, colocadas pelo recorrente, sem qualquer base de sustentação.

De resto, remete-se para tudo o que acima já se disse, sendo certo que não se verificam os pressupostos para aplicação dos arts. 6.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1, als. b) a d) da CEEMCPLP.

E, como já acima foi referido, foram respeitados e garantidos todos os direitos de defesa do arguido, não tendo sido violado o disposto no art. 8.º da CEEMCPLP.

Improcede, pois, essa argumentação do recorrente.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, sendo certo que não foram violados os princípios e normas invocados pelo recorrente.


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Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, mantendo-se integralmente o acórdão impugnado.

Sem custas (art.º 73º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08), sem prejuízo do disposto no art. 26.º n.º 2 als. b) a d) e n.º 4 do mesmo diploma legal.


*

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Senhoras Juízes Conselheiras Adjuntas.

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Supremo Tribunal de Justiça, 11.10.2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Ana Barata Brito (Adjunta)

Teresa Almeida (Adjunta)

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1. Nesse sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 30.10.2013, Proc. 86/13.8YRREVR.S1 (relatado por Oliveira Mendes); de 22.04.2021, Proc. 4.21.0YREVR.S1 (relatado por Eduardo Loureiro); de 1.08.2022, Proc. 1113/22.3YRLSB.S1 (relatado por Ana Barata Brito).

2. No mesmo sentido ac. do STJ de 24.11.2021, processo n.º 129/21.1YRCBR (relator Orlando Gonçalves).

3. Ver, entre outros, ac. do STJ de 20.12.2006, proc. 06P3661 (Henriques Gaspar), de 13.02.2019, proc. 65/14.8YREVR.S2 (Vinício Ribeiro), de 17.02.2022, proc. 18/20.7JELSB.L1.S1 (Maria do Carmo Silva Dias), de 23.03.2023, proc. 110/23.6YRLSB.S1 (Sénio Alves).

4. Aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 4, de 23 de Maio de 1989, ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 40, de 15 de Fevereiro de 1991.

5. Tal Convenção foi igualmente ratificada pelo Decreto da Presidente da República Federativa do Brasil nº 7.935, de 19/2/2013, sendo certo que o Congresso Nacional havia já aprovado tal Convenção através do Decreto Legislativo nº 45 de 30/3/2009.

6. Ainda no mesmo sentido é indicado o Ac. STJ de 21.04.2021, Proc. 5/21.8YREVR.S1 (relator Sénio Alves).