Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11973/20.7T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :

Sempre que o recurso tenha como objeto a reapreciação da prova gravada o Recorrente deve beneficiar do prazo adicional de dez dias concedido pelo artigo 80.º, n.º 3, do CPT, mesmo que, porventura, não cumpra os ónus previstos no artigo 640.º do CPC e, por hipótese, não indique com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, nem proceda a transcrições, desde que nas conclusões do seu recurso invoque depoimentos de testemunhas.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 11973/20.7T8PRT.P1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Relatório


Sweet Line You – Aparelhos de Estética e Ginástica, Lda., Ré nos presentes autos, em que é Autora AA, não se conformando com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 17.04.2023, veio interpor recurso de revista nos termos gerais, e, subsidiariamente, de revista excecional, para a Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 671.º do CPC, e, subsidiariamente, do nº 2, al. b), do mesmo preceito.


Por decisão individual do Exmo. Relator no Tribunal da Relação, o recurso de apelação da ora Recorrente não foi admitido por intempestivo.


Com efeito, pode ler-se nessa decisão:

“A sentença proferida nestes autos foi notificada às partes, via Citius e nas pessoas dos respectivos mandatários, em 06-09-2022, uma terça-feira, presumindo-se “[..] feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando não o seja”. Vale por dizer, que no caso concreto presume-se efectuada a 9 de Setembro.

Estando-se perante recurso da sentença, ou seja, da decisão que pôs termo à causa, o prazo regra para interposição do recurso é de 30 dias [art.ºs 79.º n.º1, al. a) e 80.º n.º 1, do CPT]. Porém, nos termos do n.º3, do art.º 80.º, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, àquele prazo acrescem dez dias.

O prazo regra de 30 dias, iniciou-se a 10 de Setembro de 2022 e teve o seu termo a 09 de Outubro, um Domingo. Por essa razão, o termo transferiu-se para o dia útil seguinte, ou seja, 10 de Outubro de 2022. Mas podendo o acto ser praticado independentemente de justo impedimento até ao 3.º dia útil imediatamente seguinte, mediante o pagamento de multa (art.º 139.º 5, do CPC), caso seja de aplicar o prazo regra, poderia o recurso ser apresentado até ao dia 13 de Outubro.

Noutra perspectiva, se houver lugar ao acréscimo de 10 dias, então o prazo iniciado 10 de Setembro de 2022, que agora passa a ser de 40 dias, atingiu o seu termo no dia 20 de Outubro, ou seja, precisamente no dia em que foi apresentado o recurso. Além disso, como acima referido, nesta hipótese também a parte poderia recorrer ao disposto no art.º 139.º /5, do CPC.

Por conseguinte, desde que o recorrente possa beneficiar do acréscimo de dez dias estabelecido no art.º 80.º 3, do CPT, o recurso foi interposto tempestivamente. Pelo contrário, não havendo lugar à aplicação daquela extensão, o recurso será manifestamente extemporâneo e, se assim for, não poderá ser admitido” (negritos no original).


Tendo o Relator concluído que não havia lugar ao acréscimo de prazo rejeitou, por conseguinte, o recurso.


Em Conferência, o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, confirmando a decisão individual de rejeição do recurso de apelação por intempestivo.


Nesse Acórdão pode ler-se que:

“[O] ponto fulcral não era apreciar se a recorrente cumprira os ónus de impugnação do art.º 640.º do CPC. Essa questão só caberia apreciar a jusante, na apreciação do recurso, caso este fosse admitido.

O que estava em causa, e continua a estar, perfila-se a montante, e consiste em saber se a reclamante careceu de proceder à audição da prova gravada para produzir as alegações apresentadas na parte que respeita à impugnação da matéria de facto, ou seja, se está verificada a razão material que fundamenta o acréscimo do prazo para recorrer.

Ora, pelas razões que constam enunciadas com clareza na decisão reclamada, é de concluir o contrário. Em suma, repete-se, não há indicação dos tempos de gravação onde se encontram os extratos que possam relevar dos testemunhos e declaração de parte, nem tão pouco há qualquer transcrição, ainda que parcial, ou seja, uma síntese suficientemente detalhada ou alguma declaração concreta de um determinado extrato daqueles meios de prova”.


O presente recurso de revista foi admitido como interposto ao abrigo do artigo 671.º n.º 1 do CPC.


Nas Conclusões do seu recurso de revista o Recorrente sustenta que utilizou a prova gravada (como resultaria, designadamente, da Conclusão 40 da sua apelação) e que, em todo o caso, o objeto do seu recurso era a reapreciação da prova gravada, afirmando subsidiariamente que, mesmo que se conclua que não cumpriu os ónus previstos no artigo 640.º do CPC, ainda assim deveria beneficiar do prazo adicional de dez dias.


A Autora contra-alegou, sustentando que o recurso não deveria ser admitido ou, em todo o caso, deveria improceder, confirmando-se o Acórdão recorrido.


Em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso, concluindo que “a recorrente deverá beneficiar da extensão do prazo para o recurso de apelação previsto no art. 80.º, n.º 3, do CPT, pelo que o mesmo deverá ser considerado tempestivo”.


Fundamentação


A questão que se suscita no presente recurso de revista é tão-só a de saber se o Recorrente beneficiaria do prazo adicional de dez dias previsto no 80.º n.º 3 do CPT (similar ao n.º 7 do artigo 638.º do CPC) para a interposição do seu recurso de apelação.


Antes de mais, sublinhe-se que esta questão não se confunde com aqueloutra, distinta, do cumprimento ou incumprimento pelo Recorrente dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC, mormente no seu n.º 1 alínea b) e no n.º 2, alínea a).


Como se decidiu no Acórdão deste Tribunal de 30-03-2022, no processo n.º 23234/18.7T8LSB.L1.S1 (Chambel Mourisco), “[o] acréscimo de 10 dias no prazo para interpor recurso previsto no artigo 80.°, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho não depende do cumprimento dos ónus de impugnação e muito menos do mérito da impugnação, dependendo sim de a impugnação da matéria de facto visar a reapreciação da prova gravada”; também no Acórdão proferido a 11-04-2018, processo n.º 4053/15.9T8CSC.L1.S1 (Júlio Gomes) se decidiu que “[o] incumprimento pelo Recorrente dos ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do Código de Processo Civil não acarreta necessariamente que o recurso seja considerado como versando apenas sobre matéria de direito, com a consequente exclusão da aplicação do n.º 3 do art. 80.º do Código de Processo do Trabalho, havendo, antes, que aplicar tal preceito e conceder o prazo adicional nele previsto quando resulte do recurso intentado, mormente das suas alegações, que o mesmo tinha por objeto a reapreciação da prova gravada”. Aliás, mesmo que por força do incumprimento dos ónus do artigo 640.º se deva rejeitar o recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto a que o incumprimento se reporte, ainda assim há que conceder os dez dias suplementares quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada.


É certo que como se destaca no Acórdão desta Secção de 06-12-2016, processo n.º 424/12.0TTFUN.L1.S1 (Ferreira Pinto), “se na alegação e/ou nas conclusões não existir concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento, não beneficia o recorrente daquele acréscimo”.


Mas será esse o caso?


Na sua apelação o ora Recorrente afirma designadamente o seguinte:


“[A]s testemunhas BB (ouvida na sessão de 29 de Junho de 2022, cujo depoimento se mostra gravado das 10.20 às 10.55 hora ) e CC (ouvida na mesma sessão, cujo depoimento se mostra gravado das 10.57 horas às 11.45 horas, conforme assinalado na ata) e o legal representante da Recorrente, ouvido em declarações de parte na mesma sessão, com depoimento gravado das 15.36 horas, às 16.00 horas, que falaram na otimização da gestão das viaturas para a realização de outros serviços de expediente externo , face à inexistência de viaturas destinadas especificamente a tal fim, que ao invés do ali vertido, foi explicado, de forma perfeitamente plausível.”


E noutro passo, ainda, diz-se o seguinte:


“Aliás, nunca poderia tal obrigação de a Recorrida se deslocar pelos seus próprios meios no percurso pendular entre casa e a sede da empresa constituir assédio, por se tratar do exercício de um legitimo direito da Recorrente e ainda porque é comum à generalidade dos trabalhadores, a menos que tenham viatura atribuída para uso total. Sendo que a explicação lógica para tal imposição, para além de quanto antecede, se pode buscar no depoimento de BB e CC, que explicaram que não existe uma viatura exclusivamente afeta a serviço externo e que as viaturas parqueadas no estacionamento da Recorrente, inclusivamente a da Diretora Comercial, são usadas indiscriminadamente para a realização de pequenas deslocações em serviço externo, designadamente a bancos e também para a entrega de equipamentos”.


E na Conclusão 40 da apelação faz referência expressa ao depoimento, entre outras, de uma testemunha:


“sendo que a testemunha CC, referiu mesmo que na zona de ... se concluiu o melhor negócio do ano”


Em suma, o recurso tinha como objeto inequivocamente a reapreciação da prova gravada e deve, pois, o recorrente beneficiar do prazo adicional.


Saber se indicou com exatidão as passagens da gravação que sejam relevantes ou se efetuou transcrições das mesmas é algo que interessa para uma questão distinta – a do cumprimento dos ónus do artigo 640.º do CPC.


E, como já se disse, tais ónus podem não ter sido cumpridos, mas tal não exclui necessariamente que o recurso tivesse por objeto a reapreciação da prova gravada.


Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão da Conferência do Tribunal da Relação que decidiu que o recurso de apelação tinha sido proposto fora do prazo legal.


Custas do recurso pela Recorrida.


Lisboa, 3 de novembro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Mário Belo Morgado


Domingos José de Morais