Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO BRANQUINHO DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO ESTABELECIMENTO PRISIONAL MEDIDA CONCRETA DA PENA CULPA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL IMPROCEDÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 06/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I. A agravação do crime de tráfico de estupefacientes prevista na alínea h), do art. 24.º, do DL n.º 15/93, de 22/1, por a infração ter sido cometida em estabelecimento prisional, tal como as demais alíneas do mesmo preceito legal, não é de aplicação automática, sendo necessário a análise do caso concreto, para se saber se há uma ilicitude acentuada dos factos na sua globalidade e, consequentemente, se se justifica tal agravação. II. Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça que na alínea h), do citado art. 24.º, tipificam-se situações de facto que, objetivamente, potenciam a perigosidade da ação desligada do resultado – como é próprio dos crimes de perigo abstrato –, acrescentando dimensão ao ilícito que justifica o agravamento da moldura penal aplicável ao crime base. III. Assim, o agravamento do tráfico cometido em meio prisional visa conferir uma proteção reforçada, protegendo a saúde (física e psíquica) e até a reinserção social da população prisional, particularmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes. IV. Resultando dos factos dados como provados, no acórdão recorrido, que o arguido, recluso no Estabelecimento Prisional…, tinha no interior da sua cela individual 79,430 gramas de haxixe (equivalendo a 135 doses individuais) e 7,717 gramas de cocaína, droga considerada “dura”, (correspondendo a 104 doses individuais), que se destinavam ao seu próprio consumo e também para cedência e venda a outros reclusos, a fim de obter proventos para integrar no seu património, tal circunstancialismo é suficiente para se conceber o crime como agravado, nos termos da alínea h) do referenciado art. 24.º. V. Nesta conformidade, considerando a moldura abstrata que vai dos 5 aos 15 anos de prisão, correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, há que convir que uma pena de 7 anos de prisão que foi a aplicada ao arguido, já com antecedentes criminais, pelo tribunal a quo não pode, de forma alguma, ser considerada excessiva, nas circunstâncias, nem ultrapassa, de maneira nenhuma, a medida da culpa. VI. Em face do exposto, não se justifica qualquer intervenção corretiva por parte do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que se nega provimento ao recurso do arguido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... -J..., da comarca de Lisboa Oeste, de 24/01/2023, foi o arguido AA, com os sinais dos autos, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos arts. 21.º n.º 1 e 24 h), do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas anexas I-B e I-C, na pena de 7 (sete) anos de prisão. 2. Inconformado, interpôs o referido arguido recurso, em 16/03/2023, para este Tribunal, apresentando as seguintes Conclusões da sua Motivação (Transcrição): A - O arguido foi condenado pela prática do crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h) e artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 7 (sete) anos de prisão.; B - Considera o arguido que o coletivo errou na aplicação do direito, por entender que não deveria ter sido condenado com a agravação prevista no artigo 24.º, bem como, por considerar que existiu erro na determinação da pena; C - Assim, a aplicação da agravação do artigo 24.º não é automática, tendo de existir factos que a suportem. D - E, no presente caso, tal não decorre da matéria de facto provado, pelo contrário. E - Apenas resulta que o arguido é consumidor de estupefacientes, que nunca praticou semelhante crime, que o estupefaciente não chegou a ser distribuído no Estabelecimento Prisional e que a quantidade não era elevada, considerando que era também para seu consumo. F - Razão pela qual entendemos que errou o coletivo ao aplicar o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. G - Mais entende o arguido que o coletivo errou ao aplicar pena superior a 5 anos e ao não suspender a sua execução; H - Isto porque, o arguido é primário neste tipo de crime e demonstra preocupação com o seu futuro, estando a frequentar um curso no estabelecimento prisional, para além de ter assumiu perante o coletivo a prática do crime e de se ter manifestado arrependido. I - Apesar do erro que cometeu, o arguido está empenhado no seu regresso à sociedade, investindo na sua formação profissional, se tiver de cumprir mais 7 anos, importará estar em reclusão 17 anos, o que com certeza ira tornar a sua reabilitação e ressocialização impossível. J - Pondo em acusa os fins das penas. K - A nosso ver, a censura do facto e a ameaça do prolongamento da prisão que já perdura há quase uma década, mostram-se suficientes para o manter afastado da prática de crimes e realizam de forma adequada as finalidades de prevenção. L - Não decidindo assim, foram violados, os artigos 40º, 50º, 70º e 71º, todos do Código Penal. Termos em que, nos melhores de direito aplicáveis e, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deve ser concedido provimento ao presente Recurso, alterando-se a decisão aplicada ao arguido por outra que importe a sua condenação pelo artigo 21.º e não pela forma agravada do artigo 24.º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e, sempre, em caso de condenação, aplicando-se uma pena de prisão inferior a 5 anos e suspendendo-se a sua execução. 3. Por despacho de 23/03/2023, da Senhora Juíza titular do processo, foi o recurso admitido, com efeito suspensivo, mas para o Tribunal da Relação de Lisboa. 4. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, em 02/05/2023, ao recurso do arguido, defendendo, em síntese, que não merece provimento. 5. Por sua vez, por despacho do Senhor Desembargador relator, de 18/05/2023, foi o Tribunal da Relação de Lisboa declarado incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso em causa e ordenada a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de justiça, por ser o competente. 6. Em 24/05/2023, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu douto parecer, nos termos do qual entende ser este realmente o tribunal competente para analisar o presente recurso que é circunscrito a matéria de direito e, tal como o seu Colega da primeira instância, sustenta que o mesmo deve ser julgado improcedente. Observado o contraditório, o arguido não respondeu ao parecer do Ministério Público. 7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso Atendendo ao conteúdo das mencionadas Conclusões, que, como é conhecido, delimitam o objeto do recurso, são duas as questões que o arguido coloca: - a primeira tem a ver com a qualificação jurídica do crime por que foi condenado, que, no entender do recorrente, em resultado da matéria de facto provada não deve ser considerado agravado; e - a segunda diz respeito à medida concreta da pena aplicada que o recorrente considera excessiva, solicitando que lhe seja aplicada uma pena inferior a 5 anos de prisão e que seja suspensa na sua execução.
III. Fundamentação 1. Na parte que ora releva é do seguinte teor o acórdão recorrido, que passamos a transcrever: (…) II. OS FACTOS Do julgamento, resultaram provados os seguintes factos, 1. O arguido é recluso no Estabelecimento Prisional ..., com o n.º mecanográfico .../01170 e nº interno .... 2. No dia 12.07.2021, pelas 14h40, o arguido tinha no interior da sua cela (cela individual), mais concretamente na terceira prateleira do lado direito da cela: a) 10 bolotas de haxixe (canábis resina) com o peso total de 79,430 gramas de haxixe, com o grau de pureza de 8,5% do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 135 doses individuais diárias e b) 25 panfletos de cocaína com o peso total de 7,717 gramas, com o grau de pureza de 40,5% do seu princípio activo (THC), suficiente para produzir 104 doses individuais diárias. 3. O arguido destinava tais substâncias estupefacientes, quer ao seu próprio consumo, quer para cedência e venda a terceiros reclusos, e assim obter proventos para integrar no seu património. 4. O arguido conhecia a natureza e os efeitos das substâncias em causa, agindo com o propósito de fazer circular tal substância no interior das instalações do Estabelecimento Prisional, o que sabia ser proibido. 5. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 6. O arguido foi condenado, entre outros, no processo n.º 736/09...., por acórdão transitado em 14.07.2014, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva; no processo 1902/12...., por sentença transitada em 20.04.2015, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva; no processo 1645/13.... por sentença transitada em 04.05.2015, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva; no processo 151/10.... por sentença transitada em 25.09.2015, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva e no processo 909/11.... por sentença transitada em 03.07.2017, na pena de 3 anos e 4 meses de prisão efectiva. 7. O arguido encontra-se desde 05.06.2014 em situação de reclusão. 8. Não obstante as penas de prisão que lhe foram aplicadas e apesar de poder e dever actuar de forma a respeitar a Lei, o arguido optou por continuar a praticar factos ilícitos. Resultou ainda provado que, 9. O arguido tem outros antecedentes criminais averbados no seu CRC, tendo sido condenado por crimes de: furto qualificado, no processo 104/09.... (transitada em 31.01.2011); furto qualificado, no processo 642/09.... (trânsito em 27.03.2015); furto qualificado, no processo 286/09.... (trânsito em 30.06.2014); furto tentado, no processo 265/13.... (trânsito em 20.03.2013); furto qualificado, no processo 765/09.... (trânsito em 21.10.2013); furto, no processo 1902/12.... (trânsito em 09.10.2017); tendo sido feito cúmulo jurídico no processo 915/18.... (trânsito em 11.09.2018) das penas dos processos 915, 1902, 265 e 909 supra referidos. 10. Das suas condições pessoais, apura-se que: O processo de desenvolvimento do condenado decorreu em contexto institucional na Casa ..., onde terá permanecido com o irmão BB, durante o período dos 6 aos 17 anos, na sequência duma condenação a pena privativa de liberdade dos seus progenitores. Estes, entretanto, faleceram. Manteve contactos regulares com a irmã CC. O relacionamento entre os irmãos afigura-se afectuoso, pautado pela solidariedade ao longo dos anos, embora ultimamente eivado por algum desentendimento pela vontade do irmão BB vender o apartamento do falecido avô. Os familiares mostram algumas atitudes de desculpabilização relativamente à prática criminal do arguido, por reconhecerem a falha na supervisão educativa e a permeabilidade de AA a influências negativas externas. Quando for colocado em liberdade, AA mantém o plano de se fixar no apartamento adquirido pelo avô materno, AA, já falecido. Terá o apoio directo da irmã, que ali reside com o respectivo companheiro. A habitação em apreço é propriedade da família, isto é, do recluso, dos dois irmãos e da tia materna Mª da DD, herdeiros do falecido avô de AA. AA concluiu o 2º ciclo de escolaridade, tendo registado dificuldades de adaptação às normas internas do regime institucional e insucesso escolar, não chegando a concluir o 7º ano. Iniciou precocemente inserção profissional aos 17 anos de idade, durante o período em que coabitou com a irmã CC, exercendo de modo irregular, a actividade profissional de armador de ferro. Durante o seu percurso académico e institucional, terá adquirido várias competências profissionais no sector da construção civil, da agricultura e jardinagem e como ajudante de cozinha. Quando foi preso em 2014, tinha trabalhado na cafetaria de uma grande superfície comercial. AA tem consciência da precariedade financeira dos familiares, admitindo a necessidade de angariar as suas condições de subsistência. Neste campo, planeia tirar a carta de condução e quando resolvida a sua situação judicial emigrar para a .... É referenciado pelos irmãos como um individuo trabalhador, que aparenta possuir motivação para investir na sua valorização profissional. No que concerne a hábitos adictivos, AA terá iniciado o consumo regular de estupefacientes (haxixe) durante o período da adolescência. Esta situação ter-se-á agudizado após o falecimento da progenitora, quando AA tinha 20 anos de idade. O facto de dispor do apoio dos familiares em meio externo propicia segurança ao recluso, sobretudo quando se projecta no futuro em liberdade. Veicula algum criticismo em relação à sua história criminal e tem a noção do impacto danoso dos crimes em ofendidos/vítimas. Ao racionalizar motivos e argumentos, AA enquadra parte da sua responsabilidade no contexto do consumo de substâncias tóxicas e na pressão dos pares. Igualmente, frente à infracção grave que protagonizou depois do regresso da LSJ, que deu azo aos presentes autos, adopta um conjunto de argumentos desculpabilizantes, deslocalizando responsabilidades para terceiros. Iniciou um curso de operador de manutenção hoteleira de modo a melhorar competências e a empregabilidade. A adesão a pares delinquentes, com os quais cedo se identificou e os consumos de estupefacientes levaram AA a vários confrontos com o sistema de justiça penal continuam ainda a constituir-se como factores de risco de reincidência. O retrocesso na evolução do seu percurso prisional, em 2021, reflecte as dificuldades do recluso ao nível do autocontrole e os défices de competências pessoais de gestão do envolvimento em situações de risco. (…) IV. OS FACTOS E O DIREITO Fixada a matéria de facto, importa proceder ao seu enquadramento jurídico-penal. Vem o arguido acusado da prática de crime de tráfico de produtos estupefacientes, nos termos do artº 21º, nº 1 do DL nº 15/93 de 22.01, com refª às tabelas I-C e I-B que lhe são anexas. Os factos e a responsabilidade penal, O sistema penal português, como o temos conhecido até mais ou menos ao presente dos tempos, assenta em princípios fundamentais, com raízes históricas nos primeiros traços das democracias actuais, entre nós desde os primórdios do constitucionalismo, mais recentemente, também por contágio dérmico das Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Assim, os princípios da legalidade e da tipicidade dão o mote ao sistema, impondo que ninguém pode ser julgado e/ou condenado por comportamento que não esteja, anteriormente, qualificado como crime pela lei penal. O que significa duas coisas fundamentais – a intervenção mínima do direito penal que se deve limitar a actuar, punindo, os comportamentos socialmente reprováveis e que se prendam com a violação de direitos fundamentais ou de importância significativa e, em segundo lugar, que a reacção da sociedade, através do direito penal, seja adequada aos princípios democráticos dominantes, ou seja, assegurando que as pessoas são punidas por lei que preveja essa punição e não por critérios de arbitrariedade e conveniência – artº 1º e 2º do CP. O processo penal é, como tal, o exercício perfeito dos direitos constitucionalmente consagrados, na medida em que garante o exercício pleno do direito penal nos termos da Constituição e da Lei. Ao arguido vêm aqui imputados factos que constituem violação de normas penais. O crime por que vem acusado está tipificado na disposição penal indicada pela acusação. A punibilidade desses comportamentos, ou a sua censura penal, dependem do juízo probatório a que se chegou, importando integrá-lo nas respectivas normas, decidindo-se a final, pela condenação ou absolvição dele. É o passo que segue. * Pressupostos da punição e autoria dos factos, O CP prevê, no seu artº 13º que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (nº 1). O crime imputado pela acusação é doloso, sendo o dolo directo, nos termos do artº 14º do mesmo diploma, por ter o agente representado a realização de um facto que preenche um tipo legal de crime, actuando com a intenção de o realizar (nº 1). Assim, o dolo caracteriza parcialmente o elemento subjectivo do tipo legal enunciado, na medida em que constitui representação e intenção de actuar contra a lei, de onde resulta a consciência da ilicitude do facto pelos agentes. Para além dele, vem a vontade livremente determinada na actuação. O processo volitivo reveste-se de grande importância, uma vez que não há consciência da ilicitude sem vontade, e não há vontade criminalmente relevante sem que seja, ela mesma, livremente determinada. A vontade do agente, dirigida a conseguir apenas o fim a que se determinou ou cada um dos seus elementos temporais e factuais, é, como tal, a pedra de toque de todo o sistema legal. A vontade de agir em desconformidade ao direito, que revela também a personalidade do arguido e a tenacidade criminógena ou a intensidade do dolo na actuação, todos estes elementos concorrendo para que se estabeleça a necessidade de punir o agente. Por outro lado, o agente pode praticar o facto directamente, executando-o, ou indirectamente, ordenando-o, instigando-o, assim como pode ser determinante na execução do crime ou simples figurante ou auxiliar. O artº 26º CP caracteriza a autoria como forma de execução do crime. Estamos, in casu, perante uma imputação de autoria quanto ao crime de tráfico. É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º CP se refere à autoria como o poder de decidir pela execução do facto ou de executar o próprio facto. Determina o CP que: Artigo 26º - Autoria É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução. A actuação do arguido inscreve-se neste contexto geral em que, relativamente às circunstâncias para que é solicitada a sua intervenção – a posse do estupefaciente, tem efectivamente o domínio do facto, podendo determinar o seu desfecho e o sucesso maior ou menor da actuação. * A forma de cometimento dos factos, O arguido vem acusado da prática de crime de tráfico do artº 24º citado, com refª ao artº 21º do DL nº 15/93. O crime imputado é sob a forma consumada, o que significa que a conduta se tem por integralmente produzida, estendendo-se aqui em todos os actos de execução relevantes até ao fim pretendido. O artº 21º citado, que é o tipo legal base quanto ao tráfico de estupefacientes, seguindo os ensinamentos do Prof. Eduardo Correia, vem definir os actos de execução de forma objectiva, como os que preencham elementos constitutivos do tipo legal de crime, os que forem adequados a produzir o resultado tipificado e os que, segundo a experiência e normalidade da vida, sejam de molde a esperar que deles decorram quaisquer dos anteriormente indicados. O crime consumado é, para muitos, sobretudo para os seguidores da linha finalista, o ponto terminal do iter criminis, o momento em que se realiza o feito e se atinge o ponto perfeito da violação de um direito alheio. Para outros, o iter criminis vai até ao momento do exaurimento, até ao ponto mais que perfeito, aquele em que o resultado se manifesta efectivamente nas suas consequência e integrais limites, como ensinava o Prof. Cavaleiro de Ferreira. Num caso ou noutro, é sempre ponto assente o de que, uma vez produzido o resultado típico, o crime está consumado. E o resultado típico, no caso do crime de tráfico de estupefacientes, antecipada que foi a tutela penal aos actos de execução relevantes enumerados na norma base do artº 21º citado, verifica-se logo que alguma dessas circunstâncias de facto ocorra, como a detenção ou transporte de estupefaciente. Assim, resulta verificada factualmente a consumação efectiva do crime imputado ao arguido nestes autos. * A natureza do crime, A norma do artº 21°, do DL n° 15/93, de 22.01, define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, como já dito, no qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do ilícito. O regime legal a que se faz reportar a acusação prevê, no artº 21º do DL nº 15/93 de 22.01 que: Artº 21º - Tráfico e outras actividades ilícitas 1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantes, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. 2. (...). O crime de tráfico de estupefacientes pode qualificar-se como um crime de perigo. O Legislador não exige, para a respectiva consumação, a efectiva lesão dos bens jurídicos tutelados. Trata-se de um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - embora todos eles se reconduzam a um mais geral que é a saúde pública. Por outro lado, será um crime de perigo abstracto, não pressupondo nem dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos. Esta concepção típica tem subjacente o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como um processo e não tanto como o resultado de um processo. O tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras, que justificam a intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias actividades relacionadas com a actuação no mercado onde a droga se comercializa. Aliás, mesmo em situações onde se verifica uma particular perigosidade das condutas anteriores à consumação material do crime, o que justifica a ilicitude é ainda a típica conexão com a actividade lesiva do bem jurídico, prosseguida pela preparação do crime. Precisamente porque se trata de condutas que concretizam de modo particularmente intenso o perigo inerente à actividade de fornecimento de produtos estupefacientes, o Legislador antecipa a tutela penal relativamente ao momento da transacção. Tem considerado a Doutrina e Jurisprudência que o primeiro acto praticado pelo agente no iter criminis já constitui o preenchimento do tipo legal, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor. Por outro lado, impõe-se deixar clarificado que, ao contrário do que alguns técnicos do direito vão entendendo, não consideramos aqui que a agravação típica opere automaticamente para o artº 24º daquele Diploma legal, pela simples circunstância de os factos se terem passado no interior do EP. De facto, o tráfico não existe sem tantas actividades que lhe dão corpo quantas o tipo base do artº 21º citado comporte. A mera detenção de canábis (resina) ou cocaína é susceptível de punição, atento o disposto no art. 21º, nº 1, do diploma legal acabado de referir. A substância estupefaciente referida encontra-se compreendida na Tabela I-C e I-B do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. No entanto, não podemos esquecer que no nosso direito penal as agravações, ou as que se chamam circunstâncias agravantes típicas, não resultam objectivamente da lei senão nos tipos especiais que a lei nomeia. Nos restantes, a agravação prende-se sempre com a culpa, o que significa que, sendo a culpa subjectiva, dificilmente temos agravação típica sem agravação de culpa, o que significa, também, que as agravações dependem sempre da prova das circunstâncias que as demonstrem. A questão que se coloca nestes autos, no entanto, é a de saber se o arguido, que tinha na sua posse o estupefaciente apreendido, heroína e cocaína, deve ser punido por crime agravado (artº 24º), ou pelo tipo base (artº 21º) ou pelo tipo desagravado (artº 25º). Como se deixou citado no Ac. TRE de 14.10.2014, que aqui se acolhe por similitude de circunstâncias: (…) não ficaram demonstradas quaisquer circunstâncias que nos permitam concluir pela diminuição considerável da ilicitude da conduta do arguido, não bastando para tal a circunstância de se tratar de (…) de canábis (resina). É que em causa está um acto de detenção que foi necessariamente precedido de um acto de introdução de droga num estabelecimento prisional, local destinado precisamente à reinserção de indivíduos condenados pela prática de crimes, muitos deles relacionados com o consumo/tráfico de estupefacientes e em que a existência de tais substancias coloca em causa de uma forma relevante a prossecução de tal objectivo, pondo também em causa a própria segurança do meio prisional, sendo frequentes as contendas entre os próprios reclusos, ou entre estes e o corpo da Guarda Prisional, relacionadas com a existência destas substâncias naquele meio. Assim, a detenção de produto estupefaciente no interior de um estabelecimento prisional não poderá ser considerado um acto de ilicitude diminuída. Se assim fosse, esvaziar-se-ia de conteúdo a agravação taxativa da pena que, para tais situações, se consagra no art. 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Pelo que mostra verificada tal circunstância agravante, integrando pois a conduta do arguido a materialidade do crime de que vem acusado. Não se apuraram quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. O mesmo Aresto deixa ainda considerado que: É pacífico que o tráfico de estupefacientes é um crime formal de perigo comum que atenta contra a saúde pública, ficando preenchido com a simples detenção de produto dessa natureza. O tipo de crime, definido no art. 21.º do Dec. Lei n.º 15/93, é descrito de forma assumidamente compreensiva e de largo espectro. Basta-se, para o seu preenchimento, com a aptidão que as modalidades de acção que elenca revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores, em última instância, a saúde, fazendo recuar a tutela dos mesmos a momentos em que esse perigo desde logo se manifesta. Comporta, porém, várias graduações, em escalas diversas de padrões de ilicitude, uma delas, reportada ao crime agravado do art. 24.º do Dec.Lei n.º 15/93, que, no que aqui interessa, pune de modo mais severo a acção inserida naquele art. 21.º que ocorra em estabelecimento prisional, conforme à sua alínea h), que ao recorrente foi imputada. Conforme se refere no sumário do acórdão do STJ de 02.05.2007 (…), no proc. n.º 07P1013, rel. Cons. Maia Costa, in www.dgsi.pt, o intuito do legislador, com a agravante da al. h) do art. 24º do DL nº 15/93, de 22-1, é a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes, e não a defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios. Sendo aquela a razão de ser da agravante modificativa, natural é que a agravação só deva funcionar quando se provar que, no caso, a conduta traduz um perigo acrescido para a saúde daquelas populações. Donde, não é simplesmente a ocorrência do tráfico de estupefacientes num dos lugares referidos no preceito, por exemplo o “estabelecimento prisional”, que determina automaticamente a agravação. Necessário é que o tráfico, para além de ocorrer aí, constitua um ilícito agravado relativamente ao “comum”, por pôr em perigo a saúde daqueles que a lei quer especialmente proteger. Existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa. É a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação. Em sentido idêntico vai o acórdão do STJ de 07.07.2009, no proc. n.º 52/07.2PEPDL.S1, rel. Cons. Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt: A razão de ser da agravação por via da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta. Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda de auto-estima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes. Outros acórdãos podem ser encontrados no STJ com idêntica perspectiva: de 12.09.2007, no proc. n.º 06P2165, rel. Cons. Soreto de Barros; de 21.01.2009, no proc. n.º 08P4029, rel. Cons. Pires da Graça; e de 02.12.2013, no proc. n.º 116/11.8JACBR.S1, rel. Cons. Rodrigues da Costa; todos in www.dgsi.pt. E, até, segundo o acórdão do STJ de 26.09.2012, no proc. n.º 139/02.8TASPS.S1, rel. Cons. Raul Borges, é uniforme o entendimento de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador e É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento. Aceitando, pois, a razão de ser da agravante, afigura-se que só deva funcionar quando se entender estar-se perante conduta que traduza um perigo acrescido, sem deixar de atentar que num estabelecimento prisional a preservação da saúde é, notoriamente, carecida de inestimável tutela. Não se concorda, contrariamente ao que transparece do acórdão, que a agravação seja taxativa com o sentido de funcionar automaticamente, só atendendo ao local onde a infracção é cometida e desprezando a avaliação de outros elementos valorativos, sem os quais, afinal, a avaliação da especial gravidade do tipo e da culpa do agente a tanto inerente, como suportes para agravação da sanção, ficaria restrita a ponderação de factor que, sem mais, pode não reflectir motivo para esse efeito. Sê-lo-á, sim, taxativa, com o sentido de que, a par de outras circunstâncias modificativas, é prevista na perspectiva legal de uma enumeração não exemplificativa e que se esgota no preceito em análise. (…) Revertendo ao caso em apreço, provou-se que o arguido detinha em seu poder 79,430 gramas de haxixe (equivalendo a 135 doses individuais) e 7,717 gramas de cocaína (equivalendo a 104 doses individuais). Prova-se que o arguido consumia haxixe. Prova-se que ia ficar com uma pequena parte (não concretamente apurada), pelo menos, para consumo. Mesmo a proceder a sua versão, o resto seria tudo para ser entregue a terceiros, para chegar aos consumidores. Mesmo a aceitar a sua versão, o seu lucro eram contas pagar e parte do haxixe para consumir. Porque a Jurisprudência tem vindo amiúde a pronunciar-se sobre o tema da agravação típica no crime de tráfico, lembramos aqui o que acima dissemos, no sentido de que não sendo de aplicação imediata, essa agravação deve decorrer da ponderação das circunstâncias de onde se possa extrair um maior desvalor da acção, ou seja, uma ilicitude acentuada dos factos. E é esta, em nosso entender, que aqui fica demonstrada. Para além do factor objectivado no tipo, acima já referido: o desvalor da acção é mais grave quando, estando o agente recluído - e ponderados os factores e risco da presença de estupefacientes num meio como o prisional em que, de acordo com a teoria do fim das penas, se pretende desde logo afastar os residentes da prática de crimes, sendo a detenção de droga e/ou a sua disseminação um factor acrescido de ilicitude a considerar -, a gravidade objectiva do seu comportamento é já por si um catalisador de acrescida ilicitude do facto. Mas não apenas isso. Também é certo que a quantidade de estupefaciente apreendida ao arguido enquadra-se já no padrão que vem sendo associado à aplicação do artº 24º citado, quer por via dessa quantidade apreendida (num total de mais de 87 gramas de produto estupefaciente, sendo mais de 7 delas de cocaína), quer porque, mesmo considerando a natureza dela, a disseminação dessa quantidade de haxixe e cocaína, dentro do EP, é de molde a poder concluir-se que a perigosidade e gravidade da conduta se enquadrem no referido padrão que subjaz ao tipo legal agravado. A ser assim, como parece de acerto concluir, adequando-se – dentro do padrão da ilicitude dos factos – também a punição destes factos como crime agravado, terá de considerar-se, também quanto ao direito, procedente a acusação. Na ponderação (subjectivada deste desvalor da acção) do concreto elemento resultante do CRC de muitas condenações dali constantes (ainda que nenhuma delas por crime que não de tráfico de estupefacientes), conjugado com a circunstância de a quantidade e qualidade de estupefaciente apreendida ser de considerar na circunstância exacta em que se produz o evento [aproveitamento de uma saída precária extraordinária com vista à maior reintegração] e a ilicitude agravada do comportamento, podemos concluir que estas circunstâncias impõem que se considere aqui, por um lado, um notório e maior desvalor desta acção levada a cabo pelo arguido [a posse para tráfico de estupefaciente no interior do EP] e, por outro lado, um perigo concreto de maior disseminação de estupefaciente no interior desse EP, atenta a mesma quantidade apreendida e natureza dos produtos. O que leva a concluir que, devendo considerar-se agravado o crime, procede a qualificação de direito trazida pela acusação. Assim, impõe-se concluir que está neste caso preenchido o elemento típico do tipo legal do artº 24º, al. h) e com refª ao artº 21º do DL nº 15/93. Remata-se como no acórdão do STJ se considera [de 17.04.2008, no proc. n.º 08P571 (rel. Cons. Henriques Gaspar)], in www.dgsi.pt, que nessa parte se transcreve: I - O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta. II - A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas. III - Por isso, o escalonamento dos crimes de tráfico (mais dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador (…) (cf., v.g., Lourenço Martins, Droga e Direito, ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal de 01-03-2001, in CJ, ano IX, tomo 1, pág. 234) (…). Na decorrência da aprovação da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas de 1988, como o próprio Legislador de 1993 faz questão de afirmar, era importante estabelecer regras internas que combatessem a degradação do tecido social através do consumo de produtos estupefacientes, atacando a sua origem – a venda e transacção por qualquer forma. Para isso, foram eleitas três vias principais de esforço – a) privar aqueles que transaccionam do objecto da sua própria actividade, o estupefaciente (controlando circuitos, reprimindo, investigando e agindo directamente sobre ele); b) depois, controlar os percursores, factores essenciais à produção, desdobragem e transformação das substâncias primárias; c) por último, conseguir que esta actividade pela prevenção, através dos meios de comunicação e cooperação transnacionais, seja exercida em conjunto, evitando assim que o estupefaciente possa transitar dos locais de produção para os de transformação e destes para os mundiais pontos de venda. Por outro lado, não é a quantidade de estupefaciente apreendida, ainda que se quisesse fazer tábua rasa das restantes circunstâncias e olhas apenas ao peso e THC, que contraria este entendimento. A circunstância de o tráfico ser exercido no estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que da imagem global do facto, por contraposição, resulte uma ilicitude acentuadamente diminuída, de modo a poder-se sequer ponderar a aplicação do artº 25º do mesmo diploma legal. O artº 25º encerra um tipo específico de crime que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artº 21º, conforme refere Jescheck (Tratado de Derecho Penal, trad. S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, ed. 1981, Vol. II, p. 363), tendo a sua aplicação como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude, pressupondo, por isso, um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma diminuição da mesma, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito. O que, como se compreende, inviabiliza, de forma directa, a conclusão de que um tráfico que se inscreva da dimensão objectiva do artº 24º possa ser, desconsiderando esse facto, pelo contrário, punido pelo artº 25º citado. Esta impossibilidade tem que ver, desde logo, com o facto de ambas as circunstâncias operarem ao nível da ilicitude/culpa, sendo certo que, verificada a circunstância objectiva do tráfico no EP, daí decorrendo uma maior ilicitude dos factos pelo já exposto, não pode depois considerar-se que a ilicitude afinal é diminuída porque a quantidade de estupefaciente era pouco expressiva. Os princípios no direito têm uma coerência interna de que depende a solidez do edifício jurídico e esse facto implica que não se abra mão de uns em detrimento de outros. De igual forma, olhando à imagem global do facto, importa não perder de vista que a única circunstância que poderia ser usada para tentar afasta a qualificativa é precisamente a de a quantidade de droga apreendida ser (em contexto geral de liberdade) de considerar pouco expressiva. Mas esta não anula a primeira. O mesmo se diga quanto à circunstância de o limite da pena ter como medida superior o limite da culpa do agente. Não podendo justificar-se aqui uma culpa diminuída, pelo que fica exposto, pelo contrário. Assim, resumindo, procede em toda a linha a acusação.
V. ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA PENA A pena concreta, O critério de escolha da pena encontra-se previsto no artigo 70° do Código Penal. Ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Aequitas, p. 227) que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. O critério legitimador das normas penais assenta cada vez mais na ideia de prevenção racional e eficaz da violação dos bens jurídicos socialmente considerados. As penas são necessárias na medida em que protegem bens jurídicos - princípio de necessidade (cfr. artº 18°, n° 2 da CRP). Assim, para a determinação da medida da pena, deve encontrar-se, dentro do limite máximo da moldura abstracta da pena, uma moldura de prevenção geral de integração - sendo que o limite máximo desta moldura deve consistir na tutela óptima dos bens jurídicos protegidos pela norma e o limite inferior na tutela mínima dos bens jurídicos protegido pela norma, sem se colocar em causa o ordenamento jurídico e a confiança dos cidadãos na validade dela. Depois, dentro desta moldura de prevenção, deve calcular-se a medida concreta da pena – aqui, tendo-se em conta as exigências de prevenção especial, de reintegração, ou de socialização e de intimidação. Nos termos do artº 71º CP, deverá o Tribunal atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o arguido, valorando-as em função da culpa do agente e das exigências de ressocialização (prevenção especial), e de confiança da comunidade na vigência da ordem jurídica (prevenção geral). Deve atender-se, assim, em primeiro lugar e como limite máximo, à culpa do agente - que constitui, em atenção à dignidade do ser humano, o fundamento e limite máximo da própria pena. O limite mínimo é determinado em função da prevenção geral, uma vez que a pena visa a protecção de bens jurídicos (mas também a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da norma infringida). Apenas calculados estes parâmetros, e dentro deles, fixará o Tribunal a pena, de acordo com as exigências da prevenção especial de socialização. Em face da repetição da prática dos crimes em análise, demonstrada pelos elevados índices de criminalidade desta natureza no País, com particular acuidade na área desta comarca pela proximidade de portos importantes, de acessos facilitados, de movimentos migrantes constantes, dentro de um ambiente que tem forçosamente de ser controlado ao máximo, como um EP, revelando também aí que o comportamento é grave, tanto quanto a predisposição para alguém que está preso cometer este crime mesmo estando preso (!), o facto de arguido ter muitos antecedentes, todos estes factores importam em considerar muito elevadas as exigências de prevenção geral e especial. Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de lhe aplicar pena de prisão pelo crime, há que determinar o quantum da mesma. Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente. Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar factores: A ilicitude dos factos, que se revela especialmente acentuada, tendo em conta que os produtos estupefacientes envolvem sempre riscos para a saúde física e emocional dos consumidores, o facto de ser uma actividade que, ao invés de gerar riqueza social, contribui fortemente para a miséria social, o facto de revelar cobardia e baixeza de atitude e carácter a comercialização de produtos inequivocamente nocivos e que hoje em dia afectam, sobretudo, as camadas jovens das populações, ou seja, as sociedades de amanhã. As consequências do ilícito assumem especial e acentuada gravidade, na medida em que o arguido causa, ou contribui decisivamente para que se cause à sociedade a que se destina o estupefaciente, profundas e duradouras maleitas socioculturais e, como tal, um prejuízo humano elevadíssimo. O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra muito acentuado, tendo em conta que agiu ainda com dolo directo. As condições de vida do arguido. Ponderada é, também, a gravidade dos factos que é elevada, a natureza do crime que é contra as pessoas e a vida em sociedade, a personalidade do arguido que revela ainda algum arrependimento, embora com deficiente interiorização de proibições, e a sua disponibilidade desajustada para agir contra a lei e numas circunstâncias de tanta gravidade, sabendo de antemão ao que a norma proibitiva se dirige em termos de protecção. O facto de ter comparecido a Tribunal, admitindo parcialmente os factos. Para o crime de tráfico de produtos estupefacientes, punido nos termos do artº 24º do DL nº 15/93, deve ser fixada ao arguido a pena de 7 (sete) anos de prisão. (…) 2. Começando pela primeira questão, corresponde efetivamente à verdade que a circunstância de a infração ter sido cometida num estabelecimento prisional, como, aliás, acontece com as demais alíneas do art. 24.º do DL n.º 15/93, não é de aplicação automática, sendo necessário a análise do caso concreto, para se saber se há uma ilicitude acentuada dos factos na sua globalidade e, consequentemente, se se justifica a agravação dos tipos legais previstos nos arts. 21.º e 22.º, do mesmo diploma legal. Nesse sentido, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal[1] que na alínea h), do citado art. 24.º, tipificam-se situações de facto que, objetivamente, potenciam a perigosidade da ação desligada do resultado – como é próprio dos crimes de perigo abstrato –, acrescentando dimensão ao ilícito que justifica o agravamento da moldura penal aplicável ao crime base. Assim, o agravamento do tráfico cometido em meio prisional visa conferir uma proteção reforçada, protegendo a saúde (física e psíquica) e até a reinserção social da população prisional, particularmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes[2]. Ora, resulta dos factos dados como provados, no acórdão recorrido, que o arguido, recluso no Estabelecimento Prisional ..., tinha no interior da sua cela individual 79,430 gramas de haxixe (equivalendo a 135 doses individuais) e 7,717 gramas de cocaína, droga considerada “dura”, (correspondendo a 104 doses individuais), que se destinavam ao seu próprio consumo e também para cedência e venda a outros reclusos, a fim de obter proventos para integrar no seu património. Como bem observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu assertivo parecer, quer a qualidade quer a quantidade das substâncias estupefacientes que o arguido tinha em seu poder, que eram não só para consumo do próprio, mas também para consumo de outros reclusos a quem aquele cedia a troco de dinheiro, são suficientes para se conceber o crime como agravado, nos termos da alínea h) do referenciado art. 24.º. Nesta conformidade, bem andou, na verdade, o tribunal a quo em não ter tido dúvidas, perante o circunstancialismo descrito, que a conduta do arguido se subsumia no tipo legal agravado p. e p. pelos arts. 21.º n.º 1 e 24.º h), do DL n.º 15/93, consoante constava da acusação pública. Relativamente à segunda questão, que se prende com a medida concreta da pena, temos de dizer que o tribunal a quo foi, uma vez mais, ponderado e criterioso, tomando em consideração, nos termos do estatuído no art. 71.º n.º 1, do Cód. Penal, a culpa do agente e as exigências de prevenção[3]. Atendeu também a fatores relativos à personalidade do arguido, como as suas condições de vida, as condenações anteriores e o facto de ter revelado algum arrependimento, embora com deficiente interiorização de proibições. Saliente-se que as razões de prevenção geral são muito prementes, nestes casos, em que está em causa não só a saúde pública em geral, mas também a de um grupo determinado de pessoas com debilidades bem conhecidas, como frisou o tribunal recorrido, e, por outro lado, as razões de prevenção especial não são menores, atendendo, nomeadamente, aos antecedentes criminais do arguido, que foram dados como provados. Assim, numa moldura abstrata que vai dos 5 aos 15 anos de prisão, correspondente à situação concreta[4], há que convir que uma pena de 7 anos de prisão não pode, de forma alguma, ser considerada excessiva, nas circunstâncias, nem ultrapassa, de maneira nenhuma, a medida da culpa. Nesta conformidade, não se justifica qualquer intervenção corretiva por parte deste Supremo Tribunal[5], uma vez que a medida concreta da pena fixada é adequada, proporcional e justa. Com a confirmação da medida concreta da pena, prejudicada fica, obviamente, a possibilidade da sua suspensão, conforme desejo do recorrente, nos termos do disposto no art. 50.º n.º 1, do Cód. Penal. Em resumo, e para concluirmos, improcede, deste modo, totalmente o recurso interposto.
IV. Decisão Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso do arguido AA e, em consequência, manter-se, o acórdão recorrido. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. Lisboa, 21 de junho de 2023 (Processado e revisto pelo Relator) Pedro Branquinho Dias (Relator) José Luís Lopes da Mota (Adjunto) Ana Barata Brito (Adjunta) ____ [1] Entre outros, os acórdãos de 30/11/2022, relatora a Senhora Conselheira Conceição Gomes, Proc. n.º 272/21.7T9BJA.S1, 10/11/2022, relator o Senhor Conselheiro Cid Geraldo, Proc. n.º 5270/20.5JAPRT.P1.S1 e 19/5/2021, relator o Senhor Conselheiro Nuno Gonçalves, Proc. n.º 888/19.1 JAPDL.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. |