Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
544/20.8PGPDL-A.L1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DETENÇÃO ILEGAL
DESCONTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento estava em causa efetuar a liquidação da pena a cumprir pelos respetivos arguidos/condenados, importando proceder à contagem do período a descontar quanto à detenção sofrida anteriormente pelo condenado, nos termos do art. 80.º, n.º 1, do CP, mas, em termos de matéria de facto, existia uma diferença substancial entre ambos.

II. Divergem no entendimento de que se o período de detenção for inferior a 24 horas, mesmo que se inicie num determinado dia e continue no dia seguinte, portanto, se prolongue por dois dias diversos, se deve descontar ou um dia (entendimento manifestado no acórdão recorrido, mas que ali não era a questão a decidir, porque a matéria de facto submetida a apreciação estava relacionada com a detenção sofrida em 3 dias diversos por um período de duração superior a 24 horas e inferior a 48 horas de detenção) ou dois dias (entendimento defendido no acórdão fundamento, onde essa era a questão a decidir, porque a matéria de facto submetida a apreciação era precisamente a detenção sofrida em dois dias diversos por período de duração inferior a 24 horas).

III. Ora, se no acórdão recorrido, fosse a questão a decidir a do período do desconto quando a detenção fosse inferior a 24 horas, mas decorresse em dias seguidos, diríamos que havia oposição com o acórdão fundamento. Porém, não é essa a questão a decidir no acórdão recorrido, porque o que tinha para decidir era saber qual o período de desconto estando em causa período de detenção superior a 24 horas e inferior a 48 horas em 3 dias seguidos (daí compreende-se que não se pode afirmar que os dois acórdãos tratam da mesma questão de forma oposta). Assim, está inviabilizada a conclusão da verificação do requisito substantivo ou material, quanto à mesma questão de direito, de decisões opostas, o que leva à rejeição deste recurso extraordinário.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1.1. O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.ºs 2 e 4 e 438.º do CPP, por haver oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.05.2023 proferido nestes autos e o acórdão do TRL de 11.09.2018, proferido no processo n.º 114/15.2PATVD-A.L1.

1.2. Para o efeito, apresentou os seguintes fundamentos (transcrição):

1. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão fundamento, datado de 11 de setembro de 2018, transitado em julgado, publicado em www.dgsi.pt, proferido no âmbito do Processo n.º 114/15.2PATVD-A.L1-5, decidiu que o período de detenção, sofrido anteriormente por condenado, deve ser contado em dias e não em horas, e confirmou a decisão da 1.ª instância.

A única questão que o recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1ª instância apreciou foi a de saber se o período de detenção anterior, sofrido pelo condenado, deve ser contado em dias ou em horas, para efeitos de desconto no cumprimento da pena que posteriormente lhe foi aplicada.

Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, neste acórdão, que “De acordo com o n.º 1 do Art.º 80º do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

(…)

Esta ideia vale para todas as privações da liberdade anteriores ao trânsito em julgado da decisão do processo: prisões preventivas, obrigações de permanência na habitação e quaisquer detenções (não só as referentes ao Art.º 254º mas também, v. g. as que resultem do Art.º 116º, ambos do C.P.Penal).

Revertendo para o caso concreto, verifica-se que a detenção da arguida L. perdurou por dois dias diversos.

Tudo somado, revela-se, assim, inequívoco que a privação da liberdade perdurou por menos de 24 horas.

Será, no entanto, que, tal como sustenta a Digna recorrente, se deverá descontar apenas um dia?

Ora, revela-se inequívoco que o Art.º 479º, do C.P.Penal, apenas se refere à contagem de tempo de prisão fixada em anos, em meses e em dias, determinando, outrossim, que esta última – prisão fixada em dias – será contada considerando cada dia um período de 24 horas.

Não prevê, no entanto, a lei tempo de prisão contado em horas.

Todavia, daí não se pode retirar a conclusão de que a detenção por tempo inferior a 24 horas, porque não expressamente prevista, não poderá ser descontada.

E dizemos isto até porque se trata, inquestionavelmente, de uma privação da liberdade, havendo que observar na contagem da pena a regra do Art.º 80º, n.º 1, do C. Penal, a qual impõe o desconto por inteiro da detenção sofrida no cumprimento de pena de prisão.

Como a unidade de tempo mais pequena prevista para a contagem da prisão é o dia, correspondente a um período de 24 horas (das 00 horas às 24 horas), tendo a supra mencionada arguida sido detida e libertada em dias diversos (dois), há que proceder ao desconto de dois dias, pois só assim, também a nosso ver, se interpretará devidamente a sobredita norma e o direito constitucional à liberdade decorrente do Art.º 27º da C.R.P..”

2. O acórdão proferido nos presentes autos, acórdão recorrido, datado de 23 de maio de 2023, Processo n.º 544/20.8PGPDL-A.L1, transitado em julgado, decidiu, por sua vez, que o período de detenção anteriormente sofrido por condenado deve ser contado em horas e não em dias, revogou a decisão proferida pelo Tribunal da1ª Instância, e procedeu à homologação da liquidação da pena nos termos propostos pelo Ministério Público.

O recurso foi igualmente interposto pelo Ministério Público junto da 1ª instância, e a única questão em apreciação foi a de saber se o período de detenção anterior, sofrido pelo condenado, deve ser contado em dias ou em horas, para efeitos de desconto no cumprimento da pena que posteriormente lhe foi aplicada.

Contrariamente ao decidido no acórdão fundamento, o acórdão recorrido entendeu que “o critério do desconto tem de ser uniforme e ser feito por inteiro, isto é, tendo em conta o número total de horas de detenção, tendo contudo como limite mínimo um dia, correspondente a 24 horas de detenção, quando seja inferior, e como limite máximo o número de dias de detenção correspondente a cada período de 24 horas, independentemente de a detenção ter ocorrido em vários dias sucessivos ou alternados. Só assim se cumpre a regra do desconto ínsita no n.º 1 do art. 80.º, do Código Penal e o disposto no art. 479.º do C.P.P. quanto à contagem do tempo de prisão. O que é relevante é a soma total das horas de detenção, ainda que sofrida em diversos dias, e não se as horas de detenção ocorreram de modo sucessivo ou alternado uma vez que a lei só dá relevância à unidade temporal dia/24 horas, quando se trata de efectuar um desconto de horas de detenção. Donde resulta que, se a soma de horas em que o agente esteve detido é superior a 24 horas, mas menos de 48 horas, deve proceder-se ao desconto de dois dias na liquidação da pena que o mesmo tem a cumprir ainda que a detenção tenha ocorrido em mais do que dois dias diferentes (…)”

3. Os dois acórdãos versaram sobre as normas legais do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal que determina, entre o mais, que a detenção sofrida pelo arguido é descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão; e do artigo 479.º, n.º 1, do Código Processo Penal, que estatui os critérios a observar na contagem do tempo de prisão, e que estabelece, na sua alínea c), quanto à prisão fixada em dias que se considera cada dia um período de vinte e quatro horas.

4. Estão verificados os pressupostos para a interposição de recurso obrigatório para fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 437.º, n.ºs 2 e 5, do Código de Processo Penal, pois que para a mesma questão de direito, a contagem do período de detenção, sofrido anteriormente, para efeitos de desconto na liquidação da pena, os acórdãos citados apresentam soluções opostas.

5. No intervalo de tempo entre a prolação dos referidos acórdãos não ocorreu qualquer modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

6. Dos referidos acórdãos não é admissível recurso ordinário, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Penal.

7. O Ministério Público tem legitimidade [artigos 401.º, n.º 1, alínea a), e 437.º, n.º 5, ambos do Código de Processo Penal], está em tempo [artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal] e mostram-se preenchidos os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso.

DAS CONCLUSÕES

1. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - acórdão fundamento, datado de 11 de setembro de 2018, transitado em julgado, publicado em www.dgsi.pt, proferido no âmbito do Processo n.º 114/15.2PATVD-A.L1-5, decidiu que o período de detenção sofrido anteriormente pelo condenado deve ser contado em dias e não em horas, e confirmou a decisão da 1.ª instância.

2. O acórdão recorrido, datado de 23 de maio de 2023, já transitado, decidiu que o período de detenção sofrido anteriormente pelo condenado deve ser contado em horas e não em dias, revogou a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância, e procedeu à homologação da liquidação da pena nos termos propostos pelo Ministério Público.

3. Os dois acórdãos versaram sobre as mesmas normas legais do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal e do artigo 479.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e decidiram de forma oposta.

4. Os dois acórdãos mostram-se transitados em julgado e não são suscetíveis de recurso ordinário.

5. Impõe-se a fixação da jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

1.3. Os demais sujeitos processuais interessados não responderam ao presente recurso interposto pelo Ministério Público para este STJ.

1.4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido de se verificarem todos os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário interposto, incluindo a oposição de julgados, pelo que deve o mesmo prosseguir, nos termos do disposto nos artigos 440.º e 441.º, n.º 1, 2ª parte, do Código de Processo Penal.

1.5. Colhidos os vistos de acordo com o exame preliminar e realizada a conferência, incumbe, agora, decidir sobre a admissibilidade ou rejeição deste recurso extraordinário (art. 441.º do CPP).

II. Fundamentação

2.1. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.

O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.»

Ora, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende do preenchimento de requisitos formais e de requisitos materiais, que se extraem dos arts. 437.º e 438.º do CPP.

Assim, este Supremo Tribunal tem entendido, como é clarificado em variada jurisprudência1, que são requisitos formais, a legitimidade do recorrente, a tempestividade da interposição do recurso (prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido), a identificação do acórdão fundamento (com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição), incluindo se tiver sido publicado, o lugar da publicação e o trânsito em julgado do acórdão fundamento e, por sua vez, são requisitos materiais, que os dois acórdãos respeitem à mesma questão de direito, tenham sido proferidos no “domínio da mesma legislação”, “assentem em soluções opostas”, partindo de idêntica situação de facto, importando que as decisões em oposição sejam expressas.

Quanto a estes últimos dois requisitos, a saber, que sejam proferidas “soluções opostas a partir de idêntica situação de facto e que as decisões em oposição sejam expressas”, assinala-se no acórdão do STJ de 21.10.2021 citado, que “constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1, 5.ª) acrescendo que, de há muito, constitui também jurisprudência pacífica no STJ que a oposição de soluções entre um e outro acórdão tem de referir-se à própria decisão, que não aos seus fundamentos (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. de 13.02.2013, Proc. 561/08.6PCOER-A.L1.S1).”

2.2. Posto isto, vejamos se, neste caso concreto, estão ou não preenchidos todos os requisitos acima apontados.

Assim.

Analisados os autos não há dúvidas que o Ministério Público tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência que, para si é obrigatório (art. 437.º, n.º 2 e n.º 5, do CPP), sendo claro o seu interesse em agir, tendo-o apresentado tempestivamente (art. 438.º, n.º 1, do CPP), em 28.06.2023, uma vez que foi interposto dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja, do ac. do TRL proferido em 23.05.2023, nos autos nº 544/20.8PGPDL-A.L1, que apenas transitou em 09.06.2023.

Para além disso, neste seu recurso extraordinário, o recorrente/MP identifica o acórdão fundamento (Ac. do TRL de 11.09.2018, proferido no processo n.º 114/15.2PATVD-A.L1) - ou seja, o acórdão que invoca estar em oposição com o acórdão recorrido de 23.05.2023 - transitado em julgado em 27.09.2018.

Dir-se-á que estão preenchidos os pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Resta, agora, apurar, se igualmente se mostram preenchidos os seus pressupostos materiais.

Analisando o acórdão recorrido (ac. do TRL de 9.06.20232 proferido no processo nº 544/20.8PGPDL-A.L1, de que este recurso é apenso) e o acórdão fundamento (ac. do TRL de 11.09.20183 proferido no processo n.º 114/15.2PATVD-A.L1), verificamos que se reportam à questão de saber como contar o período de detenção aludido no art. 80.º, n.º 1, do Código Penal, sofrido anteriormente pelo condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas processuais foram aplicadas.

Porém, importa verificar, no confronto do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, se há identidade de factos entre ambas as decisões.

É certo que, em ambos os casos estava em causa efetuar a liquidação da pena a cumprir pelos respetivos arguidos/condenados, importando proceder à contagem do período a descontar quanto à detenção sofrida anteriormente pelo condenado, nos termos do art. 80.º, n.º 1, do CP.

No entanto, em termos de matéria de facto, existe uma diferença substancial entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, que é a seguinte:

- no acórdão recorrido, estava em causa o período de detenção ocorrido entre as 21h18 do dia 30.11.2020 e as 16h55 do dia 2.12.2020 (período de detenção para interrogatório judicial decorrido em 3 dias seguidos, que foi superior a 24 horas, mas inferior a 48 horas), sendo que no despacho recorrido se decidiu que correspondia ao desconto no cumprimento de pena do condenado de 3 dias de prisão, mas veio tal despacho a ser revogado pela Relação que entendeu que o desconto a efetuar na pena de prisão a cumprir era de 2 dias;

- no acórdão fundamento estava em causa o período de detenção entre as 22h08 de 18.10.2016 e as 20h48 de 19.10.2016 (portanto, período inferior a 24 horas decorrido de um dia para o outro) sofrido pela arguida condenada noutro processo, sendo que no despacho recorrido se decidiu que correspondia ao desconto no cumprimento de pena da condenada de 2 dias, despacho esse que foi confirmado pela Relação, que negou provimento ao recurso do MP, que pretendia que o desconto fosse apenas de um dia.

Esta diferença factual no período de detenção em cada um dos casos, evidencia que apesar da argumentação em parte distinta do acórdão recorrido (evidenciada pela singularidade de indicar diversos acórdãos que tratam situações de facto nem todas coincidentes) em confronto com o acórdão fundamento, o certo é que ambos tem pontos comuns, apesar do primeiro na referência que faz ao segundo, esquecendo a diferente base factual, alegar conclusivamente divergências genéricas entre ambos, sendo evidente a falta de argumentos concretos nesse sentido, tanto mais que partem de princípios comuns, que são os seguintes (em síntese):

- o instituto do desconto (de acordo com a visão citada de Jorge de Figueiredo Dias) visar alcançar uma solução mais justa, em nome dos imperativos de justiça material;

- o desconto da detenção tem de ser feito por inteiro (art. 80.º, n.º 1, do CP);

- o disposto no art. 479.º do CPP é relativo à contagem da pena de prisão;

- a unidade temporal mais pequena, prevista na lei, para a contagem da prisão (art. 479.º, al. c), do CPP) é o dia/24h, ou seja, o dia correspondente a 24 horas;

- a lei não prevê a contagem em horas, mas existe a regra que resulta do art. 80.º, n.º 1, do CP, que determina o desconto por inteiro da detenção no cumprimento da pena de prisão.

Divergem no entendimento de que se o período de detenção for inferior a 24 horas mesmo que se inicie num determinado dia e continue no dia seguinte, portanto, se prolongue por dois dias diversos, se deve descontar ou um dia (entendimento manifestado no acórdão recorrido, mas que ali não era a questão a decidir, porque a matéria de facto submetida a apreciação estava relacionada com a detenção sofrida em 3 dias diversos por um período de duração superior a 24 horas e inferior a 48 horas de detenção) ou dois dias (entendimento defendido no acórdão fundamento, onde essa era a questão a decidir, porque a matéria de facto submetida a apreciação era precisamente a detenção sofrida em dois dias diversos por período de duração inferior a 24 horas).

E, olhando particularmente para a concreta argumentação do acórdão fundamento ([que se focou na decisão do desconto quando estão em causa períodos de detenção inferiores a 24 horas em dias diversos, seguidos ou não, tendo em atenção a questão que ali tinham para decidir, mesmo quando analisam o art. 479.º do CPP e referem que não prevê a lei tempo de prisão contado em horas, não deixando de admitir que “a unidade de tempo mais pequena prevista para a contagem da prisão é o dia, correspondente a um período de 24 horas (das 00 horas às 24 horas)”], não podemos adivinhar qual seria a solução que os respetivos decisores apresentariam para a situação de facto apreciada no acórdão recorrido (em que estava em causa período de detenção superior a 24 horas e inferior a 48 horas em 3 dias seguidos), que é diferente da que decidiram (desde logo, sabido que, mesmo o máximo do período de detenção de 48 horas que podia estar em causa no acórdão recorrido, corresponde a 2 dias e, no acórdão fundamento, as únicas referências que ali existem, de interesse para a solução da questão do acórdão recorrido, reportam-se sempre a períodos inferiores a 24 horas em dias diversos, sendo o raciocínio que fazem sempre a partir desse princípio).

Aliás, no próprio acórdão recorrido também se refere, na fundamentação (ainda que não seja a questão a decidir), que “O que tem merecido alguma controvérsia é o período desse desconto quando a detenção seja inferior a 24 horas, mas decorra em dias seguidos, isto é, quando se inicie num dia concreto e só termine no dia seguinte.”

Ora, se no acórdão recorrido, fosse essa a questão a decidir (ou seja, a do período do desconto quando a detenção seja inferior a 24 horas, mas decorra em dias seguidos), diríamos que havia oposição com o acórdão fundamento.

Porém, como acima já explicamos, não é essa a questão a decidir no acórdão recorrido, porque o que tinha para decidir era saber qual o período de desconto estando em causa período de detenção superior a 24 horas e inferior a 48 horas em 3 dias seguidos.

É, assim, manifesto que não se podem considerar os dois acórdãos em oposição.

Uma vez que se tratam de situações ou circunstâncias distintas, compreende-se que não se podem equiparar ou afirmar que tratam da mesma questão de forma oposta (sendo uma a encontrada pelo acórdão recorrido e a outra encontrada pelo acórdão fundamento).

É que os pressupostos para cada uma das soluções encontradas num caso e noutro são diferentes.

Portanto, não se pode confundir uma argumentação acessória, marginal, que não se prende diretamente com a questão essencial a decidir no acórdão recorrido, com a solução adotada em questão essencial distinta que foi decidida no acórdão fundamento.

Assim, as situações analisadas e decididas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento não são equiparadas.

Não há, assim, identidade, semelhança ou equivalência nas situações analisadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, o que justificou as diferentes/opostas soluções jurídicas que foram dadas.

Daí que, não seja possível estabelecer uma comparação entre as duas situações descritas (ou seja, não há identidade de situações de facto) que constam do acórdão recorrido por um lado e do acórdão fundamento por outro lado, o que inviabiliza que se possa concluir pela verificação do requisito substantivo ou material da existência, quanto à mesma questão de direito, de decisões opostas.

Por isso, por falta do apontado requisito material, rejeita-se o presente recurso extraordinário.


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III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo Ministério Público.

Sem custas por delas estar isento o recorrente.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Outubro de 2023

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Ernesto Vaz Pereira (Adjunto)

Sénio Alves (Adjunto)

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1. Entre outros, Ac. do STJ de 21.10.2021, proferido no proc. n.º 613/95.0TBFUN-A.L1-C.S1 (relatado por António Gama), consultado no site da dgsi.

2. Fundamentação de direito do acórdão recorrido, proferido em 9.06.2023:

  Estabelece o artigo 80.°, n.° 1 do C. Penal:

  «A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas».

  O princípio geral do desconto admitido pelo sistema penal tem subjacente razões de justiça material por forma a que, todas as privações da liberdade já sofridas, ainda que no âmbito de processos diferentes, devem ser imputadas na pena que o agente deva cumprir, desde que tais períodos de detenção ocorram antes do trânsito em julgado de uma condenação.

  Desse desconto estão afastadas as situações de detenção ao abrigo dos artigos 116.°, n.° 2, e 332.°, n.° 8, do Código de Processo Penal, conforme foi decidido pelo acórdão uniformizador de Jurisprudência do STJ de 21/05/2009, n.° 10/2009, DR, I Série, n.° 120, de 24/06/2009.

  O artigo 479.° do Código de Processo Penal, que estabelece os critérios a observar na contagem do tempo de prisão, não prevê a contagem em horas, mas apenas em dias, considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas (alínea c) do seun.0 1).

  Quando a detenção for por tempo inferior a 24 horas é entendimento pacífico considerar, nesse caso, o período mínimo previsto para cumprimento de pena de prisão, que é um dia, e proceder ao respectivo desconto, na medida em que é esta a forma mais ajustada de dar cumprimento ao n° 1 do artigo 80° do Código Penal.

  Não é, pois, controverso o desconto no cumprimento da pena de prisão ou de permanência na habitação da detenção sofrida pelo arguido, nos termos do n.° 1 do artigo 80.° do C. Penal, nem que o desconto dessa detenção, quando esta seja de apenas algumas horas, corresponda a um dia.

  O que tem merecido alguma controvérsia é o período desse desconto quando a detenção seja inferior a 24 horas, mas decorra em dias seguidos, isto é, quando se inicie num dia concreto e só termine no dia seguinte.

  No sentido de que deve ser descontado apenas um dia foram já proferidas diversas decisões por este Tribunal da Relação de Lisboa, todas elas acessíveis em www.dgsi.pt, designadamente as seguintes, cujos sumários, na parte relevante, se transcrevem:

  - Acórdão de 21-09-2011, processo n.° 317/08.6PDBRR-A.L1-3 (relator Telo Lucas):

  «I - O simples facto do período de detenção do arguido incluir os últimos 6 (seis) minutos de um dia e os primeiros 3 (três) do dia seguinte, não deve beneficiar o arguido de 2 (dois) dias [o equivalente, pois, a 48 (quarenta e oito) horas] de desconto na prisão a cumprir.

  II - Pois o desconto de 2 (dois) dias não se mostra razoável se pensarmos, por exemplo, na situação de um arguido ser detido às Oh 3m de um qualquer dia e ser libertado às 23h 54m desse mesmo dia.

  III - Face ao disposto nos arts. 80.° do Código Penal e 479.° do Código de Processo Penal, a detenção sofrida pelo arguido deve ser descontada na prisão que tem a cumprir, mesmo que essa detenção tenha durado alguns minutos, como no caso, consequentemente tenha durado por tempo inferior a 24 (vinte quatro) horas.

  IV - Igualmente no caso de um arguido sofrer várias detenções, ainda que cada uma delas tenha perdurado [também] por tempo inferior a 24 (vinte e quatro) horas, lhe devem ser descontados tantos dias quantas as detenções de que foi alvo.

  V - Um desconto de 2 (dois) dias quando o arguido esteve detido 9 (nove) minutos, só pela
circunstância de no decurso deste escasso período de tempo os ponteiros do relógio indicarem a mudança
de 1 (um) dia para o outro é solução que não tem agasalho na lei.

  VI - O instituto do desconto, a que se referem os arts. 80.° a 82.°, do Código Penal, tem a presidi-lo imperativos de justiça material. Parece afrontar esta mesma ideia o facto de alguém beneficiar de 2 (dois) dias de desconto na prisão a cumprir quando o período de tempo de detenção que sofreu não foi além de 9 (nove) minutos.

  VII - Igualmente atazana a ideia de justiça relativa se pensarmos, por exemplo, na situação já acima apontada, de um arguido ser detido às Oh 3m de um qualquer dia e ser libertado às 23h 54m desse mesmo dia.»

  - Acórdão de 26-02-2013, processo 710/12.0PBPDL.L1-5 (relatora Margarida Bacelar):

  «I- O período de detenção anterior, sofrido pelo condenado, deve ser contado em horas e não em dias, para efeitos de desconto no cumprimento da pena que posteriormente lhe foi aplicada.

  II- Atendendo a que a detenção é sempre referida, no ordenamento jurídico processual penal português, em horas e não em dias — cfr. arts. 254°, n° 1, 382°, n° 3, e 385°, n° 2, do Cód. Proc. Penal.

  III- Correspondendo cada dia de prisão a um período de 24 horas e tendo a detenção sofrida pelo arguido sido inferior a este período, ainda que tenha decorrido em dois dias seguidos, só deverá ser-lhe descontado apenas um dia na prisão a cumprir, sendo indiferente para o caso que o início e o fim de esse período detentivo tenha coincido com dois dias diversos.»

  - Acórdão de 1-03-2018, processo n.° 53/16.0GDTVD (relator Guilherme Castanheira):

  «1.- O período de detenção anterior, sofrido pelo condenado, deve ser contado em horas e não em dias, para efeitos de desconto no cumprimento da pena que posteriormente lhe for aplicada, atendendo a que a detenção é sempre referida, no ordenamento jurídico processual penal português, em horas e não em dias correspondendo cada dia de prisão a um período de 24 horas - cfr. Código Penal, artigo 80.°, n.° 1, e Código de Processo Penal, artigos 254.°, n.° 1, 382.°, n.° 3, 385.°, n.° 2, e 479.°, n.° 1, alínea c).

  2.- Caso o arguido tenha sido detido por um período inferior a 24 horas em dois dias diversos, seguidos ou não, para efeitos de desconto na pena em que foi condenado, tal período de detenção corresponde a um dia.»

  - Acórdão de 9-09-2020, processo n.° 108/15.8T9PDL (relatora Ana Paula Grandvaux):

  «Sempre que a privação da liberdade de um arguido for inferior a 24 horas, o desconto para os efeitos do art° 80° do CP terá que ser efectuado, fazendo equivaler esse período de detenção de algumas horas, a um dia, considerando o preceituado no art° 479°/l/c), que prevê o dia, correspondente a um período de 24 horas, como sendo a unidade de tempo mais pequena para a contagem do tempo de prisão.

  Havendo que descontar o período de detenção na pena de prisão e sendo a pena de prisão contada em dias, meses e anos (art° 479° CPP), terá que se reduzir o tempo total de detenção (que pode ser de horas) a dias, que é a unidade mínima de contagem da pena de prisão.

  As 24 horas corresponderão sempre, nos termos legais, a um dia.

  Se o tempo total de detenção não totalizar 24 horas, a única forma de descontar o tempo da detenção na pena de prisão é fazer o desconto de um dia, pois não há descontos de horas.

  O mesmo sucederá relativamente ao tempo de detenção que exceder um período de 24 horas. Isto independentemente de se tratar de uma ou de várias detenções.

  O que interessará sempre é o tempo total em que a pessoa esteve detida (privada da liberdade), saber se esse tempo perfaz ou não períodos de 24 horas e fazer corresponder esses períodos a dias de prisão, nos termos supra referidos.»

  - Acórdão de 16-02-2022, processo n.°478/19PBSXL-A.Ll-3 (relatora Margarida Ramos de Almeida, que no mesmo sentido relatou os acórdãos de 21/04/2021, processo n.° 108/15.8T9PDL e 8-09-2021, processo n.° 1303/19.6PBPDL-B.L1-3):

  «-A relevante unidade de tempo consagrada na nossa lei para a contagem da extensão de detenção, é o dia, correspondente a um período de 24 horas. Assim, a primeira operação a realizar é a de constatar quantos períodos de 24 horas o agente esteve detido, independentemente do número de dias em que essas horas se produziram, através da contabilização das horas, como manda a lei, sendo que cada um desses períodos de 24 horas corresponderá a um dia

-Se a detenção se tiver prolongado por algumas horas, não chegando a atingir a marca das 24 horas, então terá de se considerar que essas horas suplementares se terão de integrar na mais pequena unidade temporal legalmente contemplada; isto é, que terão de se considerar como um dia de desconto. E o mesmo se diga se estivermos apenas perante - como até é o caso dos autos - uma detenção que nem sequer chegou a durar uma hora, uma vez que a lei não impõe como limite temporal mínimo que a detenção tenha atingido o período de 1 hora.

  Para o cômputo referido, é assim irrelevante a questão de saber se as horas de detenção ocorreram de modo sucessivo ou alternado, desde logo porque a lei os não distingue, nem lhes confere qualquer relevância (nada na lei aponta ou determina que as 00.00 horas de um dia tenham qualquer relevo ou efeito para o fim de apuramento dos dias de detenção). O que importa são o número de horas, a sua soma aritmética (que até pode resultar de períodos de detenção de algumas horas, em vários dias alternados...) e não a questão de saber se as mesmas decorreram na passagem horária da meia-noite.»

 Em sentido divergente, de que deve ser efectuado o desconto de dois dias quando a detenção ocorre em dias diversos, ainda que por tempo inferior a 24 horas, posição que a Sra. Juíza a quo subscreve, decidiu o acórdão deste Tribunal de 11-09-2018, processo 114/15.2PATVD, que segue de perto o acórdão da Relação do Porto de 2-12-2009, no processo n.° 488/07.9GAVNG-A.P1 cujo entendimento foi também defendido no acórdão da mesma Relação de 18/10/2006, processo n.°0644875, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Ainda no mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa de 27-04-2021, processo n.°397/19.9JAPDL.Ll, não publicado, que, à semelhança do primeiro é citado no despacho recorrido.

  Refira-se que, neste último aresto, é feita a remissão para um acórdão da Relação de Évora (processo 186/11.9GBRDD-A.E1), e para dois acórdãos da Relação de Coimbra (processos 377/06.4GBTNV-B.C1 e 7/16.6GATND-G.C1), mas pela leitura de tais acórdãos constata-se que neles apenas estava em causa a contagem da detenção de horas, inferior a 24 horas, sofrida pelo agente no mesmo dia.

  Entendemos, tal como foi decidido no acórdão proferido por este tribunal a 15-12-2020, no processo n.° 28/20.4PGPDL-A.L1, não publicado, relatado pela ora relatora, à semelhança da Jurisprudência maioritária deste tribunal da Relação, acima citada, que se a privação da liberdade não atingiu as 24 horas se deve contar um dia, que é a unidade mínima de contagem da pena de prisão, por aplicação, pelo menos analógica, da alínea c) do artigo 479.° do Código de Processo Penal, ainda que essa detenção se inicie num determinado dia e continue no dia seguinte, isto é, se prolongue por dois dias diversos, mas, no total, não perfaça as 24 horas.

  Tal é a interpretação que melhor se ajusta aos fundamentos que estão na base da imposição legal do desconto e que permite alcançar uma solução equitativa e mais justa do ponto de vista material.

  Com efeito, a não se considerar assim poderá haver injustiças relativas e beneficiar-se o agente que esteve menos horas detido, mas em que a sua detenção decorreu em dois dias distintos (por exemplo entre as 23H30 de um dia x e as 7H00 do dia seguinte), caso em que beneficiaria de um desconto de dois dias, em detrimento daquele que esteve mais horas detido, mas em que essa detenção teve lugar num só dia (por exemplo entre as 00H45 e as 22H00 desse mesmo dia), caso em que beneficiaria do desconto de apenas um dia. Ou ainda naquelas situações em que o agente esteve detido menos de 48 horas, no total, mas em que a sua detenção decorreu em três ou quatro dias distintos (de diferentes processos), por exemplo entre as 23H30 de um dia x e as 7H00 do dia seguinte, entre as 10.00 e as 16H00 de um outro dia, e entre as 9H00 e as 16H00 de um outro dia, num total de 20H30, que, a seguir-se a tese do despacho recorrido e da Jurisprudência minoritária, beneficiaria do desconto de 4 dias, enquanto um agente detido durante 22 horas num só mesmo dia (por exemplo entre as 00H45 e as 22H45), apenas beneficiaria de um desconto de um dia.

  Para evitar essas discrepâncias e injustiças relativas o critério do desconto tem de ser uniforme e ser feito por inteiro, isto é, tendo em conta o número total de horas de detenção, tendo contudo como limite mínimo um dia, correspondente a 24 horas, quando seja inferior, e como limite máximo o número de dias de detenção corresponde a cada período de 24 horas, independentemente de a detenção ter ocorrido em vários dias sucessivos ou alternados. Só assim se cumpre a regra do desconto ínsita no n.° 1 do art. 80.° do Código Penal e o disposto no artigo 479.° do C.P.P. quanto à contagem do tempo de prisão.

O que é relevante é a soma total das horas de detenção, ainda que sofrida em diversos dias, e não se as horas de detenção ocorreram de modo sucessivo ou alternado uma vez que a lei só dá relevância à unidade temporal dia/24 horas, quando se trata de efectuar um desconto de horas de detenção.

  Donde resulta que, se a soma das horas em que o agente esteve detido é superior a 24 horas, mas menos de 48 horas, deve proceder-se ao desconto de dois dias na liquidação da pena que o mesmo tem a cumprir ainda que a detenção tenha ocorrido em mais do que dois dias diferentes (neste sentido decidiu também o acórdão da Relação do Porto de 7-04-2021, no processo 703/06.6JAPRT-N.P1, acessível em www.dgsi.pt).

  No caso dos autos o arguido foi condenado a cumprir 2 anos de prisão em regime de permanência na habitação e sofreu um período de detenção para interrogatório judicial, entre as 21H18 do dia 30.11.2020 e as 16H55 do dia 2.12.2020. Esse período de detenção, ainda que tenha decorrido em três dias seguidos, foi superior, no total, a 24 horas, mas inferior a 48 horas, pelo que só deverá ser-lhe descontado dois dias na pena de prisão a cumprir.

  Termos em que o recurso merece provimento, havendo que homologar a liquidação da pena proposta pelo Ministério Público, cujo termo é a 11-05-2025.

3. Fundamentação de direito do acórdão fundamento, proferido em 11.09.2018:

  Apreciando:

  De acordo com o n.° 1 do Art.° 80° do C. Penal, na redacção introduzida pela Lei n.° 59/07, de 4 de Setembro, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

  A alteração introduzida pela supra referida Lei consistiu, pois, em mandar descontar no cumprimento da pena de prisão todas as medidas de coacção referidas e sofridas pelo arguido, ainda que aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.

  Segundo o Prof. Figueiredo Dias, "o instituto do desconto, regulado nos arts. 80.° a 82.°, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha já sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objecto de um processo penal devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado" (cfr. Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime - Editorial Notícias, Pág. 297).

  Esta ideia vale para todas as privações da liberdade anteriores ao trânsito em julgado da decisão do processo: prisões preventivas, obrigações de permanência na habitação e quaisquer detenções (não só as referentes ao Art.° 254° mas também, v. g. as que resultem do Art.° 116°, ambos do C.P.Penal).

  Revertendo para o caso concreto, verifica-se que a detenção da arguida AA perdurou por dois dias diversos.

  Na verdade, a mesma foi detida à ordem do processo n.° 487/16.0... em 18-10-2016, as 22,08 horas, tendo perdurado nessa situação até ao dia seguinte, 19-10-2016, às 20,48 horas, altura em que foi libertada.

  Tudo somado, revela-se, assim, inequívoco que a privação da liberdade perdurou por menos de 24 horas.

  Será, no entanto, que, tal como sustenta a Digna recorrente, se deverá descontar apenas um dia?

  Ora, revela-se inequívoco que o Art.° 479°, do C.P.Penal, apenas se refere à contagem de tempo de prisão fixada em anos, em meses e em dias, determinando, outrossim, que esta última - prisão fixada em dias - será contada considerando cada dia um período de 24 horas.

  Não prevê, no entanto, a lei tempo de prisão contado em horas.

  Todavia, daí não se pode retirar a conclusão de que a detenção por tempo inferior a 24 horas, porque não expressamente prevista, não poderá ser descontada.

  E dizemos isto até porque se trata, inquestionavelmente, de uma privação da liberdade, havendo que observar na contagem da pena a regra do Art. 80°, n.° 1, do C. Penal, a qual impõe o desconto por inteiro da detenção sofrida no cumprimento de pena de prisão.

  Como a unidade de tempo mais pequena prevista para a contagem da prisão é o dia, correspondente a um período de 24 horas (das 00 horas às 24 horas), tendo a supra mencionada arguida sido detida e libertada em dias diversos (dois), há que proceder ao desconto de dois dias, pois só assim, também a nosso ver, se interpretará devidamente a sobredita norma e o direito constitucional à liberdade decorrente do Art. 27° da C.R.P..

  Desta forma e mesmo se o arguido foi detido por dois períodos inferiores a 24 horas em dois dias diversos, seguidos ou não, deverão ser, em nossa opinião, descontados dois dias de detenção.

  Em face do que acaba de se afirmar, decorre, outrossim, que o período de prisão preventiva sofrido pela predita arguida, no processo n.° 487/16.0..., desde 08-01-2018 e até 23-01-2018, corresponde a 15 dias e não a 14, conforme pretende a Digna recorrente.

  Nos termos de tudo quanto acaba de se expender, sofreu, portanto, aquela arguida 17 dias de privação da liberdade, tal como acertadamente se entendeu na decisão em causa.

  Por conseguinte, inexistem dúvidas de que o recurso tem forçosamente de improceder.