Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
203/13.8TBTMC.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
RECURSO DA ARBITRAGEM
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO / EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA / TRAMITAÇÃO DO PROCESSO / RECURSO DA ARBITRAGEM / DECISÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO.
Doutrina:
- Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, p. 33.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (C. EXP.): - ARTIGO 66.º, N.º 5.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 629.º, N.º 2, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-02-2017, PROCESSO N.º 56/13.6TBTMC.G1.S1;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 2592/05.9TMSNT.L2.S1, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 15-12-2005, PROCESSO N.º 0536398, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Em processo de expropriação, se apenas os expropriados recorrerem da decisão arbitral, não pode o tribunal fixar montante indemnizatório inferior ao atribuído nessa decisão, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus.

II - Tendo sido aceites os elementos e os critérios constantes do relatório de avaliação para atribuição da indemnização pela expropriação, não é possível repristinar os valores mais favoráveis ao expropriado relativos a meros factos instrumentais da decisão arbitral, como o valor do Kg de azeitona ou o valor do sistema de rega, com fundamento na formação de caso julgado.
Decisão Texto Integral:

PROC. N.º 203/13.8TBTMC.G1.S1

            REL. 42[1]

                                                                       *

                      ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Estes autos de expropriação em que é expropriante “EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A.”, e expropriado AA, tiveram origem no despacho do Secretário de Estado do Ambiente e da Administração do Território de 3 de Outubro de 2011, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 205, de 25 de outubro de 2011, no qual foi declarada a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação das seguintes parcelas:

a) parcela nº TF0711.00, com a área total de 6.600 m2, correspondente ao prédio rústico sito no Lugar de ..., da freguesia de ..., concelho de ..., confrontando de Norte com caminho, de Sul com BB, de Nascente com CC e de Poente com BB, inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ...;

b) parcela n.º TF0403.00, com a área total de 43.890 m2, correspondente ao prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., confrontando de Norte com rio Sabor, de Sul com DD e outro, de Nascente com EE e de Poente com FF, inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ....

Foram realizadas vistorias ad perpetuam rei memoriam e procedeu-se a arbitragem, tendo a decisão arbitral fixado os montantes indemnizatórios de 17.047,67 € para a parcela n.º TF0711.00 e de 100.272,66 € para a parcela TF0403.00.

Da decisão arbitral recorreu o expropriado AA, pugnando para que se fixe o valor de 23.255,95 € para a parcela expropriada identificada como TF0711.00 e o valor de 156.470,50 € para a parcela expropriada identificada como TF0403.00, com as devidas actualizações.

A expropriante EDP – Gestão de Produção de Energia, S.A. apresentou resposta onde concluiu que deveriam ser mantidos os valores indemnizatórios fixados na decisão arbitral.

Procedeu-se à avaliação e foi apresentado o respetivo relatório que consta de fls. 363 a 390, onde se atribuíram os valores globais indemnizatórios de 90.691,94 € e de 24.111,07 €, para as parcelas TF0403.00 e TF0711.00, respectivamente.

Foi, por fim, proferida a sentença (fls. 493 e seguintes), onde se decidiu julgar o recurso da decisão arbitral parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a expropriante EDP – Gestão de Produção de Energia, SA, a pagar ao expropriado AA as seguintes indemnizações, atualizadas de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, desde a data da declaração da utilidade pública até à data do trânsito em julgado da presente sentença:

A) O montante indemnizatório de 24.111,07 € (vinte e quatro mil, cento e onze euros e sete cêntimos) pela expropriação da parcela n.º TF0711.00, com a área total de 6.600 m2, correspondente ao prédio rústico sito no Lugar de ..., da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ...;

B) O montante indemnizatório de 100.272,66 € (cem mil e duzentos e setenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos) pela expropriação da parcela n.º TF0403.00, com a área total de 43.890 m2, correspondente ao prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ....

Novamente inconformado com a decisão, veio o expropriado AA, interpor recurso para a Relação de Guimarães (fls. 503), recurso esse que foi julgado parcialmente procedente, atribuindo-se ao apelante, “como indemnização pela expropriação relativa à parcela TF0403.00, a indemnização de € 101.198,55, calculada com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação e, no mais, improcedente, confirmando-se as doutas decisões recorridas, nos seus precisos termos”.

A expropriante apresentou recurso de revista desse acórdão, concluindo do seguinte modo:
A. O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães nos presentes autos, encontra-se em manifesta contradição com o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal da Relação de Guimarães em 27.10.2016, no processo n.º 196/13.1TBTMC.G1, aqui junto como doc. n.º 1.
B. Contradição que se verifica no domínio da mesma legislação – Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, que aprovou o Código das Expropriações, e Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil – e relativamente à mesma questão fundamental de Direito – a da aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus.
C. Em ambos os processos de recurso da decisão arbitral, o princípio da proibição da reformatio in pejus colocou-se em mais do que uma frente, encontrando-se em discussão, nos dois acórdãos, a aplicação deste princípio (i) aos critérios de avaliação do solo das parcelas expropriadas, concretamente, ao preço de venda da azeitona ao produtor e (ii) às benfeitorias existentes nas parcelas expropriadas, concretamente, às condutas do sistema de rega existentes naquelas parcelas.
D. Estando em causa, nos dois processos, a alteração, pela sentença proferida em sede de recurso da decisão arbitral, de um dos critérios considerados para a determinação do valor do solo das parcelas expropriadas (o preço da venda da azeitona ao produtor), sem que o mesmo tenha sido impugnado especificadamente pelos recorrentes naquele recurso da decisão arbitral (que impugnaram, contudo, o montante da indemnização devida pela expropriação das parcelas expropriadas, apurado com base naqueles critérios), o entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães quanto à aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus foi, nos dois casos, distinto.
E. Confrontado com a questão, o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão fundamento junto como doc. n.º 1, considerou, e bem, não existir qualquer violação do princípio da proibição da reformatio in pejus. Já no acórdão recorrido, porém, o mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, adoptou um entendimento diametralmente oposto, concluindo pela violação do mesmo princípio.
F. Também no que respeita à aplicação do mencionado princípio às benfeitorias, em particular, às condutas dos sistemas de rega existentes nas parcelas expropriadas, se verifica uma contradição dos julgamentos vertidos nos dois acórdãos. No acórdão recorrido, o Tribunal a quo entendeu haver um desrespeito do princípio quando a sentença proferida no processo de recurso da decisão arbitral não valorizou, como benfeitoria indemnizável autonomamente, a conduta do sistema de rega existente na parcela expropriada, tendo o acórdão arbitral atribuído um valor a essa conduta; e, no acórdão fundamento, o mesmo Tribunal entendeu, e bem, não haver qualquer desrespeito do princípio, numa situação idêntica.
G. Por força do disposto na primeira parte do n.º 5 do artigo 66º do CE, conjugado com a alínea d) do n.º 2 do artigo 629º do CPC, o presente recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.03.2017 é admissível devendo, como tal, ser apreciado.
H. O princípio da proibição da reformatio in pejus não fica ferido quando a sentença proferida em processo de recurso da decisão arbitral interposto apenas pelo expropriado altera alguns dos critérios indemnizatórios, considerando nalguns deles valores inferiores e noutros valores superiores ao fixado na arbitragem, conquanto não fixe um montante indemnizatório globalmente inferior.
I. Ao considerar que a sentença proferida em 29.01.2016 pela Instância Local de ... incorreu numa violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, ao considerar um preço de venda da azeitona ao produtor inferior ao considerado na arbitragem, o Tribunal a quo assentou numa manifesta confusão entre aquilo que é o recurso da decisão arbitral  (que consubstancia um pedido de alteração do valor da indemnização) e aquilo que é a concordância ou discordância com os critérios indemnizatórios adoptados pela referida decisão, pois quanto a estes não se verifica qualquer caso julgado.
J. Os critérios que constituem fundamento da fixação do valor do solo são apenas critérios e não questões autónomas (excepção feita, e mesmo aí apenas segundo alguma jurisprudência mais restritiva, a questões que assumam verdadeira autonomia face às demais, como a classificação do solo ou a desvalorização da parte sobrante), pelo que são insusceptíveis de aspirar à força de caso julgado.
K. Assim é porque os critérios indemnizatórios subjacentes à avaliação de uma parcela como solo apto para outros fins (p. ex., no caso de avaliação de culturas agrícolas e florestais, a produção, encargos, preço médio de venda no produtor, taxa de capitalização/actualização, frutos pendentes, etc., no fundo, os critérios que influem no cálculo do rendimento líquido da parcela durante o período de vida útil das culturas) estão interligados, constituindo um todo incindível no juízo que é feito por determinado avaliador sobre o valor fundiário de cada parcela, não podendo transformar-se a tarefa do tribunal de recurso num exercício totalmente atomístico de ir buscar os melhores valores atribuídos em sede de arbitragem e de avaliação quanto a cada um daqueles critérios, exercício que viciaria (subindo-o artificialmente) o real valor que, quer a arbitragem, quer a avaliação, teriam atribuído a cada parcela.
L. No caso sub judice, nada obstava a uma reapreciação dos critérios de avaliação utilizados pelos árbitros por parte da Instância Local de ..., que, quanto a esta questão, não merece a mínima censura.
M. Deste modo, andou mal o Tribunal a quo ao determinar a alteração da matéria de facto na parte respeitante ao preço de venda da azeitona no produtor considerado na determinação do valor do solo da parcela TF0403.00, por não se verificar nesta parte nenhuma violação do princípio da proibição da reformatio in pejus. Motivo pelo qual deverá o acórdão em crise ser revogado nesta parte, mantendo-se o disposto na sentença objecto de apelação quanto ao preço de venda da azeitona ao produtor.
N. Também no que respeita ao tema da consideração da conduta do sistema de rega existente na parcela TF0403.00 incorreu o Tribunal a quo numa errada interpretação e aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus, contido no artigo 635º do CPC.
O. Na sequência do recurso da decisão arbitral, que reabre o debate quanto ao montante da indemnização fixada, faz assim sentido que seja, também, reaberto o debate quanto aos pressupostos dessa mesma decisão, designadamente, quanto aos bens a considerar como benfeitorias indemnizáveis autonomamente, sob pena de os peritos e, depois, o Tribunal, ficarem impedidos de alcançar aquela que consideram ser a justa indemnização.
P. Acresce que ao valorizar a parcela TF0403.00 como olival de regadio, a Instância Local de ... já considerou o benefício global que para o referido olival resulta da existência da conduta principal do sistema de rega.
Q. Deste modo, também aqui, andou bem a Instância Local de ... quando desconsiderou, como benfeitoria indemnizável autonomamente, a conduta do sistema de rega existente na parcela TF0403.00.
R. O princípio da proibição da reformatio in pejus não fica posto em causa quando a sentença proferida em processo de recurso da decisão arbitral, interposto apenas pelo expropriado, valora de forma diferente os vários elementos que contribuem para a avaliação do solo das parcelas expropriadas, conquanto tal não se traduza num montante indemnizatório globalmente inferior.
S. Assim, andou mal o Tribunal a quo, ao determinar a alteração da sentença recorrida no sentido da atribuição, como indemnização pela conduta do sistema de rega existente na parcela TF0403.00, do montante de 1.290,00 €, por não se verificar nesta parte nenhuma violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

Finaliza pedindo que se mantenha a decisão da 1ª instância quanto ao preço de venda da azeitona do produtor e das benfeitorias indemnizáveis autonomamente, atribuindo-se a indemnização pela expropriação da parcela TF0403.00 no montante de 100.272,66 €, ali fixada.

Na resposta, o recorrido pede a improcedência da revista.

                                                           *

Sendo o objecto da revista delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão que se suscita é a de saber se a decisão arbitral, quando não impugnada em relação a determinados elementos de facto (preço da azeitona e sistema de rega), constitui caso julgado relativamente a esses mesmos elementos, e se a fixação de valores inferiores aos ali fixados para esses mesmos elementos constitui violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.

                                                           *


II. FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS

Vêm provados os seguintes factos[2]:

           

1.        Por despacho do Secretário de Estado do Ambiente e da Administração do Território de 3 de outubro de 2011, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 205, de 25 de outubro de 2011, foi declarada a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação das seguintes parcelas:

a) parcela n.º TF0711.00, com a área total de 6.600 m2, correspondente ao prédio rústico sito no Lugar de ..., da freguesia de ..., concelho de ..., confrontando de Norte com caminho, de Sul com BB, de Nascente com CC e de Poente com BB, inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ...;

b) parcela n.º TF0403.00, com a área total de 43.890 m2, correspondente ao prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho de ..., confrontando de Norte com rio Sabor, de Sul com DD e outro, de Nascente com EE e de Poente com FF, inscrito na matriz sob o artigo ... e omisso na Conservatória do Registo Predial de ....

2.        A parcela descrita em 1-a) tem uma configuração irregular, sendo maioritariamente ocupada com amendoal de compasso regular, 7,00mx6,00m, com 4 a 5 anos de idade, em bom estado vegetativo, com um solo medianamente profundo, de origem xistosa, de granulometria argilosa e declive natural do terreno inclinado.

3.        Na parcela indicada em 2., existe um sistema de rega gota-a-gota com uma extensão de 1159m, com tubo de polietileno, de cor preto, com 16 mm de diâmetro exterior, com gotejadores integrados a cada 60 cm, abertos de 6m em 6m, com tubagens de distribuição com vários diâmetros.

4.        O acesso à parcela referida em 2. era feito por um caminho em terra batida, sem dispor de infraestruturas urbanísticas.

5.       A parcela descrita em 1-b. é ocupada com olival de compasso regular, 7,00mx7,00m, com 10 a 12 anos e DAPs de 10 cm, bem tratado e dispondo de água de rega através de sistema de gota-a-gota, com um solo medianamente profundo, de origem xistosa.

6.        A zona poente da parcela citada em 5. é atravessada longitudinalmente por uma conduta de rega de 270m de comprimento e 12cm de diâmetro, constituída em aço nos primeiros 40 metros iniciais e em PVC de alta densidade na restante extensão.

7.         Na parcela mencionada em 5., existe, ainda, um sobreiro com DAP de 20 cm.

8.         O acesso à parcela referida em 5. era feito por caminho de terra batida, sem dispor de infraestruturas urbanísticas.

9.        À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam e da declaração de utilidade pública, as parcelas expropriadas estavam inseridas no Plano Diretor Municipal de ... (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 24/95, publicada no D.R. n.º 70, série I-B, de 23 de março de 1995) nos espaços classificados como Espaços Agrícolas (Áreas Agrícolas não incluídas na Reserva Agrícola Nacional) e Áreas não incluídas em Espaços Específicos.

10.      Para o olival descrito na parcela 1-b., assenta-se a produtividade média de 2.856 kg/ha/ano.

11.       O preço médio da azeitona ao produtor é de €0,55/kg VER INFRA.

12.       Para a cultura do olival da parcela 1-b., estimam-se encargos de produção em 45% do rendimento bruto e considera-se uma taxa de atualização de 4%.

13.       Para o amendoal constante da parcela 1-a., assenta-se a produtividade média de 2.856 kg/ha/ano.

14.       Atribui-se à amêndoa o valor de 0,95€/kg.

15.       Para a cultura do amendoal da parcela 1-a., estimam-se encargos de produção em 55% do rendimento bruto e considera-se uma taxa de atualização de 4%.

16.       O sobreiro enunciado em 7. tem o valor de 80,00€.

17.       Os encargos com a apanha e transporte da azeitona e da amêndoa fixam-se em 20%.

            O DIREITO

           Convém lembrar, à partida, o que vem disposto no n.º 5 do artigo 66º do Código das Expropriações: “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida”.

            A presente revista vem interposta ao abrigo do n.º 2, alínea d), do artigo 629º do CPC, norma onde se estabelece que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

           A contradição de julgados que releva como condição da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, portanto, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito (interpretada de modo diverso) , mas implica que a mesma se reporte a um núcleo factual idêntico ou coincidente[3].

            Essa contradição existe, como veremos.

           A recorrente sinaliza e resume a contradição entre o acórdão recorrido e um outro da mesma Relação de Guimarães sobre a mesma questão fundamental de direito na interpretação que em cada um deles se faz em relação ao princípio da proibição da reformatio in pejus.

           Perante alguma dificuldade expositiva da recorrente, importa clarificar em que se traduz esse princípio. Nas palavras de Lebre de Freitas[4], o princípio da reformatio in pejus significa que a parte não recorrida de uma decisão transita em julgado e os efeitos do julgado não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação; a decisão do tribunal de recurso não pode, assim, ser mais desfavorável ao recorrente que a decisão recorrida.

A característica essencial centra-se, portanto, na impossibilidade de a nova decisão trazer desvantagem ao recorrente, na ausência de impugnação pela contraparte.

Ora, como só o expropriado recorreu da decisão arbitral, o acórdão recorrido tinha, como limites quantitativos, por um lado, o valor indemnizatório atribuído pelos árbitros na decisão arbitral à parcela TF04003.00, aqui em causa, (100.272,66 €), e, por outro lado, o valor pedido pelo expropriado/recorrente, de acordo com as razões invocadas no recurso dessa decisão (156.470,50 €).

           Nesse recurso, o expropriado advogou a concessão de uma indemnização de 156.470,50 €, mostrando-se concordante com a fórmula de cálculo do valor do solo e dos frutos pendentes, o preço da azeitona (0,55 €/Kg) e o valor de 1.290,00 € atribuído pelos árbitros a uma conduta de rega existente na parcela. Discordou, todavia, dos valores de produção (que considerou baixos), dos encargos da produção (que apelidou de excessivos) e da taxa de capitalização (que também considerou exagerada).

           A 1ª instância, não obstante aderir ao relatório da avaliação, manteve o valor da indemnização constante da decisão arbitral (100.272,66 €), como se vê de fls. 500, por entender que a indemnização devida segundo esse relatório, por ser inferior ao montante fixado pela decisão arbitral, redundaria em reformatio in pejus.

           No recurso de apelação que interpôs para a Relação de Guimarães o expropriado invocou a violação do princípio do caso julgado e a proibição da reformatio in pejus na parte referente ao valor do Kg. de azeitona, dizendo que, tendo concordado com o preço de 0,55 €/Kg atribuído na decisão arbitral, não podia a 1ª instância ter reduzido esse valor para 0,40 €/Kg – cfr. conclusões 5ª e 9ª (I).

           Num primeiro momento, o acórdão recorrido parece não ter sido muito receptivo a este argumento, como ressalta da seguinte passagem:

“Entretanto, no recurso interposto das decisões arbitrais a fls. 160 e seguintes, no que se refere especificamente à parcela TF0403.00, o apelante não se refere, concretamente, ao valor da azeitona, designadamente, concordando com o mesmo, antes manifesta discordância, de uma forma genérica, ao entender que o valor do solo em apreço deve ser fixado em € 3,30/m2, sendo certo que na decisão arbitral se fixou, quanto a esta parcela, uma valor de € 2,17/m2, pelo que não se pode afirmar que tenha havido concordância com o valor”.

            Mas, depois de fazer breves considerações sobre a proibição da reformatio in melius e da reformatio in pejus, conclui:

“Assim sendo, porque mais favorável, terão de se adotar os valores referenciados na decisão arbitral, uma vez que são mais vantajosos do que aqueles que resultaram da avaliação efetuada e foram adotados na sentença.

De acordo com os parâmetros estabelecidos na decisão arbitral, para respeitar os princípios apontados impõe-se, assim alterar alguns pontos da matéria de facto, pelo que os pontos 10, 11 e 12 dos factos provados, passarão a ter a seguinte formulação:

(…)

11. O preço médio da azeitona ao produtor é de € 0,55/kg.

(…)”.

           O mesmo raciocínio foi usado para autonomizar, como benfeitoria útil, o valor do sistema de rega (1.290,00 €), ao contrário do que sucedera na sentença recorrida em que tal mais-valia foi considerada como integrando já a própria avaliação do terreno de regadio.

            Escreveu-se, então, no acórdão recorrido:

           Do disposto no artigo 23º nº 2 alínea c) do Código das Expropriações decorre que deverão tomar-se em consideração, para efeitos de fixação da indemnização, a mais valia resultante das benfeitorias existentes nos prédios expropriados.

Ora, não pode haver dúvidas que um sistema de rega existente num terreno é uma benfeitoria e a expropriação que o abranger não pode deixar de considerar tal valor, para efeitos de cálculo da indemnização.

Nem se diga como o fazem a avaliação e a sentença recorrida, que tal valor já está englobado nos rendimentos líquidos alcançados (relatório da avaliação), ou que se infere que a respetiva mais-valia se configura como conglobada no produto da citada valorização (sentença), porquanto não se vê que assim seja, nem, de resto, existe justificação bastante para tal ter acontecido.

Com efeito, para o cálculo da indemnização na expropriação, sendo as benfeitorias indemnizáveis, salvo no caso de se tratar de benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação, nos termos do disposto nos artigos 23º nº 2 alínea c) e 10º nº 1 e 5 do Código das Expropriações, a apreciação quanto às mesmas carece de ser individualizada e justificada, isto é, descrita a benfeitoria em causa e apurado o respetivo valor, sendo que, quanto a este último, tal não ocorreu.

Acresce que – the last, but not the least, na decisão arbitral foi decidido atribuir uma indemnização no montante de € 1.290,00 (parcela TF0403.00), e do recurso interposto da mesma, pelo apelante, embora tenha sido posto em causa tal valor, por se entender dever ser superior a indemnização a atribuir, a verdade é que não pode a sentença recorrida desconsiderar aquele valor fixado na decisão arbitral, tendo em conta que nenhuma das partes e, designadamente, a expropriante, entendeu que tal valor devesse ser inferior.

Conforme já tivemos oportunidade de nos referirmos acima, vigora na nossa estrutura processual civil o princípio da proibição da reformatio in peius, pelo que ao tribunal está interdito conceder ao recorrente menos do que foi concedido pela decisão recorrida.

Daí não ser lícito não atribuir, como indemnização pela benfeitoria referida (o sistema de rega) pelo menos, o valor que foi fixado na decisão arbitral, de € 1.290,00 (parcela TF0403.00)”.

Temos assim que o acórdão recorrido, pondo o acento tónico na proibição da reformatio in pejus e fazendo valer-se, para esse efeito, do caso julgado constituído pela decisão arbitral quanto a esses dois elementos (preço da azeitona e benfeitoria), elevou a indemnização de 100.272,66 € para 101.198,55 €, considerando que o preço do Kg de azeitona a produzir na parcela deveria ser fixado em 0,55 € e não em 0,40 € (como se fizera na sentença da 1ª instância) e que o sistema de rega existente na parcela deveria ser autonomizado como benfeitoria, avaliada em 1.290,00 €.

 Salvo o devido respeito, entendemos que a questão nunca se colocaria em termos da violação do referido princípio da proibição da reformatio in pejus, porquanto, como cremos ter demonstrado, tal violação só ocorreria se o valor da indemnização fosse inferior ao da decisão arbitral.

Seja como for, o acórdão fundamento, da mesma Relação de Guimarães, navegou noutras águas.

Também aí se discutiam, entre outras questões, o valor do preço da azeitona e o da autonomização do sistema de rega enquanto benfeitoria útil. Também aí, só os expropriados haviam recorrido da decisão arbitral e consideravam, por isso, ter sido constituído caso julgado relativamente a esses valores, porque não impugnados nesse recurso[5].

No entanto, contrariamente ao sucedido na presente acção, o colectivo de desembargadores decidiu que “as premissas da decisão não adquirem força de caso julgado, mesmo que não expressamente impugnadas, quando se impugne a decisão que nelas se baseia e na medida em que a decisão as refira de modo expresso ou constituam antecedente lógico, necessário e imprescindível dessa indemnização”.

E, mais adiante, escreveu-se:

“E faz sentido que assim seja: na sequência do recurso da decisão arbitral, através do qual se reabre o debate quanto ao montante da indemnização fixada, faz sentido que seja também reaberto o debate quanto aos pressupostos dessa mesma decisão, sob pena de os peritos e depois o tribunal ficarem impedidos de alcançar aquela que consideram ser a justa indemnização, por se encontrarem limitados pelos critérios seguidos pela arbitragem (…).

Os critérios que orientam a decisão dessa questão são apenas critérios, e não questões autónomas, pelo que são insuscetíveis de aspirar à força de caso julgado.

(…)

Nem de outra forma poderia ser (…) sob pena de se transformar a avaliação da parcela num exercício totalmente atomístico que viciaria (subindo-o artificialmente) o real valor que, quer a arbitragem, quer a avaliação, teriam atribuído à parcela, tornando-o numa manta de retalhos dos critérios mais favoráveis seguidos numa e noutra sede”.

E concluiu:

“(…) seguindo os peritos um método de avaliação diferente dos árbitros, temos de aderir em bloco àquele método, não podendo vingar a tese dos recorrentes de ir buscar a cada uma das avaliações a parte que mais interesse lhes dá”.

É este também o entendimento que perfilhamos, seguindo, de resto, a maioria da jurisprudência.

Aponte-se, como exemplo, uma outra situação idêntica à dos autos tratada no acórdão do STJ de 15.02.2017[6]:

“(…) seja qual for a posição que se tome acerca da problemática dos limites objectivos do caso julgado, parece seguro e inquestionável que ele não abrange os fundamentos factuais e probatórios da decisão judicial que reconhece determinada relação jurídica, ao menos enquanto reportados a meros factos ou critérios práticos, de natureza puramente instrumental – totalmente desprovidos de relevância substantiva ou material, apenas servindo de apoio ou base para calcular, no plano probatório e prático, as utilidades económicas que o expropriado poderia plausivelmente retirar do prédio; e, por isso, não pode pretender-se que se haja formado caso julgado sobre o facto/ preço da azeitona, considerado como meramente instrumental para o cômputo do valor patrimonial provável da exploração do prédio.

(…)

Ora, o juízo emitido atomisticamente acerca de tais factos ou critérios práticos e puramente instrumentais para medir a utilidade económica de uma exploração agrícola não podem sequer considerar-se como questões preliminares que sejam antecedente lógico jurídico indispensável à parte dispositiva da sentença – pelo que, mesmo na discutível tese ampliativa acerca dos limites objectivos do caso julgado, seriam insusceptíveis de integrar a força vinculativa desse instituto”.

Considera-se, pois, que, impugnada a decisão arbitral, não constituem caso julgado os valores que lhe serviram de fundamento (v.g. valores da produtividade média, encargos com a produção, preço líquido dos frutos que se poderão vir a produzir, taxa de capitalização, etc.) por não consubstanciarem questões autónomas, sendo antes simples critérios práticos que se interligam com outros e que, conjugadamente considerados, permitem apurar o valor indemnizatório. Se assim não fosse, tais valores impor-se-iam, por força do caso julgado, aos peritos encarregados da avaliação, o que se nos afigura completamente insustentável.

Pois bem.

A sentença sobre que incidiu o acórdão recorrido acolheu o relatório pericial da avaliação a que se refere o n.º 2 do artigo 61º do Código das Expropriações, no qual o perito do expropriado lavrou uma declaração consignando uma posição divergente no que respeita à produtividade do olival e ao sistema de rega. O Ex.º Juiz da 1ª instância sublinhou “uma consideração preferencial pela posição dos peritos do Tribunal, expressa em posição maioritária, perspectivando a sua imparcialidade qualificada em relação aos interesses das partes, em consonância com jurisprudência unânime dos tribunais superiores”.

Nesse mesmo sentido, atribuiu à azeitona o valor de 0,40 €/kg (ponto 11. dos factos provados), sendo esse mesmo o valor a considerar agora, já que o acórdão recorrido, ao atribuir valor mais elevado (0,55 €/kg), fez errada ponderação sobre o alcance objectivo do caso julgado – artigo 674º, n.º 3, do CPC. 

No tocante ao sistema de rega, a sentença recorrida discorreu do seguinte modo:

“Na situação concreta, o sistema de rega é passível de prefigurar uma benfeitoria útil.

Porém, atentando-se que na avaliação do solo do olival e amendoal das parcelas foi ponderado o factor concernente à circunstância de se curarem de terrenos de regadio, infere-se que a respectiva mais-valia se configura como conglobada no produto da citada valorização, pelo que o impetrado ressarcimento autónomo do predito sistema de rega é ostensivamente improcedente, enfatizando-se ainda que não foram provados quaisquer factos que sustentem uma ablação de benefícios acrescidos que decorressem da utilização do mesmo (vd. Acórdão do TRP de 15.12.2005, proc. n.º 0536398, in www.dgsi.pt)”.  

Ou seja – e concluindo: tendo sido aceites, na sentença da 1ª instância, os elementos e os critérios constantes do relatório de avaliação para atribuição da indemnização pela expropriação, não podia o acórdão recorrido repristinar os valores relativos a meros factos instrumentais da decisão arbitral, como o valor do Kg de azeitona ou o valor do sistema de rega, com fundamento na formação de caso julgado, por deles não haver recorrido o expropriado.

Há, por isso, que reconhecer procedência às razões da expropriante e fixar ao expropriado a indemnização atribuída na 1ª instância, considerando, tal como ali, a proibição da reformatio in pejus, isto é, a impossibilidade legal de se fixar um montante indemnizatório inferior ao atribuído na decisão arbitral.

                                                           *


III. DECISÃO

De harmonia com o exposto, no provimento da revista, revoga-se o acórdão recorrido, mantendo-se como indemnização pela expropriação relativa à parcela TF0403.00, o montante de 100.272,66 € (cem mil, duzentos e setenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos), fixado na sentença da 1ª instância, indemnização essa sujeita à actualização prevista no artigo 24º do Código das Expropriações. 

                                                           *

Custas da revista pelo expropriado.

                                                           *

                                           LISBOA, 4 de Outubro de 2018

Henrique Araújo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Catarina Serra

           

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[1] Relator:      Henrique Araújo
  Adjuntos:   Maria Olinda Garcia
                       Catarina Serra
[2] Seguem a itálico os factos que a Relação alterou.
[3] Cfr. acórdão do STJ de 01.03.2018 (Conselheiro António Piçarra), no processo n.º 2592/05.9TMSNT.L2.S1 -7.ª Secção, em www.dgsi.pt
[4] “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 3º, página 33.
[5] A decisão arbitral, sendo o resultado de um verdadeiro julgamento por um tribunal arbitral necessário, tem natureza jurisdicional. Portanto, se não for impugnada por via de recurso, transita em julgado, tornando-se imodificável em tudo quanto for desfavorável para a parte não recorrente.
[6] No processo n.º 56/13.6TBTMC.G1.S1 (Conselheiro Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.