Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8252/20.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
Data do Acordão: 11/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA COM A REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO.
Sumário :

Não constitui justa causa de despedimento o comportamento de um trabalhador, comissário de bordo da TAP escalado para diversos voos, em relação ao qual não ficou demostrado que o atraso na partida de um desse voos se tenha devido exclusivamente a esse comportamento, para tal também contribuindo os próprios serviços de Escala da TAP, sendo, por outro lado, as consequências daí provenientes de pouco relevo, quer a nível financeiro quer de prejuízos relevantes para a imagem da empresa.

Decisão Texto Integral:

Processo 8252/20.3T8LSB.L1.S1


Revista


93/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou a presente acção declarativa, com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra TAP – Transportes Aéreos Portugueses, S. A., tendo apresentado formulário legal no qual requereu que fosse declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento, com as legais consequências e com ele cópia da decisão do seu despedimento pela empregadora, alegando justa causa.


Frustrou-se a conciliação das partes.


A Ré apresentou articulador motivador e juntou o processo disciplinar.


O Autor contestou e deduziu reconvenção nos seguintes termos:


E nos melhores de Direito que V. Exa. suprirá, deve a presente acção ser julgada, procedente, por provada, declarando:


a) O autor como trabalhador efetivo da ré desde a data de 05 de janeiro de 2018;


b) Declarar a invalidade do procedimento disciplinar;


c) Declarar ilícito o despedimento do autor, perpetrado pela ré TAP;


d) Reintegrar o autor na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, com todas as legais consequências;


e) Pagar ao autor todas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao transito em julgado da decisão.”.


A Ré apresentou articulado de resposta.


No despacho saneador de 02.09.2022, pode ler-se o seguinte:


Veio o trabalhador, na contestação, deduzir pedido reconvencional contra a empregadora, alegando, em síntese, a nulidade do termo aposto no contrato e a insuficiência das referências ao termo e ao motivo justificativo do mesmo, devendo, em consequência, o contrato celebrado com a empregadora em 05/01/2018 ser considerado sem termo desde o seu início.


Pede, a final, que, pela procedência do pedido reconvencional, seja a empregadora condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho como trabalhador efectivo desde 05/01/2018, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir nos autos.


Em resposta, a empregadora veio invocar a inadmissibilidade da reconvenção, com os fundamentos aduzidos no articulado junto com o requerimento de fls. 75 a 90 (Refª 31226361). (…)


Pelo exposto e nos termos das disposições legais citadas, não admito o pedido reconvencional deduzido pelo trabalhador na contestação.” (sublinhado nosso).


Por sentença de 02.03.2022, o Tribunal de 1ª instância decidiu o seguinte:


Por tudo o que ficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção procedente e, em consequência, declaro ilícito o despedimento do trabalhador e condeno a empregadora a pagar-lhe:


a) – A título de indemnização pela ilicitude do despedimento, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato (04/01/2021), acrescidas de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;


b) – A título de compensação pela caducidade do contrato, o montante correspondente a três dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do contrato, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 04/01/2021 até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.”.


O Autor e a Ré interpuseram recursos de apelação.


Por acórdão de 18.01.2023, o Tribunal da Relação decidiu o seguinte:


Termos em que se acorda:


a) na apelação da ré:


i. quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:


• alterar o facto provado em AF), ficando assim: "AF) O trabalhador, sempre em contacto com os outros tripulantes, respondeu à colega das Escalas que 'não está reflectido no portal, nem pode estar porque o previsto que vai acontecer não sabemos, mas para todos efeitos pelos tempos de voo, iríamos ultrapassar o limite, que não vamos ultrapassar, foram informados, tiveram tempo para ver esta situação, nós não vamos fugir do AE, e os dados que nós temos é que vamos fugir, agora agilizem isto e organizem-se' e 'o ED correcto, não sei o que isso quer dizer, o que lhe estou a dizer é que nós não vamos conseguir, ou vamos com certeza ultrapassar o duty legal e nós não vamos fazer isso', o que fez apenas com base na informação à data no sistema Fly TAP que constitui uma previsão";


• aditar os seguintes factos aos provados:


"AG-1) Na conversa havida entre o Autor e a trabalhadora BB do Serviço de Escalas, constante dos Factos AD) a AG), foi o mesmo informado pela trabalhadora BB que a previsão de aterragem em ...às 18H15 ainda não estava reflectida no Portal";


"AH-1 O A. informou as Escalas que ia ficar no avião a aguardar, mas tal não se verificou, o que não permitiu o embarque imediato de passageiros";


"AM-1) Se o Autor não tivesse abandonado o avião e recusado fazer o voo ..., tinha sido possível que o voo para ... saísse às 14H22 ou às 14H25 e com plano de voo reduzido, sem terem sido perdidos sucessivos slots";


"AM-2) O voo ... chegou a calços em ... às 18H47 (UTC) ou 19H47, hora local em ...";


"AM-3) É possível alterar os planos de um voo, por exemplo, em situações de irregularidade, reduzindo os tempos de voo, com alterações, por exemplo, da rota planeada ou o aumento da velocidade prevista";


ii. quanto à questão jurídica: conceder provimento à apelação, revogar a sentença apelada e absolver a ré do pedido;


b) na apelação do autor: julgar prejudicado o seu conhecimento pela procedência da apelação da ré.”.


A Sra. Desembargadora 2ª Adjunta lavrou voto de vencido com o seguinte teor: “Confirmaria a sentença por não ver na infração perpetrada gravidade que justifique o despedimento.”.


O Autor interpôs recurso de revista nos termos gerais, formulando as seguintes conclusões:


1. Contra a apelada foi intentado o presente processo especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento ao abrigo do artigo 98º C do CPT.


2. E, decidiu o tribunal que: Por tudo o queficou exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a acção procedente e, em consequência, declaro ilícito o despedimento do trabalhador e condeno a empregadora a pagar-lhe: a) A título de indemnização pela ilicitude do despedimento, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato (04/01/2021), acrescidas de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença; b) A título de compensação pela caducidade do contrato, o montante correspondentea três dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do contrato, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 04/01/2021 até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.


3. Justifica tal decisão alegando na fundamentação que:“O trabalhador pede a sua reintegração na empregadora, em consequência da ilicitude do despedimento de que foi alvo. No entanto, tal reintegração não se mostra possível, atento o disposto na alínea b) do 2 do art. 393º do CT, supra transcrita, que, o termo ocorreu, como acima se disse.


4. Tem, assim, o trabalhador direito à indemnização prevista na alínea a) do mesmo preceito, correspondente às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato.”


5. Recorreu o autor desta decisão, na parte em que o tribunal não considerou a reintegração do trabalhador alegando que o termo do contrato do trabalhador já tinha ocorrido e por sua vez a ré recorreu da parte da decisão da primeira instancia que considerou o despedimento do trabalhador ilícito.


6. Decidiu por acórdão o TRL, com voto de vencido e com o parecer contrário do Ministério Publico, conceder provimento ao recurso de apelação da ré, revogando a sentença da primeira instancia e validando o despedimento do autor como licito, absolvendo a ré do pedido. Posto isto ficou prejudicado o conhecimento do recurso de apelação do autor, pela precedência da apelação da ré.


7. Para alterar a decisão proferido pelo tribunal de trabalho de lisboa o TRL aditou cinco (5) factos à matéria dada como assente.


8. Com o devido respeito pela decisão, nenhum destes factos agora aditados altera a questão jurídica que o tribunal tinha a decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do despedimento do autor, perpetrado pela ré que Esmiuçados até entram em contradição com a matéria assente pelo tribunal de trabalho de ....


9. Nomeadamente e quanto ao facto aditado AG-1,não pode o tribunal esquecer que a partir do momento em que há informação disponível, esta fica quase de imediato reflectida no Portal My Tap. O Portal My Tap é o único instrumento de trabalho queos trabalhadores dispõem equeéactualizado ao minuto. É utilizado parasaber horários de apresentação e saída, tempos de voo, calços, tripulações, etc. Ainda assim, tendo feito as contas, várias vezes, conjuntamente com os restantes colegas e com informação fornecida pelo comandante do voo, mesmo tendo por base um cenário "idílico", seria impossível terminar os voos dentro do PSV previsto em Acordo de Empresa (12 horas), verificar factos assente AP, AF, AE, AD, AB, AA, Z.


10. Quanto ao novo facto AH-1, com o devido respeito, esquece o tribunal os factos assente em AH, AI, AJ. Na verdade, o recorrente e os seus dois (2) colegas que estavam na mesma situação (os outros três tripulantes do voo já estavam no avião que ia voar para ...), após aguardarem algum tempo, mesmo depois de lhes ter sido comunicado que tinham falta injustificada, (que eventualmente significariaque já não estariam afectos ao voo),perguntam ao comandante e chefe de cabine se era necessária a sua permanência. Após concordância de ambos dirigiram-se para o terminal de tripulantes e o comandante disse que não fazia sentido estarem ali e que aguardava pelos novos tripulantes. De realçar que, num voo, o Comandante é soberano sobre toda e qualquer situação dentro da aeronave. Ainda no terminal e após contacto telefónico, regressou o autor e os dois colegas, à aeronave, efetuaram as verificações de segurança, embarcaram os passageiros e deram início ao serviço de acolhimento enquanto aguardam a chegada dos colegas que os iriam substituir. De realçar que se o serviço de escalas assim que foi avisado do atraso tivesse contacto os tripulantes de escala e não tem esperado quevoo do autor chegasse alisboaparafazer o embarqueparaBarcelona o voo não teria saído atrasado


11. O facto nono AM-1 está em franca contradição com a quase a totalidade da matéria dada como assente. Como atrás dito bastava que as escalas tivessem chamado, assim que avisadas, os tripulantes que estavam de escala, para que o voo de ... não tivesse saído atrasado. Ao contrário o serviço de escalas ignorou essa informação, esperaram que o autor/recorrente chegasse do voo de ..., fizesse o desembarque dos passageiros, para depois se poder dirigir parao avião queia fazer o voo .... Lido estes facto parecequeo tribunal olvida que o avião que chegou a ..., vindo de ..., não era o mesmo que ia para ... e apenas o autor e dois colegas iam fazer parte da tripulação do voo ... –poeisso nãosejustificavaestarem àesperadestes tripulantes para fazer o voo de ....Veja-se os factos AJ, AI, AH, AG, AF, AE, AC, AB, AA, Z, Y, X.


12. Foi repetidamente transmitido, pelo autor e pelos outros dois (2) colegas que não iriam violar o Acordo deEmpresa, queexisteparasegurançadetodos –tripulantes e passageiros, factos P) e Q).Era humanamente impossível que o voo saísse para ... pelas 14h22 ou às 14h25 visto terem aterrado em ..., vindos de ..., às 13h34 e chegado à nova aeronave às 14h03 - Factos X, Y, Z, AA -Só as verificações de segurança e o embarque dos passageiros demoram no mínimo entre 30 a 35 minutos (Se não ocorrer nenhum contratempo). O tempo atribuído em planeamento para esta acção é de 45 minutos. Acresce ainda a disponibilidadedeSlot(vagaparaaaeronavesair eo tempo de "Taxi"(deslocação da aeronave do ... até à pista)


13. Existem ainda inúmeras e recorrentes variáveis que podem atrasar a partida de um voo. (como exemplo, o atraso aquando da saída do primeiro voo para ... por suspeita de derrame de líquido no exterior da aeronave) que saiu com atraso de ..., facto U).


14. não podemos deixar de referir que, A aeronave, a restante tripulação (Comandante, Piloto e Chefe de Cabine), assim como todos os mais de 100 passageiros, estavam prontos para sair na hora programada (13h30), apenas aguardando a chegada dos 3 Cabs. Que vinham do voo de ... – o autor/recorrente e outros dois.


15. Se a TAP, ré, tivesse real interesse em respeitar os passageiros cumprindo os horários e consequentemente elevar o nome da empresa, teria chamado 3 Cabs, (das centenas de tripulantes que estão diariamente de assistência) evitado o atraso que já se verificava ainda antes da chegada do autor a ..., vindo de .... (As escalas foram alertadas pelo autor e pelos colegas, para o atraso pelo menos três (3) horas antes da partida definida). Não esquecer que o custo por activar cada tripulante de assistência é de 32 Euros. Factos U, V, W, X, Y, NA e documento junto no procedimento disciplinar, Doc 143/143ª, comunicação interna "Pedido de informação Processos Diciplinares"., o Slot mais próximo par ao voo seria apenas às 14h58. Posto que se as escalas tivessem desde logo chamado os tripulantes de escala, os passageiros do voo de regresso ... teriam também chegado dentro do horário (mais 100 passageiros).


16. O facto AM-2, agora aditado, com a hora de chegada do voo de ... para ... é um facto, que no momento dos factos que deram origem a este processo, não poderia ser do conhecimento do autor dos seus colegas. Era uma especulação – veja-se factos dados como assentes – V, X, Z, AB, AC. De relevar que o facto está em contradição com o provado sob a letra C. Não há nos autos informação fidedigna sobre a hora de chegada do voo, tendo em conta os dados/documentos do processo disciplinar que são os que podem fazer prova neste processo.Tal como foi dado como provado, factos AB e AD, é possível, refazer no sistema informático, as horas de partida/chegada (ex. saída deLisboa ...). Esta manipulação de informação é possível de ser feita, no Portal My Tap por parte das escalas (nos campo a que têm acesso).


17. Mas, ainda assim, dando como assente esta hora de chegada do avião, vindo de ..., a calços, as 18:47, hora de ..., adicionando os 30 minutos designados para desembarque dos passageiros, verificação da aeronave, briefing, deslocação para o terminal, os trabalhadores nunca fariam o Sign Off antes das 20h17.


18. Quanto ao facto AM-3 da possibilidade de alterar os planos de voo, como foi discutido em audiência, é possível alterar os planos de voo reduzindo o seu tempo. Mas olvidou o tribunal da relação o tempo real em que é possível reduzir o tempo de voo, que numa ligação Ibérica, directa e com um tempo de voo estimado de 1h50, o máximo que se conseguiria "recuperar" seriam, no máximo, dez (10) minutos. Veja-se os documentos do procedimento disciplinar, segundo o Doc. 143A e com plano de voos reduzidos, o tempo de voo ganho na rotação ... foi de 6 e 9 minutos respetivamente. Pelo que os trabalhadores estariam sempre fora do tempo de voo, fora do A.E., como foi dado como provado.


19. A postura do autor e dos dois colegas que iam ultrapassar o tempo de voo, foi sempre a de salvaguardar a agilização da operação, por isso avisaram com tempo o serviço de escalas de que teriam de arranjar três tripulantes das assistências para os substituir.


20. A ré/recorrida não tinha necessidade de estar à espera destes três tripulantes para efetuar o embarque dos passageiros no avião que iria para ... – o restante da tripulação do voo estava disponível. Bastava a ré não ter esperado por estes três trabalhadores e o voo teria saído a horas para ... e estes três tripulantes poderiam ter sido encaminhados para outras tarefas até perfazerem as suas horas de voo – é a ré que não sabe organizar as escalas e as horas de voo de cada tripulante para poderem voar em segurança – os tripulantes e os passageiros.


21. Analisados os factos, o que ressalva é que o serviço de escalas da TAP/ré se predispôs a atrasar conscientemente dois voos, retendo centenas de passageiros, tentando forçar os trabalhadores/tripulantes a violar um Acordo de Empresa em vigor.


22. Ultrapassagem de horas de voo que fazem centenas de vezes, por pressão da ré/TAP, colocando em perigo os tripulantes e os passageiros. Tendo em conta que iriam fazer rotação em ..., passar pela base, o lógico seria serem substituídos e que o voo para ... saísse no horário previsto. Basta fazer as contas, que foi o que o autor e os seus colegas fizeram, com informação em tempo real fornecida pelo My TAP e pelo comandante do voo, no final do primeiro voo e a 3 horas de realizar o terceiro de quatro voos, para se concluir que era claro e inevitável que os tripulantes iriam ultrapassar o PSV máximo de 12 horas para concluir a rotação.


23. A sanção disciplinar de despedimento, a mais grave que se prevê na lei afigura-se, perante os factos em concreto, desproporcional para penalizar o comportamento dorecorrente, naquilo quecorrespondeàverdadedos factos. Com o devido respeito, nem mesmo os factos agora aditados aos dados como provados no tribunal de trabalho de ... são adequados ou proporcionais a se considerar o despedimento do recorrente como lícito.


24. Por esse facto o parecer do Ministério publico é de considerar o despedimento ilícito e também assim o voto de vencido no acórdão que entende não ver na infração perpetrada gravidade que justifique o despedimento.


25. Com o devido respeito nem o acórdão consegue justificar a proporcionalidade da sanção aplicada aos factos que são dados como assentes, para poder alterar a decisão que o tribunal de trabalho de ... tomou de considerar o despedimento do recorrente/autor como ilícito.


26. A sanção aplicada, a mais gravosa do nosso sistema jurídico laboral, não se enquadranaregradaproporcionalidade, previstano n.º 1 do artigo 330º do Código do Trabalho e por essa razão, andou bem o tribunal de trabalho de ..., quando decidiu pela ilicitude do despedimento, estando mal esta alteração da decisão que o tribunal da relação decidiu, tornado até, com o devido respeito, discricionária e tomada de animo leve, por não ter factos onde se basear.


27. Teria sido necessário que os factos provados, incluindo os aditados pelo tribunal de onde se recorre, constituíssem, por si, violação grave dos deveres do autor/recorrente e tivessem tido consequências danosas para a entidade patronal ao ponto de justificar o despedimento com justa causa, tendo em conta as circunstâncias concretas dos factos e as disposições legais em vigor. Com efeito, nos termos do preceituado no artigo 351º do código do trabalho não basta a demonstração de qualquer comportamento imputável ao trabalhador para que se possa ter por verificada uma situação de justa causa de despedimento.


28. A justa causa de despedimento pressupõe a existência de uma determinada ação ou omissão imputável ao trabalhador a titulo de culpa, violadora dos deveres emergentes do vinculo contratual estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vinculo.


29. O comportamento do trabalhador tem de ser imputado a titulo de culpa (dolo ou negligencia), a apreciar segundo o critério objectivo, isto é pela diligência de um bom pai de família (n.º 2 do artigo 482º do Código Civil) e não segundo os critérios subjectivos da entidade empregadora, com relevância e valoração das circunstâncias atenuantes e as causas da exclusão da culpa que possam ter existido, designadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante.


30. E, como vem sendo entendimento da jurisprudência, quer a culpa, quer a gravidade da infração disciplinar, hão de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal médio, colocado em face do caso concreto, utilizando para o efeito, critérios de mera objetividade e racionalidade.


31. Até porque, tendo as penas disciplinares a função ético-jurídica de castigar um comportamento reprovável do trabalhador, aação depunir deverevestir dignidade punitiva. No exercício do poder disciplinar é necessário atender ao principio da proporcionalidade e a juízos de equidade, por modo a conservar, sendo possível, o contrato de trabalho, uma vez que, o despedimento é a sanção mais grave prevista pelo legislador, a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada.


32. No caso em apreço e face à matéria provada, o tribunal concluiu que a pena a aplicar nunca poderia ser a de despedimento, por esta se afigurar inadequada à gravidade da conduta do autor e ao factos agora aditados, como explanado, em nada mudaram esta conclusão que foi tomada pelo tribunal de trabalho de .... Os factos provados não se enquadram no que deve ser punível com um despedimento, quer à luz de um bom pai de família, quer de um empregador médio, normal, que deverá decidir com critérios de objetividade e razoabilidade.


33. O único objectivo do trabalhador/autor/recorrente foi manter sem segurança os tripulantes e os passageiros, cumprindo as regras de segurança que lhe veicularam e ensinaram na formação que teve para o exercício das suas funções de tripulante de cabine.


34. Pelo que, sendo despedimento imediato a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador, na medida em que é a única que quebra, desde logo, o vinculo laboral até ai existente entre as partes contratantes, a mesma só deve ser aplicada relativamente a casos de real gravidade, isto é, quando o comportamento culposo do trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada para o caso a adoção de uma sanção corretiva mas conservatória da relação laboral.


35. E, no caso em apreço, andou bem o tribunal de trabalho de ..., mas andou mal o tribunal da relação em alterar esta decisão, quando a ré/recorrida, não provou sequer as consequências que o comportamento do recorrente teve na manutenção do vinculo laboral, limitando-se a ajuizar a justa causa sem a concretizar em consequências reais e/ou factuais.


36. Não se verificando assim a impossibilidade pratica e imediata da subsistência do vinculo laboral, antes estando provadaaexequibilidadedacontinuação do vinculo laboral.


37. Nem tão pouco se provou que aconduta do recorrente/autor tivesse causado danos operacionais, económicos ou de imagem da recorrida/ré.


38. Tal como vertido na sentença do douto tribunal de trabalho de ..., o poder disciplinar permite que o empregador aplique aos seus trabalhadores várias sanções que vão desde a repreensão até ao despedimento sem indemnização ou compensação (artigo 320º do Código do Trabalho) que devem ser aplicadas atentos os princípios da proporcionalidade e da adequação entre o comportamento do trabalhador e as suas consequências e a sanção a aplicar. E, ainda que a conduta do apelante/autor fosse passível de censura, poderia ter optado pela aplicação de uma outra sanção que fosse conservatória do vinculo laboral.


39. Em conformidade com os pressupostos legais e a melhor jurisprudência não foi de forma alguma demonstrado que havia impossibilidade prática e imediata de subsistência do vinculo laboral, tendo o tribunal da relação decidido alterar uma decisão que era justa e proporcional aos factos provados, sem que tivesse havido factos novos dados como assentes que tenham dignidade para alterar esta decisão de manutenção do vinculo laboral do recorrente/autor e por considerar o despedimento ilícito.


40. Posta esta decisão do tribunal da relação, a nosso ver, errada e sem suporte factual ou legal que a sustente o tribunal não se pronunciou sobre o recurso do recorrente quanto à parte da sentença do tribunal de trabalho de ..., que se pronunciou sobre o contrato do recorrente ser a prazo ou efetivo – considerou esta decisão prejudicada pela precedência da apelação da ré, aqui recorrida, tendo considerado o despedimento perpetrado como lícito.


41. O primeiro pedido do apelante em sede se peça processual contestando a legalidade do seu despedimento é considerar “O autor como trabalhador efetivo da ré desde a data de 05 de janeiro de 2018;”


42. E, a questão do termo do contrato não foi apreciada pelo tribunal de primeira instancia, vindo em sentença, da qual se recorreu, a considerar que o contrato do autor era a termo e como tal não pode decidir pela reintegração, mas apenas pelo pagamento de indemnização e pagamento de vencimentos até ao termo do contrato ocorrido em 04 de janeiro de 2021.


43. Não tendo o tribunal de primeira instancia, logrado resolver a questão do termo do contrato do autor/apelante (que este considera nulo), aquele intentou ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, requerendo ao tribunal a declaração de nulidade do termo do seu contrato de trabalho datado de 05 de janeiro de 2018.


44. Aliás, é o próprio despacho do tribunal de primeira instancia, datado de 03 de setembro de 2020, quem decide que só em processo comum o autor poderia ver satisfeita a sua pretensão e não no âmbito daqueles autos, onde apenas se poderia discutir a licitude, ou ilicitude do despedimento perpetrado pela apelada/ré/recorrida em sede de procedimento disciplinar.


45. Por acreditarmos que este tribunal irá repristinar a decisão do tribunal de trabalho de ..., onde aquele decidiu não se pronunciar sobre a legalidade do termo do contrato do autor/apelante/recorrente, onde não se deveria ter pronunciado sobre essa questão e ter tão somente decretado a ilicitude do despedimento do autor/apelante e condenar a ré/apelada/recorrida na sua reintegração.


46. Posto que assim sendo se mantem esta questão por decidir e que terá este douto tribunal de dirimir, também esta questão – de decidir se o tribunal de trabalho poderia ou não decidir sobre uma questão que já tinha decidido não se pronunciar.


47. Sendo repristinada a decisão da primeira instancia, o recorrente/autor, não pode ficar coartado no seu direito à reintegração, pelo facto de o tribunal ter decidido para além do que foi discutido em sede de audiência de discussão e julgamento.


48. Com o devido respeito, deveria o Tribunal ter decidido pela reintegração do apelante/autor tout court, sem tecer conclusões sobre o termo do contrato do apelante/autor que não estava em causa, nem era matéria em discussão nos autos. 49. Em momento algum o recorrente/autor, optou por lhe ser paga uma compensação e não pela reintegração pelo que, com o devido respeito, entende que o tribunal não poderia ter alterado o propósito deste, partindo de um pressuposto que não foi discutido, nem apreciado em tribunal e muito menos nestes autos.


50. Entende o recorrente que o tribunal não poderia ter decidido pela indemnização, em vez da reintegração usando um argumento que desconhece se se verificou ou não (o termo do contrato do recorrente/apelante/autor), sendo assim nos termos da ad. d) do artigo 615º do CPC causa de nulidade da sentença, na parte em que o tribunal se pronuncia sobre questões que não podia tomar conhecimento.


51. Posto este facto se recorreu para o tribunal da relação sobre esta questão que ficou prejudicada pela decisão da qual se recorre neste acto.


52. Entendeo recorrente/apelante/autor queo tribunal detrabalho delisboa, enfermou asentençadenulidade, nos termos dareferidaal. d) do artigo 615º do CPC quando decidiu apreciar questões para as quais não estava, com o devido respeito, habilitado a decidir.


53. E, lamentavelmente, o tribunal da relação de lisboa enfermou o seu acórdão com uma nulidade insanável – alterou a decisão do tribunal de trabalho de ... que considerou o despedimento do trabalhadorcomo ilícito sem terjustificação factual ou legal para tal, limitando-se a alterar a decisão sem justificação jurídico-legal que sustente essa alteração.


54. E, prejudicou assim a decisão sobre uma questão que é crucial decidir e que, como devido respeito, de uma decisão que era meritória, mas que infelizmente, enferma por se pronunciar sobre uma questão sobre a qual não estava em condições de decidir, o que acontece quando afirma em sentença “tratando-se no caso de um contrato a termo”.


55. Pelo que se entende que deverá ser alterada a decisão do TRL considerando o despedimento do recorrente como ilícito e decidindo pela sua reintegração, tal como aquele propugna desde que impugnou o despedimento de que foi alvo, fazendo assim justiça


A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.


O Exmº PGA emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.


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São questões a decidir:


- a nulidade do acórdão;


-se existe justa causa para o despedimento do Autor;


- caso se considere que não existe justa causa, os autos deverão voltar ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso de apelação do Autor, cujo conhecimento foi considerado prejudicado pelo mesmo Tribunal da Relação em face da procedência do recurso de apelação da Ré.


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Os Factos:


Foram considerados como provados os seguintes factos (a negrito os resultantes da alteração efectuada pelo Tribunal da Relação):


A) Por despacho do 'Chief Marketing and Sales Officer' da empregadora, datado de 25/10/2019, que consta de fls. 2 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi determinada a abertura de processo disciplinar contra o trabalhador.


B) No processo disciplinar, referido em A), foi, em 19/11/2019, elaborada a nota de culpa que consta de fls. 51 a 57 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


C) Por carta datada de 21/11/2019, cuja cópia consta de fls. 58 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a empregadora notificou o trabalhador da nota de culpa, referida em B), comunicando-lhe, igualmente, a intenção de proceder ao seu despedimento com invocação de justa causa e a sua suspensão preventiva, nos termos do disposto no art.º 354.º, n.º 1, do CT.


D) A empregadora, em 25/11/2019, enviou à Comissão de Trabalhadores cópia da nota de culpa, referida em B), conforme aviso de recepção que consta de fls. 61 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


E) O trabalhador respondeu à nota de culpa, referida em B), nos termos expressos no articulado de fls. 63 a 80 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no final do qual arrolou testemunhas que foram inquiridas.


F) Em 14/02/2020, foi elaborado o relatório final que consta de fls. 161 a 197 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual foram considerados provados os factos imputados ao trabalhador na nota de culpa, referida em B).


G) Em 18/02/2020, a empregadora enviou à Comissão de Trabalhadores o processo disciplinar, conforme aviso de recepção que consta de fls. 198 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


H) Em 26/02/2020, a Comissão de Trabalhadores da empregadora emitiu o parecer que consta de fls. 200 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


I) Em 03/03/2020, foi elaborada a proposta de decisão que consta de fls. 201 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


J) Em 09/03/2020, a empregadora decidiu aplicar ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento, alegando justa, por deliberação do Conselho de Administração que consta de fls. 202 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


K) O trabalhador foi notificado do relatório e decisão final, referidos em F) e J), por carta cuja cópia consta de fls. 203 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 11/03/2020.


L) A empregadora, em 12/03/2020, comunicou à Comissão de Trabalhadores a decisão referida em J), conforme aviso de recepção que consta de fls. 206 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.


M) O trabalhador trabalhava para a empregadora, desde o dia 05 de Janeiro de 2018, com contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de um ano, cuja cópia consta de fls. 199 e 200 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o qual foi objecto de duas renovações, por igual prazo, em 05 de Janeiro de 2019 e em 05 de Janeiro de 2020, respectivamente, cujas cópias constam de fls. 201 e 202 dos autos e que aqui se dão, igualmente, por integralmente reproduzidas.


N) O trabalhador exercia as funções de Comissário de Bordo, integrado no Pessoal de Cabina da Direcção de Operações de Voo, no quadro de N..... .... (aeronaves com um corredor), nos termos e de acordo com os planeamentos que mensalmente lhe eram atribuídos.


O) No dia 25 de Outubro 2019, o trabalhador tinha no seu planeamento integrar a tripulação de cabina da rotação ..., que contemplava os seguintes voos (todas as horas indicadas são horas locais de ...):


- T..... – ...) (08H10)/... (...) (11H00);


- T..... - ... (...) (11H50)/...) (12H45);


- T..... – ...) (13H30)/... (...) (16H20);


- T..... – ... (...) (17H10)/...) (18H05).


P) A hora de apresentação para início do período de serviço de voo (Ponto 3 da Cl.ª 4.ª do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho – RUPT, Anexo ao AE aplicável) era às 7H10, sendo o limite de PSV previsto de 12H00 (Cl.ª 25.ª, n.º 1 do RUPT).


Q) Nos termos do Ponto 23 da Cl.ª 4.ª do RUPT, o período de serviço de voo contabiliza 30 minutos depois de calços, ou seja, depois do momento da imobilização definitiva da aeronave após o último voo.


R) O último voo da rotação em causa chegava a ..., a calços, às 18H05.


S) A referida rotação operou com os seguintes tripulantes de cabina nos primeiros dois voos: CPT CC, OPT DD, CCB EE, CAB FF, o aqui trabalhador, CAB GG, CAB HH (CPT – Comandante / OPT – Oficial Piloto / CCB – Chefe de Cabina / CAB – Comissário/Assistente de Bordo).


T) O trabalhador tinha como hora de apresentação no dia 25 de Outubro de 2019 as 7H10m, tendo feito o seu sign-on às 7H00 daquele dia.


U) O primeiro voo da rotação planeada, o T..... .../..., tinha hora prevista de saída às 08H10m, mas apenas saiu às 08H48m (hora local), tendo chegado a ... às 10H48m (11H48m hora de ... – também hora UTC).


V) Na altura do embarque para o voo de regresso de ... para ..., o trabalhador entrou em contacto com a área das Escalas em ..., por telefone, tendo conversado com a trabalhadora II, tendo-a informado que iriam ultrapassar o limite de tempos de serviço imposto pelo AE que lhes é aplicável.


W) A trabalhadora II, da área das Escalas, respondeu ao trabalhador 'vou verificar a sua situação, é que estamos com um problema no sistema, assim que possível vou verificar e depois à chegada já vou ter alguma coisa para vos dizer', tendo transmitido esta informação ao trabalhador e os tripulantes realizado o voo de regresso a ....


X) O Voo T..... .../... saiu de ... às 11H44m e chegou a ... às 13H37m, ou seja, 52m depois da hora planeada de chegada.


Y) Após o desembarque deste voo, o trabalhador e os restantes colegas CABs dirigiram-se para o ... 105 onde se encontrava o avião ..., estando já no local a restante tripulação técnica e a Chefe de Cabine, para realizarem os voos ....


Z) Quando chegaram ao referido local, o trabalhador e os seus colegas CABs, informaram a restante tripulação, onde se incluía o Comandante do voo, que provavelmente iriam queimar/ultrapassar os limites de tempo de serviço caso realizassem o voo.


AA) Tendo sido informados pelo Cdte. JJ, Comandante do voo, que teriam que resolver essa situação para prosseguir com o voo.


AB) Nessa altura, o trabalhador contactou telefonicamente a área das Escalas, tendo sido atendido pela trabalhadora BB, e informou que 'Eu vim agora, e liguei-lhes quando ainda em escala em ... a informar que íamos ultrapassar o duty, tempo legal de trabalho, estamos a apresentar-nos agora ao comandante, mas o portal tem a dizer logicamente que ultrapassámos, diz 12h15m, nós não vamos voar, eu informei a II das escalas que não estávamos receptivos a voar, ela disse que estava sem sistema, que já vou ver isso, agora chegamos'.


AC) Sendo o PSV do trabalhador de 12H00, o mesmo terminava às 19H10m.


AD) A trabalhadora BB, da área das Escalas, respondeu ao trabalhador que 'fomos falar com o CCO devido a essa situação e foi dada previsão de aterragem em ... às 18h15m, portanto está dentro de tempos de trabalho'.


AE) No mesmo contacto telefónico, pela interlocutora da área das Escalas foi dito ao trabalhador 'KK não está fora do AE, porque está previsto aterrar às 18h15m' e 'KK vocês pelo AE podem voar até às 18h40m, o CCO está a informar que podem porque estão previstos chegar às 18h15m, então estão dentro do AE'.


AF) O trabalhador, sempre em contacto com os outros tripulantes, respondeu à colega das Escalas que 'não está reflectido no portal, nem pode estar porque o previsto que vai acontecer não sabemos, mas para todos efeitos pelos tempos de voo, iríamos ultrapassar o limite, que não vamos ultrapassar, foram informados, tiveram tempo para ver esta situação, nós não vamos fugir do AE, e os dados que nós temos é que vamos fugir, agora agilizem isto e organizem-se' e 'o ED correcto, não sei o que isso quer dizer, o que lhe estou a dizer é que nós não vamos conseguir, ou vamos com certeza ultrapassar o duty legal e nós não vamos fazer isso', o que fez apenas com base na informação à data no sistema Fly TAP que constitui uma previsão"


AG) Depois de lhe ser referido pela interlocutora da área das Escalas que, perante a recusa dos tripulantes em causa para voar, teria que registar a situação em causa como falta, o trabalhador voltou a confirmar com os outros tripulantes, nomeadamente a refazerem as contas para o PSV, e informaram por fim que 'temos prints da informação que está no portal e diz 12h15m, nós não vamos fazer tá bem? Faça como entender' e 'registe que eu também vou registar que vocês estão a fazer uma pressão tremenda para nós cometermos uma ilegalidade e faça quem vier, nós não vamos fazer, temos prints a dizer 12h15m, e pronto vamos avançar e depois as escalas e também com o sindicato noutros trâmites'.


AG-1) Na conversa havida entre o Autor e a trabalhadora BB do Serviço de Escalas, constante dos Factos AD) a AG), foi o mesmo informado pela trabalhadora BB que a previsão de aterragem em ... às 18H15 ainda não estava reflectida no Portal;


AH) Em seguida, o trabalhador e os outros tripulantes abandonaram o local, com autorização do Cdte. JJ.


AH-1 O A. informou as Escalas que ia ficar no avião a aguardar, mas tal não se verificou, o que não permitiu o embarque imediato de passageiros.


AI) O trabalhador recebeu um contacto telefónico da área das Escalas, do trabalhador LL, interrogando-o do local onde se encontrava, ele e os seus colegas, dando-lhe conta que não tinham recebido indicações para abandonar o avião e que, por ainda se encontrarem todos dentro dos tempos de serviço, teriam que voltar ao ... para fazer o embarque dos passageiros para ..., enquanto os colegas tripulantes chamados para os substituir não chegassem.


AJ) O trabalhador e os colegas HH e GG retornaram ao avião e realizaram o embarque dos passageiros, até que os colegas chamados de casa (serviço de Assistência) chegassem para realizar os voos ....


AK) Os colegas chamados de Assistência para realizar o voo tinham, desde que recebem o contacto das Escalas, uma hora para se apresentar no voo.


AL) O trabalhador, terminado o embarque, realizou o sign-off às 15H14m.


AM) O voo T..... .../... saiu de ... às 15h34m.


AM-1) Se o Autor não tivesse abandonado o avião e recusado fazer o voo ..., tinha sido possível que o voo para ... saísse às 14H22 ou às 14H25 e com plano de voo reduzido, sem terem sido perdidos sucessivos slots.


AM-2) O voo ... chegou a calços em ... às 18H47 (UTC) ou 19H47, hora local em ....


AM-3) É possível alterar os planos de um voo, por exemplo, em situações de irregularidade, reduzindo os tempos de voo, com alterações, por exemplo, da rota planeada ou o aumento da velocidade prevista.


AN) Os valores a pagar pela rotação do avião no aeroporto de ..., à data do despedimento, estimavam-se em € 181,00.


AO) Os valores despendidos pela TAP, com a protecção de passageiros com perda de ligações, foram de € 144,00.


AP) A aplicação móvel MY TAP faz a ligação ao P..... ..., onde se pode encontrar o planeamento e horários estimados a cumprir.


AQ) No tempo de espera pelos colegas substitutos foi realizado, pelo trabalhador e pelos colegas HH e GG, além do embarque dos passageiros, serviço de águas e preparações de serviço para o voo.


x


- o direito:


- a nulidade do acórdão:


Veio o Autor- recorrente arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação, por omissão de pronúncia.


Nos termos do artº 615º, nº 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que somente se verifica omissão de pronúncia – e, consequentemente a correspondente nulidade -, quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas, expendidos pela acusação e pela defesa ou, na fase seguinte, pelos recorrentes em amparo das teses em presença- cfr., a título de exemplo, o ac. de 28/09/2022, proc. 921/19.7JAPRT.P1.S1


E, como é sabido, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal não conhece de uma questão por se considerar prejudicada pela solução dada a outra(s)- artº 608º, nº 2, do CPC.


Dito isto, aderimos às considerações do acórdão do Tribunal da Relação que se pronunciou sobre essa arguida nulidade, nada havendo a acrescentar às mesmas:


“No que concerne à nulidade invocada, parece evidente que não foi cometida no acórdão. Veja-se que nele foi considerado o seguinte:


“(...) Cumpriria agora apreciar as questões colocadas na apelação do autor e que fundamentalmente consistiam em apurar se lhe assistia direito a ser reintegrado na empresa da apelada ré, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e com as demais consequências legais.


Porém, a procedência da apelação daquela determina que a apreciação dessas questões fiquem necessariamente prejudicadas, pelo que delas se não conhecerá ex vi do art.° 608.°, n.° 2 do Código de Processo Civil».


E em face disso, foi decidido que: «Termos em que se acorda: a) na apelação da ré: i. quanto à impugnação da decisão da matéria de facto:

alterar o facto provado em AF), ficando assim: "AF) O trabalhador, sempre em contacto com os outros tripulantes, respondeu à colega das Escalas que 'não está reflectido no portal, nem pode estar porque o previsto que vai acontecer não sabemos, mas para todos efeitos pelos tempos de voo, iríamos ultrapassar o limite, que não vamos ultrapassar, foram informados, tiveram tempo para ver esta situação, nós não vamos fugir do AE, e os dados que nós temos é que vamos fugir, agora agilizem isto e organizem-se' e 'o ED correcto, não sei o que isso quer dizer, o que lhe estou a dizer é que nós não vamos conseguir, ou vamos com certeza ultrapassar o duty legal e nós não vamos fazer isso', o que fez apenas com base na informação à data no sistema Fly TAP que constitui uma previsão";

aditar os seguintes factos aos provados:

"AG-1) Na conversa havida entre o Autor e a trabalhadora BB do Serviço de Escalas, constante dos Factos AD) a AG), foi o mesmo informado pela trabalhadora BB que a previsão de aterragem em ... às 18H15 ainda não estava reflectida no Portal";


"AH-1 O A. informou as Escalas que ia ficar no avião a aguardar, mas tal não se verificou, o que não permitiu o embarque imediato de passageiros";


"AM-1) Se o Autor não tivesse abandonado o avião e recusado fazer o voo ..., tinha sido possível que o voo para ... saísse às 14H22 ou às 14H25 e com plano de voo reduzido, sem terem sido perdidos sucessivos slots";


"AM-2) O voo ... chegou a calços em ... às 18H47 (UTC) ou 19H47, hora local em ...";


"AM-3) É possível alterar os planos de um voo, por exemplo, em situações de irregularidade, reduzindo os tempos de voo, com alterações, por exemplo, da rota planeada ou o aumento da velocidade prevista";


ii. quanto à questão jurídica: conceder provimento à apelação, revogar a sentença apelada e absolver a ré do pedido;


b) na apelação do autor: julgar prejudicado o seu conhecimento pela procedência da apelação da ré».


Assim sendo, o acórdão não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, pois que se limitou a considerar prejudicado o conhecimento da pretensão da apelação do autor pela procedência da apelação da ré de acordo com o que dispõem os art.os 608.°, n.° 2 e 663.°, n.° 2 do Código de Processo Civil. Além disso expôs os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão que adoptou de considerar lícito o despedimento do trabalhador.


Poderá, eventualmente, o que se admite por necessidade de raciocínio, ter decidido contra legem, mas isso não significa, naturalmente, que a decisão fosse nula”.


Não se verifica, pois, a nulidade invocada.


- a justa causa de despedimento:


A Ré- empregadora imputou ao Autor- trabalhador condutas que, no seu entender, violaram os deveres previstos nas alíneas a), c), e) e h) do nº 1 do art. 128º do CT, constituindo, nos termos dos nºs 1 e 2, al. d), do art. 351º, do mesmo diploma legal, justa causa de despedimento, porquanto, pela sua gravidade e consequências, tornam impossível a subsistência da relação de trabalho.


Quanto a esta e específica questão da ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa, as instâncias chegaram a conclusões diversas.


A 1ª instância:


“Na verdade, em vista dos factos provados, não pode inferir-se, como fez a empregadora, que dos factos resulte a quebra irremediável da relação de confiança que deve existir entre o trabalhador e a respectiva empregadora, de modo a justificar-se a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa.


É que, haverá que ter em conta o critério da proporcionalidade da sanção a aplicar ao caso concreto. E apesar da conduta do trabalhador, traduzida nos factos provados, ser passível de censura, sempre a empregadora poderia ter optado pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral. Desde logo porque não prova os prejuízos que alega, decorrentes da conduta do trabalhador.


Nem o nexo de causalidade entre os alegados prejuízos e a mesma conduta.


Conduta essa que indicia a preocupação de cumprir o estabelecido no AE em termos de tempos de serviço, de acordo com a informação disponível na aplicação My Tap.


Sendo certo que, tendo o serviço de escalas tido conhecimento prévio da situação de risco de ultrapassagem do tempo de serviço em que se encontrava o trabalhador e os seus colegas de tripulação, poderia, atempadamente, ter tratado da sua substituição, de modo a que fossem evitados atrasos por essa causa.


Assim, a aplicação da sanção de despedimento ao comportamento do trabalhador, plasmado nos factos provados, mostra-se desproporcionada à gravidade de tal comportamento, não estando, assim, preenchida, salvo melhor opinião, a cláusula geral constante do 1 do art. 351º, do CT.”.


O acórdão recorrido, com voto de vencido:


«…não p[a]rece legítimo dizer que a conduta do apelado indiciava uma preocupação em cumprir o estabelecido no AE em termos de tempos de serviço, de acordo com a informação disponível na aplicação My Tap, pois que esta disponibiliza apenas previsões, o que por si o deveria fazer admitir que a mesma se não concretizasse; acresce o facto de sucessivamente ter sido informado por trabalhadores da apelante da área relevante de que estava dentro do tempo de serviço e que a previsão de aterragem em ... às 18H15 ainda não estava ali reflectida. O que tudo isto evidencia é, outrossim, uma atitude de profundo desrespeito pelos passageiros dos dois últimos voos da rotação (... e regresso), que afinal de contas são a razão da existência da empresa ou pelo menos um meio para esse fim. E isto, como também concluiu a apelante, quando "do confronto da hora de chegada do voo de ... (Facto X), da hora de apresentação no dia 25-10-2019 (Facto U), do termo do período de serviço de voo do Autor (Facto AC), e da hora a que o mesmo realizou o sign-off(15H14; facto AL), resulta demonstrado que ... se recusou a exercer as suas funções cerca de 4H00 antes de se completar o período máximo do serviço de voo"; sendo certo, acrescenta-se agora, que "o voo ... chegou a calços em ... às 18H47 (UTC) ou 19H47, hora local em ...". E por isso mesmo também não parece adequado dizer-se, como na sentença apelada, que "tendo o serviço de escalas tido conhecimento prévio da situação de risco de ultrapassagem do tempo de serviço em que se encontrava o trabalhador e os seus colegas de tripulação, poderia, atempadamente, ter tratado da sua substituição, de modo a que fossem evitados atrasos por essa causa", pois que não o apelante estava dentro do seu PSV (período de serviço de voo),22 como também sempre seria "possível alterar os planos de um voo, (...) reduzindo os tempos de voo, com alterações (...) da rota planeada ou o aumento da velocidade prevista" e com isso evitar a consumação desse risco.[“].


Em face de tudo isto é razoável considerar irremediavelmente quebrada a relação de confiança da apelante no apelado e com isso impossível a manutenção da relação laboral que existia entre ambas; por outras palavras, lícito o despedimento do apelado, por fundamentado em justa causa”.


Vejamos:


Dispõe o artigo 351º, n.º 1, do CT, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


No seu n.º 3, determina-se que na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.


A justa causa de despedimento define-se segundo duas linhas marcantes: de um lado, a existência de um comportamento culposo do trabalhador, traduzido na violação grave dos seus deveres pessoais e profissionais; de outro, a imediata impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral com o empregador.


São requisitos da justa causa de despedimento:


a. Um elemento subjetivo – traduzido num comportamento culposo do trabalhador por ação ou omissão;


b. Um elemento objetivo – traduzido na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;


c. Um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.


A justa causa visa sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.


Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo laboral represente uma incomportável e injusta imposição ao empregador.


Por outro lado, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que ele seja grave em si mesmo e nas suas consequências.


Ora, a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjectivo do empregador, devendo antes atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.


Tanto a gravidade como a culpa deverão ser apreciadas em termos objetivos e concretos, como já sobredito, de acordo com o entendimento de um "bom pai de família" ou de um "empregador normal", em face do caso concreto e segundo critérios de objetividade e razoabilidade.


Deste modo, o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá sempre que a ruptura dessa relação seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual aberta com aquele comportamento culposo- cfr. , entre outros, ac. do STJ de 05-06-2019, Proc. n.º 6926/15.0T8FNC.L1.S1, 28-10-2020, Proc. n.º 2670/18.4T8CSC.L1.S1, 16-12-2021, Proc. n.º 3195/19.6T8VNF.G1.S1 e, mais recentemente, 14-07-2022, Proc. n. º 150/21.0T8AVR.P1.S1


Passando ao caso concerto, dúvidas não podem restar da existência de uma infracção disciplinar por parte do trabalhador.


Mas, desde já se adianta, a factualidade dada como provada, sendo que, como muito bem se saliente do parecer do Exmº PGA, os factos alterados e aditados pelo acórdão recorrido não implicaram uma transformação significativa nessa factualidade, conduz à conclusão que essa infracção não é de molde a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.


Num breve enquadramento factual, temos que no dia 25 de Outubro 2019, o trabalhador tinha no seu planeamento integrar a tripulação de cabina da rotação ..., que contemplava os seguintes voos (todas as horas indicadas são horas locais de ...):


- T..... – ...) (08H10)/... (...) (11H00);


- T..... - ... (...) (11H50)/...) (12H45);


- T..... – ...) (13H30)/... (...) (16H20);


- T..... – ... (...) (17H10)/...) (18H05).


Sendo a hora de apresentação para início do período de serviço de voo as 7H10.


O período de serviço de voo contabiliza 30 minutos depois de calços, ou seja, depois do momento da imobilização definitiva da aeronave após o último voo.


O último voo da rotação em causa chegava a ..., a calços, às 18H05.


O trabalhador alertou, pelas 11h44m, o serviço de Escalas da Ré, em conversa estabelecida com a sua colega II, para o facto de, segundo a previsão constante da aplicação My Tap, ele e os restantes colegas CABs iriam exceder o tempo de serviço de voo (PSV), pelo que não fariam a viagem para ....


Não houve mais nenhuma comunicação sobre este assunto pela parte dos serviços da recorrida, nem qualquer alteração na aplicação My TAP, até ao desembarque dos passageiros do voo entre ..., o que ocorreu seguramente algum tempo depois das 13h37m.


Realizado nessa altura novo contacto pelo recorrente com a área das Escalas foi-lhe então comunicado pela sua colega BB que, por informação colhida no CCO, tinha sido foi dada como previsão de aterragem do voo provindo de ... em ... como sendo às 18h15m, portanto dentro do PSV – mas continuou a não existir qualquer alteração de informação na aplicação My TAP.


Dessa comunicação dos serviços de Escala da recorrida não foi fornecida ao recorrente informação suficiente que lhe permitisse, juntamente com os outros CABs concluir que iria cumprir o PSV previsto no AE, em contrário do que resultava da aplicação My TAP.


Como muito bem se salienta no Parecer do Exmº PGA, não se encontra na matéria provada factos que permitam a conclusão constante no acórdão recorrido no sentido de o recorrente «sucessivamente ter sido informado por trabalhadores da apelante da área relevante de que estava dentro do tempo de serviço», pois só se regista essa comunicação na conversa com a colega BB.


Repare-se que tanto a informação da aplicação MY TAP, como a informação verbal prestada ao recorrente, não passam de meras previsões, pois apenas com a realização e chegada do voo é que se podem ter dados definitivos.


Pelo que, e também segundo referido Parecer, não se acompanha o acórdão recorrido no relevo que deu ao considerar que, disponibilizando a aplicação My Tap apenas previsões, o recorrente teria que admitir que a informação nela constante não se concretizasse.


“É que a comunicação verbal que foi efetuada pela colega das Escalas para além de também constituir, naturalmente, uma previsão, nem sequer forneceu outros elementos que permitissem ao recorrente fazer as contas para o PSV e, eventualmente, chegar a conclusão diversa da que tinha com base na aplicação My Tap”.


E, face ao conjunto da factualidade provada, não nos parece minimamente seguro que o atraso na partida do voo para ... se tenha devido exclusivamente ao comportamento do trabalhador. Para tal também contribuíram os próprios serviços de Escala da Ré.


E ainda que se verificasse imputação exclusiva ao trabalhador, e como também se adverte no citado Parecer, as consequências daí provenientes que foram dadas como provadas são de pouco relevo.


A nível financeiro estamos a falar de € 181,00, de valores a pagar pela rotação do avião no aeroporto de ..., e de € 144,00, de valores despendidos pela TAP, com a protecção de passageiros com perda de ligações. E também não se pode de falar de prejuízos relevantes para a imagem da empresa: o atraso de um voo, sempre de evitar e de lamentar, pelos transtornos que causa primordialmente aos passageiros, já é uma “imagem de marca” da Ré- TAP. Como, mais uma vez com acerto, se salienta no Parecer do Exmº PGA, a frequência com que ocorrem atrasos nos voos, atribuídos às mais diversas razões, é muito considerável – segundo informação disponibilizada on line, cerca de 40% dos voos da TAP chegam atrasados- Cf. por exemplo, as seguintes páginas: https://www.flightstats.com/v2/flight-ontime-performance-rating/TP/1042


https://www.flight-delayed.com/tap-portugal-tp-what-you-need-to-do-if-your-tap-portugal-flight-is-delayed-cancelled-or-overbooked


E também se subscrevem as seguintes considerações do dito Parecer:


“Por outro lado, não se encontra na factualidade dada como provada qualquer outro comportamento que permita concluir pelo desrespeito do recorrente em relação aos passageiros dos dois últimos voos ou à empresa, uma vez que o mesmo alertou atempadamente a área de Escala sobre a situação existente.


A existir desrespeito, o mesmo seria então, e com maioria de razão, extensível aos serviços da recorrida intervenientes naquela situação, já que, apesar de devidamente alertados para a situação, nada fizeram, para além de tentarem convencer o recorrente a realizar os voos.


Por último, é também de salientar que, apesar da sua tomada de posição na primeira comunicação que efetuou com a sua colega da área de Escala, não existiu da parte da recorrida qualquer ordem hierárquica no sentido de o recorrente efetuar aquele voo”.


E o próprio comportamento do trabalhador revelador de alguma falta de zelo e diligência, foi por ele reparado quando acatou a ordem para regressar ao avião e fazer o embarque dos passageiros – pontos AH-1, AL), AJ, e AQ).


Tudo isto para dizer, e como já se adiantou, que ainda que se deva qualificar o comportamento do Autor como integrador de uma infracção disciplinar, o mesmo não tem a virtualidade de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.


A Ré podia e devia ter reagido conta a crise contratual aberta com uma sanção menos grave, conservatória da relação.


Dá a ilicitude do despedimento.


Não existindo justa causa, os autos deverão voltar ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso de apelação do Autor, cujo conhecimento foi considerado prejudicado pelo mesmo Tribunal da Relação em face da procedência do recurso de apelação da Ré.


x


Decisão:


Nos termos expostos:


-concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e considerando-se ilícito o despedimento do Autor;


-ordena-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para a finalidade supra-descrita.


Custa pela Ré.


Lisboa, 03/11/2023


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos Morais


Azevedo Mendes





Sumário (da responsabilidade do Relator).