Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7882/19.0T9LSB-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
CONDENAÇÃO
BURLA QUALIFICADA
PROVA TESTEMUNHAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que, para efeitos do n.º 1, al. d), do artigo 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação, e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.

II. “Novos” são também os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal, admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento.

III. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão, o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

IV. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade», isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

V. Alega o recorrente a verificação de nulidades, erros de apreciação e sobre a validade e valoração da prova e do relatório social no processo da condenação, matérias que apenas podem ser discutidas no âmbito desse processo, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, e que não podem ser consideradas no âmbito do recurso extraordinário de revisão.

VI. Apenas as testemunhas indicadas podem ser consideradas no sentido de se determinar se constituem “novos meios de prova”.

VII. Limita-se a recorrente a dizer que existia “desconhecimento”, pela sua parte de que “poderia ser relevante para a descoberta da verdade”, o que, na formulação utilizada, não esclarece adequadamente se ignorava a sua existência ou se, não ignorando, não sabia que esta pessoa pudesse ter conhecimento de factos sobre que estivesse em condições de depor como testemunha. Pelo que, não se mostrando cumprido o n.º 2 do artigo 453.º do CPP, poderia não se aceitar esta “nova prova”.

VIII. Do depoimento da única testemunha ouvida não se extrai qualquer elemento novo suscetível de, no confronto com os factos provados e com as provas que fundamentaram a decisão em matéria de facto, gerar qualquer dúvida sobre os factos que fundamentaram a aplicação da pena, ou seja, sobre a justiça da condenação.

IX. Assim, não ocorrendo a descoberta de novos meios de prova que possam constituir fundamento da revisão da condenação, carece o recurso manifestamente de fundamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguida, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 26 de novembro de 2020 proferido no Juízo ... do Tribunal Judicial Central Criminal da Comarca de ..., que a condenou na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada p. e. p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), do Código Penal («CP»).

2.Apresentando” o que considera serem quatro “novos meios de prova”, conclui a motivação dizendo, em conclusões (transcrição):

«1º. A arguida e ora recorrente AA Abreu, foi condenada na pena única de 5 anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, p. e. p. pelos artigos 217.º e 218.º n.º 2 al. a) do CP, sobre a matéria de facto foi julgada com base em pressupostos errados, nomeadamente provas documentais circunstanciais que foram consideradas, postura da arguida no momento do julgamento entre outros pontos que não se revestem de fundamento, medida concreta da pena, e com base na matéria de direito na violação do princípio in dúbio pro reo.

2º. Das provas documentais existentes no processo, e como provadas na sentença proferida na 1ª instância conforme Doc. 1 que se junta em anexo, desde sempre se arguiu que foi devidamente confessado em sede de julgamento pela Assistente que as mesmas foram elaboradas pela mesma, nomeadamente o quadro Excel a que reportam os valores em causa. Os cheques e levantamentos apenas constam o nome da Assistente sem que nunca fosse mencionado o nome da arguida e ora assistente, ou a sua presença nos momentos de levantamento, pelo qual se reproduz parte da transcrição do que foi proferido em audiência de julgamento no ponto seguinte.

3º. “00:00:39: Juíza: se calhar vamos aqui um bocadinho atras, a Sra. foi confrontada aqui no processo, disse a Sra. que foi a Sra. que elaborou, relativamente, se calhar vou pedir a Sra. que se aproximasse aqui de nós, a Sra., disse que este quadro folhas 92 foi a Sra. que elaborou é isso? 00:01:22: Assistente: sim

00:01:26: Juíza: e elaborou com base em quê? Ou seja, como é que a Sra. recolheu elementos para fazer esta certificação (descrição do que vem escrito na tabela) a Sra. fez isto recorreu a que? 00:01:39: Assistente: portanto eu ia anotando as situações que eu tinha, por email eu tinha as verbas que me pediam ia assentando tanto quanto possível todas, pode alguma ter escapado, mas ia anotando as verbas.”

4º. Ainda sobre este ponto dos levantamentos, transcreve-se o que consta ainda de relevante nos áudios da audiência de julgamento, nos pontos seguintes;

5º. “00:07:47: A senhora fazia esse levantamento como? Por multibanco, através de cheque?

00:07:53. Foi assim claro que eu não tinha muitas vezes a verba disponível à ordem, então o que eu fazia era, tinha certificados de aforro, as minhas reservas, então ia ao correio ali na praça do município e pedia para levantar os certificados de aforro para passar para a minha conta, isso era imediato no dia seguinte tinha logo, com o Santander o que eu fazia era telefonava sempre para a minha gerente de conta e dizia eu amanha preciso 3 mil, 4 mil, 10 mil em numerário e eu fazia isto com 1 ou 2 dias de avanço porque nem sempre o banco tem disponível tanto dinheiro em caixa e também pedia sempre para ser em notas o mais alto possível para ser o mínimo volume possível e assim eu fazia quando eram muito elevadas pediam me para escrever uma declaração a justificar para o que é que era.

00:09:07: e a sra escrevia o que? 00:09:08: eu escrevia para assuntos relacionados com os meus filhos.”

6º. “00:01:39: portanto eu ia anotando as situações que eu tinha, por email eu tinha as verbas que me pediam ia assentando tanto quanto possível todas, pode alguma ter escapado, mas ia anotando as verbas.

00:02.22: as quantias monetárias eram sempre pedidas a sra por email? 00:02:26: era

0:02:29: nunca a sra d. AA diretamente lhe pediu nada? 00:02:30: diretamente não”

7º. De forma muito correta e bastante elucidativa, vem a Assistente informar que foi a mesma que elaborou o quadro em Excel e que serviu de prova em sede de julgamento, prova essa que se vislumbra, salvo melhor entendimento ser uma prova proibida, e que mais a frente explicaremos os motivos.

8º. O mesmo se diga quanto às testemunhas apresentadas pela Assistente, que, confirmaram nos seus depoimentos que nunca assistiram a entrega de valores á arguida, e que apenas prestavam declarações porque conheciam a Assistente, e sabiam o que apenas transmitia, factos concretos nenhuma delas afirmou, basta que se verifique as declarações do irmão da Assistente.

9º. Resulta ainda, dos factos dado como provados no acórdão proferido em 1.ª instância que a Assistente nunca teve contacto nem conhecia os referidos BB e CC, sendo considerado um “plano” astucioso da arguida, para obter verbas que não lhe pertenciam, porém, no depoimento da Assistente em sede de julgamento a versão seria no nosso entendimento um pouco diferente, e no qual iremos transcrever no ponto seguinte;

10º. “00:33:25 Juíza: então, mas ele chegou a entrar a vale de acor? 00:33:27 ele chegou a entrar no vale de acor.00:33:28 e foi através dessa tal vaga arranjada pela petra e pelo marido? 00:33:32 isso eu nunca soube.

00:33:34 Juíza: diz não sabe, não sabe se esses 1000euros foram para pagar ou não essa entrada? 00:33:39 não, não mesmo. não e até porque quando conheci o técnico de vale de acor, ele deu-me a entender que tinha sido uma grande sorte a entrada do DD porque nunca há vagas, e eu até comecei a achar que se calhar tinha sido o meu amigo o tal que eu disse que ia falar la também.

00:34:17 Juíza: então, mas supostamente não tinha pagado para ele entrar supostamente a uma pessoa, como é que foi achar que foi o seu amigo, então a Sra. tinha entregado 1000eur supostamente a petra para ela arranjar maneira de ele la conseguir entrar, como é que começou a achar que era o seu amigo, então disse que nunca mais falou com o seu amigo depois de ter falado á petra? 00:34:33 não falei, mas quando ele me disse raquel é uma boa ideia eu vou falar com alguém e depois disse-me que não conseguia que não havia vaga que estava cheio.

00:34:51: Juíza: então repare, isso tem logica de a senhora ter entregado os 1000eur porque com a petra ou alguém de nome petra arranjou a vaga ou ia arranjar, eu não percebo é porque é que a Sra., tendo entrado o filho da senhora tendo pagado os 1000eur porque é que achou que tinha sido o amigo da senhora e não a pessoa a quem supostamente pagou os 1000euros. 00:35:12: eu não sei sim, tem razão, tem razão

00:35:15 Juíza: Como? 00:35:17 tem razão agora estava a pensar tem razão.”

11º. A este respeito vem o irmão da Assistente e testemunha no processo afirmar:

“00:02:39: Portanto, eu residindo em beja muitas das partes sei através de telefonemas, mas das vezes que tenho cá vindo ver a minha mãe tenho estado com a minha irmã portanto isto é um problema que já se arrasta á muito anos infelizmente e, psiquicamente a minha irmã tem vindo a piorar tanto que hoje precisa de tratamentos e ajuda de psicólogos, portanto o meu sobrinho é uma pessoa excelente, mas com o desenrolar do tempo a vida dele foi-se desenrolando para outro lado e foi experimentando as drogas e portanto alterou-se completamente e tornou-se um pouco incomunicável com a minha irmã que é a mãe “

“00:09:50: não falei nada, absolutamente nada, mas posso mencionar que é verdade que a minha irmã mencionou para eu também não lhe falar nessa situação, porque pelo que eu estava a entender o casal de médicos iria atuar, sem ele perceber que era amigo da família. Portanto nós não íamos comunicar com ele para não o despertar e não lhe dizermos ele depois sabe que são amigos da mãe, ele já não vai falar com os médicos.”

“00:11:00: não. Sabia que como as outras testemunhas, sabia que alguns que estão aí que iria haver encontros, para falar com os ditos médicos e esclarecer alguma situação, e sabia que havia entregas de dinheiro …”

“00:12:51:eu sei das quantias, mas nunca vi, eu sei foi ela afirmar que entregou, mas nunca vi ela a entregar, mas já sei que ela a dizer me que ela entregou, eu acredito na palavra da minha irmã. “

“00:13.18: Procuradora: mas havia a convicção, que de facto havia aqui uma ajuda aqui deste casal? 00:13:23: testemunha: havia uma certa amizade e uma certa ajuda”

“00:24:12: Adv: e quando referiu que a sua irmã entregava dinheiro á D. AA, estas entregas eram para a D. AA ou para o tal casal? 00:24:23: Testemunha: as entregas eram para o tal casal.”

12º. Mencionado pela Assistente

“00:44:23 Juíza: mas para emitir uma fatura ou para que? 00:44:29 eles falaram qualquer coisa, nessa altura já nem fazia caso, já nem ligava, mas eles falaram para emitir uma fatura, mas nessa altura não dei nada de dados que tinham apenas o meu telefone.”

13º. Informações sobre o filho em ... menciona a Assistente:

“00:50:41 Juíza: então, mas como é que a Sra. soube que ele ia a tribunal? 00:50:45 pela BB. Eu com o meu filho nunca falei.

00:50:47Juiza: portanto então a petra o que é que disse a Sra.? 00:50:49 disse que ia haver julgamento no dia tal, imagine por exemplo, eu agora não consigo precisar em que dia de junho é que era e eu disse eu vou claro que vou, vou comprar a passagem vou marcar hotel e vou, e marquei tudo. Entretanto talvez 3 dias antes de partir a petra disse: ah foi adiado não venha que não sei o que, perdi tudo o dinheiro do hotel do bilhete e disse que era passado 1 mês e que pediram mais dinheiro e que eu dei mais dinheiro, mas eu sem saber exatamente o que é que, sobre o julgamento eu lembro me que depois…

00:51:50 Juíza: olhe e depois ela voltou a dizer o novo dia e a Sra. foi? 00:51:54 pronto, entretanto eu decidi eu vou a ... que eu já não aguento mais aqui sem saber ….

00:52:06: Juíza: entretanto ela voltou a dizer-lhe a nova data para o julgamento é isso? 00:52:07 sim sim sim”

14º. Cada pessoa terá o seu conceito de amizade, mas quando se falam em verbas tão avultadas e para o feito que foram mencionadas, crê-se, que no mínimo tenham tido algum encontro, uma relação de confiança, ademais, veio a Meritíssima, e bem, desmistificar esse facto, quando se falou na entrada do filho da Assistente em ..., quando se falou no julgamento do filho, e que foi devidamente confirmado pela Assistente.

15º. Destes depoimentos transcritos pela Assistente, apenas se vislumbra que a mesma conhecia e falava ao telefone com os referidos CC e BB, independentemente de falar ou não com a arguida. Aliás, nunca a arguida poderia ter conhecimento de um presumível julgamento em ....

16º. Sobre a astucia mais se dirá o que consta no acórdão nº 17/12.2TDEVR.E1, do douto Tribunal da Relação de Évora, que nos indica: “Atentemos, para tanto, no direito civil, onde encontramos sistematizadas algumas das figuras relativas ao erro, nomeadamente nas normas jurídicas atinentes à divergência entre a declaração e a vontade real do declarante no quadro da teoria geral do negócio jurídico. Percorrendo as figuras civilísticas pelas quais se concretiza o erro ou engano - a reserva mental, o dolo, a simulação - somos, necessariamente, levados a concluir que o processo enganatório penal - o astucioso – só surgirá muito para além dos limites do processo enganatório civil. O que neste raciocínio se faz é considerar que a ilicitude penal é um desvalor acrescentado em relação à ilicitude civil; é, no fundo, entender que aquela só começa, como último ratio, onde esta termina. O mesmo é dizer que o ilícito penal, enquanto último ratio da censurabilidade social, começa onde existe algo mais do que o que se encontra no ilícito civil. Na sua formulação comum, a astúcia corresponde à habilidade para enganar, ao estratagema, ardil, maquinação. Para caracterizar a conduta astuciosa, não bastará qualquer mentira: terá de haver uma actuação sofisticada, um artificio ou mentira envolta num enredo que dê substrato à realidade apresentada. A astúcia caracteriza-se pelo seu recorte objectivo, que haverá de ser reconstituído a partir de actos materiais que a revelem e não por referência a estados de espírito ao nível da motivação do agente, isto é, não basta que a atitude psicológica do agente seja astuciosa, é necessário antes que seja a conduta exterior deste que revele um quid de astúcia. Por outro lado, para que um facto seja astucioso não basta qualquer mentira. É necessário um "especial requinte fraudulento" ou de uma "mentira qualificada". A astúcia significa, pois, manha ou ardil. É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão, factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa-fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro. Poderá, assim, afirmar-se que a astúcia consiste no aproveitamento de uma vantagem cognitiva do agente sobre o burlado, que lhe permite manipular a vontade deste. No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista. Na burla assiste-se, pois, a um dispositivo de estratagemas, à organização de enganos, a um certo cenário (mise-en-scène) que tem por fim dar crédito à mentira e enganar terceiros. O que verdadeiramente distingue o dolo civil do dolo criminal é que no dolo civil se compreendem as manhas e artificias que, embora, de per si, censuráveis, são no entanto empregados, menos com o intuito de prejudicar outrem, do que no interesse de quem faz uso deles. É nessa categoria que se vêm a integrar os actos mentirosos nos contratos, o exagero do preço ou das qualidades do objecto da venda. A astúcia é algo que acresce à mentira, à dissimulação, ao silêncio, com carácter artificioso, reforçado habilmente com factos, atitudes e aproveitamento de circunstâncias que a tornem particularmente credível (veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Dezembro de 2006, processo n.º 06P3383, relator: Armindo Monteiro, www.dgsi.pt).”

17.º O Tribunal, mesmo com as dúvidas que aqui se colocam, que nada de concreto se encontra, mesmo com as testemunhas a aferir que não conheciam a arguida em causa, e que nem presenciaram qualquer ato de entrega de verbas, ou qualquer outro ato, condenou a arguida na pena mais gravosa, em 5 anos de prisão efetiva.

18º. Ainda se coloca em causa sobre a medida concreta da pena pois que, além de ser baseada em factos circunstanciais e com base na experiência comum, indica ainda “a postura da arguida assumida em audiência de julgamento, de não interiorização dos factos, nem assunção crítica da sua conduta e/ou do desvalor da mesma”.

19º. O crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217.º e 218.º n.º 2 alínea a) do CP é punido com uma pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão. Na fixação da medida concreta da pena é tida em conta e medida da culpa do arguido e, bem assim, são consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte integrante do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, as necessidades de prevenção e o grau de culpa (conforme resulta do referido artigo 71.º n.º 1 do Código Penal).

20º. “Para que se esteja perante um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso, toma-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo e, bem assim, que a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais resida nesse engano. A consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre tais actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial. O referido nexo de adequação deve ser aferido nos termos gerais, tendo em conta as características da vítima, como a sua fragilidade, debilidade intelectual, doença, inexperiência ou relação de confiança com o agente.

21º. Afigura-se tanto pelas declarações da Assistente, como das testemunhas que desconheciam a arguida e apenas prestaram testemunho com base “no que a Assistente contou”, que tais verbas não entraram na esfera jurídica da arguida, não foram entregues a arguida, ademais, nunca esses valores foram peticionados à arguida pela Assistente.

22º. Recordemos, que a Assistente sempre mencionou de forma cabal que foram tais pessoas a receber o dinheiro, por troca de um serviço, que aceitou. Tratou-se de um negócio bilateral entre ambos e que nada dele consta a arguida ou a sua opinião sobre os factos, se duvidas a este respeito subsistem, são desmistificadas pelas declarações da Assistente: “00:45:58 eu estava a pagar um serviço, mas em simultâneo que foi uma coisa que ela disse que parte do dinheiro, que eu, através, eles queriam que o DD fosse um caso de estudo na clínica.”

23º. O Tribunal “a quo”, julgou apenas pela livre convicção, pois que das provas como já referimos e voltamos a reiterar, nada consta ou demonstra que terá sido a mesma a apropriar-se de tal verba.

24º. Gravoso será, que o Tribunal da 1ª instância não teve em consideração o relatório social, conforme consta nos autos e que se reproduz “A arguida mantém relação afetiva com EE, coarguido nos presentes autos há cerca de 7 anos, sem vivência conjugal” e no que respeita às condições familiares mais nos informa o relatório social, dado assim como facto provado.

- “Após a separação e devido ao agravamento da situação de saúde da progenitora e necessidade de acompanhamento da filha, AA Abreu iniciou funções numa empresa de condomínios, onde permaneceu cerca de 2/3 anos.”

- “A arguida reside com a filha, de 14 anos de idade, e a progenitora, residindo em habitação propriedade desta.”

- “A mãe da arguida sofre de depressão e aufere de reforma a quantia mensal de € 580,00.”

25º. Não se ignora que a arguida foi condenada a pena de multa pela prática de crime de burla e falsificação de documentos em 2005 com sentença em 2012 – artigos 64 dos factos provados, do acórdão da 1ª instância.

26º. Vejamos que os crimes de que foi acusada há 15 anos atrás, foram punidos com pena de multa, e se duvidas houvesse, o espaço temporal entre os crimes, nada indica que a sua conduta se coadjuve com a prática do crime de burla como modo de vida.

Com isto, queremos dizer: a arguida não tem uma tendência inata para o crime. Tem uma vida social e pessoal devidamente integrada na sociedade, é estudante na universidade no curso de Direito, tem uma filha e uma mãe a seu cargo, uma boa conduta na sociedade e até na forma de cariz social, logo, tal crime, não se vislumbra ser o seu modo reiterado de vida.

27º. Não se pode genericamente afirmar, como se faz na sentença, que a arguida “se mostra causador de intenso e forte alarme social, não existindo nos autos provado qualquer facto que permita ao Tribunal concluir que a arguida inverteu o seu percurso de vida, inexistindo qualquer alteração neste âmbito relevante, conhecida no seu quotidiano desde a prática destes factos”.

28º. Perante esta afirmação do Tribunal, verifica-se que não foi considerado o relatório social da arguida, que não foi considerado que a mesma estuda Direito na Universidade e que a mesma mantém uma vida familiar estável sendo responsável pela saúde e bem-estar da sua mãe e da sua filha, mas, igualmente grave, será salientar que o Tribunal concluiu que não foi invertido o seu percurso de vida, e com esta afirmação violar o disposto no artigo 75º nº 2 do CP, condenando a arguida em 5 anos de pena de prisão efetiva.

29º. No caso exposto, o digníssimo Ministério Publico, embora que se encontre numa posição contrária à da Recorrente, não deixa de mencionar nas suas alegações em sede de julgamento na primeira instância que a pena a aplicar seria suspensa na sua execução, verificando assim a nosso entender que considerou como relevante o relatório social e efetuou um juízo de prognose favorável.

30º. Não conformada com a sentença proferida, a arguida recorre para o douto Tribunal da Relação de Lisboa, que numa primeira fase recusou analisar o recurso por falta de conclusões ou por existirem conclusões idênticas as motivações do recurso, numa segunda fase após reclamação para ida á Conferência, esta, não deu provimento á reclamação porque considerou falta de conclusões e confirmou a decisão da primeira instância ignorando a matéria de facto e de direito invocadas, conforme Doc. 2 que se junta.

31º. Não se conformando, a ora requerente recorreu em recurso interposto para o Venerado Supremo Tribunal de Justiça, ao qual viu negado o seu provimento pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa ao abrigo do artigo 400º nº 1 al) c do CPP, sem que fosse analisada a referida matéria de direito referenciada no recurso, conforme Doc. 3 que se junta.

32º. Partindo desta premissa não se compreende porque existe a impossibilidade de que exista reexame da matéria de direto.

33º. As questões que a Recorrente arguiu, em sede de recurso, perante o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente a omissão de pronúncia e a falta de fundamentação são manifestamente questões de direito e deveriam ter sido conhecidas pelo Tribunal ad quem.

34º. Não conformada, a arguida recorreu para o douto Tribunal Constitucional, que não conheceu provimento ao recurso, por indicar que não foi cumprido a tramitação processual de reclamar para o Presidente do Tribunal Supremo Tribunal de Justiça, sem que fossem verificadas as questões mencionadas sobre a inconstitucionalidade ou incumprimento da norma, que passamos seguidamente a elencar, conforme Doc.4 que se junta.

35º. “A) Ser reconhecida e declarada a nulidade do douto acórdão, por omissão de pronúncia, na medida em que, não conheceu da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pelo Recorrente, nos termos conjugados dos artigos 379º nº 1 al. C) e 412º nº 6 ambos do CPP;

B) Ser reconhecida e declarada a nulidade do douto acórdão, por omissão de exame critico sobre as provas que deviam ter sido reapreciadas, nos termos conjugados dos artigos 374º nº 2, 379º nº1 al. A) e 412º nº 6 todos do CPP.

C) Ser reconhecida e declarada a inconstitucionalidade da interpretação feita dos artigos 412º nº 3,4 e 6 e 428º, ambos do CPP, no sentido de que não há lugar á reapreciação, pelo Tribunal de recurso, da matéria de facto dada como assente na decisão da 1ª instância, por violação do direito ao recurso, consagrada no art.º 32 nº 1 da CRP.”

36º. O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como forma de corrigir decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.

37º. Tanto no processo civil como no processo penal, a certeza e a segurança do direito cedem, em certos casos, ao triunfo da justiça material, há-se convir-se que no processo penal se impõe com muito mais certeza, dado o realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz mesma dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Daí que a Constituição no art.º 29.º n.º 6 estabeleça: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

38º. Indica-nos o CPP no seu artigo 449º, que devem existir a descoberta de “novos meios de prova e que tais factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, e “Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos, são unânimes a doutrina e a jurisprudência na afirmação de que deve entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.” (sublinhado nosso).

39º. Neste contexto, além das profundas nulidades já verificadas e que não foram reconhecidas pelos referidos Tribunais, vem a arguida e ora recorrente, indicar novos meios de prova que á data dos factos, não foram indiciadas por existir desconhecimento por parte da arguida, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade, e que neste momento solicitamos a v/Exma. a sua apreciação.

40º. O primeiro novo meio de prova apresentado: (prova testemunhal) A arguida foi contactada telefonicamente pelo Sr. FF, empresário, antigo cliente do seu salão de ... em ..., donde entre outros assuntos questionou se a mesma mantinha contacto com a Sra. BB, em virtude de no passado terem falado de investimentos, onde a arguida disse que não, e aproveitando que a referida testemunha conhece a Sra. BB, foi combinado um encontro na tentativa da arguida tentar descobrir o paradeiro. No momento do encontro a arguida, expos, toda a sua situação e da necessidade de encontrar os referidos, para repor a verdade em Tribunal, ao que nesse momento a nova testemunha invocou saber algumas/poucas coisas sobre esse tema e se disponibilizou a testemunhar perante o douto tribunal para repor a verdade na medida em que sabe, quer presencialmente, quer por documento escrito á mão e assinado pelo mesmo, conforme Doc.5 que se junta.

41º. O segundo novo meio de prova apresentado: Conforme se verifica no artigo 2º desta motivação, foi valorado incorretamente pelo douto Tribunal, um quadro Excel feito pela Assistente. Trata-se de uma prova feita por um dos intervenientes processuais, para justificar os levantamentos da sua própria conta, provas essas que alem de ser circunstanciais, pois que a Assistente podia livremente colocar os valores que quisesse, tratou-se de uma prova que não foi de conhecimento da arguida no momento da acusação, pelo que, trata-se assim de uma prova proibida, que se encontra nos autos do processo.

42º. O terceiro novo meio de prova apresentado: (Testemunhal): Tratando-se de uma estudante de direito, e com a devida vergonha que se atesta nestas situações, a arguida falou com uma colega GG, Jurista, no sentido de informar que não iria concluir os estudos e o motivo a que se deveria tal ausência, mencionando toda a situação. Ao que a colega a recorda de numa noite que estavam a preparar o traçar da capa, a arguida foi contactada pela Assistente que o seu filho estaria com um ataque psicótico, a abrir as janelas todas da casa aonde residiam, e que a arguida questionou se já tinha falado com a BB pois seria útil a sua ajuda, ao que a Assistente indicou que sim.

E que numa outra situação quando foram almoçar perto do salão de ... da arguida, que a Assistente apareceu, não quis almoçar estaria com cara de choro, naturalmente por não se conhecerem não partilhou o assunto, indicou que iria falar com a já mencionada BB, pegou no seu telefone e saiu. Perante estes factos, a arguida questionou se estaria a testemunha disponível para indicar todas as informações em Tribunal, ao que a mesma disse que sim, e escreveu uma carta por seu punho e assinou a mesma, conforme Doc.6 que se junta.

43º. O quarto novo meio de prova apresentado: Tal como mencionado em julgamento, a filha menor da arguida, padece de uma patologia de insuficiência ... em estádio V, portanto terminal, sendo que sofreu um transplante ... no dia .../02/2022, e do qual se encontra em convalescença necessitado dos cuidados imprescindíveis da sua progenitora, a arguida, tal como Doc.7 que se junta, pois que, o seu progenitor por motivos da sua nacionalidade, encontra-se nos conflitos que todos conhecemos entre a Ucrânia e a Rússia.

44º. Do regime de permissões dos arts.355º e 356º do CPP decorre uma expressa proibição de valoração da prova (por referência aos princípios da imediação (aqui excepcionado, e publicidade), próprio das nulidades, mas que é especial ao catálogo das proibições previstas no do art.126º do CPP, seguindo ambas (as proibições aí previstas e as proibições que se encontram previstas dispersamente no processo penal, como são o caso dos art.355º e 356º) o regime das nulidades previstas neste último preceito, cuja “ratio” visa a integridade da convicção do julgador, que deve ser preservada e acautelada de meios de prova proibidos.

45º. Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro, e no BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

46º. A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excecional e com fundamentos taxativos.

47º. Constitui passo imprescindível para a apreciação de recurso de revisão com este fundamento, o conhecimento do núcleo essencial da decisão revidenda, ao nível da fixação da matéria de facto, pois que como se refere no já aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 379/99 - 1.ª Secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, sendo essa a decisão a submeter a recurso de revisão.

Respeitosa e humildemente, submete-se assim a V. Exma. a apreciação e aceitação com efeito suspensivo do pedido de recurso para aceitação de revisão de sentença extraordinária, de forma que se possa obter a tão acostumada JUSTIÇA!»

3. Respondeu a Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, concluindo no sentido da improcedência do recurso (transcrição):

«[…]

I. A Arguida interpôs recurso de revisão do acórdão prolacionado nos autos, que a condenou pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º1, e 218.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de prisão de 5 (cinco) anos de prisão; e no pagamento à demandante/assistente, HH do montante de € 98.610,00 (noventa e oito mil e seiscentos e dez Euros) a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida do pagamento de juros a contar da notificação do pedido até integral pagamento, nos temos do artigo 566.º, nº 1, 805.º e 806.º, todos do Código Civil e no pagamento à demandante/assistente, HH do montante de € 20.000,00 (vinte mil Euros) a título de danos indemnização por danos não patrimoniais, pela prática do crime cometido na pessoa daquela, quantia a que acrescem juros desde da data da presente decisão, contados à taxa legal, nos termos do artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil e da jurisprudência que resultou expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002 de 27 de Junho.

II. A recorrente entende que a matéria de facto foi julgada com base em pressupostos errados, nomeadamente provas documentais circunstanciais que foram consideradas, postura da arguida no momento do julgamento entre outros pontos que não se revestem de fundamento, medida concreta da pena, e com base na matéria de direito na violação do princípio in dúbio pro reo, entendendo, ainda, que constitui prova proibida a junção e valoração do quadro Excel elaborado pela Assistente.

III. Coloca ainda em crise a medida concreta da pena, entendendo que foi fixada em factos circunstanciais e com base na experiência comum, violando o disposto no artigo 75º nº 2 do CP.

IV. Para além destas, e como fundamento do recurso interposto, indica novos meios de prova que à data dos factos, não foram indiciadas por desconhecimento por parte da arguida que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade, nomeadamente e porque apenas estes interessam, duas testemunhas, FF, empresário, antigo cliente do seu salão de ... em ... e GG, Jurista, com quem terá falado sobre a não conclusão dos estudos e o motivo a que se deveria tal ausência, mencionando toda a situação.

V. As questões afloradas pelo recorrente nos sobreditos pontos A) a C) já foram afloradas nos anteriores recursos interpostos pela arguida, tanto para o Tribunal da Relação de ..., como para o Supremo Tribunal assim como para o Tribunal Constitucional, existindo já decisão proferida por tais Tribunais superiores, todas já transitadas em julgado, pelo que perante tal evidência, não nos pronunciamos sobre tais questões.

VI. No mais,

VII. Sob a epigrafe de ‘Revisão’ dispõe o artigo 449.º do CPP, o seguinte: [transcrição]

VIII. Entende a jurisprudência, citando a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 18.04.2012, que, “o fundamento de revisão de sentença da alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, que novos factos ou meios de prova, implica o aparecimento de novos factos ou meios de prova, ou seja, como expressamente consta do texto legal, a descoberta de factos ou meios de prova, o que significa que os meios de prova relevantes para o pedido de revisão terão de ser processualmente novos, isto é, meio de prova que não foram produzidos ou considerados no julgamento. Nestes termos, apenas são novos os factos e meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença.”, também no mesmo sentido, vai o Acórdão proferido pelo STJ, em 26.04.2012,

IX. Daqui decorre que não basta o surgimento de novas testemunhas, de novos elementos de prova, é preciso que estes novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, dúvidas essas que sejam graves e aptas a colocar em causa, de forma séria, a condenação da arguida e não apenas a medida da pena aplicada.

X. Estes novos elementos de prova, têm de, per si ou combinados com outros elementos que foram apreciados no processo suscitar, como estabelece a alínea em causa, “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

XI. No nosso entender, estes novos elementos de prova, estamos a referirmo-nos tão somente às duas novas testemunhas indicadas, de acordo com o conhecimento que têm dos factos (daquilo que nos é dado a conhecer pelo recorrente) não colocam de forma alguma em causa a factualidade dada como provada nos autos.

XII. Ou seja, no nosso entender, aquilo que presenciaram ou sabem, não infirma toda a prova junta aos autos e apreciada em julgamento que levou à condenação da arguida.

XIII. Com efeito, os «novos factos» ou as «novas provas» que podem fundamentar um recurso extraordinário de revisão, para além de serem uma novidade processual, no sentido de que não foram ainda apreciados no processo, têm de ter a virtualidade de gerar graves dúvidas sobre a justeza do sentenciamento condenatório em causa, o que não sucede quando se apresentam meras conjecturas de factos ou se indicam provas pouco credíveis, como é, no nosso entender, o caso sob apreciação.

XIV. Aliás, mal se compreende qual a razão de só agora, passados quase dois anos sobre a prolação do Acórdão em primeira instância, serem indicadas as duas testemunhas aludidas, quando, já o poderiam ter sido anteriormente nos anteriores recursos interpostos, já que nem sequer se explica o porquê de só agora se ter tido conhecimento da existência destas duas novas pessoas.

XV. No nosso modesto entender, a prova agora apresentada, em nada infirma a prova produzida, não a abalando minimamente, quanto mais gravemente.

XVI. A admitir-se a revisão com base neste tipo de “declarações”, para mais quando não corroboradas por outros elementos probatórios, estaria aberta a porta à admissão da revisão de toda e qualquer decisão.

XVII. Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto.»

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, consigna o Mmo. juiz do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição):

«A arguida AA foi condenada nos autos principais, por decisão transitada em julgado em 02.05.2022, como autora de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, nº 1, e 218º, nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena de prisão de 5 (cinco) anos de prisão efetiva.

Por requerimento entrado em 12.05.2022, veio a arguida interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), e 450º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Para tanto e em suma, para o que aqui releva, alegou a existência de novos meios de prova que não foram antes indicados por desconhecimento dos mesmos, no caso as testemunhas FF e GG, no sentido de demonstrar a existência concreta de alguém que identifica como “Sra. BB”, enquanto alegada autora dos factos praticados relativamente à assistente HH, assim pretendendo afastar essa autoria da parte da arguida, ao contrário daquilo que foi considerado na sobredita decisão. No mais, a arguida invocou ainda a situação de doença da filha, invocando ter a mesma sofrido um transplante ... em .../02/2022 e que nessa medida necessita de cuidados imprescindíveis da sua parte, juntando para esse efeito documento intitulado “declaração médica”, a fls. 21-verso.

Ultrapassadas vicissitudes várias, estribadas nos autos quanto à cabal instrução do recurso interposto (fls. 27 e 37), foi proferido despacho liminar em 05.09.2022 (fls. 40) e notificado o Ministério Público e a assistente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 413º, nº 1, e 454º, ambos do Código de Processo Penal.

Nesse seguimento, a Digna Procuradora da República apresentou resposta, pugnando pela improcedente do recurso, por entender que os novos elementos de prova apresentados, que reconduz às duas testemunhas acima aludidas, dentro da alegação produzida pela arguida, não infirmam a prova produzida, nem muito menos o fazem de forma a gerar graves dúvidas sobre a justeza da condenação.

Foi designada data para inquirição das testemunhas indicadas, sendo que convidada a fazê-lo, a arguida não identificou cabalmente a testemunha GG, nomeadamente através da identificação da respetiva morada, assim como nada requereu quanto a isso, nem a apresentou na data agendada, tudo conforme fls. 88 e 93 e ata da diligência em 16.11.2022.

Procedeu-se à audição da testemunha FF, conforme da referida ata consta.


*


Nos termos do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal:

“1 – A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

(…)”.

A revisão da decisão, com fundamento vindo de mencionar, tem dois requisitos: por um lado, que se descubram novos factos ou meios de prova e, por outro lado, que os mesmos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Começando pelo primeiro dos requisitos, temos que os factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. Por essa razão, o arguido só pode indicar novas testemunhas se justificar que “ignorava a sua existência ao tempo da decisão” (cfr. artigo 453º, nº 2, do Código de Processo Penal). Conforme refere PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Portuguesa, 2ª Ed., pág. 1198), só esta interpretação faz jus à natureza excecional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado.

Como segundo requisito, os meios de prova podem pôr em causa a justiça da condenação, por si só ou conjugados com os que foram “apreciados no processo”, assim relevando a oposição entre os meios de prova invocados na decisão condenatória e os meios de prova novos. Aqui, a revisão depende de se verificarem “graves dúvidas”. Também como aduz PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (ob. e loc. cit.), o grau de convicção exigido pela lei não é o mesmo que imporia a absolvição do arguido no processo criminal se fossem neste conhecidos, ao tempo da deliberação, os meios de prova novos. Não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E como graves só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.09.2010, proc. 378/06.2GAPVL-A.S1, disponível em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, considerando que, como novos meios de prova, foi apenas inquirida a testemunha FF, temos que, o depoimento pela mesma prestado, diga-se já, não resultou suficiente para por em crise os meios de prova que foram apreciados na decisão condenatória.

Com efeito, a testemunha em causa pautou o seu depoimento pela superficialidade, evidenciando-se um inegável nervosismo no relato prestado e a pouca espontaneidade do mesmo, assente em sucessivas coincidências que quis fazer passar ao revelar ter conhecido e travado contactos com alguém que identificou como “Sra. BB”, de quem apenas sabe o primeiro nome, primeiro nos restaurantes que teve em ..., frequentados por esta e pelo marido (cuja identificação deste não soube avançar) durante cerca de cinco anos e até ao ano de 2012, e depois também no salão de ... da arguida, que passou a frequentar em 2018, assim como chegaram a encetar contactos tendentes à aquisição por aquela de um terreno, mas que isso nunca chegou a acontecer, sendo que precisamente no dia em que referiu tê-la visto pela última vez, num restaurante em ..., com quem tinha ido almoçar a convite da própria, foi precisamente num dia em que, sem razão aparente (que não soube identificar), aí apareceu HH, assistente nos autos (que conhecia também do dito salão de ... da arguida), e que depois daquela ter interrompido o almoço e saído do restaurante para se encontrar com esta, regressou munida de um envelope com dinheiro, dizendo que, afinal, o propósito do almoço (aquisição de um terreno) teria de ficar a aguardar porque iria viajar para ... para ajudar um filho da assistente. E que depois disso nunca mais voltou a ver essa pessoa que identificou como “Sra. BB”, alegando que a mesma não voltou a atender-lhe os telefonemas.

Neste quadro, sem necessidade de considerações aprofundadas, crê-se que do único novo meio de prova vindo de mencionar não surge qualquer dúvida que atinja a condenação aplicada à arguida e muito menos que o fizesse de forma “grave”, no contexto, aliás, daqueles que foram os demais meios de prova apreciados aquando da condenação e que na mesma se encontram cabalmente escalpelizados.

Por fim, em relação à situação que a arguida invoca quanto à doença da filha, referindo ter a mesma sofrido um transplante ... em 27.02.2022 e que nessa medida necessita de cuidados imprescindíveis da sua parte (cfr. “declaração médica” de fls. 21-verso), temos que tal factualidade e documento junto e olhando ao fundamento do pedido de revisão, de nada relevam aqui, conforme nº 3, do artigo 449º, do Código de Processo Penal, quando apenas se descortina que, quanto muito, poderiam servir, nesta sede, para eventualmente corrigir a medida concreta da sanção aplicada, o que não é legalmente admissível.

Tudo visto e ponderado, temos que será de indeferir a revisão da decisão, com o fundamento no disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal.»

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, em concordância com a Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, emitido parecer, também no sentido da denegação da revisão (transcrição parcial):

«[…]

E, tal como aquela magistrada refere, existem desde logo aspetos que nunca podem justificar um pedido de revisão, antes constituindo matérias que poderiam ter sido apreciadas em sede de recurso ordinário, caso tecnicamente tivesse sido corretamente formulada a correspondente peça processual. São, assim, os casos alegados quanto a ter sido a decisão condenatória tomada com base na postura da arguida em sede de audiência, a valoração de depoimentos ali igualmente prestados, bem assim como tudo o que é referido em termos de escolha da pena concreta aplicada.

Nenhum destes aspetos pode, obviamente, fundamentar um pedido de revisão de uma decisão transitada em julgado (aliás, a própria recorrente acaba por o admitir implicitamente, pois que relativamente a tais aspetos não indica qualquer das alíneas do artº 449º em que se estribaria o pedido e refere esses aspetos como aqueles que deveriam ter sido apreciados pelo TRL e pelo STJ).

«Sobra», assim, o alegado quanto à existência de «novos meios de prova» que, ao que refere, não foram anteriormente apresentados «por existir desconhecimento por parte da arguida, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade»…

Neste sentido:

Indicou prova testemunhal - duas pessoas que teriam conhecimento de factos relevantes que entrariam em contradição com a decisão, ao que se percebe (juntando declarações escritas por tais pessoas);

Alegou a existência de prova proibida (que consistiria na junção de um quadro «excel» elaborado pela assistente – quadro em que estavam discriminadas as quantias entregues, esclarece-se), que não deveria ter sido tomado em conta pelo tribunal para efeitos de condenação; e

Juntou atestado médico referente a patologia de que sofre a filha.

- Ora, como a própria recorrente refere, quanto à saúde da filha, foi matéria tratada em julgamento, não sendo «nova». O facto de nada ter sido provado quanto a isso não pode ser agora alterado por via do documento junto, tanto mais quando igualmente nem havia sido invocado em sede de contestação (note-se que esse facto também não consta do lote dos não provados). É, assim, esta alegação completamente irrelevante para efeitos de revisão (até porque apenas poderia, em teoria, levar a alterar a pena aplicada, o que não é razão para revisão da decisão, por aplicação direta do disposto no artº 449º, nº 3, do CPP);

-- Irrelevante é, igualmente, tudo o que é referido quanto ao documento em formato «excel», que a recorrente indica agora como «segundo meio de prova», mas que – ao que se entende – pretende qualificar como prova proibida, por não ter sido do conhecimento à data da acusação. Para além de nem ser explicado o raciocínio que está atrás do entendimento quanto a ser aquela prova proibida, estamos perante uma matéria que poderia ter sido apreciada então (por, na sua ótica, constituir nulidade), não agora após o trânsito em julgado, pois que nada de «novo» consubstancia.

(Note-se que nem a recorrente invoca a alínea e) do nº 1, do art.º 449.º do CPP como fundamento do seu recurso, sendo que, mesmo que o tivesse efetuado, nunca se estaria perante o preenchimento da sua previsão, pois que para tal necessário é que a ‘prova proibida’ o tivesse sido numa das circunstâncias previstas nos números 1 a 3 do art.º 126.º do CPP, o que não é sequer aventado pela recorrente).

- Restam então as duas testemunhas que a arguida refere não terem sido arroladas à data do julgamento pois que pensava não serem relevantes para a descoberta da verdade (art.º 27.º da motivação/ 39.º das conclusões).

E testemunhas que, ao que se entende (não que a recorrente o diga expressamente, mas decorre do confronto entre a matéria de facto provada e a atividade que refere terem mantido tais testemunhas), poderiam afiançar que a tal «BB» existia, não sendo invenção da arguida condenada. E isso poderia levar a alterar a decisão, de condenatória para absolutória (não, mais uma vez, que a recorrente o diga expressamente, mas será certamente o ponto que pretende alcançar…).

Ou seja, estaríamos aqui dentro da previsão da alínea d) do nº 1 do art.º 449.º do CPP, quando ali se refere ser admissível a revisão da sentença transitada em julgado quando se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Sucede que, conforme muito recentemente – 26.10.2022 - este Supremo Tribunal referiu no âmbito do processo 16/20.0PEBJA-C.Si [Relator – Lopes da Mota]:

«A jurisprudência consolidada deste tribunal tem sublinhado que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e em que esta se fundou e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).

«Novos» factos ou meios de prova são, em regra, como se sublinhou no acórdão de 06.07.2022, cit., reproduzindo o afirmado em anteriores acórdãos, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos de 9.2.2022, cit., e de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, face ao disposto no n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).»

Face a isto, a conhecer as testemunhas à data do julgamento, apenas não as tendo arrolado “pois que pensava não serem relevantes para a descoberta da verdade”, afastada fica a hipótese de as ‘usar’ para os efeitos de revisão, como pretende.

Necessário seria que a recorrente esclarecesse, justificasse, e essa razão fosse atendível, porque não as apresentou.

E dizer que «pensava não serem relevantes» não pode ser, obviamente, atendido como justificação…

Pois se era, precisamente, a existência da tal «BB» que estava em causa; se era, especificamente, o facto de a ter «inventado» que consubstanciava parte relevante da prática do crime de burla, que integrava o artifício utilizado pela arguida para auferir proventos ilícitos…

Ou seja, tais testemunhas, a conhecerem efetivamente a tal ‘BB’, seriam as testemunhas que a arguida teria necessariamente de indicar para serem inquiridas em sede de julgamento (e mesmo antes, em fase de inquérito, evitando assim a acusação).

Nunca testemunhas que, como agora alega, entendeu não terem interesse para a descoberta da verdade…

- Daqui que as testemunhas agora arroladas nunca possam ser admitidas para os efeitos pretendidos, por força do n.º 2 do art.º 453.º do CPP. E, assim, fique esvaziada, de forma completa, a possibilidade de revisão.

Mas…

Mesmo admitindo que a recorrente só tenha tido conhecimento das testemunhas em questão depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, tendo consistido em erro de escrita o que referiu nos pontos 27.º da motivação e 39.º das conclusões, (possibilidade que se abre aqui para que não se possa qualificar estar-se perante decisão demasiado formalista, que não atenda à possibilidade de ter existido uma decisão injusta, tendo a recorrente sido condenada quando, afinal, estava inocente…);

E mesmo admitindo que tenha tido motivos para apenas agora – quando se aproxima a possibilidade de cumprimento de pena efetiva de prisão, após goradas as tentativas de recorrer ordinariamente da condenação - venha interpor o presente recurso...;

Mesmo assim não se justifica, a nosso ver (e sempre, obviamente, o devido respeito por opinião contrária) a revisão, por fundadas dúvidas quanto à justiça da condenação não existirem, de facto.

Desde logo, há a notar que o Mmº juiz do processo tentou inquirir as testemunhas, apenas tendo conseguido fazê-lo relativamente a uma delas (relativamente à outra, como resulta da informação final prestada por aquele magistrado, a recorrente pareceu desinteressar-se, impossibilitando a sua notificação e subsequente inquirição).

Por outro lado, é clara e bem completa a descrição que aquele mesmo magistrado judicial fez, no seu despacho, quanto à postura da única testemunha que inquiriu (FF) no sentido de o seu depoimento não ter merecido credibilidade, muito menos em termos de levar a suscitar o que é necessário neste tipo de recursos: a efetiva grave dúvida quanto à condenação. E isto porque, como refere aquele magistrado, não se pode esquecer que os factos provados o foram perante um conjunto de prova analisada pelos julgadores.

Daqui que, mesmo face ao alegado, nunca se colocando a possibilidade de absolvição, único caso em que o recurso de revisão deverá ser admitido (vejam-se, neste sentido, o acórdão deste STJ de 20.11.2014, e ainda – a título meramente exemplificativo – os de 24.02.2021, no processo 95/12.4GAILH-A.S1 [Relator – Nuno Gonçalves] e de 02.12.2021, no processo 156/14.5TACLD-A.S1 [Relator – Eduardo Loureiro], não esquecendo Paulo Pinto de Albuquerque, quando no seu "Comentário do Código de Processo Penal.", 4.º edição, (pág. 1208) refere: “a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa", sendo certo, ainda, que "não basta que se trate de factos ou meios de prova novos. O preceito exige ainda que os novos factos e/ou novos meios de prova, por si sós ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Não releva, pois, o facto e/ou o meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável", há que concluir pela improcedência do pedido formulado pela arguida AA.

Em resumo:

- A recorrente utiliza o recurso de revisão como meio para obviar à circunstância de a decisão condenatória da primeira instância ter transitado em julgado, tendo assim de cumprir pena de prisão efetiva;

- Para tanto, recorre daquela decisão, de facto e de direito, em texto que melhor se adaptaria a recurso perante o Tribunal da Relação, mas que ali não chegou a ser apreciado, por incumprimento das normas processuais;

- Não tendo igualmente conseguido que o caso fosse apreciado, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, quer pelo Tribunal Constitucional, para onde igualmente recorreu sem êxito;

- Daqui que tudo o que se refere a matéria apreciada em sede de audiência não possa ser agora questionado, desde a valoração da prova documental até à pena concretamente aplicada, passando pela situação pessoal da arguida, pois que não constituem elementos «novos» que justifiquem qualquer alteração à decisão;

- «Novo» apenas – para efeitos da alínea d) do nº 1 do artº 449º - a alegação da existência de duas testemunhas que não terão sido inquiridas em sede de julgamento;

- Mas que apenas não o foram, ao que a recorrente refere, por ter então entendido que não seriam relevantes para a descoberta da verdade;

- Não justificando de forma minimamente consistente esse seu entendimento, entendimento que vai contra toda a lógica, pois que, sendo imprescindíveis agora para a descoberta da verdade, necessariamente já o seriam então;

- E, como tal, terão de ser afastadas para efeitos de revisão, por força do artº 453º, nº 2, do CPP;

- Mas, mesmo aceitando-se que se tenha exprimido mal no texto e apenas dessas testemunhas tenha tido conhecimento posterior, também as mesmas não seriam adequadas a alterar a decisão transitada em julgado;

- Sendo que uma delas não foi completamente identificada, impedindo a sua inquirição;

- E que a que foi efetivamente inquirida pelo Mmº juiz do processo prestou depoimento inconsistente;

- Tal depoimento em nada abalando a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida;

- Pois que esta foi baseada num conjunto de prova que importou a formação da convicção da culpabilidade da arguida;

- Nunca as declarações hesitantes de uma testemunha podendo levar à absolvição, único caso em que a revisão poderia ser admitida.

Assim, e em conclusão, o Ministério Público é do parecer que o alegado pela recorrente AA Abreu, não conduz à existência de dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação.

Pelo que deverá, de acordo com o disposto no art.º 455.º, n.º 3, do CPP, ser negada a revisão.»

6. A recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos o processo foi remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

7. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos, com base na seguinte motivação:

«1. Em Setembro 2017 HH conheceu a arguida AA, no C............ . ..... .... ........ .... . ....., sito na Praceta ...7, em ..., no qual esta exercia a profissão de ... e com quem HH passou regularmente a tratar das mãos.

2. Com o decorrer do tempo, HH foi estabelecendo com a arguida uma relação de confiança e confidenciou-lhe problemas do filho mais velho DD, nomeadamente, relacionados com a toxicodependência deste.

3. Por tais problemas, o filho de HH necessitou de internamento hospitalar, tendo estado internado no Hospital ... entre Junho e Agosto de 2018.

4. Por essa via, aproveitando essa circunstância e a fragilidade emocional em que HH se encontrava, a arguida AA Abreu, visando obter quantias patrimoniais de HH, veio a delinear um plano.

5. Assim, em Agosto de 2018, tendo-lhe sido transmitido por HH que o seu filho necessitava de internamento no Centro ... e que não existiam vagas disponíveis, veio a arguida a informá-la que tinha um casal de amigos, de nome BB, que seria psicóloga e CC, ..., que a poderiam auxiliar.

6. Para tanto, teria de lhes ser entregue a quantia de €1.000,00.

7. Por querer resolver a situação do filho, HH veio a efectuar o pagamento solicitado.

8. Por razões não apuradas, em 5 de Setembro de 2018, o seu filho logrou ser admitido na referida clínica.

9. Local onde permaneceu, por vontade própria, apenas um dia.

10. Com efeito, BB e CC eram nomes fictícios inventados pela arguida.

11. A arguida disse a HH que o referido casal tinha perdido um filho e que o outo era doente e que eram um casal rico.

12. Por forma a criar maior credibilidade, a arguida criou um endereço de e-mail forjado, com a identificação ........................ .com, não tendo sido fornecido qualquer contacto telefónico do referido casal a HH.

13. Na criação e no uso deste e-mail, a arguida indicou o telemóvel n.º .......34, titulado pela empresa de EE, nomeadamente, a P..., Lda para activação do serviço de correio electrónico, sendo tal telemóvel usado apenas pela arguida AA.

14. Por esta forma, a arguida AA Abreu ia remetendo e-mails a HH, pretensamente escritos por BB, alegando que tinha ficado sem voz nos incêndios de ... e que teria de ser esta a via a utilizar.

15. Nestes e-mails a arguida AA Abreu ia solicitando novas quantias, pretensamente para auxiliar o filho de HH.

16. Assim, a arguida solicitou-lhe a quantia de € 1.700 para assegurar a entrada do filho em nova clínica, desta feita na C..., alegando que CC trabalhava nesse local.

17. Sucede que, apesar de HH ter entregue a quantia de € 1700, em numerário, o seu filho nunca deu entrada na clínica C.....

18. Em Agosto de 2018, a arguida veio a solicitar novas quantias, fazendo-o através do engendrado “casal de médicos” e por meio do referido e-mail.

19. Assim, veio HH a efectuar pagamentos nos valores solicitados para as entidades e referências que lhe foram sendo indicadas, sendo: Entidade 21312 e referência: .......35, nos seguintes montantes:

- Em 3/08/2018, no valor de € 400;

- Em 20/08/2018, dois pagamentos nos valores de € 300 e de € 50.

- Em 24/08/2018, no valor de € 1000,00.

20. Sucede que, esta entidade e referência correspondiam ao cartão de débito pré-pago do Banco Montepio, com o n.º ..............51, titulado pelo arguido EE e cuja conta bancária a que estava associado, bem como tal cartão, eram usados também pela arguida AA.

21. Em Setembro de 2018, o filho de HH decidiu ir para junto do pai, no ..., para a aldeia de ..., em ....

22. Nessa sequência, HH comentou o facto com a arguida, transmitindo a sua preocupação.

23. Aproveitando esse facto, a arguida afirmou que o suposto médico iria atrás do mesmo para a, supra identificada, aldeia.

24. Por essa via, veio a solicitar novas quantias para pagar a alegada, estadia de CC no ....

25. Assim, veio HH a efectuar o pagamento nos valores solicitados, para as mesmas referências que lhe foram indicadas, para as supra referidas Entidade: 21312 e Referência: .......35, nos seguintes valores:

- Em 10/09/2018, a quantia de € 1000,00;

- Em 12/09/2018, a quantia de 960,00;

- Em 17/09/2018, a quantia de € 1.000,00.

26. No dia 18 de Setembro de 2018, o filho de HH, decidiu regressar a ..., tendo a arguida transmitido a HH que o suposto médico teria ido atrás do mesmo para o tentar ajudar e para o convencer a voltar para ....

27. A partir desse momento, veio a ser solicitado pela arguida, continuamente o pagamento de novas quantias, sob diversos pretextos, nomeadamente, e porquanto o “médico” teria tirado uma licença sem vencimento e teria de ser reembolsado.

28. De outras vezes, porquanto o filho estaria internado e haveria que efectuar os pagamentos ou, porque teria de ser pago um advogado inglês, em processos judiciais em que o seu filho estava envolvido.

29. Sendo que o filho de HH já se encontrava preso preventivamente em ..., desde Março de 2019.

30. Sem conhecimento de tal facto e sempre que lhe era solicitado pela arguida, fazendo-o através do engendrado “casal de médicos” e por meio do referido e-mail, HH veio a entregar-lhe em notas, as seguintes quantias, sob variados pretextos:

- Em 04 de Outubro de 2018, a quantia de € 3.900,00 para pagar uma dívida que o filho de HH, DD, tinha contraído com uns "mafiosos" em ...;

- Em 26 de outubro de 2018, a quantia de € 4.500,00, para despesas do "médico" em ...;

- Em 12 de novembro de 2018, a quantia de € 5.000,00, para pagar a um advogado para defender o DD num desacato com um mendigo;

- Entre 11 de Dezembro de 2018 e 14 de Janeiro de 2019 a quantia global de € 8.000,00 (em valores parcelares de € 1.000,00 + € 2.000,00 + € 5.000,00) para despesas do "médico" em ...;

- Em 30 de janeiro de 2019, a quantia de € 15.000,00 para pagamento de despesas e honorários de Advogado em ...;

- De Fevereiro a Abril de 2019 a quantia global de € 18.400,00 para despesas do médico em ...;

- Em Maio de 2019 a quantia de € 19.000,00 para pagamento de custas com o tribunal;

- A quantia de € 2.000,00 para despesas de hospital, porquanto o pai do DD teria agredido o suposto “médico” CC e este precisou de tratamento;

-Em 13 de maio de 2019 a quantia de € 7.400,00 para despesas com advogado, custas de tribunal e despesas do casal;

- Em 04 de Junho de 2019 a quantia de € 8.000,00 para custas de tribunal.

31. Tudo num valor total de € 98.610,00 (noventa e oito mil seiscentos e dez Euros) que a arguida fez seu.

32. Por forma a fazer face aos pagamentos descritos e proceder à entrega dos valores supra referidos à arguida, que fez suas aquelas quantias, HH veio, além de levantamentos na caixa multibanco e dos pagamentos por entidade/referência descritos, ainda, a emitir e levantar ao balcão do seu banco, os seguintes cheques:

- cheque n.º ........34, no valor de 15.000,00, datado de 11/06/2019;

- cheque n.º ........32, no valor de 8.000,00, datado de 04/06/2019;

- cheque n.º ........31, no valor de 7.400,00, datado de 14/05/2019;

- cheque n.º ........30, no valor de 2.000,00, datado de 07/05/2019;

- cheque n.º ........35, no valor de 19.000,00, datado de 26/04/2019;

- cheque n.º ........28, sem data, no valor de 2.700, apresentado em 18/04/2019,

- cheque n.º .........29, no valor de 2.000,00, datado de 11/04/2019;

- cheque n.º ........27, no valor de 3.000,00, datado de 04/04/2019;

- cheque n.º ........26, no valor de 3.900,00, datado de 03/04/2019;

- cheque n.º ........25, no valor de 2.500,00, datado de 26/03/2019;

- cheque n.º ........24, no valor de 6.000,00, datado de 15/03/2019;

- cheque n.º ........23, no valor de 3.500,00, datado de 08/03/2019;

- cheque n.º ........17, no valor de 4.000,00, datado de 01/03/2019.

33. Cheques emitidos sobre a conta com o n.º .........85, do Banco Santander Totta, titulada por HH.

34. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, aproveitando a relação de confiança estabelecida com HH, para a fazer crer que existia um casal de médicos que a auxiliava no tratamento e despesas com o filho, por forma a obter da mesma as quantias monetárias supra descritas e que alegava destinar-se ao suposto auxílio daquele.

35. Por essa forma, criou um e-mail fictício através do qual HH julgava comunicar-se com os referidos “médicos” que a auxiliavam e auxiliariam, com intenção de, assim, obter um enriquecimento patrimonial correspondente aos valores entregues por esta, o que conseguiu, sabendo que não teria direito aos mesmos e que este “casal de médicos” não existia, causando o correspondente prejuízo patrimonial a HH.

36. Sabia que tais condutas não lhe eram permitidas e eram criminalmente punidas pela lei.

[…]

Motivação:

[…]

Quanto aos factos que se consideraram provados e constantes da acusação e do pedido de indemnização civil e, às circunstâncias em que os mesmos ocorreram, e que foram considerados pelo Tribunal, em concreto e de forma concatenada, valorou o Tribunal as declarações da Assistente e demandante HH, os depoimentos das testemunhas II, JJ, KK, LL e MM, conjugados com os documentos de fls. 11 a 91 referentes às conversas via e-mail e via messenger trocadas entre HH e a arguida AA (nas primeiras usando a arguida os nomes de BB e/ou CC), o documento de fls. 92, referente ao quadro de valores entregues em numerário pela assistente HH à arguida e por aquela elaborado, os documentos de fls. 93 a 123 reportados aos extractos da conta bancária de HH de datas parciais do período de Julho de 2018 a Junho de 2019, os documentos de fls. 144 a 157, reportados às cópias dos cheques da conta de HH e por esta levantados ao balcão do seu banco, os documentos de fls. 158 a 161, reportados à informação da identificação do cartão pré-pago a que corresponde a entidade cujos pagamentos foram efectuados da conta de HH (aqui conjugados com o conteúdo de fls. 128 e 133), a identificação da conta bancária associada a tal cartão de débito e bem assim, os movimentos de tal conta bancária entre 03.08.2018 e 20.12.2018 e os documentos de fls. 162 a 166, reportados à identificação do IP de criação do e-mail ............ .com e o número de contacto de telemóvel que foi associado à criação e ao uso de tal conta gmail, nos termos em que abaixo se deixará expresso.

A assistente e demandante HH, pese embora de forma sofrida, sentida e com alguma dificuldade na expressão, decorrentes quer do seu estado psicológico, quer da situação que vivenciou e não de qualquer desconhecimento dos factos, esclareceu de forma pormenorizada as circunstâncias de tempo e local, em que conheceu a arguida AA e como com esta iniciou uma relação de grande proximidade e até de amizade (explicando quanto ao arguido EE apenas o ter visto duas vezes e tendo-lhe sido apresentado como companheiro da arguida). Relatou que começou a fazer serviços de ... com a arguida, tendo-se gerado uma proximidade entre as duas, cada uma contando à outra episódios e situações da sua vida. Explicou que estava com um problema grave com o filho mais velho DD e por estar muito preocupada, desabafava com a arguida, contando-lhe todos os problemas e dificuldades que enfrentava com o filho (desde o problema de toxicodependência daquele, ao internamento no Hospital ..., com um surto psicótico derivado do consumo de cannabis) e que foi sempre falando detalhadamente da sua vida com a arguida até Julho de 2019, data em que foi a ... e percebeu que tinha sido enganada por ela.

Salientou pensar que a arguida era sua amiga, até porque esta lhe tinha apresentado a filha NN e lhe contara que a mesma sofria de problemas de saúde crónicos, tendo-lhe chegado a pedir emprestada a quantia de € 4.000,00 (porque a filha precisava de fazer um tratamento novo e caríssimo), o que acedeu, quantia da qual a arguida ainda lhe deve parte (pois que a arguida lhe pagou parte de tal valor em prestações mensais até faltar 2.875,00).

Esclareceu que quando o filho estava quase a sair do Hospital ... e, precisando o mesmo de ser internado em clínica adequada para continuar o tratamento de abstinência à toxicodependência (tendo obtido informação de um local apropriado, mas também da dificuldade em conseguir uma vaga), a arguida lhe falou de um casal de médicos que a iria ajudar (sendo a mulher muito amiga da arguida e casada com um ..., muito conhecido e que trabalhava numa instituição C...., que tinham 2 filhos e que um tinha morrido e que o outro estava internado no J.... .. ....., sendo um casal muito rico e muito humano, que já tinham ajudado outros jovens em situações idênticas à do seu filho).

A arguida confidenciou-lhe que a amiga de nome BB não falava, por causa dos incêndios em ..., mas que já tinha conversado com ela e que ela a iria contactar por e-mail, tendo passado a receber e a enviar e-mail´s de, e, dirigidos a BB e depois, no mesmo endereço electrónico, de e, para CC (sendo que, nunca falou por telemóvel ou por outro modo, que não por correio electrónico, com mais ninguém que não com a arguida AA).

A assistente de forma detalhada e particularizada explicou todo o percurso e todas as conversas e motivos sobre a razão das várias quantias em dinheiro pedidas e a razão de as ter entregue - tendo efectuado algumas entregas por pagamentos através de referências multibanco - e que todos os demais valores foram por si entregues em dinheiro, em mão, à arguida AA (levantando as quantias por levantamentos na sua conta de cheques ao balcão e/ou quando eram montantes menores, fazendo levantamentos seguidos de € 200,00 em caixas ATM, sendo que teve necessidade de proceder a levantamentos de certificados de aforro que tinha amealhado para fazer face a tais entregas monetárias), que pensava os iria entregar ao casal BB e CC e que uma vez (já estando a arguida no ... que abriu em parceria em ...) entregou um envelope com dinheiro, a pedido da arguida que ali não se encontrava no momento, à sócia/parceira dela (MM) que o aceitou e disse saber o que era e que, após a entrega telefonou à AA a dar-lhe conta que o tinha deixado e com quem. Relatou o valor de cada uma das quantias que entregou à arguida aqui com o auxílio e por recurso ao confronto com o documento de fls. 92 (mapa de quantias entregues que a própria elaborou e cujo conteúdo explicou ao Tribunal e que foi atendido em conjugação com os demais documentos bancários, quer os extractos da conta bancária de HH de fls. 93 a 123, quer os documentos de fls. 144 a 157, reportados às cópias dos cheques da conta de HH e por esta levantados ao balcão, quer com os documentos de fls. 158 a 161, reportados à informação da identificação do cartão pré-pago a que corresponde a entidade cujos pagamentos foram efectuados da conta de HH e os movimentos da conta bancária associados a tal cartão de débito), razão porque considerou o Tribunal como provadas as quantias entregues à arguida que se mostram elencadas nos factos provados.

HH, embora de forma lastimada, referiu que passou a escrever e a responder aos e-mail`s que lhe eram enviados em nome de BB diariamente (declarando ser a primeira coisa que fazia de manhã), sentindo-se motivada e entusiasmada por pensar que estava, através do casal BB e CC, a assistir, ajudar e apoiar o filho e que este estava a ter um seguimento por pessoas medicamente especializadas e que seriam suas amigas (por intermédio da arguida) e tudo isto contava à arguida, descrevendo-lhe todos os pormenores da sua vida e situação do seu filho que não escrevia por e-mail.

HH, detalhou ainda cada uma das razões e motivações de cada pedido e consequente entrega de dinheiro que fazia e o trabalho que lhe era dito estar a ser efectuado junto do seu filho (sendo-lhe transmitido que o casal, ou o “suposto médico CC” acompanhou o mesmo em ..., no ... e em ..., para onde este deslocou em Setembro de 2018 e onde pensava que o casal lhe prestava apoio em cuidados médicos, com toma de medicação e tratava também do apoio jurídico até Junho de 2019) e que só quando se deslocou a ... em Julho de 2019 e viu o filho no julgamento e o foi visitar à prisão é que soube que o mesmo estava preso (e desde Março, pois até então era-lhe dito que o mesmo estava numa espécie de clínica para pessoas que tinham processos crimes mas também que tinham problemas como o seu filho e onde o casal o acompanhava) e que ninguém o tinha visitado na prisão e que o mesmo não teve qualquer acompanhamento jurídico, médico e/ou medicamentoso e percebeu que tinha sido enganada.

Que após, ainda contactou por e-mail o “suposto casal” e a arguida, sem nunca relatar que sabia estar a ser enganada e que tentou encontrar-se com o “suposto médico CC”, mas que este combinou encontros a que nunca compareceu (relatando desculpas que o impediriam de estar presente), tendo-lhe sido ainda pedidas mais quantias, mas que já não as entregou. […]

A testemunha II, irmão de HH, confirmou o estado emocional e psíquico da irmã e as alterações na personalidade e estado de espírito desta e que a mesma é seguida em consultas de psicologia desde que descobriu que foi enganada e que não ajudou o filho como pensava estar a fazer e explicou as razões de tal, reportando o seu conhecimento dos factos que estiveram na origem de tal situação aos relatos de HH (desde que esta lhe relatou ter conhecido a AA que a estava a apoiar porque conhecia um casal de médicos que a ajudavam com o problema do DD, comunicando directamente com ele e que a irmã lhes entregou várias quantias em dinheiro para custear as despesas daqueles e do DD em ..., sabendo apenas que os valores entregues ultrapassaram os 100.000,00).

A testemunha JJ, dono do ... situado no ..., para quem a arguida trabalhou por cerca de um ano e meio, esclareceu como conheceu HH, sendo cliente do seu ... (que ali se deixou de deslocar quando a AA saiu do seu ..., mas que passado um tempo reapareceu muito abatida e muito chorosa e lhe contou o sucedido com a AA). Referiu que quando a AA trabalhava no seu ... existia uma grande proximidade entre ela e a HH e que ambas tinham uma relação diferente da que existia com as outras clientes (fazendo programas juntas, inclusive), percebendo que falavam muito (mas nunca tendo ouvido qualquer conversa) e que, HH muitas vezes no fim do dia, ia ao ..., dirigia-se à parte da ... onde estava a AA e saía logo em seguida, sendo que chegou a perguntar à AA o que se passava e que esta lhe respondeu que estava a ajudar a HH com a história do filho DD. Relatou que nunca ouviu falar de ninguém de nome BB, nem nunca foi ao seu espaço alguém com tal nome como cliente e/ou perguntar pela AA, nem nunca viu nenhum motorista ter ido ter com a AA ao seu espaço de ... ou ter perguntado por ela. Por último, explicou que HH voltou a ser sua cliente, mas que está diferente, pois antes sorria muito e agora está instável emocionalmente, chora, está fragilizada, triste, com semblante caído.

A testemunha KK, amiga de HH desde os 15/16 anos, referiu conhecer os problemas de toxicodependência do filho da HH (concretizando-os no ano de 2018), o internamento que teve por tal e a necessidade de continuação do tratamento em clínica (pois que sem supervisão ele não o cumpria). Relatou que a HH lhe contou que um médico ia passar a acompanhar o DD, sem que este soubesse que era seu amigo, que já tinham criado laços de amizade e que por tal a viu muito aliviada, porque o filho estava e ia ser acompanhado por .../psicólogo (que também tinha tido um filho que tinha morrido por causa do mesmo problema do DD). Explicou todo o percurso do “suposto” acompanhamento que o médico estava a prestara ao DD, como decorria e a evolução deste (referindo saber de tal porque a HH lhe contava), as razões pelas quais a HH decidiu ir a ... (contra a indicação escrita suposto que o DD não devia ter contactos com a família para que o tratamento resultasse), tendo lido as conversas de email e as mensagens que a HH trocou com a AA e com o “suposto casal de médicos” e que, quando a HH voltou de ... tentou encontrar-se com o “médico”, por ter percebido que não existia, mas que nunca foi possível qualquer encontro porque eram dadas sempre desculpas para que não ocorressem, nos termos combinados.

Referiu que nunca presenciou entregas de dinheiro, sabendo que HH levantava dinheiro e que lhe dizia que o entregava à AA (ao que ela lhe transmitiu cerca de € 100.000,000,00, entregue por várias vezes).

Por último enunciou como era a HH enquanto pessoa até chegar de ... (e perceber que tinha sido enganada) e como ficou (com angustia, vergonha, humilhação, por ter percebido que todo o dinheiro que poderia ter servido para ajudar o filho não serviu para nada) e que deixou de dormir (necessitando de tomar comprimidos) e teve e tem acompanhamento psicológico.

A testemunha LL, amiga e colega de trabalho de HH relatou as confidências que HH lhe fez sobre o filho DD que estava a ser ajudado por um casal de médicos, estando ela muito contente com isso e que teve conhecimento daqueles através de uma AA, sua amiga de um .... Mais referiu que a HH entregou dinheiro a esses médicos por várias vezes através de entregas feitas pela HH à AA no ... -, sendo que uma vez a acompanhou numa das entregas, porque ela lhe deu boleia (tendo ficado no carro, enquanto a HH foi ao interior de um ... em ... com um envelope, entregou-o e voltou para o carro). Explicou que quando a HH decidiu ir a ... e soube que o DD estava preso, que não tinha visitas e não estava a ser ajudado por ninguém, foi o desespero total, ela ficou destroçada, chorava muito e sentia-se humilhada, envergonhada e que está a medicada e ajudada em consultas médicas.

A testemunha MM, colega de faculdade da arguida desde 2018 e tendo tido com ela um gabinete de ... em parceira entre Março de 2019 e meados de 2020, confirmou ter visto a HH por algumas vezes no gabinete de ... (algumas das quais sem fazer trabalhos estéticos, não sabendo precisar porque lá foi) e confirmando que uma vez esta lhe entregou um envelope com o nome de uma senhora que desconhecia e que seria para ser entregue à AA (que ali não se encontrava) e cuja entrega fez à AA, não tendo visto a AA entregar tal envelope a ninguém.

A par com tais declarações e depoimentos, considerou o Tribunal os elementos documentais juntos aos autos, em concreto, os documentos de fls. 11 a 91 referentes às conversas via e-mail e via messenger trocadas entre HH e a arguida AA directamente e/ou através de e-mail`s assinados como BB ou CC (nos termos em que foram explicados por HH), que denotam por um lado, o desespero de HH com a situação do filho e da ajuda que este necessita e de que a própria passa a depender e, por outro lado, o controlo sobre a mesma exercido pela arguida e a sujeição em que coloca HH no cumprimento de tudo o que lhe é pedido para ser entregue ou sugerido para ser feito, pois o único desejo e objectivo daquela era conseguir prestar a ajuda que o filho necessitava e que ela pensava que ele beneficiava, razão porque efectuou todos os pagamentos e seguiu os conselhos/indicações dadas.

Por outro lado e, no que respeita à criação e uso de tal conta e-mail pela arguida, o conteúdo dos documentos de fls. 162 a 166, reportados à identificação do IP de criação do e-mail ........................ .com e o número de contacto de telemóvel que foi associado à criação e uso de tal conta gmail que, para além de estar inscrito em nome de uma empresa do arguido EE, foi assumido pela arguida como sendo apenas por si utilizado.

Ainda, no que se reporta às quantias (fraccionadas) entregues por HH à arguida e às quantias entregues por pagamentos via referência multibanco, considerou o Tribunal o documento de fls. 92, que espelha um quadro de montantes entregues em numerário pela assistente HH à arguida e por aquela elaborado conjugado com os documentos de fls. 93 a 123 reportados aos extractos da conta bancária de HH de datas parciais do período de Julho de 2018 a Junho de 2019, os documentos de fls. 144 a 157, reportados às cópias dos cheques da conta de HH e por esta levantados ao balcão, os documentos de fls. 158 a 161, reportados à informação da identificação do cartão pré-pago a que correspondem a referência e entidade a cujos pagamentos foram efectuados da conta de HH (aqui conjugados com o conteúdo de fls. 128 e 133), a identificação da conta bancária associada a tal cartão de débito e bem assim, os movimentos de tal conta bancária entre 03.08.2018 e 20.12.2018, conta titulada pelo arguido EE e movimentada, designadamente através do cartão pré-pago pela arguida.

Realce-se que, do confronto de fls. 120 a 123 extractos bancários da conta de HH do período entre 01.08.2018 e 17.09.2018 e de fls. 158 a 161 extractos da conta bancária onde se encontra associado o cartão pré-pago que recebeu os pagamentos efectuados em multibanco por HH e identificação de tal cartão pré-pago -, não restam dúvidas que nas datas de 03.08.2018 (e não de 03.09.2018, como vinha indicado na acusação, razão porque se procedeu à comunicação de alteração não substancial de factos nesta parte), 20.08.2018, 24.08.2018, 10.09.2018, 12.09.2018 e 17.09.2018, HH efectuou os pagamentos das quantias descritas aos pontos 19 e 25 dos factos provados e que os mesmos foram destinados ao cartão pré-pago associado à conta titulada pelo arguido EE e usada pela arguida (como a própria confessou).

Por outro lado, igualmente resulta do confronto de fls. 92 a 119 e de fls. 144 a 157, os montantes levantados por HH da sua conta bancária por levantamentos vários, sucessivos e seguidos em quantias de € 2.000,00 (muitos efectuados nas mesmas datas), por levantamento em numerário e por levantamentos através de cheques seus entregues ao balcão do seu banco, e a correspondência de tais montantes com os constantes do quadro de fls. 92 e que consubstanciam as várias entregas de dinheiro à arguida (aqui saliente-se que resulta do conteúdo de fls. 105 parte do extracto da conta bancária de HH - que o montante entregue de € 15.000,00 à arguida pela assistente descrito ao ponto 30 dos factos provados ocorreu na data de 30.01.2019 e não de 29.01.2019, como vinha indicado na acusação, razão porque se procedeu à comunicação de alteração não substancial de factos nesta parte).

Anote-se que os depoimentos supra referidos, foram considerados positivamente pelo Tribunal porque prestados de forma segura, clara, precisa, detalhada e consonante com os demais elementos de prova documentais juntos aos autos (desde logo de forma preponderante os extractos bancários supra aludidos) e tendo cada uma das testemunhas relatado os factos, tão só na medida em que por si foram vivenciados ou presenciados e confirmando os factos de que se lembrava.

Esta prova foi assim suficiente e não permitiu ao Tribunal quaisquer dúvidas para que considerasse os factos como provados.

Em face do supra exposto e da prova produzida em audiência de julgamento, nos termos acima escalpelizados, não atendeu o Tribunal no essencial, à versão efabulada e negatória dos factos apresentada pela arguida, apenas se tendo valorado as suas declarações na parte em que resultaram consonantes com a prova acima enunciada e quando a mesma assumiu desde logo, quando e como conheceu HH e a relação de amizade que entre ambas se estabeleceu, quando identificou o seu número de telemóvel (e declarou que foi o que sempre usou e que ainda hoje usa, sendo tal o número o associado à criação e uso do endereço electrónico criado em nome de BB, que se correspondia com HH razão porque não procedeu o Tribunal à comunicação de qualquer alteração não substancial de factos, quanto ao facto provado ao ponto 13 in fine, por aplicação do disposto no artigo 358.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) e quando assumiu ter acesso e movimentar (desde logo através do cartão pré-pago identificado nos factos provados) a conta titulada por EE (razão porque não procedeu o Tribunal à comunicação de qualquer alteração não substancial de factos, quanto ao facto provado ao ponto 20 in fine, por aplicação do disposto no artigo 358.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) e para onde foram efectuados pagamentos por HH em Agosto e Setembro de 2018 (sem que conseguisse uma explicação para tais movimentos).

No mais, o Tribunal não atendeu à sua versão fantasiada sobre a existência do casal BB e CC, a ter facultado o telemóvel destes a HH e a apenas ter recebido dois envelopes com dinheiro de HH (ainda que para entregar a BB) e a ser correspondente nas entregas de tais envelopes de HH a BB por intermédio de um suposto motorista desta, por clamorosamente contrária a toda a prova produzida (testemunhal e documental) e às regras da experiência comum.

[…]»

8. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição.

Dispõe este preceito que «[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

A revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal («CPP»), com a realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos previstos no artigo 449.º.

Como se tem consignado em anteriores acórdãos (nomeadamente, de entre os mais recentes, no acórdão de 20.12.2022, Proc. 5/05.5PBOLH-D.S1, em www.dgsi.pt, que se reproduz e acompanha no que se segue), a linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença transitada em julgado, por esgotamento ou não utilização das vias processuais de recurso ordinário, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».

O juízo de dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP), que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso. O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).

9. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos («CEDH») e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos («PIDCP»), impõe que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparar da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e seja assegurada a faculdade de contrariar a prova contra si produzida em audiência pública e contraditória onde devem ser apresentadas e produzidas todas as provas que devem fundamentar a decisão sobre a sua culpabilidade (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).

10. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP. Estabelece o n.º 1, alínea d), deste preceito, que o recorrente invoca para fundamentar o pedido:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

(…)»

Esta alínea requer a convocação do artigo 453.º do mesmo diploma («Produção de prova»), que dispõe:

«1 - Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.

2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor

11. Tem este tribunal sublinhado, em jurisprudência sólida e reiterada, que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação, e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; neste sentido, a novidade refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).

«Novos» meios de prova são, em regra, os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não foram apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos mencionados, citando, além de muitos outros, os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros, os acórdãos de 06.07.2022 e de 909.02.2022, citando os de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).

12. A dúvida sobre a justiça da condenação, relevante para a revisão, tem de ser qualificada. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» (como se sublinha nos acórdãos citados), isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

Apreciação

13. Recordando a motivação do recurso, a recorrente indica, em síntese, como “novos meios de prova que à data dos factos, não foram indiciadas por existir desconhecimento por parte da arguida, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade” (conclusão 39) os seguintes:

(a) Como “primeiro novo meio de prova apresentado: (prova testemunhal) A arguida foi contactada telefonicamente pelo Sr. FF, empresário, antigo cliente do seu salão de ... em ..., donde entre outros assuntos questionou se a mesma mantinha contacto com a Sra. BB, em virtude de no passado terem falado de investimentos, onde a arguida disse que não, e aproveitando que a referida testemunha conhece a Sra. BB, foi combinado um encontro na tentativa da arguida tentar descobrir o paradeiro. No momento do encontro a arguida, expos, toda a sua situação e da necessidade de encontrar os referidos, para repor a verdade em Tribunal, ao que nesse momento a nova testemunha invocou saber algumas/poucas coisas sobre esse tema e se disponibilizou a testemunhar perante o douto tribunal para repor a verdade na medida em que sabe, quer presencialmente, quer por documento escrito á mão e assinado pelo mesmo, conforme Doc.5 que se junta” (conclusão 40)

(b) Como “segundo novo meio de prova apresentado: Conforme se verifica no artigo 2.º desta motivação, foi valorado incorretamente pelo douto Tribunal, um quadro Excel feito pela Assistente. Trata-se de uma prova feita por um dos intervenientes processuais, para justificar os levantamentos da sua própria conta, provas essas que alem de ser circunstanciais, pois que a Assistente podia livremente colocar os valores que quisesse, tratou-se de uma prova que não foi de conhecimento da arguida no momento da acusação, pelo que, trata-se assim de uma prova proibida, que se encontra nos autos do processo.” (conclusão 42)

(c) Como “terceiro novo meio de prova apresentado: (Testemunhal): Tratando-se de uma estudante de direito, e com a devida vergonha que se atesta nestas situações, a arguida falou com uma colega GG, Jurista, no sentido de informar que não iria concluir os estudos e o motivo a que se deveria tal ausência, mencionando toda a situação. Ao que a colega a recorda de numa noite que estavam a preparar o traçar da capa, a arguida foi contactada pela Assistente que o seu filho estaria com um ataque psicótico, a abrir as janelas todas da casa aonde residiam, e que a arguida questionou se já tinha falado com a BB pois seria útil a sua ajuda, ao que a Assistente indicou que sim. E que numa outra situação quando foram almoçar perto do salão de ... da arguida, que a Assistente apareceu, não quis almoçar estaria com cara de choro, naturalmente por não se conhecerem não partilhou o assunto, indicou que iria falar com a já mencionada BB, pegou no seu telefone e saiu. Perante estes factos, a arguida questionou se estaria a testemunha disponível para indicar todas as informações em Tribunal, ao que a mesma disse que sim, e escreveu uma carta por seu punho e assinou a mesma, conforme Doc.6 que se junta” (conclusão 42).

(d) Como “quarto novo meio de prova apresentado: Tal como mencionado em julgamento, a filha menor da arguida, padece de uma patologia de insuficiência ... em estádio V, portanto terminal, sendo que sofreu um transplante ... no dia 27/02/2022, e do qual se encontra em convalescença necessitado dos cuidados imprescindíveis da sua progenitora, a arguida, tal como Doc.7 que se junta, pois que, o seu progenitor por motivos da sua nacionalidade, encontra-se nos conflitos que todos conhecemos entre a Ucrânia e a Rússia” (conclusão 43).

No mais, limita-se a fazer considerações sobre o julgamento, sobre a decisão condenatória proferida, incluindo sobre a validade, apreciação e valoração da prova levada a efeito pelo tribunal da condenação e sobre o relatório social, sobre a tramitação processual posterior, incluindo o recurso interposto para o tribunal da Relação e o recurso para o Tribunal Constitucional (conclusões 1 a 35 e 44), matérias que não se inscrevem no objeto e no âmbito do recurso extraordinário de revisão.

Em particular, por este motivo, não há que emitir pronúncia sobre as alegadas e pretensas «nulidades» do processo da condenação (conclusão 39), as quais, a verificarem-se, só nesse processo poderiam ser invocadas e conhecidas, no máximo até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, como decorre dos artigos 119.º a 121.º do CPP.

14. Como se nota na pronúncia do Senhor Juiz do processo a que se refere o artigo 454.º, apenas as testemunhas indicadas – FF e GG – podem ser consideradas no sentido de se determinar se constituem “novos meios de prova” para os pretendidos efeitos de revisão da sentença condenatória.

Com efeito, o denominado “meio de prova” indicado em segundo lugar consiste em ter sido “valorado incorretamente pelo douto Tribunal, um quadro Excel feito pela Assistente”. Este “meio de prova” (“quadro Excel”), que não a sua valoração, foi, como a própria recorrente reconhece, apreciado e valorado no processo que levou à condenação. Assim, independentemente do valor ou relevância que lhe possam ser atribuídos, não é um meio de prova «novo», que tenha sido «descoberto» após a condenação, como exige a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.

O “meio de prova” indicado em quarto lugar é uma declaração que atesta uma situação de doença da filha da recorrente, que não diz respeito a facto que constitua objeto do processo de cuja prova possa resultar a aplicação ou não aplicação de uma pena. Poderia, eventualmente, se assim fosse de considerar, ter relevância para conhecimento das condições pessoais da recorrente com vista à determinação da pena na sentença condenatória, nos termos do artigo 71.º do Código Penal. Mas não constitui um meio de prova suscetível de ter qualquer influência no juízo relativo à culpabilidade (cfr. artigo 368.º do CPP), sendo que o recurso extraordinário de revisão não se destina a corrigir a medida da pena (artigo 449.º, n.º 3. do CPP).

A testemunha GG (“terceiro meio de prova” indicado), que apresentou uma declaração junta ao requerimento de recurso, não foi ouvida, pois que “sendo que convidada a fazê-lo, a arguida não [a] identificou cabalmente […], nomeadamente através da identificação da respetiva morada, assim como nada requereu quanto a isso, nem a apresentou na data agendada, tudo conforme fls. 88 e 93 e ata da diligência em 16.11.2022.”

Pelo que resta apenas a testemunha FF (“primeiro meio de prova indicado”.

15. Como anteriormente se notou, uma testemunha que não foi ouvida no processo não pode ser indicada, a não ser que o recorrente justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estivesse impossibilitada de depor (artigo 453.º, n.º 2, do CPP). O que não é o caso.

Limita-se a recorrente a dizer que existia “desconhecimento”, pela sua parte de que “poderia ser relevante para a descoberta da verdade”, o que, na formulação utilizada, não esclarece adequadamente se ignorava a sua existência ou se, não ignorando, não sabia que esta pessoa pudesse ter conhecimento de factos sobre que estivesse em condições de depor como testemunha. Pelo que, não se mostrando cumprido o n.º 2, poderia não se aceitar esta “nova prova”.

Porém, ouvida, concluiu o Senhor Juiz de processo que o seu depoimento “não resultou suficiente para por em crise os meios de prova que foram apreciados na decisão condenatória”. Esclarecendo: “Com efeito, a testemunha em causa pautou o seu depoimento pela superficialidade, evidenciando-se um inegável nervosismo no relato prestado e a pouca espontaneidade do mesmo, assente em sucessivas coincidências que quis fazer passar ao revelar ter conhecido e travado contactos com alguém que identificou como “Sra. BB”, de quem apenas sabe o primeiro nome, primeiro nos restaurantes que teve em ..., frequentados por esta e pelo marido (cuja identificação deste não soube avançar) durante cerca de cinco anos e até ao ano de 2012, e depois também no salão de ... da arguida, que passou a frequentar em 2018, assim como chegaram a encetar contactos tendentes à aquisição por aquela de um terreno, mas que isso nunca chegou a acontecer, sendo que precisamente no dia em que referiu tê-la visto pela última vez, num restaurante em ..., com quem tinha ido almoçar a convite da própria, foi precisamente num dia em que, sem razão aparente (que não soube identificar), aí apareceu HH, assistente nos autos (que conhecia também do dito salão de ... da arguida), e que depois daquela ter interrompido o almoço e saído do restaurante para se encontrar com esta, regressou munida de um envelope com dinheiro, dizendo que, afinal, o propósito do almoço (aquisição de um terreno) teria de ficar a aguardar porque iria viajar para ... para ajudar um filho da assistente. E que depois disso nunca mais voltou a ver essa pessoa que identificou como “Sra. BB”, alegando que a mesma não voltou a atender-lhe os telefonemas.”

Assim sendo, em concordância com esta apreciação, deste depoimento não se extrai qualquer elemento novo suscetível de, no confronto com os factos provados e com as provas que fundamentaram a decisão em matéria de facto, gerar qualquer dúvida sobre os factos que fundamentaram a aplicação da pena, ou seja, sobre a justiça da condenação.

16. Nesta conformidade, impõe-se concluir que não ocorre a descoberta de novos meios de prova que, de acordo com a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, possam constituir fundamento da revisão da condenação. Carecendo, assim, o recurso manifestamente de fundamento.

Pelo que deve ser negada a revisão.

III. Decisão

17. Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pela condenada AA.

Vai a recorrente condenada em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda a recorrente condenada na quantia de 6 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de outubro de 2023.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (adjunta)

Sénio Manuel dos Reis Alves (adjunto)

Nuno António Gonçalves (presidente da secção)