Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
988/22.0S6LSB.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
REGIME ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. A atenuação especial da pena a que alude o artº 4º do DL 401/82, de 23/9 só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados, relativos ao ilícito mas, também, às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social.

II. A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter – à data dos factos – idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade. Nem, tão pouco, na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado. Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação.

Decisão Texto Integral:

Acordam, neste Supremo Tribunal de Justiça:


I. 1. O arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, no Juízo central criminal de ..., J.., pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificada, previsto e punido pelos artigos 144.º, n.º 1, al. d) e 145.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 132.º n.º 2 al. e) e h), todos do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

2. Inconformado, recorreu o arguido directamente para este Supremo Tribunal, pugnando pela fixação de uma pena inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

“1 - Em concreto relativamente ao Arguido o que o Douto Acórdão invoca para a não aplicação do regime de Jovens é:

O arguido encontrava-se a dois dias de completar 21 anos, muito distante, pois, do limiar mínimo que convoca este regime e muito próximo do limiar máximo.

2 - Não tem antecedentes criminais, o que não apresenta um significado demasiado expressivo, tendo em conta a sua idade.

3 - De igual modo, se é certo que confessou integralmente os factos, não é menos certo que tais factos sempre resultariam apurados pela visualização do vídeo constante de fls. 18-A.

4 - Finalmente o enquadramento familiar e laboral de que beneficia, existiam à data da prática dos factos e não foram óbice à respectiva prática.

5 - O Arguido encontrava-se a dois dias de completar 21 anos, muito distante do limiar mínimo que convoca o regime e muito próximo do limiar máximo, ora com o devido respeito, é uma argumentação que não colhe, o Arguido está dentro do legalmente previsto e salvo o devido respeito a DL em causa e a Lei penal em geral não fala na aplicação de forma diferente em razão de estar perto do limite mínimo ou do limite máximo.

6 - É referido que o facto do arguido não ter antecedentes criminais não tem um significado expressivo tendo em conta a sua idade.

Mas o que estamos a equacionar é a aplicação do regime de jovens, se não tem significado em conta da sua idade então o que teria.

Poderia sim, ser usado para a não aplicação no caso de apesar da sua idade o Arguido já ter antecedentes criminais.

Agora a afirmação que não é relevante o facto de não ter antecedentes criminais parece a defesa sem qualquer sentido, com o devido respeito.

7 - O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.

8 - O Douto acórdão não dá relevância dizendo que os factos sempre se provariam pela visualização de imagens.

E o sentido critico e assunção da responsabilidade por parte do Arguido? E arrependimento? Terá relevância e muita, na opinião da defesa.

9 - Por fim dizer que o enquadramento familiar e laboral de que beneficia, existiam à data da prática dos factos e não foram óbice à respectiva prática, não parece fazer qualquer sentido, o importante é que existem e são um forte apoio para o arguido.

10 - O regime pressuposto no art. 9.º do CP consta (ainda hoje) do DL 401/82, de 22-09, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (art. 4.º), e, por outro, estabelecer um quadro específico de medidas ditas de correção (arts. 5.º e 6.º).

11 - O regime penal especial aplicável aos jovens entre os 16 e os 21 anos constitui, pois, uma imediata injunção de política criminal que se impõe, por si e nos respetivos fundamentos, à modelação interpretativa dos casos concretos objeto de apreciação e julgamento. Injunção que se mantém atual (e porventura mesmo atualizada), como se pode ver na mais recente manifestação externa de uma intenção legislativa de recomposição do regime vigente (a Proposta de Lei 45/VIII,no Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 21-09-2000).

12 - A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa.

13 - A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o indivíduo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei (cf.,v.g., os Acs. do STJ,in CJSTJ, ano V, tomo 3, pág. 192 e ano VII, tomo 3,pág. 234, referindo vária jurisprudência).

14 - Para decidir sobre a aplicação de regime relativo a jovens, o tribunal tem de dispor da base factual necessária, e por isso, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objetiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respetivos pressupostos – determinar se pode ser formulado um juízo de prognose benigno quanto às expectativas de reinserção de um jovem –,perspetiva em que o relatório social deve ser considerado um elemento da maior relevância.

15 - O regime penal de jovens, com o “nomem” de regime especial, não pode ser conceptualmente considerado como lei especial, mas, antes, materialmente, constitui o regime regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos nas categorias etárias que prevê, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação; constitui no rigor um regime específico e não um regime especial. É o que resulta do art. 2.º do referido DL 401/82.

16 - O regime penal aplicável a jovens entre 16 e 21 anos de idade prevê várias medidas e modalidades de determinação e fixação da pena de prisão quando deva ser aplicada, sendo que, no caso de ser aplicável pena de prisão, o art. 4.º do aludido diploma determina que a pena deve ser especialmente atenuada sempre que o juiz tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

17 - A aplicação do regime, que consiste na atenuação especial da pena quando seja aplicável pena de prisão (superior a 2 anos – art. 5.º do DL 401/82), depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e que deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação pessoal, traços essenciais de personalidade em formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade, mesmo, ou sobretudo, com o acompanhamento das instituições de reinserção.

18 - As reações penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade.

19 - Tendo em consideração que:

A «gravidade do ilícito» não pode constituir, por si, fundamento para um juízo negativo, pois o que releva para este efeito será um juízo de prognose sobre a personalidade e o desempenho futuro da personalidade do jovem, sem qualquer consideração autónoma dos factos, que apenas deverão contribuir para aquele juízo no ponto em que revelam ou neles se manifeste uma projeção de personalidade especialmente desvaliosa.

20 - Numa situação de paradigma como a que vem descrita, o fundamento da prognose deve ser enquadrado pelo lado da ponderação negativa: o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção, sendo que o relatório social contém indicações que permitem contribuir para uma prognose positiva, desde que o recorrente seja devidamente acompanhado pelas instituições competentes;

21 - Na leitura integrada do complexo das condições pessoais do recorrente, que aconselham uma interpretação mais plástica dos respetivos pressupostos, deve ser aplicado o regime penal de jovens previsto no DL 401/82, de 23-09, com a atenuação prevista no art. 4.º, porquanto as condições e a idade do recorrente fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.

22 - Dentro da moldura penal abstrata aplicável, ou seja, de 3 anos a 12 anos de prisão (encontrada na moldura da atenuação especial – art. 73.º, n.º 1, als. a) e b), do CP), e tendo em conta todos os demais elementos e, em particular, o nível de ilicitude nas circunstâncias ambientais em que ocorreram os factos e as condições pessoais e sociais do recorrente, considera-se adequada pela prática de ofensa a integridade física qualificada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

23 - A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (art.50.º, n.º 1, do CP, na redação da Lei 59/2007, de 04-09) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

24 - Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza avida de acordo com os valores inscritos nas normas.

25 - A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão.

26 - Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.

27 - Por fim, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.

28 - A medida de substituição realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.

29 - E, deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresentar claramente desfavorável, e a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.

30 - A natureza do instituto e as finalidades de política criminal que prossegue e as condições e pressupostos de aplicação, permitem concluir que a suspensão da pena é adequada à situação do recorrente.

31 - Na verdade, pela medida da pena aplicada, a injunção da lei vai no sentido da suspensão da execução, o prognóstico sobre o desempenho futuro não é desfavorável, e, nas condições que vêm provadas, a simples censura do facto e a ameaça da execução prefiguram-se suficientes para prevenir a prática de futuros crimes, pelo que se verificam os pressupostos do art. 50.° do CP.

32 - O recorrente, ao tempo dos factos, tinha 20 anos, sendo assim necessário, como é opção do legislador (art. 53.º, n.º 3 do CP), e vem aconselhado no relatório social para melhor promover a inserção, que a suspensão da execução da pena [por 3 anos e 8 meses] seja acompanhada do regime de prova”.

3. Respondeu o Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, sustentando que o recurso não merece provimento e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (também transcritas):

“1. A idade do Arguido, à data da prática dos factos, é um mero pressuposto formal para a aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, sendo que a situação tem que ser analisada caso a caso, não se aplicando automaticamente o citado Regime.

2. A base do Regime referido assenta, pois, em razões de prevenção especial de ressocialização, admitindo-se embora que a prevenção geral de reintegração deve funcionar como limite à aplicação deste regime.

3. O Arguido encontrava-se a dois dias de completar 21 anos, muito distante, pois, do limiar mínimo que convoca este regime e muito próximo do limiar máximo.

4. O Arguido não tem antecedentes criminais, o que não apresenta um significado demasiado expressivo, tendo em conta a sua idade.

5. De igual modo, se é certo que confessou integralmente os factos, não é menos certo que tais factos sempre resultariam apurados pela visualização do vídeo constante de fls. 18-A.

6. Estamos perante criminalidade grave, reveladora de culpa elevada e que convoca expressivas exigências do ponto de vista da reinserção pessoal e também de prevenção geral, que impõem o afastamento daquele Regime.

7. O Arguido, devido a um mero encontrão que terá recebido do ofendido (motivo fútil), partiu para um comportamento extremamente reprovável e completamente desproporcional, que veio a culminar no facto de ter espetado um canivete no abdómen da vítima, tendo consequências bem graves para esta e originando largo período de doença.

8. É evidente que são muito fortes as exigências de prevenção geral, que só podem ser fortemente comprimidas se para tanto existirem elementos relevantes em sede de prevenção especial que nos permitam concluir existem sérias razões para crer que da atenuação resultem, em concreto, vantagens para a reinserção, o que não existe, na presente situação.

9. Tendo em conta todos estes elementos, consideramos que não se vislumbram vantagens para a reinserção social do delinquente na aplicação do regime especial, previsto no decreto-lei n.º 401/82, de 23.09, pelo que andou bem o Tribunal ao recusar a sua aplicação.

10. O Acórdão recorrido atendeu às finalidades da punição, ínsitas no Código Penal, mais concretamente, nos arts. 40º, 70º e 71, uma vez que aplicou uma medida da pena totalmente compatível com a consideração dessas realidades.

11. Ao fixar a pena do Arguido como o fez, a dignidade da pessoa humana, princípio consagrado constitucionalmente, corporizada, neste caso, pelo Arguido, de que o princípio da culpa é decorrência directa, não foi, de modo algum, ignorada.

12. A pena fixada foi claramente respeitadora do princípio da culpa, que refere que não há pena sem culpa, que esta determina a medida da pena e constitui limite inultrapassável da pena, o que o Tribunal observou sem reservas.

13. As necessidades de prevenção geral e especial foram atendidas de forma clara.

14. Atendendo às realidades que devem presidir à aplicação das penas, entende-se que a sanção encontrada pelo Tribunal é a adequada, consentânea com o nosso sistema penal, com a Jurisprudência e salvaguarda as finalidades da punição.

15. O Tribunal teve em linha de conta os factores a considerar para a determinação da medida concreta das penas, que decorrem dos arts. 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.

16. Quanto à possibilidade de suspensão da pena, caso se entenda que a mesma deverá ser igual ou inferior a 5 Anos, o que não se concede, tal não deverá ocorrer, atenta gravidade do crime, forma como foi perpetrado (motivo fútil e utilização de canivete) e personalidade revelada pelo Arguido, o que permite concluir, sem hesitação, que a mera ameaça de prisão não satisfaria as finalidades da punição.

17. Atendendo às realidades que devem presidir à aplicação das penas, entende-se que a sanção encontrada pelo Tribunal é adequada, consentânea com o nosso sistema penal, com a Jurisprudência e salvaguarda as finalidades da punição.

18. Nesta conformidade, deverá ser mantido, em toda a sua plenitude, o Douto Acórdão recorrido, considerando-se o Recurso interposto pelo Arguido improcedente”.

II. Neste Supremo tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso:

“(…)

1. Não foi aplicado ao arguido a atenuação especial da pena prevista na norma do art. 4º do DL-401/82, de 23/09.

2. Não concorda o recorrente com o sentido da decisão, que considera injustificada, em virtude, especialmente, de:

(…)

3. Não o cremos, com todo o respeito por opinião contrária.

São pressupostos ético-jurídicos (verdadeiramente ontológicos) da aplicação da referida medida:

Que o crime cometido por jovem menor de 21 anos de idade, que deva ser punido com pena de prisão, seja segura expressão de uma atitude de imaturidade, precipitado episódico de uma certa irracionalidade e turbulência imanentes ao processo de formação da personalidade, ainda em curso;

Que a reacção contra o concreto facto-crime, apreendido na sua intrínseca significação ético-social, justifique o funcionamento de tal instituto, em vista da eficácia da reinserção do seu agente – prevenção especial –, mas sem fazer perigar na comunidade o sentimento de valência efectiva das normas penais, que, pelo seu escopo de protecção de bens-jurídicos essenciais, se pretendem, na sua génese, preservadas – prevenção geral (cfr, o art. 4º e do Preâmbulo do DL-401/82, de 23/09).

4. Ora, nem o enquadramento familiar e laboral de que beneficia, nem e a ausência de antecedentes criminais do arguido, ora recorrente, revelam, só por si, tais pressupostos.

5. Sem dúvida que a denegação da aplicação do regime em análise (poder-dever) não poderá assentar, sem mais, na circunstância de tal opção ser em concreto desaconselhada em virtude de o agente do crime estar, à data da prática do crime, a dois dias apenas de completar 21 anos de idade:

Tal decisão seria manifestamente ilegal, pois que se constituiria em pura derrogação do regime especial instituído pelo Legislador-Penal – autêntica usurpação de poderes.

6. Mas, visto o Acórdão sub judice, resulta à evidência que não foi isso que o Colectivo decidiu.

7. Bem diversamente.

O Tribunal “a quo” acolheu a idade do arguido como um dos diversos factores de decisão sobre a questão, atribuindo a todos eles a relevância normativa devida.

8. E, no essencial, foi tido em conta, além da idade do arguido, que: … …

O arguido encontrava-se a dois dias de completar 21 anos, muito distante, pois, do limiar mínimo que convoca este regime e muito próximo do limiar máximo.

Não tem antecedentes criminais, o que não apresenta um significado demasiado expressivo, tendo em conta a sua idade.

De igual modo, se é certo que confessou integralmente os factos, não é menos certo que tais factos sempre resultariam apurados pela visualização do vídeo constante de fls.18-A.

Finalmente, o enquadramento familiar e laboral de que beneficia, existiam à data da prática dos factos e não foram óbice à respectiva prática.

Está-se perante criminalidade grave, reveladora de culpa elevada e que convoca expressivas exigências do ponto de vista da reinserção pessoal e também de prevenção geral, que impõem o afastamento daquele regime (parágrafos nossos):

… …

9. Ou seja:

Conquanto não se repita a douta motivação do Tribunal “a quo” – que as circunstâncias invocadas, normativamente sopesadas, à luz do pensamento legislativo imanente ao regime do DL-401/82, de 23/11 (“jovens delinquentes”), desaconselham, pois, com todo o respeito, que o arguido beneficie da prevista atenuação especial da pena.

10. Concretizando:

- A natureza, as circunstâncias e o modo de actuação na prática do crime denotam, com bastante expressividade, que não foram mera expressão de acto irreflectido e fortuito, excessos de uma juventude imatura;

- Não se evidencia que tal delito seja o precipitado episódico de personalidade ainda frágil e influenciável, pois que é inegável que foi decidido e executado de uma forma contundente, consequente, eficaz, madura e “profissional”, pese juventude do arguido, além de puramente gratuita;

- O crime em causa produz forte alarme social – cometido às claras, sem qualquer inibição ou hesitação, na área de um centro comercial densamente frequentado, de forma ruidosa e anunciada, com a evidente convicção da imposição da sua vontade e forte agressividade perante o ofendido, mas, também perante os invitáveis transeuntes, que, qual “plateia” de cinéfilos, irremediavelmente, assistem, como meros espectadores, impotentes, a um acto de descarado menosprezo pela integridade física alheia (e a vida, ao nível do risco);

- Não se revela que o arguido, ora recorrente, tenha praticado actos de sincero arrependimento, ou, até, tenha pedido desculpa do ofendido.

São, pois, intensas a ilicitude e a culpa, assim como as exigências de prevenção geral e especial.

11. Em face das acentuadas circunstâncias do caso, atenuar especialmente a pena ao arguido seria, acima de tudo – para além de gravosa ofensa ao sentimento comunitário de efectiva valência das normas jurídico-penais –, enviar àquele um erróneo sinal de desresponsabilização ético-pessoal, com o significante de esbatimento da gravidade objectiva e subjectiva dos seus actos, que em nada contribuiria para a sua reinserção social – antes pelo contrário.

12. Há, efectivamente, em vista das finalidades de prevenção, limites mínimos da punição que não devem ser ultrapassados, mesmo perante os ditames da ressocialização (ou da sua desnecessidade), sob pena de intolerável e perniciosa inversão de toda a lógica do sistema jurídico-penal.

13. Vejam-se, nesta matéria, para além dos citados no Acórdão recorrido e no recurso:

-O Ac. do IDF. A FLS. de 06.05.2021, P- 793/19.1S7LSB.S1:

I – O regime de atenuação especial da pena para jovens delinquentes não constitui um “efeito automático” resultante da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor.

II – Atendendo ao comportamento anterior e posterior à prática dos crimes, não se apresentam evidências seguras que permitam que o julgador possa fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe for aplicado o regime especial referido.

- O Ac. STJ de 18.04.2007, Processo n.º 07P1136:

A finalidade da pena é a protecção dos bens jurídicos e, se possível (sublinhado nosso), a ressocialização do agente do crime; a sua medida concreta um puro derivado de um critério de necessidade, ditado por uma dimensão subordinada ao princípio da proporcionalidade e, consequentemente, da proibição de excesso, fundado no art. 18.º n.º 2, da CRP.

...Tudo, porém, balizado pela culpa, que fornece a moldura de topo, dentro dela actuando as sub-molduras de prevenção geral e especial...

- O Ac. STJ de 14.11.2007, Processo n.º 07P3165:

A juventude e o bem comportamento são insuficientes para que se caracterize um intenso esbatimento das necessidades da prevenção, consequência de uma quebra da intensidade da culpa ou da ilicitude.

Não violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 4º do DL-401/82, de 23/09.

B) - Medida da pena.

C) - Suspensão da execução da pena de prisão.

Perante o exposto e estrutura do recurso, resulta logico-juridicamente prejudicada a discussão sobre a pugnada consequente alteração da medida da pena e suspensão da execução da pena de prisão.

III

Em síntese:

Em face das circunstâncias do caso, atenuar especialmente a pena ao arguido seria, acima de tudo – para além de gravosa ofensa ao sentimento comunitário de efectiva valência das normas jurídico-penais –, enviar àquele um erróneo sinal de desresponsabilização ético-pessoal, com o significante de esbatimento da gravidade objectiva e subjectiva dos seus actos, que em nada contribuiria para a sua reinserção social – antes pelo contrário;

Resulta logico-juridicamente prejudicada a discussão sobre a pugnada consequente alteração da medida da pena e suspensão da execução da pena de prisão.

IV Em conclusão.

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:

O presente recurso não merece provimento, sendo de manter os termos da decisão recorrida”.

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não houve respostas.

III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.

E em face de tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:

A) Justificava-se, no caso, a atenuação especial da pena, por força do artº 4º do DL 401/82, de 23/9?

B) A pena aplicada deve ser reduzida e fixada em medida não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução?

IV. O tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto:

1. No dia 07.07.2022, AA e BB [BB] encontravam-se na zona da restauração do Centro Comercial V.... .. ..... sito na Av...., ..., concretamente no restaurante ...........

2. Ao passar por AA, BB embateu naquele.

3. De imediato, ambos deram início a uma discussão a propósito do referido embate.

4. Durante a discussão, AA dirigindo-se a BB, disse: “Eu vou-te furar.”

5. Nesse momento, BB e AA foram encaminhados e acompanhados pelos seguranças/vigilantes de serviço para o exterior do centro comercial.

6. Durante o trajecto, AA e BB continuaram a discutir e a desferir empurrões mútuos.

7. A dada altura, AA dirigindo-se a BB, aos gritos, disse: “Aqui é PCC (querendo referir-se ao grupo P....... ....... .. .......), aqui é C...... ........, aqui é o crime, eu vim do ... para fugir de uma vida de crime, português é veado.”

8. Pelas 23h20m AA e BB já se encontravam no exterior do centro comercial, continuando a discussão.

9. Nesse momento, BB caminhou na direcção de AA.

10. AA ao ver que BB se lhe dirigia, caminhou também na direcção daquele.

11. Quando ambos já se encontravam muito próximos um do outro, AA, munido de um canivete suíço que momentos antes havia retirado de uma mochila que transportava, desferiu uma pancada no abdómen de BB, espetando-lhe a lâmina do canivete.

12. Em consequência da conduta de AA, BB sofreu ferida abdominal perfurante e fractura do 11º arco intercostal, com laceração dos músculos e vasos intercostais.

13. BB apresenta as seguintes lesões:

- No abdómen:

- cicatriz de ferida de características operatórias desde a região epigástrica circundando à esquerda a cicatriz umbilical terminando na região hipogástrica, medindo 13,4 cm de comprimento;

- cicatriz de ferida de características cortantes a nível do hipocôndrio esquerdo, linear oblíqua infero-medialmente com 1,8 cm de comprimento;

- cicatriz de ferida de características cortantes a nível do hipocôndrio esquerdo, linear oblíqua infero-medialmente com 1,72 cm de comprimento.

14. BB esteve internado durante 6 dias.

15. AA agiu com o propósito de molestar BB na sua saúde e integridade física, sabendo que o canivete que utilizou era um objecto corto-perfurante, apto a rasgar o corpo daquele e a atingir órgãos vitais que o arguido sabia estarem alojados na zona abdominal que quis atingir.

16. Mais sabia AA que atingir o corpo de BB com o aludido canivete lhe causava lesões físicas, dor e colocava em perigo a vida do mesmo.

17. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Mais se apurou:

18. Em consequência da actuação do arguido e das lesões que lhe foram causadas pelo mesmo, BB:

- sofreu 279 dias de doença, sendo 163 com incapacidade para o trabalho em geral.

- durante 2 meses, ficou dependente de acompanhamento diário por parte de um familiar;

-teve perda de rendimento por se encontrar de baixa médica [recebia pelo menos € 1300 por mês e passou a receber, € 400 no 1.º mês, cerca de € 500 no 2.º mês, € 800 no 3.º mês e daí em diante, € 1017];

- receou morrer e não recuperar plenamente as suas capacidades;

- sentiu dores;

- sente incómodo pela aparência da cicatriz.

19. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.

Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido AA

20. AA nasceu no ... e é o mais novo de uma fratria de três irmãos.

21. No ... vivia com a progenitora e os irmãos, em ambiente familiar harmonioso e afectuoso, não tendo conhecido o pai.

22. Veio sozinho para Portugal com 17 anos de idade, para estudar, tendo a mãe vindo posteriormente, permanecendo os irmãos no ....

23. O arguido onde completou o 11º ano de escolaridade no ..., mas quando teve de repetir a partir do 10º ano, quando chegou a Portugal.

24. À data da reclusão, estava a tirar um curso de restauração e bar no ..., que lhe daria equivalência à escolaridade obrigatória.

25. A nível profissional, trabalhava há cerca de 6 meses em regime “part time”, no restaurante H. ... ......., onde auferia € 450 mensais e já estava efectivo.

26. Não lhe são conhecidos problemas de saúde ou de natureza aditiva.

27. No período que antecedeu à sua prisão preventiva, AA, vivia com a progenitora e o padrasto, em casa arrendada de tipologia T2.

28. A mãe é empregada de limpezas e o padrasto trabalha no … de ....

29. No Estabelecimento Prisional de ... beneficia regularmente da visita da mãe, do padrasto e da namorada.

30. Em meio prisional o seu percurso mostra-se regular, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada ao meio institucional, encontrando-se inactivo laboralmente.

31. O arguido não tem antecedentes criminais registados.

Desta forma fundamentou o tribunal a quo a sua convicção (e disso se dá nota, atenta a relevância que apresenta para a decisão das questões em debate):

«(…)

Todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos e exames periciais de que o Tribunal se serviu para fundar a sua convicção.

Concretizando:

Os factos dados como provados de 1. A 17. E 19. assentaram, desde logo, nas declarações do arguido, que admitiu tais factos, nos exactos termos que lhe vinham imputados.

Estas declarações conjugaram-se com o auto de apreensão de fls. 13, imagens de fls. 18, vídeo de fls. 18-A, documentação clínica de fls. 24 a 27 v.º, 64 a 66, 205 a 206, 331, 347, auto de visionamento de fls. 121 a 131, relatórios periciais de fls. 170 a 175, 252 a 256 e 389 a 396, mostrando-se consonantes com tais elementos, pelo que se acolheram.

No que tange, concretamente, às consequências das lesões sofridas por BB, em consequência da actuação do arguido [factos provados em18.], considerou-se o depoimento do próprio, em que se confiou, quer pela forma segura e coerente [interna e externamente] como foi prestado, quer pelos termos do mesmo, visivelmente sentido e marcado pelos factos relatados, que directamente vivenciou.

Por outro lado, atendeu-se à documentação clínica e pericial supra referida, que se conjugou com os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela Perita Médica, Professora Doutora CC, no sentido de clarificar que a conduta do arguido provocara um perigo concreto para a vida de BB [revendo as conclusões preliminares do relatório de fls. 170 e ss.], bem como uma desfiguração do abdómen do mesmo. Mais foi possível apurar, pela conjugação destes esclarecimentos, com o depoimento de BB [que comparecera na consulta de acompanhamento médico e que tivera alta da mesma, no dia 09.05.2023], quais os concretos dias de doença sofridos por aquele e, de entre estes, quais os que implicaram uma incapacidade para o trabalho em geral.

As condições pessoais do arguido apuraram-se com base no relatório social junto a fls. 376 e ss., em que se confiou pela metodologia evidenciada e fontes consultadas.

A ausência de antecedentes criminais do arguido, resultou do certificado de registo criminal junto a fls. 368”.

V. Decidindo:

A) Justificava-se, no caso, a atenuação especial da pena, por força do artº 4º do DL 401/82, de 23/9?

O tribunal a quo entendeu que não.

E desta forma justificou o seu entendimento:

“O arguido ainda não havia completado 21 anos, à data da prática dos factos [fá-lo-ia 2 dias depois].

Entendendo-se, como se entende, que a apreciação da aplicação do regime especial para jovens não é uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado, que deve ser sempre apreciado, oficiosamente, mas que tal poder-dever de apreciação não corresponde à obrigatoriedade de aplicação desse mesmo regime, passa a apreciar-se se, no caso concreto, deverá o mesmo ser aplicado ao arguido.

A idade do arguido (compreendida entre os 16 e os 21 anos) funciona como o pressuposto legal necessário para a obrigatoriedade de apreciação.

Mas já não vincula na sua aplicação efectiva.

Esta dependerá, como estipula o artigo 4º do DL nº 401/82, de 23 de Setembro, de existirem «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado»”.

Na síntese do acórdão do STJ de 31.3.2011, disponível para consulta em www.dgsi.pt, a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos não é de aplicação necessária e obrigatória, não opera de forma automática, é de conhecimento oficioso, a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz mas um poder-dever vinculado, de concessão vinculada, de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação, devendo ser fundamentada a não aplicação.

E na ponderação sobre a aplicação do art. 4.º relevam razões de prevenção especial positiva ou de reintegração social do arguido jovem, as quais, no entanto, não podem deixar de estar igualmente subordinadas às exigências de prevenção geral. Ou seja, tem de haver razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, e sempre sem prejuízo das necessidades de prevenção geral. Pois refere-se no preâmbulo do D.L. n.º 401/82 que “As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos”.

A base do regime assenta, pois, em razões de prevenção especial de ressocialização, admitindo-se embora que a prevenção geral de reintegração deve funcionar como limite à aplicação deste regime.

O arguido encontrava-se a dois dias de completar 21 anos, muito distante, pois, do limiar mínimo que convoca este regime e muito próximo do limiar máximo. Não tem antecedentes criminais, o que não apresenta um significado demasiado expressivo, tendo em conta a sua idade.

De igual modo, se é certo que confessou integralmente os factos, não é menos certo que tais factos sempre resultariam apurados pela visualização do vídeo constante de fls. 18-A. Finalmente, o enquadramento familiar e laboral de que beneficia, existiam à data da prática dos factos e não foram óbice à respectiva prática.

Está-se perante criminalidade grave, reveladora de culpa elevada e que convoca expressivas exigências do ponto de vista da reinserção pessoal e também de prevenção geral, que impõem o afastamento daquele regime.

Considera-se, assim, não ser de fazer operar o mecanismo de atenuação da pena relativamente ao arguido”.

Vejamos:

No acórdão recorrido considerou-se que a factualidade apurada nos autos integra a prática pelo arguido e ora recorrente, de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificada, previsto e punido pelos artigos 144.º, n.º 1, al. d) e 145.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 132.º n.º 2 al. e) e h), todos do Código Penal.

Tal factualidade e respectiva qualificação jurídica não foram questionadas pelo recorrente.

Este tinha, à data dos factos, 20 anos de idade (perfazendo 21, dois dias depois).

O DL 401/82, de 23/9 estabelece um regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade, assim se estatuindo no seu artº 4º:

“Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Da simples leitura do preceito resulta claro que a atenuação especial da pena não é efeito automático do simples facto de agente ser menor de 21 anos de idade.

A lei é clara: a atenuação deve ser aplicada quando o tribunal tiver “sérias razões” para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

“Sérias razões”, impõe a lei. A atenuação especial da pena só é de aplicar quando o conjunto dos factos apurados, relativos ao ilícito mas, também, às características da personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua inserção social e familiar, revelar de forma clara que a atenuação especial da pena se traduzirá em efectivo contributo para a sua reinserção social.

A atenuação especial da pena não pode, assim, assentar no simples facto de o agente ter – à data dos factos – idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade. Nem, tão pouco, na circunstância de não se terem demonstrado factos que obstem à aplicação de tal medida. Como, aliás, não pode ser aplicada como voto de confiança ou manifestação de fé na reinserção social do jovem condenado. Tem, isso sim, que assentar em factos positivos, isto é, na demonstração de circunstâncias que, globalmente consideradas, inculquem no julgador esse juízo seguro de que o arguido beneficiará, na sua reinserção social, dessa atenuação.

Tem sido este, cremos, o entendimento maioritário da jurisprudência deste Supremo Tribunal.

No Ac. STJ de 2/8/2013, Proc. 69/12.5TAPCV.C1-A.S1, rel. Souto Moura 1, assim se decidiu: “I - Se a equacionação da aplicação do regime penal especial para jovens é obrigatória sempre que o arguido seja um jovem com idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos, a sua efectiva aplicação não é automática, como decorre do articulado do DL 401/82, de 23-09, e, com especial incidência, do seu art. 4.º, onde se dispõe que o juiz só deve atenuar especialmente a pena “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. II - Sendo de exigir ao juiz que pondere a aplicação da atenuação especial da pena, esta não deve ser aplicada quando não se encontrem as tais sérias razões que inculquem vantagens para o menor, isto é, para a sua ressocialização”.

E no Ac. STJ de 23/3/2017, Proc. 267/15.0PAPTS.L1.S1, rel. Isabel Pais Martins, desta forma se entendeu: “É líquido que não é obrigatória a aplicação do regime instituído no DL 401/82. A atenuação especial da pena prevista no art. 4.º também não opera automaticamente; é necessário que se estabeleça positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado2.

Do mesmo modo, no Ac. STJ de 13/1/2021, Proc. 733/17.2JAPRT.G2.S1, rel. Manuel Augusto de Matos: ”I - A aplicação do regime penal especial para jovens não é obrigatória nem automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, de protecção dos bens jurídicos e da validade das normas. II -O juízo a formular sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social tem de assentar em condicionalismo que, não se reduzindo à idade do agente, atenda a todo o condicionalismo do cometimento do crime”.

Ou, por fim, no Ac. STJ de 22/9/2022, Proc. 178/20.7PALGS.S1, rel. Orlando Gonçalves: “(…) entendemos que a atenuação especial da pena nos termos dos arts. 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de setembro e 72.º e 73.º do CP apenas terá lugar quando o tribunal, em decisão fundamentada, tiver sérias razões para crer que dela resultam vantagens para a reinserção social do jovem, em face das concretas circunstâncias dadas como provadas. Aceitando-se que a gravidade do ilícito não pode constituir, por si só, fundamento para afastar o regime penal especial para jovens consagrado pelo DL n.º 401/82, de 23 de setembro, não pode essa gravidade deixar de ser ponderada”.

Ora, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, na medida em que da sua conduta resultou perigo para a vida do ofendido, qualificada porquanto produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade.

Na verdade, por um motivo absolutamente fútil, despropositado, irrelevante (um encontrão num Centro Comercial, seguido de uma discussão), o recorrente retirou um canivete suíço que transportava numa mochila e espetou a lâmina no abdómen do ofendido. A violência da actuação determinou no ofendido uma ferida abdominal perfurante e fractura do 11º arco intercostal, com laceração dos músculos e vasos intercostais. E este viria a sofrer, consequentemente, mais de 9 meses de doença, dos quais mais de 5 meses com incapacidade para o trabalho em geral sendo que, durante 2 meses, ficou dependente de acompanhamento diário por parte de um familiar.

É evidente a violência utilizada (até pela gravidade e extensão das respectivas consequências), sendo certo que nem sequer estamos perante um acto imediato, súbito, irreflectido: o encontrão teve lugar no interior do Centro Comercial V.... .. ...., a discussão aí teve início (tendo logo o arguido anunciado “vou-te furar”) e os seguranças conduziram arguido e ofendido para o exterior, onde aquele viria a espetar o canivete no ofendido.

Tudo isto num espaço público, «perante os inevitáveis transeuntes, que, qual “plateia” de cinéfilos, irremediavelmente, assistem, como meros espectadores, impotentes, a um acto de descarado menosprezo pela integridade física alheia (e a vida, ao nível do risco)», como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer.

O arguido confessou os factos apurados, é certo. Porém, todos havemos que reconhecer que tal confissão, face ao local onde os factos ocorreram, também porque captados em vídeo junto aos autos, não assume relevo especial nem constitui contributo forte para o apuramento da verdade material.

Sendo primário, tal facto é naturalmente de algum relevo (embora não extraordinário, porquanto a inexistência de antecedentes criminais é algo que se espera do comum dos cidadãos, particularmente quando têm apenas 20 anos de idade).

E a verdade é que dos autos não resulta qualquer sinal – objectivo, que não se reduza à sua verbalização - de arrependimento sincero, por banda do arguido. Não resulta, por exemplo, qualquer tentativa de contacto com o ofendido ou a sua família, para apresentação de um pedido de desculpas e disponibilização para minorar os efeitos da sua conduta.

Em suma: não existem razões sérias, ostensivas, para acreditar que, in casu, da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do recorrente.

Ao invés, como salienta o Exmº PGA neste STJ, “atenuar especialmente a pena ao arguido seria, acima de tudo – para além de gravosa ofensa ao sentimento comunitário de efectiva valência das normas jurídico-penais –, enviar àquele um erróneo sinal de desresponsabilização ético-pessoal, com o significante de esbatimento da gravidade objectiva e subjectiva dos seus actos, que em nada contribuiria para a sua reinserção social – antes pelo contrário”.

Nenhuma censura nos merece, pois, a não aplicação, no caso, da atenuação especial da pena a que alude o artº 4º do DL 401/82, de 23/9.

B) A pena aplicada deve ser reduzida e fixada em medida não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução?

A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido:

«A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do arguido enquanto limite máximo da punição, e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor dos arguidos (artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal):

a) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente:

- releva o local público onde os factos ocorrem, com intervenção de seguranças, a revelar uma atitude afoita e confrontativa por parte do arguido; releva, igualmente, a utilização de um objecto cortante como meio de agressão, bem como a dimensão da cicatriz que BB ostenta na região epigástrica, que o desfigura de forma grave e o que isso representa em termos de auto-imagem; a gravidade muito relevante das consequências da actuação do arguido, para BB, quer físicas, quer anímicas. O grau de violação de deveres impostos foi frontal.

b) a intensidade do dolo ou negligência:

- o dolo foi directo e intenso.

c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram:

- os factos ocorreram na sequência de um desentendimento entre o arguido e BB.

d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica:

- o arguido apresenta uma situação pessoal regular e normalizada.

Beneficia de apoio familiar.

e) a conduta anterior ao facto e posterior a este:

– o arguido não tem antecedentes criminais registados; admitiu integralmente os factos imputados.

f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena:

- nada de relevante se apurou nesta sede.

Neste quadro, é sensível a culpa do arguido e prementes as exigências de prevenção especial e geral (dados os reflexos comunitários do crime perpetrado).

Assim, tem-se por adequada a fixação da pena em cinco anos e seis meses de prisão”.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artº 40º, nºs 1 e 2 do Cod. Penal.

No que concerne à determinação da medida da pena, estatui-se no artº 71º do Cod. Penal que a mesma é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente (nº 2) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais do arguido (al. d)), a sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando a mesma deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f)).

Como refere Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 130, “a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento, aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena. (…) Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção de bens jurídicos – e de reintegração do agente na sociedade”.

Presentes os critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no artº 71º do Cod. Penal, todos haveremos de concordar que o arguido agiu com dolo directo, daí que intenso. É intenso o grau de ilicitude dos factos, traduzido desde logo no seu modo de execução. As consequências da conduta do arguido são, naturalmente, de uma expressiva gravidade, como se assinala na decisão recorrida.

De outro lado,

O crime de ofensa à integridade física, quando agravado pelo facto de ter sido criado perigo para a vida, constitui objecto de manifesta reprovação geral e gera um compreensível sentimento de insegurança, sendo certo que a frequência com que vem ocorrendo eleva as necessidades de prevenção geral.

Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 169, escrevem:

“(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.

No ensinamento de Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87 - na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”.

O arguido/recorrente estava social e familiarmente inserido.

Não tem antecedentes criminais.

Confessou os factos apurados.

Posto isto:

O crime de ofensa à integridade física, qualificada, previsto nos artºs 144º, al. d) e 145º, nºs 1, al. c) e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, als. e) e h), é punível com prisão de 3 a 12 anos.

Ponderado todo o circunstancialismo supra enunciado, uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão, situada ainda no primeiro terço da pena abstractamente aplicável, não é seguramente excessiva, antes se mostra justa, equitativa e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, razão pela qual deve ser mantida.

Tal pena é, naturalmente, insusceptível de ser suspensa na sua execução, atento o estatuído no artº 50º, nº 1 do Cod. Penal.

Improcede, assim, esta segunda e última pretensão do recorrente.

VI. Por tudo quanto exposto fica e em conclusão, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando inteiramente o douto acórdão recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC´s – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 11 de Outubro de 2023 (processado e revisto pelo relator)

Sénio Alves (relator)

Lopes da Mota (1º adjunto)

Ernesto Vaz Pereira (2º adjunto)

____


1. Acessível, como os restantes, relativamente aos quais não for indicada fonte diversa, em www.dgsi.pt.

2. No mesmo sentido, cfr. Acs. STJ de 8/4/2021, Proc. 1/19.5PBPTM.S1, rel. Margarida Blasco, de 6/5/2021, Proc. 793/19.1S7LSB.S1, rel. Helena Moniz e de 11/11/2021, Proc. 147/18.7PALGS.S1, rel. M. Carmo Silva Dias.