Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça
I - RELATÓRIO
I.1. AA, arguido nos autos em epígrafe, vem arguir nulidade e reforma do acórdão deste STJ proferido em 31/05/2023 que julgou improcedente o seu recurso do acórdão da Relação de Guimarães.
Fá-lo rematando a peça processual com as seguintes conclusões:
“1. Da conjugação dos arts. 379.º, n.º 2 e 414.º, n.º 4, do CPP, resulta hoje um entendimento generalizado, na doutrina e na jurisprudência, de que as nulidades de sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las; não sendo admissível recurso ordinário da sentença, ou não querendo o sujeito processual impugná-la por esta via, as eventuais nulidades de que a sentença enferme devem ser arguidas nos termos gerais, ou seja, perante o tribunal que proferiu a sentença, e dentro do prazo geral de 10 dias previsto no art. 105.º, n.º 1, do mesmo Código;
2. É inconstitucional a interpretação dos arts. arts 400.º, n.º 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 432.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 3, todos igualmente do CPP, segundo a qual é inadmissível o recurso para o STJ das condenações do Tribunal da Relação, relativas a cada crime, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão, rejeitando-se o recurso, nessa parte, sem que o Tribunal recorrido aprecie as nulidades invocadas, nesse recurso, por violação do direito de acesso aos tribunais e ao processo equitativo a interpretação e dimensão normativa conjugada dos artigos;
3. O acórdão reclamado considera, pois, que a interposição de recurso para o STJ com fundamento num alegado erro de julgamento decorrente de uma questão de direito invocada pelo recorrente, apenas, em sede desse mesmo recurso, é de não admitir, porquanto não é admissível, no entanto, uma questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou e, como tal, não há uma “decisão” objeto de recurso;
4. Por sua vez, a eventual interpretação da norma constante do art. 4.º do CPP – a qual se não admite e apenas por hipótese de raciocínio se concebe -, no sentido de que não é aplicável ao processo penal o regime da reforma, previsto no artigo 616.º do Código de Processo Civil, nos casos em que é suscitada uma questão nova pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a qual ao arguido não foi dada possibilidade de defesa ou de recorrer de tal decisão, por inexistência de Tribunal ad quem e de um grau de recurso, é materialmente inconstitucional, por violação do direito ao recurso e do contraditório, enquanto garantias do processo criminal, ínsito e consagrado no artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP;
5. Tal reforma é, por sua vez, essencial à garantia de um grau de recurso ou sindicância de decisão judicial que incide sobre o direito do recorrente, porquanto se reporta a uma decisão nova e ao recorrente não foi dada qualquer chance de se defender, enquanto exigência constitucional prevista no artigo 32.º, n.º 1, da CRP; e
6. Tendo o recorrente arguido as nulidades, em sede de recurso de revista, recurso ordinário, apesar de não serem estas admitidas, através deste meio de impugnação, devia o Tribunal recorrido conhecê-las antes de mandar subir o recurso interposto para o STJ.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, requer-se a Vs. Exas. se dignem julgar a presente reclamação totalmente procedente, devendo, em consequência:
a) Ser reconhecida e declarada a nulidade do acórdão reclamado, por omissão de pronúncia e, em consequência, conhecer-se da nulidade insanável arguida pelo Recorrente.
Subsidiariamente,
b) Ser reconhecida e declarada a nulidade do acórdão reclamado, por omissão de pronúncia e, em consequência, conhecer e declarar a verificação da inconstitucionalidade invocada pelo Recorrente no seu recurso de revista;
Cumulativamente com o pedido formulado em b), reformar o acórdão reclamado, eliminando as referências a qualquer renúncia tácita ao direito de recorrer operada pelo Recorrente;
Cumulativamente, com qualquer um dos pedidos,
c) Reconhecer e declarar a inconstitucionalidade do art. 672.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP, na interpretação de que a interposição de recurso de revista excecional com fundamento num alegado erro de julgamento decorrente de uma questão de direito invocada pelos recorrentes apenas em sede desse mesmo recurso, não é admissível, sob o argumento de que tal questão de direito representa uma questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou e, em face disso, não há uma “decisão” objeto de recurso, uma vez que tal entendimento representa uma desproporcional e excessiva restrição do direito ao recurso do Recorrente, resultando na concomitante violação do direito ao recurso enquanto garantia do processo criminal, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e, em consequência, revogar o acórdão reclamado, proferindo-se nova decisão que admita o recurso de revista interposto pelo recorrente.”
I.2. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido. Com os seguintes argumentos, em síntese,: não faz sentido estar a discutir a questão da admissibilidade de recurso excepcional ao abrigo do artigo 672º do CPC, porque o requerente “não concretizou o pedido de recurso em questão.”; “(…) a questão da nulidade invocada, por respeitar a matéria que conduziu à aplicação de penas parcelares acerca das quais houve dupla conforme, não podia ser já analisada pelo STJ. que foi chamado a apreciar essa mesma matéria. E daqui – corretamente - ter sido rejeitado o recurso nessa parte.”; e, no que diz respeito à inconstitucionalidade suscitada, remeteu para a decisão sumária nº 601/2022 do TC com a bateria de acórdãos aí mencionados, que discriminou.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. O art.374.º do Código de Processo Penal especifica os requisitos gerais da sentença, mandando estruturar esta em três partes: o relatório (n.º1), a fundamentação (n.º2) e o dispositivo (n.º3).
Sendo a decisão um acórdão proferido em recurso, o art.374.º do C.P.P. não tem aplicação em toda a sua extensão, mas deve permitir identificar o recorrente e dar a conhecer aos destinatários os motivos, de facto e de direito, pelo qual, no dispositivo, se decidiu o recurso no sentido da confirmação ou da revogação total ou parcial da sentença.
O art.425.º, n.º4 do Código de Processo Penal, ao dispor que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no art.379.º do mesmo Código, torna aplicável ao recurso as nulidades de sentença, previstas nesta norma.
Extrai-se do art.379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que é nula a sentença:
«a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
A nulidade por omissão de pronúncia ocorre, pois, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões suscitadas ou de conhecimento oficioso que não estejam prejudicadas pela solução dada a outras.
A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, que no entender do recorrente afeta o acórdão recorrido, tem, pois, de referir-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”.
É pacífico, também na jurisprudência, que esta nulidade não resulta da omissão de conhecimento de razões, mas sim de questões.
No caso em apreciação, o acórdão recorrido é uma decisão proferida em recurso, pelo Tribunal da Relação, pelo que importa, em primeiro lugar, saber qual o thema submetido à cognição do tribunal de recurso, nos termos definidos pelo recorrente.
Só conhecidas as questões colocadas ao tribunal de recurso pelo recorrente, pode o Supremo Tribunal de Justiça decidir se alguma das questões objeto de recurso ficaram por conhecer e, consequentemente, se o acórdão do Tribunal da Relação é nulo por omissão de pronúncia.
Sendo as conclusões do recurso que delimitam o objeto do recurso, é pelas mesmas que se conhecem as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar.
O ora Requerente, citando “6.”, “9.”, 10”, “11.” e 12.” das conclusões do recurso interposto sobre o acórdão da Relação de Guimarães, reincide na petição de pronúncia sobre as questões refletidas nesse recurso, com o fundamento de o acórdão do STJ de 31/05/2023 não se ter pronunciado sobre as mesmas.
Essas questões são “a medida concreta das penas singulares aplicadas ao arguido”, a aplicação de “pena de prisão em substituição da pena de multa, no crime de importunação sexual” e “o montante indemnizatório arbitrado.” E, no que toca ao crime de violação, adita vício de insuficiência de matéria de facto porque dos “factos dados como provados em 11 a 13 não resulta dos mesmos qual o meio não compreendido no nº 1 do art. 164 do CPenal;”.
Revisitando o acórdão prolatado por este STJ, somos forçados a citar o que aí se escreveu:
“I.8.1. Quanto à alegada omissão de pronúncia:
A alegada omissão de pronúncia reconduz-se a uma pretensão de (i) reapreciação das penas parcelares, da (ii) reapreciação da pena parcelar aplicada ao crime de importunação sexual e de (iii) reapreciação do montante da indemnização arbitrada. Ora, como assinalou o acórdão recorrido, “O recurso interposto pelo recorrente, para além de ter visado a decisão sobre a matéria de facto, no caso de esta não obter procedência, como acontece, tem ainda como escopo o reexame da matéria de direito, mais concretamente a medida da pena aplicada. Limita, porém, essa parte do seu recurso à impugnação da pena única que lhe foi aplicada em resultado da operação de cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas para cada um dos ilícitos penais perpetrados, entendendo que a mesma se mostra desproporcionada, excessiva, por ultrapassar a medida da culpa que se extrai da sua conduta.” Mas tal impugnação da medida da pena única foi aí conhecida. Como foi conhecido o demais suscitado (impugnação ampla da matéria de facto e vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão). E só não se conheceu das medidas das penas parcelares porque não foram impugnadas.
E, ao invés do alegado, e apesar de a questão não ter sido suscitada, menção bastante se fez ao montante de “reparação”, atribuído ao abrigo do artigo 82-A do CPP, a pags 126, mantendo-o face à matéria de facto dada como provada consubstanciadora de todos aqueles ilícitos.
De todo o modo, não esquecendo que a Relação, em dupla conforme, confirmou in totum a decisão da primeira instância, e que só a pena única se fixou em medida concreta superior a 8 anos, constitui jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal, que o recurso, limitado ao reexame da matéria de direito, não só não é admissível quanto às penas não superiores a 8 anos de prisão, como também não o é em relação a todas as questões processuais ou de substância com elas conexas e com os respetivos crimes, designadamente vícios (410º), nulidades (379º e 425º, nº 4) , apreciação da prova e meios de prova, princípio in dubio pro reo, inconstitucionalidades, qualificação jurídica dos factos, forma do seu cometimento, escolha das penas e sua medida e “reparação” de natureza penal atribuída ao abrigo do artigo 82-A do CPP. (cfr ac. STJ de 14/03/2018, proc. nº 22/08.3JALRA.E1.S1, Lopes da Mota, ac. STJ de 15/12/2021, proc. nº 1000/19.2PRPRT-H.P1.S1, Paulo Cunha, ac. STJ de 16/12/2021, proc. nº 321/19.9JAPDL.L2.S1, Cid Geraldo, 24/02/2022, 1735/16.1T9STB.E1.S1, Adelaide Sequeira)
Como se sublinhou no primeiros dos arestos acabados de enunciar, “Só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, limitado ao reexame de matéria de direito, de acórdãos das Relações proferidos em recurso que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.” E como se assinalou no ac. do STJ de 16/12/2021, proc. nº 321/19.9JAPDL.L2.S1, Cid Geraldo, “I - Atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do tribunal da relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos (caso de dupla conforme total), concluímos que são irrecorríveis as condenações do tribunal da relação, relativas a cada crime, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única (s), aplicadas em medida superior a 8 anos.
II - Não sendo admissível o recurso, igualmente não podem ser analisadas todas as questões relativas à parte da decisão irrecorrível, tais como a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, qualificação jurídica dos factos, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida, bem como de questões de inconstitucionalidade suscitadas nesse âmbito. De outro modo não se verificava irrecorribilidade.”
Em tal irrecorribilidade entra a decisão sobre a “reparação” concedida ao abrigo do artigo 82º-A do CPP. “Reparação” que, não constituindo um valor arbitrado a título de indemnização civil, terá de ser abarcada hic et nunc pelas regras de inadmissibilidade do recurso interposto para a parte penal das decisões parcelares a que a reparação respeita. Como se lê no ac. do STJ de 07/10/2021, 39/18.0JAPTM.E1.S1, Helena Moniz, “Ora, nos termos do art. 82.º-A, n.º 3, do CPP, esta reparação será tida em conta em ação que venha a conhecer do pedido de indemnização civil. Não constitui, porém, um valor arbitrado a título de indemnização civil, pelo que consideramos que as regras de admissibilidade do recurso interposto devem ser as que vigoram para a parte penal da decisão.” E como se sustenta no ac. de 02/05/2018, 156/16.0PALSB.L1.S1, Lopes da Mota, “O que acaba de se expor impõe que seja feita uma distinção quanto às consequências jurídicas do crime, entre as de natureza civil, que geram o dever de indemnizar, pela prática de acto ilícito, em conformidade com as disposições aplicáveis do Código Civil (artigos 483.ºss e 562ss) e com o artigo 129.º do Código Penal, sempre dependente de pedido do lesado (artigos 71.º, 73.º e 74.º do CPP), e as consequências de natureza penal, em que se inclui o arbitramento oficioso de reparação à vítima pelos prejuízos causados, como efeito penal da condenação, nos termos do artigo 82.º-A do CPP, sempre que particulares exigências de protecção o requeiram (assim, também, nomeadamente, Simas Santos / Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, 2008, p. 550).”
Destarte, dada a impossibilidade legal de receber o recurso, fica in limine prejudicada, como óbvio se torna, qualquer apreciação de fundo. Termos em que se rejeitará o recurso, nesta parte, tendo presentes as disposições conjugadas dos arts 400.º, n.º 1, al. f), 420, nº 1, al. b), 432.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 3, todos igualmente do CPP.
I.8.2. Quanto ao alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
Em “11.” das conclusões o Recorrente remete para “11” a “13” dos factos provados, por, alega, se não ter dado como provado “qual o meio não compreendido no nº 1 do artigo 164 do CP.” E, “Por isso, o Acórdão recorrido sofre do vício previsto no art. 410º, n.º 2, al. a), do CPP.”
Estamos perante um recurso interposto de acórdão da Relação que confirmou in totum o acórdão da 1ª instância. O recurso incide, portanto, sobre o acórdão da Relação.
Nos termos do artigo 434º do CPP, sob e epígrafe, “Poderes de cognição”, “O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”
O artigo 434, exceciona o disposto nas als a) e c) do art. 432º. Mas não exceciona o disposto na al. b) do nº 1 do mesmo inciso. O que significa que não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso pela Relação com fundamento nos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP. Com o que soçobra a pretensão do Recorrente no que toca à invocação do fundamento da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Como já se disse no acórdão deste Supremo de 01/03/2023, 589/15.0JABRG.G2.S1, de que fomos relator, “I - Com a alteração operada pela Lei n.º 94/2021 de 21712, que entrou em vigor um 21 de março de 2022, os erros-vício e a nulidades previstos e referidas no artigo 410 n.ºs 2 e 3, do CPP podem legitimar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça mas apenas de decisão da Relação proferida em 1ª instância (portanto, em recurso em 1º grau para o Supremo, em que poderá/deverá conhecer de facto e de direito) e no recurso per saltum, de acórdão de tribunal do júri ou coletivo de 1ª instância contanto tenha aplicado pena de prisão em medida superior a 5 anos.
Com fundamento nos referidos erros-vicio e nulidades não sanadas, não se admite recurso de acórdãos da Relação, tirados em recurso.” (in despacho do Exmo Vice-Presidente do STJ, Conselheiro Nuno A. Gonçalves, proferido em 05.01.2023 em sede de reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 405.º do C.P.P. no processo n.º 5711/20.1T9CBR.C1-A.S1; no mesmo sentido acórdão de 23/03/2022, 4/17.4SFPRT.P1.S1, Lopes da Mota.)
II. Sendo este o caso dos autos, o acórdão recorrido não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
III. Ora, se “não é admissível recurso para o STJ com os fundamentos previstos nos nºs 2 e 3 do art. 410º”, o recurso terá de ser rejeitado, ut arts 414º, nº 2, e 420º, nº 1, al. b). Não se atingindo, pois, a ulterior fase do que deve, ou não deve, conhecer-se.”
No mesmo sentido se pronunciou o mais recente ac. de 13/04/2023, 43/20.8T9MTR.G1.S1, Teresa Almeida. Também aí se disse que “A única diferença relativamente ao regime dos recursos das decisões, em 1.ª instância, das Relações (al. a), do n.º 1 do art. 432.º do CPP) e dos interpostos per saltum, nos termos da al. c) do n.º 1 do mesmo artigo, casos em que o Supremo constitui a única 2.ª instância, é a ausência de faculdade de o recurso poder ser interposto com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.
Pelas mesmas razões, não é admissível o recurso em matéria de facto, bem como na parte em que tem como objeto os vícios cominados no art. 410.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CPP, nos temos das disposições conjugadas dos arts. 400.º, n.º 1, al. e) e 434.º, ambos do CPP.”
Assim, se rejeitará o recurso, nesta parte.”
II.2. Pelo que, na rejeição do recurso, quer quanto à enunciada omissão de pronúncia sobre as três questões identificadas e discriminadas quer no que toca à aqui repetida insuficiência da matéria de facto para a decisão, não se verifica omissão de pronúncia porque pronúncia não tinha que haver. Rejeitado o recurso, não se chega ao conhecimento do mérito do mesmo.
E constitui jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça que a irrecorribilidade no âmbito das penas parcelares determina que as questões que lhes dizem respeito, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, não poderão também ser conhecidas pelo Supremo Tribunal de justiça (cfr ac. do STJ de 06/01/2020, proc. 266.17.7GDFAR.E1.S1, de 15/04/2015, proc. 3/12.2PAMGR.C1S1, de 04/07/2019, proc. nº 461/17.9GABRR.L1.S1, de 21/10/2020, proc. n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S1 e de 12/1/2022, Proc. nº 89/14.5T9LOU.P1.S1)
O Tribunal Constitucional, como é sabido, vem considerando conforme à Constituição da República Portuguesa este entendimento, como claramente resulta do seu Ac. nº 186/2013, de 4/4/2013, publicado no DR II série, de 9/5/2013, onde se decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do nº 1, do artº 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”.
Nesse sentido, já se pronunciou também o Tribunal Constitucional no Ac. nº 659/2011 (e também nos Acórdãos nºs 194/2012, 399/2013 e 290/2014 remetendo estes expressamente para a fundamentação do Acórdão nº 659/2011) decidindo “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido em recurso pela relação que confirme a decisão da 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão”».
Das questões subjacentes à irrecorribilidade não poderia, assim, o Supremo conhecer.
Mas na parte cognoscível, isto é, na parte que podia integrar o objeto de conhecimento pelo STJ, o recurso foi recebido e conheceu-se.
Com o que, nesta parte não se verificou omissão de pronúncia.
II.3. Nunca se referiu no acórdão do STJ “qualquer renúncia tácita ao direito de recorrer operada pelo Recorrente.” Pelo que nenhuma referência há a eliminar.
II.8. O ora Requerente acaba o seu requerimento de arguição de nulidades a pedir que se deve “reconhecer e declarar a inconstitucionalidade do artigo 672, nº 1, do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP, na interpretação de que a interposição de recurso de revista excecional com fundamento num alegado erro de julgamento decorrente de uma questão de direito invocada pelos recorrentes apenas em sede desse mesmo recurso, não é admissível, sob o argumento de que tal questão de direito representa uma questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou e, em face disso, não há uma “decisão” objeto de recurso, uma vez que tal entendimento representa uma desproporcional e excessiva restrição do direito ao recurso do Recorrente, resultando na concomitante violação do direito ao recurso enquanto garantia do processo criminal, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e, em consequência, revogar o acórdão reclamado, proferindo-se nova decisão que admita o recurso de revista interposto pelo recorrente.”
Todavia, tal inconstitucionalidade não foi alegada no recurso interposto, pelo que não podia ter sido objeto de pronúncia. Se bem que, acrescente-se, a jurisprudência do STJ é no sentido de que não há lugar a recurso de revista excecional no processo penal, por o sistema de recursos do processo penal ser autónomo e suficiente e, nesse particular, sem lacuna (cfr ac. de 04/12/2019, proc. nº 354/13.9IDAVR.P2.S1, Manuel Matos).
Não há, assim, também aqui qualquer omissão de pronúncia.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente, por falta de fundamento, a arguição das invocadas omissão de pronúncia e nulidades e indefere-se a requerida eliminação.
Custas pelo recorrente, que se fixam em três UC´s.
STJ, 29 de junho de 2023
Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)
José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto)
Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)