Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4550/22.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: VALOR DA AÇÃO
INTERESSE IMATERIAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- Os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral não relevam no cálculo do valor das ações.


II- Admitida a revista com o fundamento de que o valor da ação excede a alçada do tribunal a quo, se esta questão improceder fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 4550/22.0T8LSB.L1.S1


MBM/DM/RP


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1.1. Autora: AA


1.2. Ré: TAP – TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A.


X X X


2. Na presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, a A. deduziu os seguintes pedidos:


a. Ser considerada nula a justificação aposta ao contrato de trabalho da A., e ser o mesmo considerado como contrato de trabalho sem termo;


b. Ser declarado ilícito o despedimento da A e, em consequência ser a Ré condenada a:

I- Reintegrar a A. no seu posto de trabalho com a categoria de CAB I ou categoria mais elevada se lhes couber à data da decisão do Tribunal, conforme nºs 1 e 3 da cláusula 4ª e nºs 1 e 2 da cláusula 5ª do Regulamento da carreira profissional de tripulante de cabina e nos termos do artigo 393º/2, b), do CT, sem prejuízo de este optar pela indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artigo 391º do CT;

II -A pagar à A. as retribuições intercalares, incluindo subsídios de natal e de férias, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação;

III- A pagar à A. a Garantia Mínima, que é parte integrante do seu salário base (Cláusula 5ª do RRRGS – “Garantia Mínima), que esta deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado, com exclusão das remunerações relativas ao período que decorreu entre o despedimento e trinta dias antes da propositura da ação, a calcular de acordo com a Cláusula 5ª do RRRGS – “Garantia Mínima”.

IV - Seja a Ré condenada a pagar as diferenças salariais ilíquidas devidas a título de salário base, verificadas em virtude da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início do seu contratos de trabalho, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC que, sem prejuízo da necessidade de recorrer a incidente de liquidação que se possa revelar necessário, acrescidas de juros desde a data de citação, acresce ao montante de € 4.096,38 (quatro mil e noventa e seis euros e trinta e oito cêntimos) ilíquidos a título de diferença de salário base.

V- Seja reconhecido que a A. ocupou a categoria de CAB 1 desde o início da relação laboral.

VI - Seja a Ré condenada a pagar à A. as diferenças salariais ilíquidas devidas a título de ajuda de custo complementar, que esta deixou de auferir fruto da sua errada integração nas categorias de CAB Início e CAB 0, ao invés da categoria de CAB 1, a contar desde o início do seu contrato de trabalho e até ao final da relação laboral, nos termos do artigo 389º/1, a) do CPC, e por isso, sem prejuízo de eventual incidente de liquidação, acrescidas de juros desde a data de citação no valor de€ 4 028,78 (quatro mil e vinte oito euros e setenta e oito cêntimos) ilíquidos.

VII – Seja a Ré condenada a pagar à AA. indemnização por danos não patrimoniais em valor a arbitrar pelo tribunal, mas nunca inferior a €2.000,00.

VIII - Ser a Ré condenada no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as quantias peticionadas, vencidas, vincendas e, também, sobre as que resultarem, eventualmente, da aplicação do disposto no artigo 74.º do CT, desde a data da citação e até integral pagamento.

3. Na 1ª instância, foi proferido despacho saneador que, julgando procedente a exceção de prescrição, absolveu a R. do peticionado. Para além disso, fixou à causa o valor de 30.000,01 €.


4. A A. interpôs recurso de apelação do decidido, quer no tocante à exceção de prescrição, que relativamente à fixação do valor da causa (sustentando que deveria manter-se o indicado pela A. na P.I. - 10.125,16 €).


5. O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), julgando procedente o recurso: i) declarou a nulidade do despacho que fixou o valor da causa, por falta de fundamentação bastante, fixando tal valor em 10.125,16 €; ii) revogou igualmente o decidido quanto à exceção de prescrição, determinando, assim, o prosseguimento dos autos.


6. A R. interpôs recurso de revista.


7. A A. respondeu, pugnando pela sua improcedência.


8. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do parcial provimento da revista (por entender que à ação deve ser fixado o valor de 15.538,39€), em parecer a que as partes não responderam.


9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:


– Se foi corretamente fixado o valor da ação.


– Se os créditos reclamados pela autora se encontram prescritos, questão cujo conhecimento é condicionado pela procedência da questão anterior, uma vez que, nesta parte, o recurso só será admissível caso à causa venha a ser atribuído valor superior ao da alçada da Relação, nos termos do disposto no art. 629º, nº 1, do CPC.1


Decidindo.


II.


10. Essencialmente, quanto ao valor da causa, alega a recorrente:


– A presente ação respeita a interesses imateriais (declaração da nulidade do termo aposto ao contrato de trabalho, conversão em contrato por tempo indeterminado e reintegração) que devem ser considerados neste âmbito, ao que acrescem os pedidos de condenação nos salários de tramitação e em indemnização por danos não patrimoniais.


– O pedido de reintegração tem utilidade económica, correspondente ao valor que teria a indemnização a fixar em sua substituição, que deve considerar-se para efeitos de fixação do valor da causa.


Vejamos.


11.1. Afirma o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, no seu Douto Parecer, que “ao valor oferecido pela recorrida para a ação deverá ser adicionado o valor pecuniário correspondente às quantias reclamadas que não foram liquidadas […] [p]elo que devem ser considerados os salários intercalares reclamados e que se encontravam vencidos à data da propositura da ação, nos termos do art. 299.º, n.º 1, do CPC – conforme entendimento deste Supremo Tribunal, explanado, por exemplo, no acórdão do STJ de 22.06.2017, proc. n.º 602/12.2TTLMG.C1.S1”.


Com efeito, decidiu-se neste último aresto que “as retribuições vincendas pedidas numa ação de impugnação de despedimento não têm qualquer influência na fixação do valor da causa, que deve ser determinado atendendo aos interesses já vencidos no momento em que a ação é proposta 2, em conformidade com a jurisprudência estabilizada desta Secção Social – v.g. Acs. do STJ de 14.01.2009 (Recurso n.º 2469/08, Proc. nº 08S2469), que igualmente julgou que não têm qualquer influência na fixação do valor da causa os juros vincendos, e de 25.09.2014 (Proc. nº 3648/09.4TTLSB.L1.S1).


Lendo-se no sumário deste último acórdão que “nas ações em que, como acessório ao pedido principal – in casu, a declaração de ilicitude do despedimento - se peticionam rendimentos já vencidos e vincendos, não tem lugar a aplicação do disposto no artigo 309.º, n.º 2, do CPC/2007 [Artigo 300.º, n.º 2, do CPC/2013], antes são aplicáveis as regras gerais constantes do 306.º, e que, na sua essência, correspondem ao atual artigo 297.º, ns.º 1 e 2”, desenvolve-se depois no mesmo, a dado passo:


“(…)


Quanto às retribuições vincendas, não têm as mesmas, face ao exposto, qualquer influência na fixação do valor da causa, mormente por via do recurso ao critério sustentado pelo recorrente, já que, como bem resulta das normas indicadas, o valor da causa reporta-se aos interesses já vencidos à data da formulação do pedido, sendo irrelevantes para tal fixação os valores dos interesses que se venham a vencer durante a sua pendência, sendo, ainda, de relevar a circunstância de inexistir norma que consinta, numa fase adiantada do processo, a «correção» do valor decorrente dos pedidos formulados. (…)


O recurso ao critério ínsito no art. 309.º, do Código de Processo Civil [atual art. 300º], para a fixação do valor da causa «é aplicável aos casos em que, com base em relações de caráter duradouro ou de trato sucessivo, o autor pede o cumprimento não só de prestações já vencidas, mas também de prestações que só se vêm a tornar exigíveis no desenvolvimento da relação contratual subjacente» (…), o que não é, manifestamente, o caso da presente ação, não só, como dito, por a pretensão principal do autor não assentar no pedido de cumprimento de prestação - mas sim no pedido de declaração de ilicitude do despedimento - mas também por as denominadas retribuições vincendas não serem exigíveis por causa do desenvolvimento da lide, antes o sendo - se assim se decidir - pelo reconhecimento da ilicitude da cessação de um vínculo contratual.


(…)”.


12.2. Também é preconizado pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto o cômputo do valor equivalente à reintegração, sinalizando, pertinentemente, que sobre esta matéria decidiram diferentemente os citados Acórdãos do STJ de 25.09.2014 e de 22.06.2017.


Neste, considerando-se que “o Autor, na sua petição inicial, pediu que se declarasse a ilicitude do seu despedimento e a respetiva reintegração, não tendo optado pela indemnização”, conclui-se que “o valor da mesma também não poderia ser considerado”.


Já o referido em primeiro lugar confirmou uma decisão da Relação a considerar que o pedido de reintegração se enquadra na previsão da segunda parte do n.º 1 do art.º 305.º, do anterior CPC (atual art. 297º, nº 1, 2ª parte), tendo em conta que, não tendo por objeto uma quantia certa em dinheiro, mas antes um “benefício diverso”, o respetivo valor corresponde à quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.


12.3. Consequentemente, sustenta o Ministério Público que, para além do valor dado à ação pela recorrente (cfr. supra nº 4), devem ser consideradas as quantias provenientes dos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos b. I, b. II e b. III (cfr. supra nº 2):


– Indemnização de antiguidade à data da propositura da ação, em 18.02.2022 (arts. 389.º, n.º 1, b), e 391.º, n.º 1, do CT): 978,00€/M : 30D X 45 D X 3 = 4.401,00 € (vd. arts. 8.º e 337.º da PI)


– Salários intercalares vencidos à data da propositura da ação, em 18.02.2022 (art. 390.º, n.ºs 1 e 2, b), do CT): 978,00€/M + 34,23€/M = 1.012,23 € (vd. arts. 326.º a 336.º da PI)


Ou seja, somando estes valores ao de 1.012,23 €, indicado na petição inicial, um total de 15.538,39€.


13. Todavia, como é jurisprudência pacífica desta Secção Social, os interesses imateriais conexos com os litígios de natureza laboral não relevam no cálculo do valor das ações (v.g. Acs. de 01.02.2023, Proc. nº 4639/17.7T8LSB-B.L1.S1, de 19.04.2023, Proc. nº 29343/21.8T8LSB.L1-A.S1, e de 11.11.2020, Proc. nº 19103/18.9T8LSB.L1.S1), pelo que o critério aplicável à determinação do valor da presente causa é o previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 297.º.


Vale por dizer: ainda que procedessem as demais razões deduzidas pela recorrente no plano da fixação do valor da ação, sempre o mesmo seria inferior à alçada da Relação, ou seja, sempre seria inferior ao almejado por aquela, tendo em vista a reapreciação em sede de revista do julgado pelo TRL no tocante à improcedência da exceção de prescrição (e ao prosseguimento dos autos daí decorrente), que era o único efeito útil visado neste recurso, que, relembra-se, apenas foi admitido à luz do disposto no art. 629º, nº 2, b), normativo segundo o qual, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões respeitantes ao valor da causa com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre.


Esta constatação torna dispensável/inútil aferir da repercussão dos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos b. I, b. II e b. III no valor global da ação, uma vez que a única questão relevante consistia em determinar se este valor é, ou não, superior a 30.000,00 €.


Por outras palavras, assente que o valor da ação é indubitavelmente inferior à alçada da Relação, impõe-se concluir, desde já, pela improcedência do suscitado na revista relativamente ao valor da causa, com prejuízo, consequentemente, do mais suscitado no recurso (quanto à deliberada improcedência da exceção de prescrição).


III.


14. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.


Custas da revista pela recorrente.


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Domingos Morais


Ramalho Pinto





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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

2. Todos os sublinhados e destaques são nossos.↩︎