Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96/16.3T9ALD.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: FALSAS DECLARAÇÕES
ABSOLVIÇÃO CRIME
CONDENAÇÃO EM MULTA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Com a alteração introduzida na al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP pelo artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, passou a ser admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelo tribunal da relação sempre que estes apliquem penas não privativas da liberdade em caso de absolvição em primeira instância.

II. Nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP (diferentemente do que sucede com os recursos interpostos diretamente das decisões da 1.ª instância, a que se referem as al, a) e c) do mesmo preceito), os vícios ou nulidades da decisão recorrida (artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP) não podem, neste caso, constituir fundamento do recurso; o que não impede o STJ de, oficiosamente, conhecer destes vícios e nulidades se e na medida do necessário à boa decisão de direito das questões suscitadas no recurso.

III. A violação do princípio in dubio pro reo, como princípio de direito atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, «resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP».

IV. Não se revelando do texto da decisão recorrida que o Tribunal da Relação enfrentou uma situação de non liquet na apreciação da prova que teve de levar em conta para a decisão em matéria de facto e que ficou na dúvida ou que a decisão proferida não se encontra fundada em provas de modo a não deixar dúvidas inultrapassáveis sobre o sentido da decisão, não se pode afirmar ter-se verificado uma violação deste princípio.

V. Também não se encontra no acórdão recorrido base para a alegação de que não se fez prova do dolo, o que, a verificar-se, impediria o preenchimento do tipo de crime (doloso) por que os recorrentes vêm condenados.

VI. Por força da alteração à al. e), parte final, do n.º 1 do artigo 400.º do CPP introduzida pela Lei n.º 94/2021, deve agora, por identidade de razão, considerar-se incluída na previsão do artigo 513.º (responsabilidade do arguido por custas) a condenação, em recurso, pelo tribunal da relação em caso de absolvição em 1.ª instância.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. Por sentença de 8 de abril de 2022 proferida no Juízo de Competência Genérica ..., da Comarca da Guarda, foi decidido:

«1. Absolver o arguido AA da prática de três crimes de falsas declarações, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 348.º A, n.º 1 e 2, todos do Código Penal;

2. Absolver o arguido BB da prática de três crimes de falsas declarações, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 348.º A, n.º 1 e 2, todos do Código Penal;

3. Absolver o arguido CC da prática de dois crimes de falsas declarações, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 348.º A, n.º 1 e 2, todos do Código Penal;

4. Absolver a arguida DD da prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo disposto nos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 348.º A, n.º 1 e 2, todos do Código Penal.»

2. Inconformados, recorreram o assistente EE e o Ministério Público para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 09.11.2022, concedeu provimento aos recursos e, em consequência, decidiu:

«- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo disposto no art.º 348.º A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 15 (quinze euros), num total de € 1350 (mil e trezentos e cinquenta euros);

- Condenar o arguido BB pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo disposto no art.º 348.º A, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 18 (dezoito euros), num total de € 1620 (mil seiscentos e vinte euros).»

3. Discordando do decidido pelo Tribunal da Relação recorrem os arguidos AA e BB para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando motivação que terminam com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Os arguidos não cometeram o crime de falsas declarações p.e p. pelo art. 348.º A.

2. O tribunal de 1.ª Instância, que decidiu absolver os arguidos, procedeu a uma criteriosa avaliação da prova produzida e apreciada em audiência de julgamento, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art.º 127º, do Código de Processo Penal, de forma racional e fundamentada. A sentença encontra-se devidamente fundamentada.

3. Mesmo considerando que a sentença proferida em 1.ª instância é objecto de alguma crítica, não se verifica, no nosso entender, que houve erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável e que resultaram claramente provados os pontos que foram aditados no douto acórdão – 10, 11, 16 a 19 - que conduzem à condenação dos arguidos.

4. Para que os arguidos cometessem o crime de falsas declarações teriam de agir com dolo, o que não ficou, no nosso entender, provado. Não se preenchendo o elemento subjectivo do crime de falsas declarações não podem os arguidos ser condenados.

5. O tribunal da Relação de Coimbra violou o princípio in dubio pro reo, pois os elementos probatórios não eram suficientes para se fixar a convicção de que os arguidos cometeram os crimes de que vinham pronunciados, se por força da presunção de inocência só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham efectivamente provado, para além de qualquer dúvida.

6. Em processo penal rege o critério da prova além de toda a dúvida razoável, é a regra jurídica de decisão, ao abrigo da qual deve ser resolvido o problema da prova insuficiente ou contraditória: as provas são insuficientes quando a acusação não demonstrou a culpa do acusado para além de toda a dúvida razoável.

7. Prof. F. Dias relativamente ao critério ou parâmetro da dúvida razoável tribunal, a propósito do princípio da livre apreciação da prova “Uma tal convicção existirá quando e só o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.

8. Ao pedir-se ao tribunal, para a prova dos factos, uma convicção objectivável ou motivável, espera-se que a decisão convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer a inteira comunidade jurídica e o arguido.

Termos em que revogando-se a douta decisão de condenação e absolvendo-se os arguidos da prática do crime de falsas declarações, se fará JUSTIÇA.»

4. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, apresentou resposta no sentido da improcedência do recurso, dizendo (conclusões)

«a) Os recorrentes não deram cumprimento cabal ao disposto no art.º 412.º do CPP, designadamente ao seu n.º 2;

b) O douto acórdão do TRC de 9.11.2022 fez uma correta aplicação do que se deve entender por impugnação ampla da matéria de facto/erro de julgamento e pela revista alargada, corrigindo a matéria de facto de forma lógica e devidamente fundamentada;

c) Assim procedendo fez, depois, uma correta subsunção dos factos ao direito quanto à integração no crime do art.º 348-A do CP, quanto à escolha do tipo de pena a aplicar (multa) e à fixação do seu quantum em concreto, tudo justificando de forma circunstanciada;

d) não houve violação do in dubio pro reo.

Deve, pois, ser negado provimento aos recursos (…)».

5. Respondeu também o assistente EE, concluindo:

«1. O recurso interposto pelos arguidos é legalmente inadmissível, atento o disposto nos art.ºs 400.º, al. e), e 432.º.afirmar que n.º 1, al. b), do CPP, pelo que deve ser rejeitado.

2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões são omissas no que concerne às normas jurídicas violadas, incumprindo o disposto no art.º 412.º, n.º 2, al. a), do CPP.

3. Sem prescindir, face à factualidade provada, impunha-se, como decidiu o Tribunal da Relação, a condenação dos arguidos pela prática do crime de falsas declarações pelo qual haviam sido acusados e pronunciados.

4. Com efeito, tal factualidade preenche, sem margem para dúvidas, os elementos típicos, objetivos e subjetivos, do referido crime.

5. Os arguidos impugnam os factos aditados pelo Tribunal da Relação através da chamada revista alargada, mediante a arguição dos vícios decisórios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.

6. Porém, não os concretizam minimamente, seja na motivação, seja nas conclusões, ficando sem se saber o que se traduzem.

7. Como resulta expressamente do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, a existência dos referidos vícios decisórios tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

8. Todavia, considerando o teor do Acórdão recorrido, não se extrai do respetivo texto a existência de nenhum dos apontados vícios.

9. No que diz respeito ao primeiro, resulta de elementar evidência que a matéria de facto provada se mostra suficiente para fundamentar a decisão de direito a que chegou o Tribunal da Relação, não carecendo de nenhum outro facto para o preenchimento dos elementos típicos, objetivos e subjetivos, do crime pelo qual os arguidos foram condenados e haviam sido acusados e pronunciados.

10. Contrariamente ao alegado pelos arguidos, o Tribunal da Relação também não violou o princípio in dubio pro reo.

11. No que diz respeito ao vício de erro notório na apreciação da prova, resulta da alegação recursiva que os recorrentes desconsideram por completo os fundamentos em que deve assentar.

12. Efetivamente, convocam, de forma genérica e sem a concretizar, a prova produzida para infirmar a factualidade que questionam, extravasando, pois, o texto do Acórdão recorrido e, consequentemente, os apertados limites da impugnação restrita da matéria de facto, confundindo-a com a respetiva impugnação ampla, cujos pressupostos não cumprem de todo [v.g. ónus de especificação legalmente imposto pelo art.º 412.º, n.º 3, als. a), b) e c), do CPP].

13. De todo o modo, não indicam um único meio de prova de onde se possa extrair qualquer erro de julgamento.

14. No fundo, como resulta evidente da argumentação recursiva, os recorrentes limitam-se a tentar sobrepor a sua própria convicção à do Tribunal recorrido.

15. Em todo o caso, como resulta do Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação explicou de forma exaustiva, clara e que não deixa qualquer dúvida as razões que o levaram a decidir no sentido que decidiu.

16. Efetivamente, e em resumo, estando provado no ponto 10) que os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 identificados no documento complementar da escritura de justificação de 28 de abril e 2016 não foram comprados pelo arguido AA a FF em 1995, dado que este havia falecido dez anos antes, em 1985, resulta evidente, que as pessoas que intervieram na referida escritura de justificação notarial prestaram declarações falsas quanto à identidade do vendedor e/ou à data da venda, pois àquela data o vendedor aí declarado estava morto.

17. Consequentemente, impunha-se, como decidiu o Tribunal a quo, que os pontos m) e n) dos factos não provados, fossem dados como provados, sendo aditados à factualidade provada e eliminados da factualidade não provada.

18. Nos mesmos termos, se impunha reverter a decisão a quo e, em consequência, fazer transitar os pontos j), k), l) e p) dos factos não provados para os factos provados.

19. É notória a contradição entre a factualidade dos pontos 7), 8), 9) e 10) dos factos provados e a factualidade dos pontos m) e n) dos factos não provados na sentença da 1.ª instância e é igualmente notória a contradição da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão de facto.

20. Assim conclui, e bem, o Tribunal da Relação, o que por si só também levaria necessariamente à reversão do decidido no Juízo Local de Competência Genérica ....

21. É igualmente notório que a sentença da 1.ª instância padece do vício decisório de erro notório na apreciação da prova.

22. Assim sendo, não merece qualquer censura o Acórdão recorrido, devendo manter-se nos exatos termos em que foi proferido.

Termos em que,

a) O recurso interposto pelos arguidos AA e BB deve ser rejeitado, por legalmente inadmissível.

b) Caso assim não entendam, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido (…)».

6. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, emitido parecer em que conclui:

«a) É passível de recurso para este STJ a decisão condenatória do Tribunal da Relação, atenta a atual formulação da alínea e) do nº 1 do art.º 400.º do CPP, não devendo assim julgar-se procedente a questão prévia levantada pelo assistente;

b) Não se justifica no caso qualquer convite ao aperfeiçoamento das conclusões do recurso, nos termos do art.º 417.º, n.º 3, do CPP, conforme proposto pelo M.º P.º junto do Tribunal recorrido, por existir questão anterior que sempre levaria a que isso constituísse uma inutilidade;

c) Pois que nunca o recurso poderia, nem pode, prosseguir termos, por se verificar que na motivação falta a referência a todos os elementos exigidos pelo art.º 412.º do CPP – não é feita qualquer menção às normas jurídicas entendidas como violadas, ao sentido como os recorrentes entendem que o tribunal recorrido deveria ter interpretado cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, ou ainda a qualquer erro na aplicação de norma;

d) Limitando-se os recorrentes a esgrimir como argumentos para a revogação da decisão condenatória do Tribunal da Relação a sentença de 1ª instância que tal decisão revogou, numa inversão total do sistema jurídico-penal, pretendendo ver revogada uma decisão de um Tribunal Superior com base na decisão por este revogada;

e) Pelo que o recurso deverá ser rejeitado, por aplicação do disposto nos art.ºs. 417.º, n.º 6, al. b), do CPP e 414º, nº 2, também do CPP;

f) Sendo que, caso assim não se entenda, antes se tomando conhecimento do objeto do recurso, deverá a decisão recorrida ser mantida na totalidade, nada havendo a censurar-lhe.»

7. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos e o assistente nada mais disseram.

8. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Apreciando e decidindo.

II. Fundamentação

O acórdão recorrido – factos provados

9. O Tribunal da Relação foi chamado a decidir as seguintes questões (na síntese do acórdão recorrido):

«a) Impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgam0ento [artigo 412.º, n.º 3, do CPP];

b) Impugnação restrita da matéria de facto [artigo 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP];

c) Enquadramento jurídico-penal dos factos e sancionamento;

d) Condenação (indevida) em taxa de justiça.»

10. A decisão da 1.ª instância em matéria de facto:

10.1. A 1.ª instância havia dado como provado que:

«1) Os arguidos AA, CC, BB, e GG compareceram no dia 3 de Abril de 2014, no Cartório Notarial ..., sito na Praça ... do concelho de ..., na presença da Licenciada HH, notária do referido Cartório.

2) Uma vez aí chegados, os arguidos intervieram como outorgantes em uma escritura de justificação que se encontra arquivada nesse cartório no Livro 94-D a fls. 43 e 42.

3) No âmbito dessa escritura o arguido AA, na qualidade de primeiro outorgante e justificante, declarou perante a supra identificada notária o seguinte: «Que é dono e legítimo possuidor com exclusão de outrem de um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de ... e trinta e seis prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de ..., concelho de ..., a que atribuem o valor patrimonial total de QUATRO MIL E TRINTA E TRÊS EUROS E SESENTA E TRÊS CÊNTIMOS, igual à soma dos valores patrimoniais, atribuindo a cada um dos prédios o respetivo valor patrimonial, constantes de um Documento Complementar, elaborado nos termos do número um, do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que faz parte integrante desta escritura, que arquivo. Que, por falta de título, não tem, ele justificante, possibilidade de comprovar, pelos meios normais, o seu direito de propriedade perfeita. Mas a verdade é que é ele o titular desse direito, pois vem possuindo os mesmos prédios desde aquela data, sempre em nome próprio e na firme convicção de não lesar direitos de outrem, sem a menor oposição de quem quer que seja e com conhecimento de toda a gente, ostensiva e ininterruptamente desde o seu início, posse essa que se tem materializado pelo aproveitamento agrícola de que os mesmos são suscetíveis – sendo assim uma posse pacífica, contínua, pública e de boa-fé, pelo que os adquiriu por USUCAPIÃO, como bens próprios, o que para os devidos efeitos invoca.»

4) Pelos arguidos CC, BB e GG foi dito, na qualidade de segundos outorgantes, que: «por serem inteiramente verdadeiras, confirmam plenamente as declarações acabadas de prestar».

5) No dia 28 de Abril de 2016, os arguidos AA, BB, DD e GG (acompanhados ainda por II, entretanto falecido) voltaram a comparecer no Cartório Notarial ..., sito na Praça ... do concelho de ..., desta vez na presença da Licenciada JJ, Adjunta de Conservador em substituição legal do Notário (e artigo 24.º do RAI)

6) Uma vez aí chegados, os arguidos AA, BB e GG intervieram como outorgantes em uma escritura de justificação que se encontra arquivada nesse cartório no Livro 96-D a fls. 144 e 144-A.

7) No âmbito dessa escritura o arguido AA, na qualidade de primeiro outorgante e justificante, e devidamente autorizado pela sua esposa, a arguida DD, declarou perante a supra identificada Adjunta de Conservador o seguinte:

«Que é dono e legítimo possuidor com exclusão de outrem de trinta e seis prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de ..., concelho de ..., a que atribuem o valor patrimonial total de SEIS MIL DUZENTOS E CINQUENTA E DOIS EUROS E SEIS CÊNTIMOS, igual à soma dos valores patrimoniais, atribuindo a cada um dos prédios o respetivo valor patrimonial, constantes de um Documento Complementar, elaborado nos termos do número um, do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que faz parte integrante desta escritura, que arquivo.

Que, por falta de título, não tem, ele justificante, possibilidade de comprovar, pelos meios normais, o seu direito de propriedade perfeita. Mas a verdade é que é ele o titular desse direito, pois vem possuindo os mesmos prédios desde as datas mencionadas no referido documento complementar, sempre em nome próprio e na firme convicção de não lesar direitos de outrem, sem a menor oposição de quem quer que seja e com conhecimento de toda a gente, ostensiva e ininterruptamente desde o seu início, posse essa que se tem materializado pelo aproveitamento agrícola de que os mesmos são suscetíveis – sendo assim uma posse pacífica, contínua, pública e de boa-fé, pelo que os adquiriu por USUCAPIÃO, como bens próprios, o que para os devidos efeitos invoca.»

8) Pelo arguido BB e por GG foi dito, na qualidade de segundos outorgantes, que: «por serem inteiramente verdadeiras, confirmam plenamente as declarações acabadas de prestar».

9) O arguido AA com a autorização da mulher, a arguida DD, declarou que adquiriu os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 por compra nunca formalizada a FF no ano de mil novecentos e noventa e cinco, e que se encontram descritos no respetivo documento complementar da escritura de justificação de 28 de Abril de 2016 como sendo:

PRÉDIOS:

a) NUMERO NOVE (prédio rústico sito no Vale ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2882, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

b) NUMERO DEZ (metade indivisa do prédio rústico sito no Vale ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2883, inscrita na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de” e mulher KK pertencendo a outra metade indivisa ao assistente);

c) NUMERO CATORZE (prédio rústico sito no Monte inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3720, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

d) NÚMERO DEZASSETE (prédio rústico composto por pastagem e mato, sito no Cabeço ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de doze mil metros quadrados, a confrontar a Norte com LL, a sul com MM, a nascente com caminho e a poente com NN, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 4261 com o valor patrimonial de 123,20 Euros, com o aditamento “cabeça de casal da herança de “e mulher KK, residentes em ..., concelho de ...);

e) NUMERO VINTE E TRÊS (metade indivisa do prédio rústico sito no Monte inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3735, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK pertencendo a outra metade ao assistente) (artigo 32.º do RAI).

10) Os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 não foram comprados pelo arguido AA a FF em 1995.

11) Todos os outorgantes, primeiros e segundos, assinaram a escritura referida em 6) e o documento complementar. (artigo 29.º do RAI).

12) Em Dezembro de 2014, ainda FF se encontrava a negociar os prédios referidos em 9) com o assistente (artigo 34.º do RAI).

13) Sabiam os arguidos que no momento da outorga das duas escrituras de justificação supra identificadas que se encontravam na presença e prestavam declarações perante duas funcionárias no exercício das suas funções.

(…)»

10.2. E havia dado como não provado que:

«a) Na situação descrita em 1), os arguidos agiram em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente engendrado entre todos.

b) O descrito em 2) sucedeu-se no seguimento do plano delineado pelos arguidos.

c) Sucede que pelo menos relativamente a alguns dos prédios identificados no documento complementar da escritura de justificação referida em 3), as declarações do arguido AA, e confirmadas pelos restantes arguidos, não correspondem à verdade.

d) É o que acontece com os seguintes prédios que se encontram descritos no respetivo Documento Complementar da escritura de justificação como sendo:

Prédio n.º 2: Prédio rústico composto por cultura arvense de sequeiro sito em ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de três mil novecentos e sessenta metros quadrados, a confrontar do Norte com OO, Sul PP, Nascente estrada, Poente caminho, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 56 com o valor patrimonial de 95,67 Euros que adquiriu por compra nunca formalizada a QQ, residente em ... citada, em cujo o nome se encontra inscrito na matriz, no ano de mil novecentos e noventa e um. Na realidade este prédio não foi comprado pelo arguido RR a QQ em 1991, mas apenas em 2014.

Prédio n.º 37: Prédio rústico composto por mato, mata de carvalhos, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de quatro mil e sessenta metros quadrados, a confrontar do Norte com OO, Sul PP, Nascente SS, Poente estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 5143 com o valor patrimonial de 28,33 Euros que adquiriu por compra nunca formalizada a QQ, também conhecido como TT, em cujo nome se encontra inscrito na matriz, no ano de mil novecentos e noventa e um.

e) Na realidade este prédio nunca foi comprado pelo arguido RR a QQ sendo que este nem sequer tem conhecimento da existência deste prédio.

f) O descrito em 5) ocorreu em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente engendrado entre todos os arguidos.

g) O descrito em 6) sucedeu no seguimento do plano delineado

h) Sucede que relativamente ao prédio identificado como sendo o n.º 35 no Documento Complementar da respetiva escritura de justificação, ou seja, o prédio rústico composto por cultura arvense de sequeiros e mata de carvalhos, sito na ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de dois mil e novecentos metros quadrados, a confrontar a Norte com caminho, a Sul com caminho, a Nascente com UU e a Poente com BB, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 3519 com o valor patrimonial de 132,03 Euros, que adquiriu por compra nunca formalizada a VV, em cujo nome se encontra ainda inscrito na matriz, com o aditamento “cabeça de casal de herança de” e mulher WW, residente em ..., no ano de mil novecentos e noventa e cinco, as declarações do arguido AA, e confirmadas pelos restantes arguidos, não correspondem à verdade.

i) Na realidade este prédio não foi comprado pelo arguido RR a VV em 1995, mas sim a XX e mulher, YY, apenas em 2012.

j) Ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados que não correspondiam à realidade, assim como a existência de atos de aproveitamento agrícola desde essas mesmas datas relativamente a esses prédios, os arguidos sabiam que faltavam à verdade relativamente à qualidade de possuidor do arguido AA e que a essa qualidade a lei atribui consequências jurídicas, concretamente a possibilidade de adquirir os referidos prédios através do instituto da usucapião.

k) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de induzir em erro os funcionários/oficiais públicos intervenientes nas escrituras de justificação e dessa forma conseguirem que os prédios supra discriminados fossem incluídos nesses documentos autênticos permitindo, ao agirem dessa forma, que o arguido AA conseguisse um título de aquisição dos prédios em causa que de outra forma não lhe seria possível obter.

l) Sabiam ainda os arguidos que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal o que, não obstante, não os demoveu.

m) Sucede que pelo menos relativamente a alguns dos prédios identificados no documento complementar da referida escritura de justificação de 28 de Abril de 2016, as declarações prestadas pelo arguido AA com a autorização da mulher, a arguida DD, e confirmadas pelo arguido BB e GG, não correspondem à verdade.

n) É o que acontece com os seguintes prédios que se encontram descritos no respetivo documento complementar da escritura de justificação de 28 de Abril de 2016 como sendo:

PRÉDIOS:

a) NÚMERO NOVE (prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2882, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

b) NÚMERO DEZ (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2883, inscrita na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de” e mulher KK pertencendo a outra metade indivisa ao denunciante);

c) NÚMERO CATORZE (prédio rústico sito no ... inscrito n freguesia de ... sob o artigo 3720, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

d) NÚMERO VINTE E TRÊS (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3735, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK pertencendo a outra metade ao denunciante);

o) Os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 foram comprados pelo arguido AA a FF, e apenas após Dezembro de 2014;

p) Agiram os arguidos com o propósito de prejudicar a fé pública;

q) Os arguidos AA e DD, ao declararem atestarem nos termos que o fizeram na escritura de 28 de Abril de 2016, agiram de comum acordo, também com o objetivo de inviabilizar o exercício do direito de preferência do assistente quanto a alguns dos referidos prédios, assim o prejudicando.»

11. Conhecendo e decidindo do recurso em matéria de facto, o tribunal da Relação concluiu que: (1) devia ser alterada a redação do ponto 9) dos factos provados, por forma a incluir o prédio 35; (2) se impunha que os pontos m) e n) dos factos não provados, fossem dados como provados, sendo aditados à factualidade provada e eliminados da factualidade não provada; (3) se impunha, relativamente aos arguidos AA e BB, reverter a decisão e, em consequência, fazer transitar os pontos j), k), l) e p) dos factos não provados para os factos provados; (4) para além do factualismo dos pontos m), n) dos factos não provados, o factualismo do ponto p) dos factos não provados, devia ser dado como provado, devendo ainda ser acrescentado o prédio número 17; (5) devia ser dado como provada a matéria dos pontos k) e l) dos factos não provados.

12. Decisão do Tribunal da Relação:

12.1. Nesta conformidade, o Tribunal da Relação reformulou «o acervo fático provado e não provado», nos seguintes termos:

«A) FACTOS PROVADOS

1) Os arguidos AA, CC, BB, e GG compareceram no dia 3 de abril de 2014, no Cartório Notarial ..., sito na ... do concelho de ..., na presença da Licenciada HH, notária do referido Cartório.

2) Uma vez aí chegados, os arguidos intervieram como outorgantes em uma escritura de justificação que se encontra arquivada nesse cartório no Livro 94-D a fls. 43 e 42.

3) No âmbito dessa escritura o arguido AA, na qualidade de primeiro outorgante e justificante, declarou perante a supra identificada notária o seguinte: «Que é dono e legítimo possuidor com exclusão de outrem de um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de ... e trinta e seis prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de ..., concelho de ..., a que atribuem o valor patrimonial total de QUATRO MIL E TRINTA E TRÊS EUROS E SESENTA E TRÊS CÊNTIMOS, igual à soma dos valores patrimoniais, atribuindo a cada um dos prédios o respetivo valor patrimonial, constantes de um Documento Complementar, elaborado nos termos do número um, do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que faz parte integrante desta escritura, que arquivo. Que, por falta de título, não tem, ele justificante, possibilidade de comprovar, pelos meios normais, o seu direito de propriedade perfeita. Mas a verdade é que é ele o titular desse direito, pois vem possuindo os mesmos prédios desde aquela data, sempre em nome próprio e na firme convicção de não lesar direitos de outrem, sem a menor oposição de quem quer que seja e com conhecimento de toda a gente, ostensiva e ininterruptamente desde o seu início, posse essa que se tem materializado pelo aproveitamento agrícola de que os mesmos são suscetíveis – sendo assim uma posse pacífica, contínua, pública e de boa-fé, pelo que os adquiriu por USUCAPIÃO, como bens próprios, o que para os devidos efeitos invoca.»

4) Pelos arguidos CC, BB e GG foi dito, na qualidade de segundos outorgantes, que: «por serem inteiramente verdadeiras, confirmam plenamente as declarações acabadas de prestar».

5) No dia 28 de abril de 2016, os arguidos AA, BB, DD e GG (acompanhados ainda por II, entretanto falecido) voltaram a comparecer no Cartório Notarial ..., sito na ... do concelho de ..., desta vez na presença da Licenciada JJ, Adjunta de Conservador em substituição legal do Notário (e artigo 24.º do RAI)

6) Uma vez aí chegados, os arguidos AA, BB e GG intervieram como outorgantes em uma escritura de justificação que se encontra arquivada nesse cartório no Livro 96-D a fls. 144 e 144-A.

7) No âmbito dessa escritura o arguido AA, na qualidade de primeiro outorgante e justificante, e devidamente autorizado pela sua esposa, a arguida DD, declarou perante a supra identificada Adjunta de Conservador o seguinte:

«Que é dono e legítimo possuidor com exclusão de outrem de trinta e seis prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de ..., concelho de ..., a que atribuem o valor patrimonial total de SEIS MIL DUZENTOS E CINQUENTA E DOIS EUROS E SEIS CÊNTIMOS, igual à soma dos valores patrimoniais, atribuindo a cada um dos prédios o respetivo valor patrimonial, constantes de um Documento Complementar, elaborado nos termos do número um, do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que faz parte integrante desta escritura, que arquivo.

Que, por falta de título, não tem, ele justificante, possibilidade de comprovar, pelos meios normais, o seu direito de propriedade perfeita. Mas a verdade é que é ele o titular desse direito, pois vem possuindo os mesmos prédios desde as datas mencionadas no referido documento complementar, sempre em nome próprio e na firme convicção de não lesar direitos de outrem, sem a menor oposição de quem quer que seja e com conhecimento de toda a gente, ostensiva e ininterruptamente desde o seu início, posse essa que se tem materializado pelo aproveitamento agrícola de que os mesmos são suscetíveis – sendo assim uma posse pacífica, contínua, pública e de boa-fé, pelo que os adquiriu por USUCAPIÃO, como bens próprios, o que para os devidos efeitos invoca».

8) Pelo arguido BB e por GG foi dito, na qualidade de segundos outorgantes, que: «por serem inteiramente verdadeiras, confirmam plenamente as declarações acabadas de prestar».

9) O arguido AA com a autorização da mulher, a arguida DD, declarou que adquiriu os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 por compra nunca formalizada a FF no ano de mil novecentos e noventa e cinco, e que adquiriu o prédio n.º 35 por compra nunca formalizada a VV e mulher WW no anos de ano de mil novecentos e noventa e cinco, que se encontram descritos no respetivo documento complementar da escritura de justificação de 28 de Abril de 2016 como sendo:

PRÉDIOS:

a) NUMERO NOVE (prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2882, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

b) NUMERO DEZ (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2883, inscrita na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de” e mulher KK pertencendo a outra metade indivisa ao assistente);

c) NUMERO CATORZE (prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3720, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

d) NÚMERO DEZASSETE (prédio rústico composto por pastagem e mato, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de doze mil metros quadrados, a confrontar a Norte com LL, a sul com MM, a nascente com caminho e a poente com NN, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 4261 com o valor patrimonial de 123,20 Euros, com o aditamento “cabeça de casal da herança de “e mulher KK, residentes em ..., concelho de ...);

e) NUMERO VINTE E TRÊS (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3735, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK pertencendo a outra metade ao assistente);

f) NÚMERO TRINTA E CINCO (prédio rústico sito na ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3519, inscrito na matriz em nome de VV, com o aditamento “cabeça de casal da herança de”)».

10) Sucede que pelo menos relativamente a alguns dos prédios identificados no documento complementar da referida escritura de justificação de 28 de abril de 2016, as declarações prestadas pelo arguido AA com a autorização da mulher, a arguida DD, e confirmadas pelo arguido BB e GG, não correspondem à verdade.

11) É o que acontece com os seguintes prédios que se encontram descritos no respetivo documento complementar da escritura de justificação de 28 de Abril de 2016 como sendo:

PRÉDIOS:

a) NUMERO NOVE (prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2882, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

b) NUMERO DEZ (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 2883, inscrita na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de” e mulher KK pertencendo a outra metade indivisa ao denunciante);

c) NUMERO CATORZE (prédio rústico sito no ... inscrito n freguesia de ... sob o artigo 3720, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK);

d) NÚMERO DEZASSETE (prédio rústico composto por pastagem e mato, sito no ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de doze mil metros quadrados, a confrontar a Norte com LL, a sul MM, a nascente com caminho e a poente com NN, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo 4261, com o valor patrimonial de 123,20 Euros, com o aditamento “cabeça de casal da Herança de” e mulher Maria Teresa dos Reis Encarnação, residentes em ..., concelho de ...);

e) NUMERO VINTE E TRÊS (metade indivisa do prédio rústico sito no ... inscrito na freguesia de ... sob o artigo 3735, inscrito na matriz em nome de FF, com o aditamento "cabeça de casal da Herança de" e mulher KK pertencendo a outra metade ao denunciante).

12) Os prédios n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23 não foram comprados pelo arguido AA a FF em 1995.

13) Todos os outorgantes, primeiros e segundos, assinaram a escritura referida em 6) e o documento complementar.

14) Em dezembro de 2014, ainda FF se encontrava a negociar os prédios referidos em 9), como sendo os n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23, com o assistente.

15) Sabiam os arguidos que no momento da outorga das duas escrituras de justificação supra identificadas que se encontravam na presença e prestavam declarações perante duas funcionárias no exercício das suas funções.

16) Ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados sob os n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23, na escritura realizada no dia 28 de Abril de 2016 que não correspondiam à realidade, assim como a existência de atos de aproveitamento agrícola desde essas mesmas datas relativamente a esses prédios, os arguidos AA e BB sabiam que faltavam à verdade relativamente à qualidade de possuidor do arguido AA e que essa qualidade a lei atribui consequências jurídicas, concretamente a possibilidade de adquirir os referidos prédios através do instituto da usucapião.

17) Os arguidos AA e BB agiram livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de induzir em erro o funcionário público intervenientes na escritura de justificação dia 28 de Abril de 2016, relativamente aos prédios identificados sob os n.ºs 19, 10, 14, 17 e 23, e dessa forma conseguirem que os prédios supra discriminados fossem incluídos nesse documento autêntico permitindo, ao agirem dessa forma, que o arguido AA conseguisse um titulo de aquisição dos prédios em causa que de outra forma não lhe seria possível obter.

18) Sabiam ainda os arguidos AA e BB que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal o que, não obstante, não os demoveu.

19) Agiram os arguidos AA e BB com o propósito de prejudicar a fé pública. (…)»

12.2. E julgou não provados os seguintes:

«B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente não se provou que:

Da acusação pública:

a) Na situação descrita em 1), os arguidos agiram em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente engendrado entre todos.

b) O descrito em 2) sucedeu-se no seguimento do plano delineado pelos arguidos.

c) Sucede que pelo menos relativamente a alguns dos prédios identificados no documento complementar da escritura de justificação referida em 3), as declarações do arguido AA, e confirmadas pelos restantes arguidos, não correspondem à verdade.

d) É o que acontece com os seguintes prédios que se encontram descritos no respetivo Documento Complementar da escritura de justificação como sendo:

- Prédio n.º 2:

Prédio rústico composto por cultura arvense de sequeiro sito em ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de três mil novecentos e sessenta metros quadrados, a confrontar do Norte com OO, Sul PP, Nascente estrada, Poente caminho, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 56 com o valor patrimonial de 95,67 Euros que adquiriu por compra nunca formalizada a QQ, residente em ... citada, em cujo o nome se encontra inscrito na matriz, no ano de mil novecentos e noventa e um.

Na realidade este prédio não foi comprado pelo arguido RR a QQ em 1991, mas apenas em 2014.

Prédio n.º 37:

Prédio rústico composto por mato, mata de carvalhos, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ... com a área de quatro mil e sessenta metros quadrados, a confrontar do Norte com OO, Sul PP, Nascente SS, Poente estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial do referido concelho, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o artigo n.º 5143 com o valor patrimonial de 28,33 Euros que adquiriu por compra nunca formalizada a QQ, também conhecido como TT, em cujo nome se encontra inscrito na matriz, no ano de mil novecentos e noventa e um.

e) Na realidade este prédio nunca foi comprado pelo arguido RR a QQ sendo que este nem sequer tem conhecimento da existência deste prédio.

f) O descrito em 5) ocorreu em conjugação de esforços e na execução de um plano previamente engendrado entre todos os arguidos.

g) O descrito em 6) sucedeu no seguimento do plano delineado.

h) Sucede que relativamente ao prédio identificado como sendo o n.º 35 no Documento Complementar da respetiva escritura de justificação, as declarações do arguido AA, e confirmadas pelos restantes arguidos, não correspondem à verdade.

i) Na realidade este prédio não foi comprado pelo arguido RR a VV em 1995, mas sim a XX e mulher, YY, apenas em 2012.

j) Ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados que não correspondiam à realidade, assim como a existência de atos de aproveitamento agrícola desde essas mesmas datas relativamente a esses prédios, os arguidos CC e DD sabiam que faltavam à verdade relativamente à qualidade de possuidor do arguido AA e que a essa qualidade a lei atribui consequências jurídicas, concretamente a possibilidade de adquirir os referidos prédios através do instituto da usucapião.

k) Os arguidos CC e DD agiram livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de induzir em erro os funcionários/oficiais públicos intervenientes nas escrituras de justificação e dessa forma conseguirem que os prédios supra discriminados fossem incluídos nesses documentos autênticos permitindo, ao agirem dessa forma, que o arguido AA conseguisse um título de aquisição dos prédios em causa que de outra forma não lhe seria possível obter.

l) Sabiam ainda os arguidos CC e DD que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal o que, não obstante, não os demoveu.

m) Agiram os arguidos CC e DD com o propósito de prejudicar a fé pública.

q) Os AA e DD, ao declararem atestarem nos termos que o fizeram na escritura de 28 de abril de 2016, agiram de comum acordo, também com o objetivo de inviabilizar o exercício do direito de preferência do assistente quanto a alguns dos referidos prédios, assim o prejudicando.

r) Os arguidos AA e BB ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados na escritura de 2014 e do prédio identificado sob o n.º 35 na escritura de 2016, que não correspondiam à realidade, assim como a existência de atos de aproveitamento agrícola desde essas mesmas datas relativamente a tais prédios, sabiam que faltavam à verdade relativamente à qualidade de possuidor do arguido AA e que a essa qualidade a lei atribui consequências jurídicas, concretamente a possibilidade de adquirir os referidos prédios através do instituto da usucapião.

s ) Os arguidos AA e BB ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados na escritura de 2014, bem como na escritura de 2016 sob o n.º 35 que não correspondiam à realidade agiram livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de induzir em erro os funcionários/oficiais públicos intervenientes nas escrituras de justificação e dessa forma conseguirem que os prédios supra discriminados fossem incluídos nesses documentos autênticos permitindo, ao agirem dessa forma, que o arguido AA conseguisse um título de aquisição dos prédios em causa que de outra forma não lhe seria possível obter.

t) Os arguidos AA e BB ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados na escritura de 2014, bem como do prédio identificado na escritura de 2016 sob o n.º 35, que não correspondiam à realidade sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal o que, não obstante, não os demoveu.

u) Os arguidos AA e BB ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados na escritura de 2014, bem como do prédio identificado sob o n.º 35 na escritura de 2016, que não correspondiam à realidade agiram com o propósito de prejudicar a fé pública.»

12. 3. Julgou ainda provado que:

«Mais se provou que:

20) Dos certificados do registo criminal dos arguidos nada consta.

21)O arguido AA é reformado, sendo ..., auferindo € 1.500,00 mensais, vive em casa própria, com a sua esposa, a arguida DD, e com duas filhas, frequentando uma delas o ensino superior e tendo a outra 14 anos, não tendo despesas mensais fixas para além de água, luz, gás.

22)A arguida DD frequentou o Ensino Superior em ..., e paga € 700,00 mensais por um empréstimo que contraiu atinente a uma exploração agrícola, auferindo rendimento mensal variável, não concretamente apurado.

23)O arguido BB aufere € 1.200,00 mensais a título de reforma, completou o 7.º ano de escolaridade, vive em casa própria, não tem despesas mensais fixas para além de água, luz e gás.

24)O arguido CC é reformado, aufere cerca de € 1.000,00 mensais a título de pensão de reforma, vive sozinho em casa própria, não tem despesas mensais fixas para além de água, luz e gás.»

13. Procedendo á qualificação jurídica dos factos provados concluiu o Tribunal da Relação que «[se] impõe a condenação dos arguidos AA e BB pela prática de um crime p.p. pelo art.º 348.º A do Código Penal, preenchidos que se encontram os elementos típicos, objetivos e subjetivos.»

Estabelece este preceito que: «Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal»; sendo certo que «Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa» (art.º 348º-A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

14. Pelo que decidiu «conceder provimento aos recursos e em consequência:

- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo disposto no art.º 348.º A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de € 15 (quinze euros), num total de € 1350 (mil e trezentos e cinquenta euros);

- Condenar o arguido BB pela prática de um crime de falsas declarações, previsto e punido pelo disposto no art.º 348.º A, n.º 1 e 2 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 18 (dezoito euros), num total de € 1620 (mil seiscentos e vinte euros).

- Revogar a condenação do assistente no pagamento de custas

Objeto e âmbito do recurso

15. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão do tribunal da Relação que, revogando um acórdão absolutório proferido pelo tribunal da 1.ª instância.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sendo limitado ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do mesmo diploma), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

Questão prévia – da admissibilidade do recurso

16. Suscita o assistente a questão (prévia) da inadmissibilidade do recurso, alegando que «atento o disposto nos artigos 400.º, al. e), e 432.º. n.º 1, al. b), do CPP, deve ser rejeitado», uma vez que a pena aplicada é uma pena de multa – pena não privativa da liberdade – e não uma pena de prisão inferior a 5 anos, caso em que haveria lugar à aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, de 11 de dezembro (DR n.º 238/2018, Série I de 11.12.2018) que havia sido declarado, «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro».

A questão suscitada, para cuja solução, no sentido que pretende, o recorrente convoca jurisprudência de então deste Supremo Tribunal de Justiça, funda-se, pois, na al. e) do n.º 1 artigo 400.º do CPP na redação anterior à introduzida pelo artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, que dispunha: «1 - Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.».

Porém, a Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação (artigo 17.º), ou seja, a partir de 22.03.2022, alterou esta al. e) do n.º 1 do artigo 400.º, a qual passou a dispor que: «1 - Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância».

Desta alteração legislativa resultou, pois, que passou a ser admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelo tribunal da relação sempre que estes apliquem penas não privativas da liberdade em caso de absolvição em primeira instância. Como sucede no caso sub judice em que os arguidos, absolvidos em 1.ª instância, sendo interposto recurso da decisão absolutória em 14.12.2022, na vigência da nova lei, foram condenados em penas de multa pelo Tribunal da Relação.

Assim, sendo o recurso admissível, improcede a questão prévia suscitada pelo assistente.

Apreciação

17. O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso da decisão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu do recurso daquela decisão (assim, por todos, o acórdão de 02-10-2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência).

Como se considerou no acórdão de 13.04.2023, Proc. n.º 270/19.0SFLSB-J.L1.S1 (em www.dgsi.pt), os recursos judiciais não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (assim, Castanheira Neves, «A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de “revista”», in Digesta, Coimbra Editora, 1995, pp. 523ss, e acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, e jurisprudência e doutrina neles citada, em www.dgsi.pt). O que significa que, verificados que se mostrem os fundamentos para recorrer (pressupostos da admissibilidade do recurso), o objeto do conhecimento do recurso se delimita pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo, com as necessárias consequências ao nível da validade da própria decisão, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso, sem prejuízo do exercício, neste âmbito, dos poderes de conhecimento oficioso necessários e legalmente conferidos em vista da justa decisão do recurso. Como se tem afirmado, o recurso constitui apenas um “remédio processual” que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre (assim, também, o acórdão de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt).

18. Como tem sido sublinhado, o regime de recursos vigente efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», na expressão do tribunal, vem o Tribunal Constitucional reafirmando que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias (cfr., de entre os mais recentes, o acórdão n.º 57/2022, de 20.01.2022: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (…), posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009, e 174/2010).»

19. Nas conclusões de recurso, que o circunscrevem, limitam-se os recorrentes a afirmar que “não cometeram o crime de falsas declarações p.e p. pelo art. 348.º A”, que “não se verifica, no nosso entender, que houve erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável e que resultaram claramente provados os pontos que foram aditados no douto acórdão – 10, 11, 16 a 19 - que conduzem à condenação dos arguidos”, que não ficou provado que tenham agido com dolo e que “o tribunal da Relação de Coimbra violou o princípio in dubio pro reo, pois os elementos probatórios não eram suficientes para se fixar a convicção de que os arguidos cometeram os crimes de que vinham pronunciados, se por força da presunção de inocência só podem dar-se por provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido quando eles se tenham efectivamente provado, para além de qualquer dúvida.”

Em síntese, depois de confrontarem o acórdão recorrido com o da 1.ª instância, e afirmarem que este não padecia dos vícios identificados (de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável), os arguidos manifestam a sua discordância quanto ao decidido – “não podemos concordar com o doutamente decidido”, dizem –, mas não suscitam questão (de direito) de que este Supremo Tribunal de Justiça possa e deva conhecer (artigo 434.º do CPP, cit.), à exceção da incriminação da conduta.

20. Nota-se, a este propósito, que também não vem alegada a verificação de vício ou nulidade da decisão recorrida (artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), que, todavia, não podendo constituir fundamento do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – por se tratar de recurso admissível nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, diferentemente do que sucede com os recursos interpostos diretamente das decisões da 1.ª instância, a que se referem as al, a) e c) do mesmo preceito –, sempre poderiam ser objeto de conhecimento oficioso se e na medida do necessário à boa decisão de direito quanto a questões suscitadas no recurso (supra, 15).

Vista a decisão recorrida, também dela não se evidencia vício ou nulidade que devam ser conhecidos.

21. Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo importará assinalar que, como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., por todos, o acórdão ECLI:PT:STJ:2020:68.18.3SWLSB.S1 de 22/04/2020, que se segue), devendo este ser configurado «como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova», certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma «íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática». Nesta perspetiva, a violação do princípio in dubio pro reo só pode ser sindicada pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, «resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP» – só se verifica quando «seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção».

No caso sub judice, não se revelando do texto da decisão recorrida que o Tribunal da Relação enfrentou uma situação de non liquet na apreciação da prova que teve de levar em conta para a decisão em matéria de facto e que ficou na dúvida ou que a decisão proferida não se encontra fundada em provas de modo a não deixar dúvidas inultrapassáveis sobre o sentido da decisão, não se pode afirmar ter-se verificado uma violação deste princípio.

22. Para além disso, também não se encontra no acórdão recorrido base para a alegação do arguido de que não se fez prova do dolo, o que impediria a verificação do preenchimento do tipo de crime por que os recorrentes vêm condenados.

Perante o que consta dos pontos 15 a 19 dos factos provados (supra, 11.1) tal argumento não tem fundamento. Recordando estes factos provados:

«15) Sabiam os arguidos que no momento da outorga das duas escrituras de justificação supra identificadas que se encontravam na presença e prestavam declarações perante duas funcionárias no exercício das suas funções.

16) Ao declararem/atestarem datas de aquisição dos prédios supra identificados sob os n.ºs 9, 10, 14, 17 e 23, na escritura realizada no dia 28 de Abril de 2016 que não correspondiam à realidade, assim como a existência de atos de aproveitamento agrícola desde essas mesmas datas relativamente a esses prédios, os arguidos AA e BB sabiam que faltavam à verdade relativamente à qualidade de possuidor do arguido AA e que essa qualidade a lei atribui consequências jurídicas, concretamente a possibilidade de adquirir os referidos prédios através do instituto da usucapião.

17) Os arguidos AA e BB agiram livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de induzir em erro o funcionário público intervenientes na escritura de justificação dia 28 de Abril de 2016, relativamente aos prédios identificados sob os n.ºs 19, 10, 14, 17 e 23, e dessa forma conseguirem que os prédios supra discriminados fossem incluídos nesse documento autêntico permitindo, ao agirem dessa forma, que o arguido AA conseguisse um titulo de aquisição dos prédios em causa que de outra forma não lhe seria possível obter.

18) Sabiam ainda os arguidos AA e BB que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal o que, não obstante, não os demoveu.

19) Agiram os arguidos AA e BB com o propósito de prejudicar a fé pública.»

23. Pelo que, assim sendo, se conclui que o acórdão recorrido não merece censura.

Nesta conformidade, se julgando o recurso improcedente.

Quanto a custas

24. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

Por força da alteração à al. e), parte final, do n.º 1 do artigo 400.º introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, não se identificando motivo que justifique a não tributação, deve agora, por identidade de razão e coerência sistemática, considerar-se incluída na previsão do artigo 513.º a condenação, em recurso, pelo tribunal da relação em caso de absolvição em 1.ª instância.

A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

25. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, com 5 UC de taxa de justiça.


Supremo Tribunal de Justiça, 25 de outubro de 2023.


José Luís Lopes da Mota

(juiz conselheiro relator)

Maria Teresa Féria de Almeida

(juíza conselheira adjunta)

Sénio Manuel dos Reis Alves

(juiz conselheiro adjunto)