Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1565/22.1YLPRT.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
ARRENDATÁRIO
BENFEITORIAS
DESPESAS
INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI
INTERPRETAÇÃO DA LEI
FALTA DE PAGAMENTO
RENDA
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
DIREITO DE DEFESA
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O PED, não prevenindo expressamente a dedução de reconvenção, não exclui a sua admissibilidade, em conformidade com os requisitos dos artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC e adaptações ajustadas.

II. Por esta via, concretiza-se a tutela jurisdicional efectiva do inquilino, caso em sede de oposição deduza pedido reconvencional, para fazer valer o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida.

III. Não se descure a circunstância, que exigir ao inquilino demandado, que então interponha acção autónoma para ser compensado pelas benfeitorias efectuadas no locado, procedendo a mesma, sempre levaria à suspensão do procedimento de despejo por causa prejudicial, afectando, de igual modo, o objectivo de celeridade.

IV. Os escopos da celeridade e economia, visados pelo legislador, em contraponto com a exigida coerência imanente dos valores jurídicos da tutela do direito à defesa, e acautelando a almejada composição integral do litígio, através de um procedimento judicial uno, ditam a sua sobreposição à questão de índole formal, e justificam, em princípio, a admissão do pedido reconvencional.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Da Acção

AA interpôs procedimento especial de despejo contra, A...& Associados, Sociedade de Solicitadores e Agentes de execução, RL, pedindo o despejo das fracções autónomas que arrendou à requerida e destinada a escritório, através do contrato de arredamento celebrado em 2 de Outubro de 2019.

Em fundamento, alega que a requerida deixou de pagar a renda mensal, desde Novembro de 2021 até ao presente, apesar das notificações que lhe dirigiu.

Termina, pedindo a execução do despejo imediato do locado, bem como a condenação da requerida no pagamento das rendas vencidas (no valor mensal de Euros 1250,00) e não pagas e juros de mora, no valor total de Euros 13.993.34, bem como as rendas vincendas até à entrega efetiva do imóvel, acrescendo juros de mora .


*


A Requerida deduziu oposição.

No articulado, alegando circunstanciada factualidade, afirma em sua defesa, que os espaços arrendados não apresentam condições mínimas de uso, em consequência de rutura nas canalizações de natureza estrutural e causando insalubridade, situação que desde sempre foi reportada à senhoria, solicitou a intervenção dos serviços municipalizados a concluírem pela necessária intervenção de obras necessárias no locado.

Obras que até hoje , a senhoria não realizou em ordem à superação das infiltrações e inundações no local, e que permitam a utilização normal do locado, incluindo o uso das instalações sanitárias; vícios que sustentam a excepção do não pagamento das rendas e consequente absolvição do pedido.

Impugna ainda o valor das rendas reclamadas em dívida, uma vez que , a requerida vem pagando 50% do valor da renda mensal, revelando a requerente manifesta má-fé da , cuja condenação deverá ocorrer em valor a fixar pelo tribunal.

Em reconvenção, alega que nos espaços locados, destinados ao exercício da sua actividade profissional, realizou obras de adaptação e reparação geral , suportou todo um conjunto de custos, respeitantes também a obras necessárias e urgentes, benfeitorias que pretende ser ressarcida pela senhoria e ascendem ao valor global de 46.286,30€ .

Por último, reclama a condenação da requerente no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pela interposição desta acção, não inferior a 10% do seu pedido.

Foi ordenada a notificação da requerente para os efeitos do artigo 15º-H nº 2 do NRAU, seguindo-se articulados de ambas as partes, que não foram alvo de apreciação.


*


Seguiu-se sentença que se transcreve, na parte relevante - “ (…) Temos sustentado o entendimento que o procedimento especial de despejo, regulado nos termos dos arts. 15º a 15º-S da Lei nº 6/2006 de 27.2 (NRAU), com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2013 de 14.8, visa o despejo do arrendado com vista à célere recolocação do mesmo no mercado de arrendamento. No âmbito do mesmo não é admissível deduzir reconvenção, uma vez que o procedimento só comporta dois articulados, requerimento inicial e oposição. (…)Acresce que, no caso dos autos, o pedido reconvencional deduzido pela ré, excede em valor a competência deste Juízo Local Cível e aquelas arrolam um número de testemunhas superior ao legalmente permitido para este tipo de acção (cfr. art. 15º-I nº 6 do NRAU), pelo que, a admitir-se tal pedido, a ré veria diminuídas as suas garantias de defesa para contrariar a pretensão da autora e sustentar o seu pedido reconvencional. Além do mais, invocando a ré motivos legítimos para não pagar as rendas total ou parcialmente e constituindo tais motivos os fundamentos do pedido reconvencional, a não admissibilidade deste inviabiliza igualmente que neste procedimento especial de despejo se conheça da pretensão da autora em obter decisão que lhe confira título para desocupação do locado.”

O dispositivo determina : “ Por todo o exposto, decide-se remeter as partes para os meios comuns relativamente à discussão do direito da autora em resolver o contrato de arrendamento sub judicie por falta de pagamento das rendas e dos fundamentos do pedido reconvencional. considerando-se que se verifica uma excepção dilatória inominada, nos termos do disposto no art. 278º nº 1 al. e) do CPC. Atribuo à acção o valor de 39.360,00€.Custas pela autora.”

2. A Apelação

Inconformada, a Requerente interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação do “despacho “ de remessa para os meios comuns , devendo prosseguir o objecto do pedido de despejo , conforme formulado.

A Requerida em resposta reclama que nos meios comuns sejam apreciadas todas as excepções e reconvenção deduzida na oposição.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu douto acórdão, com voto de vencido, concluindo em síntese “ (…) no procedimento especial de despejo não é admissível a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário, não só por estarmos perante um processo especial, mas também porque a apreciação de um outro pedido introduziria a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, o que iria contender com as características de urgência, celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador na agilização deste procedimento de despejo.Em sentido contrário, isto é, que no procedimento especial de despejo não é admissível a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário.Destarte, não sendo admissível no procedimento especial de despejo a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário, há que revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo, determinando o prosseguimento dos autos. (..)Concluindo, no procedimento especial de despejo não é admissível a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário, não só por estarmos perante um processo especial, mas também porque a apreciação de um outro pedido introduziria a necessidade de se apreciarem e decidirem novas questões, o que iria contender com as características de urgência, celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador na agilização deste procedimento de despejo.(..)3. DISPOSITIVO 3.1 DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar-se a decisão proferida pelo tribunal a quo, determinando o prosseguimento dos autos.»

3. A Revista

Discordante, agora, a Requerida e arrendatária, pede revista a este Supremo Tribunal de Justiça.

As suas alegações culminam com as conclusões que se transcrevem : « A. A Recorrente não se conforma, com o Douto Acórdão Recorrido, porque entende que o Tribunal da Relação violou a lei substantiva, na medida que incorreu num erro de interpretação e aplicação da lei, além do que, se verifica uma contradição de julgados, com base nos quais, fundamentou e muito bem, o Sr. Juiz Desembargador BB, que pertencia ao coletivo e que ficou com voto vencido. B. Desde logo, entendemos, que o Tribunal da Relação errou ao ter feito a interpretação que não estando previsto no PED a possibilidade de reconvenção, que se trata de uma lacuna e nessa medida deverá ser preenchida de acordo com a norma aplicável a casos análogos, chamando à colação o procedimento de injunção, para arredar a possibilidade do pedido reconvencional, no caso em apreço ser admitido. C. Entendemos, que se o PED é omisso quanto á aplicação da norma, devemos socorrermo-nos das normas supletivas do CPC e em tudo o que não estiver previsto numas e noutras, deverá aplicar-se o disposto no art. 549º do CPC.D. Por outro lado, fundamenta o Acórdão Recorrido a inadmissibilidade da reconvenção em princípios de celeridade e economia processual, o que não deixa de ser contraproducente, porque será mesmo, com base nesses mesmos princípios, em coadjuvação com o princípio adequação e gestão processual, que deveria ter admitido a reconvenção, para a justa composição célere do litígio e uma justa e boa decisão da causa. E. São na verdade, razões de economia processual e de tutela efectiva do arrendatário , que justificam que no âmbito do procedimento especial do despejo, o arrendatário possa se defender na oposição, por impugnação, por excepção e ainda, por reconvenção, fazendo valer, designadamente o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas ao arrendado, sindicado no PED, operando a compensação de créditos, evitando a interposição de uma acção autónoma, que poderia vir a constituir causa prejudicial à efectiva desocupação do locado.F.Entendemos assim que o argumento da celeridade e economia processual, deverá servir os interesses de ambas as partes , para a justa composição do litigio, pelo que o Tribunal da RL errou na interpretação e aplicação destes mesmos princípios, ao arredá-los na defesa célere que seria imprimida à causa, caso admitisse o pedido reconvencional, por forma à Arrendatária, poder fazer também os seus direitos de crédito nesta mesma acção, ao invés de obrigá-la a ter que instaurar uma nova acção, em separado, que poderá vir a constituir causa prejudicial no PED e dessa forma comprometer a celeridade e economia processual que pretende imprimir ao mesmo.G Do pedido reconvencional, consta matéria controvertida, com tal prejudicialidade, que não poderá O Tribunal da Relação, em prol do princípio da celeridade e economia processual, prejudicar o principio do contraditório que assiste à Ré e que legitima o não pagamento integral do valor da renda e a verdade material.H. O M. Juiz do Tribunal da 1ª instância, decidiu a nosso ver bem, na parte em que entendeu que “além do mais, invocando a Ré motivos legítimos para não pagar as rendas total ou parcialmente e constituindo tais motivos os fundamentos do pedido reconvencional, a não admissibilidade deste inviabiliza igualmente que neste procedimento especial de despejo se conheça da pretensão da autora em obter decisão que lhe confira titulo para desocupação do locado.”I. Pelo que, o Tribunal de 1ª instância ao remeter as partes para os meios comuns, fê-lo quiçá, de forma a que houvesse uma justa composição do litigio, que se impõe, face à complexidade da causa e aos factos controvertidos, permitindo uma maior produção de meios de prova, que são limitados no âmbito do PED.J. Mas permitir-se que o processo siga os termos do PED, como se entendeu no Acórdão da Relação, objecto do presente recurso, mesmo que se admita a reconvenção, isso sim será denegar a justiça e o exercício cabal da defesa, consagrado no art, 20º da CRP.K. Aliás a situação é tão grave e a displicência e negligência da A. é tal, que a Ré se viu já forçada a instaurar procedimento cautelar, como a A. reconhece e alegou, por forma a forçá-la à realização de obras, acção que corre termos pelo mesmo juízo que proferiu a decisão ad 1ª instância, sob o processo nº 9266/22.4... Portanto, a razão do M. Juiz do Tribunal da 1ª instância, ao remeter as partes para os meios comuns, foi por conhecer a complexidade e gravidade da matéria controvertida, já que é titular também do procedimento cautelar e também não o decretou sem dar a possibilidade da Requerida, aqui Autora de exercer o contraditório, tendo determinado perícias ao locado e este também é um procedimento urgente e teve a mesma ponderação, ao salvaguardar as garantias de defesa.M. A remessa destas matérias para os meios comuns supõe naturalmente uma necessária amplitude de garantias processuais, traduzidas na livre possibilidade de apresentação dos meios probatórios, cuja amplitude e garantias de defesa são maiores, quando se suscitem questões que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto e de direito e da sua efectiva contradição, bem como na realização da justiça.N. Pelo que ao não ter este Supremo Tribunal o mesmo entendimento, de remeter as partes para os meios comuns, na esteira do entendimento perfilhado, pelo Tribunal da 1ª instância, não deverá a nosso ver prejudicar os direitos de defesa da Ré, ao não admitir a reconvenção, mesmo em sede do PED, atento os princípios da celeridade, economia processual, adequação e gestão processual.O. Pelo que, em última instância, espera-se que o STJ venha a acolher o entendimento, perfilhado pelo Sr. Desembargador BB, que no Acórdão recorrido defende que – “ A reconvenção é admissível, a revogação da decisão recorrida devia ter sido parcial, quanto à remessa das partes para os meios comuns, devendo o processo prosseguir para apreciação da acção e da reconvenção”.P. Já que a Decisão recorrida, encontra-se em manifesta contradição com outros Acórdãos, que foram citados pelo Sr. Desembargador e que também aqui colocamos à colação dos Srs. Juízes Conselheiros, para efeitos de uma melhor decisão, a saber:Ac. TRL de 27.04.2017, Ac.TRL de 29.09.2020, TRL de 05.04.2022, Ac TRP de 13.07.2022, Ac TRL de 13.09.2022, Decisão singular do TRL de 06.02.2023, AC do STJ de 06.06.2017 (…) Termos em que (… )Revogando-se a Decisão Recorrida do TRL, por forma a ser admitido o pedido reconvencional , quer remetendo as partes para os meios comuns , conforme decidido pela 1ª instância ; Caso assim não se entenda, admitir em prol dos princípios celeridade, economia processual , adequação e gestão processual , atenta a Jurisprudência já citada , uma vez que registando contradição de julgados , e nessa medida, ser admitido o pedido reconvencional no âmbito do PED, prosseguindo os autos para apreciação da acção, excepções e reconvenção deduzida pela aqui recorrente.»


*


A Recorrida juntou resposta às alegações , não admitidas por extemporâneas, conforme despacho prolatado pela relatora.

*


4. Admissão e objecto do recurso

Mostram-se verificados os requisitos gerais de recorribilidade do acórdão da Relação, sendo a revista admitida em conformidade com o disposto no artigo 671º, nº1, do CPC, atenta a diferenciação dos julgados das instâncias no que concerne ao efeito dispositivo e, inexistência de unanimidade no acórdão recorrido.

Consabido que a intervenção do tribunal de recurso está delimitada pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, haverá que decidir quanto à (in)admissibilidade da reconvenção deduzida pela recorrente, inquilina demandada no Processo Especial de Despejo (PED)com o fundamento da falta de pagamento de rendas, e as consequências advenientes no destino da lide.

Desiderato que suscita a abordagem dos seguintes tópicos recursivos:

• A natureza especial do PED ( Lei nº 31/2012, de 14.8 alterou o NRAU )e a convocação do regime geral do CPC na situação de lacuna de previsão de reconvenção na oposição;

• O propósito legislativo da celeridade e simplicidade do PED em articulação com os princípios gerais do processo civil ; a execução do despejo e o direito de retenção do inquilino sobre o locado na situação de crédito por benfeitorias.

II. Fundamentação

A. Os Factos

Está assente, porque não controvertido nos articulados, que as partes celebraram o contrato de arrendamento para fins não habitacionais do imóvel descrito os autos, cujo despejo a requerente reclama, nos termos e condições inscritas no documento junto e não impugnado, e bem assim, o iter processual que os autos registam.

B. O Direito

1. A Reconvenção e o procedimento especial de despejo

A questão submetida a apreciação desagua na persistência, cremos, residual, de posições divergentes entre arestos das Relações e alguma doutrina, a saber, admitir ou não a dedução de reconvenção pelo oponente inquilino que é demandado pelo senhorio para despejar o local arrendado através do PED.

Em traços breves, acerca da sobredita vexatio questio, surpreendem-se duas correntes principais, na doutrina e na jurisprudência.

Apesar da persuasão de algum dos argumentos da tese da exclusão da reconvenção no processo especial de despejo, a experiência forense e a consulta dos dados disponíveis , apontam, na atualidade, para a clara adesão maioritária da jurisprudência e a doutrina na respetiva admissibilidade.

Em enunciação que não se pretende exaustiva, a favor da admissão da reconvenção, em tais circunstâncias, inter alia , os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.4.2017, de26-09-2019 de 29-09-2020 e de 13.09.2022 .

Propugnando pela inadmissibilidade da reconvenção, v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.9.2019.

No que toca ao decidido adrede, neste Supremo Tribunal, identificamos, desde logo , o Acórdão do S.T.J. de 06.06.2017, porfiando a admissibilidade da reconvenção em procedimentos especiais, como destaca o sumário “I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior. II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.”

Na doutrina, entre outros defendem a admissão da dedução do pedido de compensação por benfeitorias, Menezes Cordeiro, Edgar Vallles e Rui Pinto; pronunciando-se pela não admissibilidade, Jorge Pinto Furtado, Abílio Neto, e Laurinda Gemas.

2. A reconvenção e a lacuna da lei; artigo 10º do Código Civil ; elemento sistemático

A Lei nº 31/2012, de 14.8 alterou o NRAU, criando um procedimento especial de despejo do local arrendado , tendo como objectivo crucial, permitir “ (…)a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento” (art. 1º da referida Lei), ou seja, visando agilizar o procedimento de despejo.

De outro passo, o DL nº 1/2013, de 7.1,e, a Portaria nº 9/2013, de 10.1, vieram definir as regras do funcionamento do Balcão Nacional do Arrendamento e do procedimento especial de despejo.

Ou seja, o PED destinado a alcançar a cessação do contrato de arrendamento, caso o inquilino persista em ocupá-lo na data prevista na lei, ou na data fixada por convenção entre as partes, tem por finalidade primeva, criar título executivo para a desocupação de um locado no prazo que lhe é dado e não deduza oposição, podendo o senhorio cumular o pedido de despejo, com o de pagamento de rendas, encargos ou despesas em mora.

Encontra-se previsto nos artigos 15º a 15º-S do NRAU , sendo aplicável nas situações previstas no nº 2 do mencionado artigo 15.

Quanto à oposição , dispõe o artigo 15º-F do NRAU (aditado pela Lei nº 31/2012, de 14.8), que: “1. O requerido pode opor-se à pretensão no prazo de 15 dias a contar da sua notificação. 2. A oposição não carece de forma articulada, devendo ser apresentada no BNA apenas por via eletrónica, com menção da existência do mandato e do domicílio profissional do mandatário, sob pena de pagamento imediato de uma multa no valor de 2 unidades de conta processuais. 3. (…). 4. (…). 5. (…).”

Não prevenindo a lei, de forma expressa, a possibilidade de dedução de reconvenção, contudo, prevê e contempla a possibilidade de um novo articulado, sempre que seja necessário garantir o contraditório (nº 2 do art. 15-H).

Nesta perspectiva, em nosso entender, sob pena do esvaziamento desse normativo , não pode deixar de viabilizar-se a formulação da reconvenção ( outro articulado), pelo menos, nas situações em que, por essa via, o Réu pretenda o reconhecimento de eventual extinção total ou parcial da dívida reclamada pelo Autor – artigo art. 15, nº 5 e artigo 847º do Código Civil.

Trata-se da situação típica de despejo fundado em falta de pagamento de rendas, como no caso em juízo, vindo o Réu , defender-se por excepção e em reconvenção, invocar um crédito equivalente ou superior sobre o senhorio , em razão das obras, alegadamente necessárias e outras, que realizou no locado.

Critério, que a nosso ver, aconselha, a admissibilidade da reconvenção, tendo por objecto pedido de pagamento do valor das benfeitorias realizadas , ainda que seja outro o fundamento de despejo, na defesa do interesse do arrendatário , pois que, nessa qualidade lhe assiste o direito de reter o imóvel, conforme o disposto nos artigos 1036º, 1273º e 754º do Código Civil.

Não se descure a circunstância, que ao exigir ao inquilino demandado, que então interponha acção autónoma para ser compensado pelas benfeitorias efectuadas no locado, procedendo a mesma , sempre levaria à suspensão do procedimento de despejo por causa prejudicial, afectando, de igual modo, os objectivos de celeridade do PED.

Neste ângulo da questão, refere Rui Pinto - “ (…) Dado ainda não ter corrido prévio processo judicial, deve entender-se que o direito de defesa determina que o conteúdo da oposição seja qualquer fundamento que possa ser invocado no processo de declaração. (…) portanto, pode ser oposta impugnação e exceção e, bem assim, fazer-se valer o direito a benfeitorias. Se tal era admissível em sede de art. 929.º, nº 1, CPC (…) não (pode) deixar de ser permitido, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efetiva da posição material do inquilino. Assim, consoante as possibilidades dadas pelo direito substantivo, tanto poderá pedir a condenação do senhorio no pagamento do valor das benfeitorias, como o reconhecimento do direito a levantá-las, em reconvenção.”

Por último, quanto ao óbice da tramitação processual especial em causa, pode sempre o tribunal admitir a reconvenção e promover a adaptação do processado, em consonância com o disposto nos artigos 266º, nº 3, e 37º, nºs 2 e 3, do CPC, garantido até novo articulado em exercício do contraditório, conforme previsto no nº 2 do artigo 15-H.

Em suma, afigura-se-nos que o pedido reconvencional formulado pela Recorrente está enquadrado no disposto no artigo 266º, nº1, al) b) e c) do CPC, não contrariando o regime do PED, respeitando o alegado crédito sobre o senhorio, que reconhecido, pode conferir àquele o direito de retenção sobre o locado - artigo 754º do Código Civil.

Os escopos da celeridade e economia, visados pelo legislador no PED, em contraponto com a exigida coerência imanente dos valores jurídicos da tutela do direito à defesa, a par da almejada composição integral do litígio através de um procedimento judicial uno, ditam a sua sobreposição à questão de índole formal, e justificam, em princípio, a admissão do pedido reconvencional.

Tomando a lição de J. Baptista Machado, a propósito das regras hermenêuticas “ Este elemento Sistemático ( contexto da lei e lugares paralelos) (…) Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.”

Importa, pois, que o processo prossiga, para a apreciação preliminar da reconvenção apresentada, conforme previsto no artigo 583º do CPC, seguindo os autos o desenvolvimento da instância em conformidade.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo em julgar procedente o recurso , e por consequência:

a) Revogar o acórdão proferido;

b) E, em substituição, decide-se pela admissibilidade processual da reconvenção nos autos;

c) Que, assim, deverão prosseguir, em ordem à apreciação liminar daquela, e os ulteriores trâmites até final.

As custas são a cargo da Autora e recorrida.

Lisboa, 6.11.2023

Isabel Salgado (relatora)

Fernando Baptista

Emídio Santos