Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
503/11.1GAILH-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
LEGITIMIDADE
PRESSUPOSTOS
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA/ DECRETAMENTO TOTAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I – A circunstância de o condenado, requerente do pedido de revisão, não ter indicado o segmento da norma ao abrigo da qual faz o pedido, não é obstáculo à sua apreciação, desde logo porque, nesta matéria, o tribunal é livre na sua qualificação jurídica não estando sujeito ao alegado pelos sujeitos processuais.

II – O legislador ao outorgar legitimidade ao condenado para requerer o pedido de revisão da sua condenação, deixou obviamente de lado exigências aplicáveis aos recursos ordinários, bastando-se com um requerimento motivado e com a indicação dos meios de prova.

III – A conclusão no sentido de que se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação resulta da circunstância de o arguido ter sido condenado numa pena pela prática de um crime, quando, numa avaliação prima facie, devia ter sido condenado por um ilícito contraordenacional numa coima

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 503/11.1GAILH-A.S1

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:

I.
1. AA foi condenado, por decisão de 20.06.2013, transitada em julgado em 5 de Setembro de 2013, como autor material de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 03.01, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros) e, como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa á taxa diária de 5 euros.
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de 5€ (cinco euros), num total de 700€ (setecentos euros).

2. Apresentou requerimento de recurso extraordinário de revisão do seguinte teor:

«Venho eu por este meio escrito me pernunciar sobre o processo 503/11.1GAILH no qual me condenou por um crime de condução sem habilitação legal um crime de desobediência.

Data da decisão 2013/06/20

Data de transito julgado 2013/09/05

Sentença 140 dias de Multa, à taxa diária de 5,00 que perfaz o total de 700 euros.

1 No processo 503/11.1GAILH este Tribunal não me podia ter condenado pelo crime de condução sem Habilitação legal.

2 Pelo motivo sou titular de carta de condução de categoria AM desde o Ano 1997-09-02 valida ate 22-09-2031.

3 Artigo 123º , carta de condução

Quem, sendo apenas titular de carta de condução das categorias AM ou A1, conduzir veiculo de qualquer outra categoria para a qual respectiva carta de condução não confira habilitação e sancionado com coima de €700 a € 3500

4 Expos todo o meu caso sobre o meu registo criminal ao supremo tribunal da justiça o qual me informou que eventualmente ser fundamento para uma hipotética e interposição de recurso de revisão (artigo 451º do código do processo Penal) a deduzir nos processos e apresentar nos tribunais onde se tenham proferido as decisões a rever.

5 Ao Artigo 451º do Código do Processo Penal

Venho pedir a revisão do processo 503/11.1GAILH no qual me condenou por um crime de condução sem Habilitação legal.

Crime este que eu não cometi.

6 Junto envio fotocopia carta de condução

Junto envio fotocopia do IMTT de uma declaração como a minha carta de condução categoria AM se consta como valida desde 1997-09-02 – valida ate 22-09-2031

Junto envio código da Estrada - versão em vigor -titulo V – da habilitação legal para conduzir – capitulo 1 – títulos de condução».

3. O Ministério Público entende que deve ser negada a revisão da sentença, por não se encontrarem preenchidos os fundamentos legais para tanto.

4. O recurso foi admitido. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, disse a juíza do processo:

«Analisado o requerimento de interposição de recurso, constata-se que aí foi alegado que o condenado é titular de uma carta de condução, válida para a categoria “AM” (veículos motociclos até à cilindrada de 50cm3), desde 02-09-1997 até 22-09-2031, o que não foi considerado pelo Tribunal da condenação. Mais alega que deveria ter sido absolvido da prática desse ilícito.

Atendo-nos às alegações do Ministério Público, teremos prima facie que balizar esta informação sobre o mérito na reunião dos fundamentos e admissibilidade da revisão da sentença.

Nos termos promovidos pelo M.P., aderimos aos fundamentos expostos no Acórdão do S.T.J proferido no âmbito do recurso de revisão n.º 95/12...., uma vez que se reporta a situação idêntica a ora colocada a apreciação.

Nestes termos, em face de tudo quanto acima se consignou e salvo a sempre melhor e avisada posição dos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, consideramos que o pedido em evidência deverá improceder e, em consequência, não se deverá conceder a revisão da decisão condenatória proferida nos autos principais».

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça o M. º P. º sustentou, em síntese, que «os fundamentos invocados pelo arguido não se enquadram na previsão legal nem, tão pouco, se afiguram suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação – o que, de resto, já havia sido decidido no citado processo n.º 95/12....; pelo que, em conformidade, nos parece dever a mesma ser negada».

6. A sentença condenatória considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 17.08.2011, pelas 02h46, na EN ...09, em ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-AT, da sua propriedade, sem que tivesse celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, nos termos prescritos no artigo 162º, nº 1 alínea f) do Código da Estrada, pelo que este foi apreendido pelo Departamento de Trânsito da Guarda Nacional Republicana de ....

2. Nessa sequência, a GNR designou o arguido como fiel depositário do veículo e entregou-lho, notificando-o de que não o poderia utilizar, pois caso o fizesse incorreria na prática de um crime de desobediência.

3. Não obstante ter recebido e assinado tal notificação, cerca das 00h45m do dia 25.08.2011, o arguido conduziu o referido veículo na Rua ..., em ..., em desrespeito pela ordem recebida.

4. Além do que exerceu tal condução sem se encontrar habilitado com carta de condução ou com qualquer outro documento que lhe permitisse conduzir tal veículo, pois que a carta de condução que possuía, emitida em 03.05.2004, se encontrava no estado de “caducada definitivamente” desde 16.08.2005.

5. Ao receber e assinar a notificação que lhe foi efetuada pela GNR no dia 17.08.2011, o arguido tomou pleno conhecimento das obrigações que sobre si impendiam, nomeadamente a de não utilização do veículo, pelo que, ao conduzi-lo, agiu de forma livre e com o propósito concretizado de o utilizar, bem sabendo que o mesmo se encontrava apreendido, que tal apreensão havia sido feita por autoridade pública competente e ao conduzi-lo desrespeitava tal ordem da autoridade.

6. O arguido conhecia a obrigatoriedade legal de possuir um documento que o habilitasse a conduzir o referido veículo na via pública, sabia que dele não era titular, e mesmo assim quis conduzir.

7. Sabia o arguido que a sua conduta era vedada e punida pela lei penal.

8. O arguido tem diversas condenações por condução ilegal reportadas aos anos de 2001 a 2003 tendo sido condenado em penas de multa e prisão suspensa, já todas julgadas extintas.

9. Em 03.05.2004 obteve carta de condução.

10. Após a obtenção da carta foi condenado por condução em estado de embriaguez em pena de multa, que pagou e por ofensa à integridade física, tendo sido dispensado da pena.

11.A carta de condução do arguido foi declarada caducada definitivamente no âmbito de um processo de contraordenação que sofreu.

12. Após, o arguido voltou a ser condenado por furto, condução ilegal e falsificação de documentos por factos de 2011 e 2012.

13. Tem ainda três processos pendentes.

14. O arguido é solteiro e vive em união de facto.

15. A companheira é cabeleireira e têm um filho de um ano.

16. Antes de preso trabalhava como mecânico numa oficina na .... No Estabelecimento Prisional estuda.

17. Estudou em liberdade até ao 7º ano de escolaridade, está agora a tentar habilitar-se com o 9º ano.

18. Teve, no passado, contactos com o consumo de estupefacientes tendo-o deixado desde que está preso.

19. Confessou integralmente e sem reservas os factos.

Fundamentação da matéria de facto.

A convicção do Tribunal baseou-se nas declarações do arguido que confessou os factos de forma integral e sem reservas, conjugada com a prova documental relativa à apreensão do veículo.

Portanto, não ficaram dúvidas de que o arguido conduziu sem carta no tempo e local constantes da acusação, um veículo automóvel apreendido, com a consciência de ser criminalmente punida a sua conduta.

A caducidade da carta está documentada (fls. 54) o mesmo acontecendo com os antecedentes criminais, os quais resultam do CRC junto aos autos a fls. 137 e ss.

O arguido relatou a sua vida, de forma a merecer credibilidade, a qual é conhecida do Tribunal.

*

O Direito.

§ 1. A estabilidade das decisões judiciais exprime o valor do Direito e a subordinação do Estado e da sociedade ao seu Direito. Assim, uma vez decorrido o processo, a decisão final transita em julgado, o que implica a intangibilidade do que foi judicialmente definido. Porém, também ainda por força de um princípio de justiça material, e tendo presente que o processo pode ter sido de algum modo inquinado por uma qualquer grave vicissitude, a lei prevê a possibilidade de revisão da decisão (ac. TC 301/2006).

§ 2. A Constituição consagra o direito dos cidadãos injustamente condenados requererem a revisão da sentença, nas condições que a lei prescrever (art. 29.º/6, CRP). Concretizando o referido direito, dispõe o art. 449.º, CPP, em matéria de fundamentos e admissibilidade da revisão:

    1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

    a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

    b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

    c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

    d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

    f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

    g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

    2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

    3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

    4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.

§ 3. O requerente foi condenado como autor material de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 03.01, e, como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do Código Penal. Questiona apenas a condenação pelo crime de condução ilegal, pelo que o pedido de revisão não visa a condenação proferida no processo 503/11, mas tão só a condenação pelo crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 03.01, [pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros)].

§ 4. O requerimento, escrito pelo requerente, não integra o pedido de revisão em nenhuma das situações previstas nas várias alíneas do art. 449.º/1, CPP, limitando-se a, muito sinteticamente, dizer que não podia ter sido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, porque é titular de carta de condução de categoria AM desde o Ano 1997-09-02 válida até 22.09.2031, mas apenas sancionado com coima de €700 a € 3500.

§ 5. Como sustenta o recorrente, e certifica o IMTT, numa segunda informação junta aos autos na fase de produção de prova (art. 453.º, CPP), o requerente, à data da conduta tida como penalmente ilícita, era titular de licença de condução de ciclomotores ..., desde 02.09.1997, que posteriormente deu origem à carta de condução ...74, válida até 22.09.2031. Se for assim, o requerente na data em que foi proferida a sentença não podia ser condenado pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2 do DL 2/98 de 03.01, mas apenas sancionado com uma coima.

Vejamos:

Entre a data dos factos – 17.08.2011 – e a sentença que os apreciou – 20.06.2013 – foi publicado e entrou em vigor o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho. Entre as alterações na identificação das cartas de condução criou uma nova categoria com a designação AM (art./3.º/2/a), habilitando o titular a conduzir “veículos a motor de duas ou três rodas, com exceção dos velocípedes a motor, e quadriciclos ligeiros, dotados de velocidade máxima limitada, por construção, a 45 km/h e caracterizados por:

i) Sendo de duas rodas, por um motor de combustão interna de cilindrada não superior a 50 cm3, ou cuja potência nominal máxima contínua não seja superior a 4 kW, se o motor for elétrico;

ii) Sendo de três rodas, por um motor de ignição comandada, de cilindrada não superior a 50 cm3, ou por motor de combustão interna cuja potência útil máxima não seja superior a 4 kW, ou ainda cuja potência nominal máxima contínua não seja superior a 4 kW, se o motor for elétrico;

iii) Sendo quadriciclos, por motor de ignição comandada, de cilindrada não superior a 50 cm3 ou ainda cuja potência nominal máxima contínua não seja superior a 4 kW, se o motor for elétrico ou de combustão interna, cuja massa sem carga não exceda 350 kg;

§ 6. O art. 62º/1 (do anexo ao Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 138/2012) estabeleceu que “As licenças de condução de ciclomotores, motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 e de veículos agrícolas, do modelo aprovado pelo despacho n.º 17 784/98, de 15 de outubro, emitidas por câmaras municipais, mantêm-se em vigor, devendo ser trocadas por novos títulos, a emitir pelo IMT, I. P., a requerimento dos interessados, no termo da sua validade”.

§ 7. O art. 2.º do mesmo diploma (Decreto-Lei n.º 138/2012), alterou o art. 123.º/4, CE, nos seguintes termos: «Quem, sendo apenas titular de carta das categorias AM ou A1, conduzir veículo de qualquer outra categoria para a qual a respetiva carta de condução não confira habilitação é sancionado com coima de (euro) 700 a (euro) 3500». Assim, ao que resulta dos autos, o arguido era titular de carta AM, mas conduzia veículo automóvel de categoria para a qual a sua carta não conferia habilitação, pelo que devia ter sido sancionado com uma coima e não com uma pena.

§ 8. Numa primeira aproximação ao caso, parece que o recorrente não pode sustentar que desconhecia que era titular de licença que o habilitava para conduzir ciclomotores, pois tinha obtido essa licença em 1997. Já o tribunal, tanto quanto se retira dos autos, desconhecia esse facto. Facto esse que, importa realçar, era irrelevante à data da prática dos factos, porém, uma alteração legislativa, ocorrida entre a data da prática dos factos e a sua apreciação em audiência de julgamento, tornou esse facto juridicamente relevante. Nada nos autos permite afirmar que o requerente tinha, à data do seu julgamento, conhecimento da alteração legislativa, mas podemos assentar, com base nas regras da experiência, de que a desconhecia. Não é crível que alguém com sucessivas condenações por condução sem carta, sabendo da alteração legislativa que o livra da cadeia, não se prevaleça dessa inovação.

§ 9. As considerações que antecedem servem apenas para afastar qualquer hipotético interesse do arguido na omissão de invocar nos autos e especialmente em julgamento a licença de condução de que era titular. Mais, dizem as regras da experiência, que ao requerente, com o seu historial de condenações por condução ilegal, «não lhe passaria pela cabeça» dizer que tinha licença para conduzir ciclomotores, quando foi detetado a conduzir um veículo ligeiro de passageiros, pois sabia de antemão, que essa desculpa não «pegava»…

§ 10. Acontece que não basta um erro de julgamento para possibilitar o recurso de revisão. A revisão só é admissível nos casos previstos no art. 449.º, CPP. A circunstância de o recorrente não ter indicado o segmento da norma ao abrigo da qual faz o pedido, não é obstáculo à sua apreciação, desde logo porque, nesta matéria, o tribunal é livre na sua qualificação jurídica não estando sujeito ao alegado pelos sujeitos processuais. O legislador ao outorgar legitimidade ao condenado, ele próprio, para requerer a revisão da sua condenação (art. 450.º/1c, CPP), deixou obviamente de lado exigências aplicáveis aos recursos ordinários, bastando-se com um requerimento motivado e com a indicação dos meios de prova (art. 451.º/2, CPP).

§ 11. O pedido do requerente só pode caber no art. 449.º/1/d, CPP: ) [s]e descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. O novo facto é a carta…. AM, o novo meio de prova é a certificação pelo IMTT de que o condenado é titular dessa carta desde 02.09.1997 e com validade até 29.06.2031.

§ 12. Este facto é, indiscutivelmente, novo para o tribunal. Pergunta-se, o recorrente à data dos factos e do julgamento sabia que era titular da licença, depois carta AM…? Sabia, conhecia o facto naturalístico, mas daí, concluir, sem mais, que não há facto novo na perspetiva do condenado, é um passo que importa ponderar. Ele sabia que tinha a licença, mas desconhecia o que no caso era essencial, desconhecimento, que não lhe pode ser censurado. E o que era essencial? Como disse o ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 20.05.2020, e se repetiu no ac. de 17.06.2020, uma coisa é a titularidade do documento habilitante, ser detentor de licença de condução, outra, estar ciente das virtualidades de “expansão habilitante”, ocorridas com a alteração preconizada com o Decreto-Lei de 2012. O facto não pode ser separado da sua relevância jurídica, o facto tem de ser visto na sua completude.

§ 13. Este diploma entrou em vigor no hiato que mediou entre a prática dos factos e a audiência de julgamento. O arguido, aquando da prática dos factos em causa nos autos, era titular de licença de condução válida, licença essa equiparada à carta de condução da categoria AM, sendo certo que foi dado como provado que conduzia um veículo ligeiro de passageiros, sem que fosse titular de carta de condução. Perspetivado o facto – carta de condução AM – na sua nova dimensão jurídica, na sua expansão habilitante, de que fala o acórdão deste STJ, concluímos que era desconhecido do condenado. Assim, o facto alegado é novo também para o requerente.

§ 14. Finalmente, impõe-se averiguar se o novo facto, desconhecido ao tempo do julgamento do condenado e do tribunal, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação. A conclusão no sentido de que se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação resulta da circunstância de o arguido ter sido condenado numa pena pela prática de um crime, quando, numa avaliação prima facie, devia ter sido condenado por um ilícito contraordenacional numa coima. A condenação por crime pode levar o condenado à prisão, o que não acontece com a contraordenação. É a diferença entre a cadeia e a liberdade. Em conclusão, há um facto novo que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Decisão:

Acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso de revisão requerido pelo condenado AA, autorizando a revisão.

Reenvia-se o processo à Secção de competência genérica, com sede em Albergaria-a-Velha.

Supremo Tribunal de Justiça, 29.09.2022.

António Gama (Relator)

João Guerra

Orlando Gonçalves

Eduardo Loureiro