Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
100/14.0T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ÓNUS DE CONCLUIR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PODERES DA RELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
JUROS DE MORA
CONTAGEM DOS JUROS
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I- A omissão de pronúncia, resulta de o Tribunal deixar de se pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar, isto é, do dever, por parte do julgador, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

II- As questões que o julgador deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, pois como já se aludiu, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois é livre na interpretação e aplicação do direito.

III- O conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição direta sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respetivo afastamento.

IV- O cumprimento do dever de apresentar conclusões sintéticas, não deverá ser apreciado de forma rígida, mas feito um juízo de proporcionalidade entre as possíveis falhas e os correspondentes efeitos, não dando prevalência a aspetos formais sobre o conhecimento das questões de mérito, pois o não conhecimento do recurso, deve ser reservado quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do Tribunal superior, ou quando não haja qualquer síntese, em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo assim a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso .

V- O princípio do contraditório, ínsito que se mostra na garantia constitucional do acesso ao direito, consagrada no art.º 20, da CRP, deve efetivar-se de modo a estabelecer a possibilidade de as partes exporem as suas razões e exercerem o seu direito de defesa, numa realização do princípio da igualdade, garantindo a real participação das partes no desenrolar do litígio, em equilíbrio e lealdade processuais

VI- Impende sobre a Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da proferida, estabelecendo-se no n.º 2 e n.º 3 do art.º 662 do CPC, um conjunto de decisões e procedimentos que podem ser determinados e seguidos, consignando-se expressamente no n.º 4, também do art.º 662, que das decisões da Relação previstas nos aludidos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o STJ..

VII- Se na condenação em juros realizada não tiver havido a algum dos critérios utilizados no caso do decurso do tempo, caso da correção monetária ou taxa de inflação, os juros devem ser contabilizados desde a citação do primitivo Réu.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - Relatório

1. AA e BB instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC, entretanto falecido e substituído nos autos pelos habilitados DD e EE, e “C..., Lda.”, cuja intervenção principal provocada foi requerida, como associada das AA, pedindo:

1) Que se declarasse e reconhecesse que o réu era o único e universal herdeiro de FF, sócio fundador da sociedade C..., Lda.

2) Que se declarasse e reconhecesse, com todas as consequências legais, que o falecido FF desde 29/04/1997, data do falecimento do outro sócio gerente EE, e até à data do seu falecimento em 29/02/2012, desempenhou as funções de gerente único, de facto e de direito, sendo que entre, 12/05/1997 e 26/02/1999, desempenhou também funções de gerente, mas apenas de direito, a demandante AA, desta sociedade.

3) Que se declarasse e reconhecesse, com todas as consequências legais, que as 5 contas bancárias no Millennium BCP, nº ...87, à ordem, nº ...15, conta caucionada a esta associada, nº ...81, em nome do falecido FF, e números ...33, à ordem e ...65, conta caucionada e a esta associada, estas duas últimas em nome da sociedade, eram movimentadas, a crédito por dinheiros pertença da sociedade, existindo desde 6 de Dezembro de 1999, uma ordem permanente de transferência automática entre a 1ª e a 4ª conta, ...87 e ...33, dada pelo gerente FF, de molde a que em cada momento as mesmas tivessem saldos suficientes para permitir o pagamento de quaisquer quantias que viessem a ser debitadas, sendo que eram movimentadas a débito, quer pela sociedade, quer pelo falecido gerente FF.

4) Que se declarasse e reconhecesse, com todas as consequências legais, que a partir de 29/04/1997 a totalidade dos preços, declarados e não declarados sendo que quanto a estes não se conhecia o seu montante- correspondentes às vendas, através de 38 escrituras públicas, de bens imóveis efetuados pela sociedade a clientes/terceiros, eram depositados, na aludida conta em nome de FF, com o nº ...87, e este, posteriormente, quando o desejava e com as quantias que bem entendia, transferia para as contas com os números ...33, ...65 e ainda para as contas números ...15 e ...81.

5) Que se declarasse e reconhecesse que a sociedade relativamente aos dois prédios urbanos identificados nos artigos 60° e 66° da petição inicial, para a sua execução em nome individual pelo sócio FF, contribuiu com a quantia de € 70 518,40, que corresponde à quantia de € 20 000,00, para pagamento de parte do terreno, três anos de salários, ilíquidos, dos seus dois trabalhadores, no montante global de € 50 518,40, a quantia paga nos 3 anos em causa a título de prémios de seguro à seguradora Allianz, devidos pelos dois trabalhadores em causa, valor a liquidarem execução de sentença, valor a que deve acrescer uma percentagem de 13,3% do lucro que se estima em, pelo menos, € 147 600,00, ou seja, 30% no preço de venda, real, de € 492 000,00, num total de € 90 149,20.

6) Que se declarasse e reconhecesse, com todas as consequências legais, que o falecido FF, desde 29/04/1997, na qualidade de gerente, único, da sociedade, praticou atos estranhos ao seu objeto social, abusivos, imprudentes, ilícitos e presumidamente culposos, em prejuízo da sociedade descritos nos restantes artigos desta petição Inicial, que o fez incorrer em responsabilidade civil, os quais ascendem à quantia de € 110 591,04, acrescida da quantia de € 90 149,20, num total de € 200 740,40, valor a atualizar com os índices de desvalorização da moeda anualmente publicados ou então, acrescido de juros de mora vincendos desde a citação até pagamento.

7) Que se condenasse o demandado a pagar à sociedade chamada, C..., Lda., a quantia de € 110 591,04, acrescida da quantia de € 90 149,20, num total de € 200 740,40, valor a atualizar com os índices de desvalorização da moeda anualmente publicados ou então, acrescido de juros de mora vincendos desde a citação até pagamento.

8) Que se condenasse o demandado nos pedidos anteriores.

1.1. Alegam para tanto, em síntese, que a sociedade «C..., Lda.» foi constituída em 1980, com objeto de construção civil e obras públicas, pelos sócios EE (casado em comunhão geral de bens com GG e falecido a ....04.1997), FF (falecido a ....02.2012) e HH.

Acordaram no contrato social que não eram exigíveis prestações suplementares mas os sócios poderiam fazer suprimentos que a sociedade necessitasse e que os 3 sócios eram nomeados gerentes, dividindo o serviço como melhor conviesse à sociedade, podendo os documentos de expediente ser assinados por qualquer um, mas os atos e contratos que envolvessem obrigações ou qualquer outra espécie de responsabilidade para a sociedade só teriam validade quando assinados conjuntamente por dois sócios.

As AA (herdeiras do falecido sócio EE) e R, entretanto falecido, (tio materno do antes falecido FF e seu único herdeiro) eram os únicos e então sócios da sociedade, tendo as AA em conjunto a proporção de 50% do capital da mesma.

Todos os atos de gerência foram sempre pelo sócio FF, que foi nomeado gerente único a ....1999, desempenhando estas funções ininterruptamente até à sua morte ocorrida em ....02.2012, a partir de então não têm gerentes nomeados, por falta de acordo entre os sócios.

Relativamente às contas da sociedade abertas, em relação às quais FF deu ordens ao Banco de transferência automática, a crédito e a débito, consoante a vontade do gerente e as condições de cada conta, em 1996, os iniciais sócios FF e EE decidiram abrir uma conta no Millennium BCP em nome do primeiro FF, conta à ordem nº...87, que depois passou a ter associada a conta caucionada nº...15, e posteriormente cancelada, para depositar a quase totalidade dos preços, declarados e não declarados nas escrituras de vendas da sociedade realizadas a terceiros, tendo FF aberto em 1999 no mesmo banco a conta da sociedade com o nº...33 e, associada a esta, em 2000, a conta caucionada com o nº ...65.

FF realizou movimentos, em totalidade não conhecida nas contas referidas, fez movimentos a crédito com dinheiro da sociedade e pagou despesas a débito da sociedade nas contas referidas, depositou na conta terminada em “987”, os preços declarados de 38 vendas, no valor global de € 1 455 297, 75 e os valores não declarados que se desconhece, apenas excecionalmente creditou valores da sociedade na conta terminada em “333”, transferiu valores, depois, para a conta caucionada terminada em “765” ou para contas em seu nome com os nº...15 e o nº...81, aprovisionadas com dinheiro da sociedade, utilizadas livremente por esta e movimentadas por FF.

A maior parte das transferências da conta terminada em “987” para a conta com número terminado em “333” eram lançadas na contabilidade como tratando-se de empréstimos/suprimentos do sócio FF, movimentos falsos e simulados, pois o mesmo e depois CC nunca fizeram suprimentos à sociedade, não tendo capacidade de o fazer.

FF teve um comportamento infiel, abusivo, ilícito e culposo, fazendo-o incorrer em responsabilidade civil, devendo o seu herdeiro CC ressarcir a sociedade dos danos patrimoniais causados pela compra para si um veículo automóvel pelo preço de € 35 614, 54, pago com cheques da conta da sociedade com número terminado em “333”, que utilizou como bem próprio, apesar de ser a sociedade a suportar as suas despesas, comprou um terreno destinado a construção por € 69 832, 00, usando património da sociedade, tendo construído usando dois trabalhadores da sociedade, e os prémios de seguro pagos pela sociedade, que vendeu, conferindo à sociedade o direito de ser indemnizada, e pagou várias despesas suas de caráter pessoal e familiar.

Em 2005 a sociedade deixou de exercer a atividade de construção civil, limitando-se, até à morte de FF, a exercer a promoção da venda das frações autónomas, estando o escritório encerrado desde 29.02.2012 sem intenção dos sócios de o reabrir, não tendo o sócio gerente FF comunicado a cessação da atividade, com vista a ser deliberado o seu futuro, nomeadamente a sua dissolução e liquidação, o que causou prejuízos patrimoniais à sociedade, correspondentes a € 200 740, 24, valor de que a mesma deve ser ressarcida, e relativamente ao qual o herdeiro de FF é responsável.

Mais invocaram as AA que se reservavam o direito de ampliar os pedidos formulados contra o demandado, depois de saberem os movimentos integrais a débito e a crédito das 5 contas identificadas.

2. Citado, veio o R. invocar a título de exceção que não pode der demandado nos termos como foram configurados o pedido e a causa de pedir, bem como a prescrição, defendendo-se por impugnação.

2.1 Deduziu reconvenção, pedindo:

a) A condenação da A. AA a pagar à sociedade C..., Lda. a quantia de € 257 290, 00, acrescida de juros de mora que se viessem a vencer desde a notificação da reconvenção e até pagamento.

b) A condenação da A. BB a pagar e a entregar à sociedade C..., Lda. a quantia de € 25 000, 00, acrescida de juros de mora que se viessem a vencer desde a notificação da reconvenção e até pagamento.

2.2. Alegou que as AA não entregaram à sociedade o montante relativo ao aumento do capital social, nem os preços das vendas que aquela efetuou, tendo a A. AA despedido ilicitamente uma funcionária, o que leva a que a sociedade tenha de pagar a indemnização arbitrada pelo tribunal de cerca de € 65 000,00.

3. As AA vieram responder, invocando ilegitimidade do R. para deduzir a reconvenção, a sua inadmissibilidade legal, impugnando o factualismo aduzido.

4. Foi admitida a intervenção principal da sociedade C..., Lda. e, após citação da mesma, foi-lhe nomeado representante especial, posteriormente substituído, que silenciaram.

5. Após a habilitação de herdeiros, foi proferido despacho saneador, que entendeu ser inadmissível a reconvenção deduzida, e julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do réu CC, representado pelos seus herdeiros, reservando para momento posterior o conhecimento da prescrição.

6. Realizado julgamento foi proferida sentença que considerou improcedente a exceção da prescrição, entendendo que o pedido das AA assentava na responsabilidade social do sócio gerente FF já falecido, não tinham as mesmas logrado provar a lesão patrimonial da sociedade e dos sócios, julgando a ação totalmente improcedente.

7. Inconformadas vieram as AA interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que proferiu Acórdão que revogando a sentença recorrida, condenou DD e EE, como habilitados do réu CC (demandado como herdeiro de FF), a indemnizar a sociedade «C..., Lda.», no valor de € 96 128, 50, acrescido de juros de mora desde a citação do réu (a 26.09.2014), à taxa de juros de mora civil.

8. Ora inconformados os RR, vieram interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões: (transcritas)

1ª Prima facie, os recorrentes alegaram a circunstância das 38 páginas de ditas “Conclusões” exaradas pelas autoras no seu recurso de apelação são exageradamente densas, confusas, prolixas, não permitindo aos recorrentes a apreensão e a destrinça do que é mais alegação e do que poderá ser uma “Conclusão”;

2ª Em consequência, pediram que as autores fossem convidadas no termos do disposto no artigo 639º, nº 3 do CPC a melhor esclarecê-las e a sintetizá-las, como seria dever das autoras;

3ª Tanto quanto se sabe a Relação omitiu pronúncia quanto a esta invocação dos réus;

4ª Ao assim proceder, incorreu na nulidade prevista 615º, nº 1, alínea d), com referência ao disposto no artigo 693º, nº 3 do CPC;

5ª O que em consequência fere de nulidade o douto acórdão, com todas as legais consequências.

6ª Sendo que, por cautela, caso se entenda que o acórdão recorrido tenha tomado posição, direta ou indiretamente, sobre esta invocação e pedido dos recorrentes e que possa ter concluído pela sua improcedência, ainda assim entendemos que essa eventual improcedência diminui, de forma injustificada e desproporcionadamente injusta, a possibilidade de defesa coerente e sustentada por parte dos recorrentes, o que é fundamento bastante, pelo menos, para a procedência do recurso e consequente revogação do douto acórdão recorrido;

7ª. O que ora, também, se invoca;

8ª Quando assim não se entenda o que não se espera, sempre se dirá que o acórdão recorrido realiza uma errónea apreciação liminar e de (de)mérito com respeito à douta sentença proferida em 1º instância – página 54 e seguintes do acórdão da Relação – o que coenvolve a sua errónea interpretação e subsunção ao disposto no artigo 607, nº 4 do CPC, e , em consequência também impõe a sua inexorável revogação;

9ª A um outro lado, o acórdão recorrido realiza um novo julgamento da matéria fáctica, convertendo a matéria fáctica descrita sob as alíneas a) a f), k, e j, do elenco dos factos não provados, acolhidos pela sentença proferida em primeira instância, agora em factos provados, com a sua inserção após os seus pontos 3.14 a 3.16, 3.19, 3.18 – cvfr. cfr. página 81 e seguintes do acórdão ora recorrido:

10ª Ao assim proceder o acórdão recorrida realiza uma intolerável violação da livre apreciação da prova por parte do Tribunal de 1 ª instância e do princípio da imediação, extravasando o sentido e alcance do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, acarretando, também por esta via, a sua invalidade e necessidade de revogação;

11ª A que mais acresce, que as conclusões a que o acórdão da Relação de Guimarães chega nas alíneas a) a d), exaradas suas páginas 69 a 78, não têm acolhimento e cobertura técnica na prova pericial produzida;

12ª. São um trabalho a ter em conta e a reter, que vai para além do defendido pelas autoras-recorrentes, mas que não tem a validação técnico-científica da prova pericial produzida;

13ª. Pelo que, com todo o respeito, não podem ser acolhidas;

14ª Para lá de que padecem da nulidade prevista no artigo 615º, nº1, alínea e) do CPC;

15ª. O que ora também expressamente se invoca;

16ª Mais acresce um novo julgamento da matéria fáctica realizada pelo acórdão recorrido, ampliando o elenco dos factos provados, acolhidos pela sentença proferida em primeira instância, com a adição de novos factos com a sua inserção após os seus pontos 9.1, 9.2, 12, 13, 15, 17 e 20, páginas 114 a 120 do acórdão recorrido; da consequente violação da livre apreciação da prova por parte do Tribunal de 1 ª instância e do princípio da imediação, mais realizando uma temerária interpretação e aplicação do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC que a sua ratio não permite;

17ª A infundamentada, injustificada e indevida desconsideração e não ponderação pelo acórdão recorrido dos suprimentos realizados pelo FF às “C..., Lda.”, cuja existência é validada pela prova pericial realizada, acarretando a invalidade do acórdão recorrido;

18ª Na verdade, contrariamente ao expendido no acórdão recorrido, justificava-se, neste caso, a ampliação da matéria fáctica assente como provada.

19ª A solução jurídica acolhida pelo acórdão recorrido, exceção feita à correção realizada quanto à errónea aplicação, por lapso manifesto da douta sentença recorrida, do disposto no artigo 79º do Código das Sociedades Comerciais, é absolutamente indevida, sendo que pelas razões e fundamentos anteriormente expostos, o acórdão recorrido não deveria ter revogado a sentença proferida em primeira instância e em sua substituição não poderia ter condenado os réus ao pagamento a favor da sociedade da quantia indemnizatória de € 96 128, 50 euros, tão pouco nos juros moratórios incidente sobre tal quantia a partir da citação do primitivo réu;

20ª Com efeito, a mora dos réus só deverá ser contada a partir da decisão ora proferida, se por absurdo, o que não se espera, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça não vier a revogar o acórdão proferido.

9. As AA nas contra-alegações pronunciaram-se no sentido de ser mantido o decidido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

10. O Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido de não reconhecer as nulidades do Acórdão arguidas pelos Recorrentes, reiteradas em requerimento posterior.

11. Cumpre apreciar.

*

II – Enquadramento facto-jurídico

A. Dos factos

No Acórdão da Relação foram considerados como provados os seguintes factos (Matéria de facto provada, reordenada e com incorporação das decisões tomadas pela a Relação):

1) As Autoras são sócias da sociedade C..., Lda., NIPC ...48, com sede na Rua .... (facto provado em 3.1. da sentença).

2) A predita sociedade referida em 1):

2.1) Tem o capital social de € 249 398,95 divido em 3 quotas com os valores nominais respetivamente de € 93 524,61, pertencente à demandante AA, de € 31 174,87 pertencente à demandante BB e de € 124 699,47, pertencente aos demandados. (facto provado em 3.2. da sentença).

2.2) Foi constituída por escritura pública outorgada no dia 01.04.1980, no Cartório Notarial de ..., com a designação de J..., Limitada e sede no lote nº 4, na freguesia de ..., ..., tendo como objeto social a construção civil e obras públicas, compra e venda de terrenos e prédios e a edificação de prédios, em terrenos ou prédios que adquiriram para o efeito destinados a venda ou administração direta, podendo ainda dedicar-se a qualquer outro ramo de comércio ou indústria em que os sócios acordem, com as limitações legais (facto provado em 3.3. da sentença).

3) Na referida sociedade referida em 1) e 2):

3.1) Os sócios fundadores da C..., Lda., com o capital social de 3 000 000$00 (correspondente a € 14 963,93), foram FF, com uma quota do valor nominal de 1 000 000$00 (correspondente a € 4.987,97), HH, com uma quota do mesmo valor nominal e EE, com uma quota do mesmo valor nominal (facto provado em 3.4. da sentença).

3.2) Os três sócios foram nomeados gerentes na escritura pública de constituição da sociedade, obrigando-se a sociedade em todos os atos e contratos com as respetivas assinaturas. (facto provado em 3.5. da sentença).

3.3) Por escritura pública lavrada no 1°Cartório Notarial de ..., no dia 13.05.1987, o sócio HH, dividiu a sua quota em duas de 500 000$00 (correspondente a € 2 493,98 cada uma), tendo cedido uma a FF e outra a EE, tendo ainda renunciado à gerência e autorizado que o seu apelido continuasse a figurar na firma social, sendo ainda alterado o nome da sociedade para C..., Lda., passando a sociedade a vincular-se com a assinatura dos cessionários, os gerentes FF e EE. (facto provado em 3.6. da sentença).

4) Em ....04.1997 faleceu o sócio gerente EE, sucedendo-lhe como únicas e universais herdeiras sua mulher e sua filha, as demandantes AA e BB (facto provado em 3.7. da sentença), após o que:

4.1). Conforme escritura pública de partilha lavrada no dia ....12.1997, no 2° Cartório Notarial de..., a quota na C..., Lda., do valor nominal de 5.000.000$00 (correspondente a € 24.939,89) foi entre aquelas herdeiras dividida e partilhada, ficando uma parte a pertencer à demandante AA uma quota no valor de 3.750.000$00 (correspondente a € 18.704,92) e à demandante BB outra no valor de 1.250.000$00 (correspondente a € 6.234,97). (facto provado em 3.8. da sentença).

4.2) A demandante AA foi nomeada gerente da sociedade, por ata lavrada no dia 12.05.1997, situação que se manteve até 26.02.1999. (facto provado em 3.9. da sentença).

4.3) Atenta a confiança que no gerente FF depositava, nunca a demandante AA praticou qualquer ato de gestão, sendo que todas as decisões relativas à vida da sociedade eram tomadas unicamente por aquele gerente após o falecimento do EE. (facto provado em 3.10. da sentença).

4.4) Por escritura pública lavrada no dia ....02.1999, no 2° Cartório Notarial de ..., os sócios decidiram aumentar o capital social para os valores atuais e ainda nomear o sócio FF gerente, único, da sociedade, vinculando-se a sociedade com a sua assinatura. (facto provado em 3.11. da sentença).

5) Em ....02.2012 faleceu o sócio gerente FF, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como seu único e universal herdeiro o seu tio materno, CC e em ....05.2016, faleceu CC, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como seus únicos e universais herdeiros os filhos DD e EE (factos provados em 3.12. e 3.13. da sentença ).

6) Em Dezembro de 1996, foi aberta em nome de FF, no Millennium BCP, uma conta à ordem com o nº ...87, a qual, mais tarde passou a ter associada uma conta caucionada com o nº ...15 (facto provado em 3.14. da sentença recorrida).

7) Em 6 de Dezembro de 1999, foi aberta no mesmo Banco, por FF, uma outra conta à ordem em nome da C..., Lda., com o nº ...33 e associada a esta, em 16.02.2000, uma conta caucionada com o nº ...65 (facto provado em 3.15. da sentença).

8) Entretanto, relativamente a essas duas contas à ordem, assinou FF declarações, intituladas pelo Banco como “ordem permanente de transferência automática”, que se mantiveram válidas até à sua morte, pelas quais se autoriza o Banco a creditar/debitar uma ou outra conta, indistintamente, conforme a vontade do gerente e as necessidades em cada momento de cada uma, de molde a não terem saldos negativos (facto provado em 3.16. da sentença).

9) FF:

9.1) Movimentou as contas referidas em 6) e 7) supra desde a sua abertura, ao desenvolver a atividade da C... & C..., Lda.», como bem entendeu, quer realizando transferências e depósitos de valores de sinais e preços das vendas celebradas pela sociedade C..., Lda.», quer pagando despesas da referida sociedade, nomeadamente, de compras de bens imóveis e materiais de construção, de salários mensais dos seus vários trabalhadores, de serviços que foram prestados à sociedade.

Para e da conta bancária referida em 6) supra, pelo menos:

a) Foram remetidos, depositados ou transferidos os seguintes valores decorrentes de escrituras de compra e venda outorgadas por C... & C..., Lda.» na qualidade de vendedora: 3 900 000$00 a 28.07.1997 da escritura pública do mesmo dia; 8 047 000$00 a 14.08.1997 por escritura pública do mesmo dia; 5 000 000$00 e 8 500 000$00 a 22.10.1997 por escritura pública do mesmo dia; 10 000 000$00 a 16.10.1998 por escritura pública do mesmo dia; 4 000 000$00 a 23.10.1998 por escritura pública do dia antecedente; 10 000 000$00 a 23.12.1998 por escritura pública do mesmo dia; 13 000 000$00 a 31.05.1999 por escritura pública do dia antecedente; 5 042 750$00 a 04.10.1999 por escritura pública de 01.10.1999; 3 500 000$00 a 30.08.2000 por escritura pública de 29.08.2000; 3 300 000$00 a 31.10.2000 pela escritura do dia antecedente; € 47 385,80 a 27.03.2002 por escritura pública do dia antecedente; € 24 939, 90 a 08.05.2002 pela escritura pública do dia antecedente; € 26 436, 00 a 03.10.2002 por escritura pública do dia antecedente; € 27 338, 00 a 04.03.2004 por escritura pública do dia antecedente; € 52 374, 00 a 09.03.2004 por escritura pública do dia antecedente; € 29 928, 00 a 09.10.2004 como antecipação de pagamento da escritura pública de 16.12.2004; € 75 000, 00 a 05.12.2007 pela escritura de 30.11.2007.

b) Foram feitas transferências para a conta à ordem ou caucionada referidas 7) supra ou outras contas, nomeadamente, a 10.03.2004 foi transferido o valor de € 81 001, 50 com o registo «AMORT CCC» para a conta caucionada nº...65 associada à conta à ordem nº...33 provada em 7) supra (factos julgados provados na Relação).

9.2) Depositou, ainda, na conta provada em 6) supra, os seguintes valores para pagamento, nomeadamente por via antecipada, dos preços declarados na escritura pública provada em 18) infra: a 30.08.2007 o valor de € 100 000, 00; a 03.01.2008 o valor de € 150 000, 00; a 09.7.2008 o valor de € 71 000, 00 (factos julgados provados na Relação).

10) No início de 2005 a C..., Lda., uma vez concluída a construção de prédios urbanos em propriedade horizontal nos lotes sua propriedade sitos na freguesia de Meadela, Viana do Castelo, deixou definitivamente de exercer a atividade de construção de prédios urbanos para si, e limitou-se até à data da morte do gerente FF, a promover, no seu escritório, a venda das respetivas frações autónomas, escritório que desde essa data, 29/02/2012, se encontra encerrado, não sendo intenção dos sócios, proceder à sua reabertura, nem retomar a atividade de construção civil (facto provado em 3.21. da sentença).

11) No dia 21.11.2002, FF comprou à C..., S.A., para si um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, novo, com a matrícula ..-..-UH, modelo C 200 MI Sport Coupé, a gasolina, pelo preço de € 35.614,54, pago através de dois cheques, com os números ...84 e ...85, da conta titulada pela sociedade no banco Millennium BCP, nº ...33, emitidos nos dias 18.11.2002 e 21.11.2002, dos montantes de € 12.470,00 e € 23.144,54 (facto provado em 3.17. da sentença).

12) A 10.02.2004 FF pagou o valor de € 20 000, 00 para o negócio provado em 14) infra, debitado da conta 6) supra e reposto no dia seguinte a 11.02.2004 por transferência da conta provada em 7) supra (facto julgado provado na Relação).

13) No dia 23.03.2004, FF retirou da conta da sociedade nº ...33, a quantia de € 30.000,00, através do cheque nº ...96 de 22.03.2004, valor que depositou naquela mesma data na conta nº...87, provada em 6) supra (facto declarado provado na Relação).

14) Através de escritura pública lavrada no dia 21.12.2004, no 2º Cartório Notarial de ..., FF comprou, pelo preço de € 69.832,00, à sociedade R..., Lda., NIPC ...11, com sede no lugar de ..., ..., ..., uma parcela de terreno, com a área de 486 m2, destinada a construção urbana, sita na Avenida ..., números 15 e 19 de polícia, ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...31 e inscrita na matriz sob o artigo 2388 (facto provado em 3.18. da sentença).

15) FF, sócio do S..., pagou a este clube o valor de € 156,50, por quotas de 2005, por cheque de 19.01.2005 da conta provada em 7), debitado a 26.01.2005 (facto declarado provado na Relação).

16) FF, em nome individual, construiu, entre maio de 2005 e maio de 2008, durante cerca de três anos, as duas frações autónomas (facto provado em 3.19. da sentença).

17) A construção a que se faz referência em 16) dos factos provados foi efetuada com recurso ao trabalho, nomeadamente, de dois funcionários da C..., Lda., II e JJ, a quem aquela pagou mensalmente:

a) Salários ilíquidos (compostos de vencimento base e de subsídio de alimentação) e subsídios, pelo menos:

a1) Em 2005: em junho, o valor global de € 557, 15 ao II (composto por € 469, 90 de vencimento base e por € 87, 15 de subsídio de alimentação); em julho, o valor global de € 588, 40 (€ 496, 00 e € 92, 40) a cada um dos trabalhadores II e JJ; em agosto, o valor global de € 592, 80 (€ 496 e € 96, 80) a cada um dos trabalhadores; em setembro, o subsídio de férias de € 496, 00 ao JJ; em outubro o valor global de € 584, 00 (€ 496 e € 88, 00) a cada um dos trabalhadores; em novembro o valor global de € 588, 40 (€ 496 e € 92, 40) a cada um dos trabalhadores; em dezembro o valor global de € 584, 00 (€ 496 + € 88, 00) a cada um dos trabalhadores.

a2) Em 2006: em janeiro o valor global de € 584, 00 (€ 496,00 + € 88, 00) ao II e o valor global de € 592, 80 (€ 496,00 e € 96, 80) ao JJ; em fevereiro o valor global de € 575, 20 (€ 496, 00 e € 79, 20) a cada um dos trabalhadores; em março o valor global de € 597, 20 (€ 496,00 e € 101,20) a cada um dos trabalhadores; em abril o valor global de € 575, 20 (€ 496 e € 79, 20) a cada um dos trabalhadores; em maio o valor global de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em junho o valor global de € 588, 40 (€ 496, 00 e € 92,40) a cada um dos trabalhadores; em julho o valor global de € 588, 40 (€ 496, 00 e € 92,40) a cada um dos trabalhadores; em agosto o valor global de € 575, 20 (€ 496, 00 e € 79, 20) ao JJ e o valor global de € 566, 40 (€ 496, 00 e € 70, 40) ao JJ; em setembro o valor global de € 588, 40 (€ 496, 00 e € 92,40) a cada um dos trabalhadores; em outubro o valor de € 588, 40 (€ 496, 00 e € 92,40) a cada um dos trabalhadores; em novembro o valor global de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em dezembro o valor global de € 575, 20 (€ 496, 00 e € 79, 20) a cada um dos trabalhadores.

a3) Em 2007: em janeiro o valor global de € 592, 80 (€ 496,00 e € 96, 80) a cada um dos trabalhadores; em fevereiro o valor global de € 579, 60 (€ 496, 00 e € 83, 60) a cada um dos trabalhadores; em março o valor global de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em abril o valor de € 584, 00 (€ 496, 00 e € 88,00) a cada um dos trabalhadores; em maio o valor de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em junho o valor de € 584, 00 (€ 496, 0 e € 88, 00) a cada um dos trabalhadores; em julho o valor de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em agosto o valor de € 588, 40 (€ 496 + € 92, 40) a cada um dos trabalhadores; em setembro o valor de € 496, 00 de subsídio de férias a cada um dos trabalhadores e o valor global de € 584, 00 de vencimento do JJ (€ 496, 00 e € 88, 00); em outubro o valor global de € 592, 80 (€ 496, 00 e € 96,80) a cada um dos trabalhadores; em novembro o valor de € 518, 50 de subsídio de Natal a cada um dos trabalhadores; em dezembro o valor global de € 619, 30 (€ 518, 00e € 100, 80) a cada um dos trabalhadores.

a4) Em 2008: em janeiro o valor global de € 624, 10 (€ 518, 00 e € 105, 60) a cada um dos trabalhadores; em fevereiro o valor global de € 614, 50 (€ 518, 00 e € 96, 00) a cada um dos trabalhadores; em março, o valor global de € 609, 70 (€ 518, 50e € 91, 20) a cada um dos trabalhadores; em abril o valor de € 619, 30 (€ 518, 50 e € 100, 85) a cada um dos trabalhadores.

b) Prémios de seguro da apólice nº 1603460/19 junto da seguradora ALLIANZ (factos julgados provados na Relação).

18) No dia 07.07.2008 , no Cartório Notarial KK, FF procedeu à venda a LL da fração autónoma designada pela letra "A" - composta de cave, r/c, primeiro andar e solário esquerdos, destinada a habitação, com o nº 15 de polícia e com um logradouro, com a área de 61,20 m2, situado a poente, com a permilagem de 540, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...31/A; e a MM da fração autónoma designada pela letra "B" - composta de cave, r/c e primeiro andar direitos, destinada a habitação, com o nº19 de polícia e com um logradouro, com a área de 57,1O m2, situado a poente -, cujas declarações para inscrição dos prédios no Serviço de Finanças de ..., foram apresentadas no dia 13/06/2008 -, com a permilagem de 460, descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...31/B, pelos preços declarados de € 172.000,00 e de € 149.000,00, num total de € 321.000,00 (facto provado em 3.20. da sentença).

19) Entre os anos de 2005 e 2008, FF viveu em união de facto com NN, na casa desta sita no lugar do ... -hoje Rua ... (facto provado em 3.23. da sentença).

20) Na sequência do relacionamento melhor descrito em 19) supra dos factos provados, FF pagou o valor de € 3 191,15 de despesas de funeral da mãe da sua companheira, a 29.09.2008, através da conta bancária provada em 6) supra (facto julgado provado na Relação).

a. Do Direito

1. Sabendo-se que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões formuladas no requerimento recursório, a apreciar estão as nulidades imputadas ao Acórdão recorrido, a errónea interpretação levada a cabo no mesmo no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, quer relativamente ao entendimento tido quanto à proferida em sede de sentença, mas também quanto ao julgamento e alterações levadas a cabo pela Relação, não devendo importar na condenação dos RR, nem da contagem dos juros mora nos termos decididos.

2. Concretizando.

1. Invocam os Recorrentes que no âmbito do recurso de apelação alegaram que as “conclusões” apresentadas pelas AA, ali recorrentes, eram densas, confusas e prolixas, tendo solicitado que fossem convidadas a esclarecer e sintetiza-las, tendo a Relação omitido a pronúncia sobre tal matéria, incorrendo na nulidade do art.º 615, n.º 1, d) do CPC1 (Código de Processo Civil) com referência ao disposto no art.º 693, n.º 3, ferindo de nulidade o Acórdão com as consequências legais.

Mais aludem, que se for entendido que no Acórdão recorrido foi tomada posição, direta ou indiretamente sobre esta questão, a improcedência do requerido diminuiu de forma injustificada e desproporcionalmente injusta a possibilidade de defesa por parte dos Recorrentes, que é também fundamento para a revogação do Acórdão.

1. Tendo em conta o disposto nos artigos 679 e 666, as nulidades do Acórdão encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615, sendo que a relativa à omissão de pronúncia, resulta de o Tribunal deixar de se pronunciar-se sobre as questões que devesse apreciar, em violação do disposto no art.º 608, n.º 2, isto é, do dever, por parte do julgador, de não ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, assim como de resolver todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

  Reafirma-se que as questões que o julgador deve conhecer se reportam às pretensões formuladas, não estando obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, pois como já se aludiu, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas partes, pois é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3.

Por outro lado, o conhecimento duma questão pode ser feito com uma tomada de posição direta sobre a mesma, mas também muitas vezes resulta da apreciação de outras com ela conexionadas, por a incluírem ou excluírem, sendo assim decidida de forma implícita, advindo da apreciação global da pretensão formulada em juízo, o respetivo afastamento.

Enquanto vício intrínseco, deve ser apreciado em função do texto e discurso lógico desenvolvido, não se confundindo com os erros na apreciação da matéria de facto, e possíveis ilações dela retirada, ou com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos dados como apurados, que constituem erros de julgamento, a apreciar noutra sede.

1. Por sua vez no que concerne às conclusões exercem estas a importante função de delimitação do objeto do recurso, n.º 3 e 4, do art.º 635, n.º 3, e n.º1, do art.º 639, sobre as Recorrentes recaindo o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresenta na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida2.

Ainda quanto à forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, reafirma-se a clareza e precisão quanto às razões e fundamentos do recurso, permitindo ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilitam a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça.

Deve tal formulação ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que é manifesto e objetivo o desrespeito pelas conclusões sintéticas, pelo que “(…) o não conhecimento do recurso deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo3.

Casuisticamente, tem de ser avaliado se o teor padece desse vício, de modo necessário, isto é, se as deficiências apresentadas, obstam de forma relevante ao trabalho de apreensão do objeto do recurso pelo julgador, num juízo de adequação, não com base num critério meramente quantitativo, dependendo sim da maior ou menor complexidade do caso concreto4.

Desse modo, tem-se como bom o entendimento acolhido por este Tribunal5 , no sentido de não tendo sido rigoroso, tecnicamente, o cumprimento do dever de apresentar conclusões sintéticas, não deverá tal ser apreciado de forma rígida, mas feito um juízo de proporcionalidade entre as possíveis falhas e os correspondentes efeitos, não dando prevalência a aspetos formais sobre o conhecimento das questões de mérito, pois e repetindo, o não conhecimento do recurso, usado com moderação e parcimónia, deve ser reservado quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do Tribunal superior, ou quando não haja qualquer síntese, em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil nas alegações/conclusões, pressupondo assim a ininteligibilidade das questões suscitadas no recurso6.

2.1.1.1.1. Um último apontamento, quanto ao pleno exercício do princípio do contraditório, enquanto princípio estruturante, regendo o art.º 3, n.º3, no sentido “que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Tendo o legislador optado por conceitos indeterminados ou cláusulas gerais cuja maleabilidade permite assegurar a instrumentalidade do processo face ao direito substantivo, não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, mas também uma dispensa, que se justifica quando a questão já tenha sido suficientemente discutida, ou quando a falta da audição não prejudique o resultado final7, precavendo-se até, a possibilidade do respetivo exercício num momento posterior, como na previsão do n.º4, quanto às exceções deduzidos no último articulado, vedando a respetiva resposta, assegurando-o no início da audiência prévia, caso haja lugar à mesma, ou até no início da audiência final.

Sobretudo, o princípio do contraditório, ínsito que se mostra na garantia constitucional do acesso ao direito, consagrada no art.º 20, da CRP, deve efetivar-se de modo a estabelecer a possibilidade de as partes exporem as suas razões e exercerem o seu direito de defesa, numa realização do princípio da igualdade, garantindo a real participação das partes no desenrolar do litígio, em equilíbrio e lealdade processuais8.

2. Revertendo para o caso concreto, manifesto se torna que o Tribunal a quo não encontrou os vícios invocados pelos Recorrentes nas alegações apresentadas, e assim pronunciando-se, de forma implícita, no sentido da desnecessidade de proceder ao apontado aperfeiçoamento, conhecendo das questões postas.

Por outro lado, percorrendo as longas alegações em sede de apelação oferecidas pelas ali Recorrentes, verifica-se que a sua extensão está indelevelmente ligada à ampla impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da Sentença, organizada por blocos e como os meios processuais que consideravam relevantes, de forma explícita.

E se não houve dúvidas em termos de perceção do requerido por parte do Tribunal, também se pode dizer que os ali Recorridos, não deixando de se insurgir contra a formulação das conclusões, necessariamente a articular como o demais alegado nas alegações, até porque se prossupõe serem a sua síntese, mostram que entenderam as pretensões das Apelantes, tendo aqueles concluindo nas suas contra-alegações que a solução fática, bem como a jurídica na sentença eram absolutamente incensuráveis, quanto à sua bondade, justeza e mérito, não havendo qualquer vício ou erro de julgamento.

Desta forma manifesto se torna a inexistência de tal nulidade arguida, improcedendo, nesta parte, o recurso dos Recorrentes.

2. Dizem os Recorrentes que o Acórdão recorrido realizou uma errónea interpretação liminar e de mérito relativamente à Sentença, o que coenvolve a sua interpretação e subsunção ao disposto no art.º 607, n.º 4, e em consequência a revogação do Acórdão. Com tal pretendem os Recorrentes invocar que o Acórdão recorrido, tendo procedido a uma laboriosa desconstrução do mérito e bondade da Sentença, dava a entender que a decisão fáctica na mesma plasmada não teria cumprido o disposto ao supra referido disposto legal, o que segundo os Recorrentes explicitam no corpo das suas alegações não aconteceu, tendo antes ali procedido à devida indicação dos factos provados e não provados, com a devida fundamentação, nos termos consignados.

Ora, sem prejuízo de entendimento contrário dos Recorrentes, mais não avulta do Acórdão recorrido a realização de considerações prévias sobre o ónus a observar pelo recorrente quando impugna a decisão sobre a matéria de facto, bem como apreciação, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que fora realizada nos autos, o modo como a mesma se mostra fundamentada, o que certamente não lhe estava vedado, pois iria, como foi, reapreciar tal decisão, e como de maneira cristalina se depreende, não importa a revogação do Acórdão recorrido.

Improcede, também, nesta parte o recurso deduzido.

3. Invocam os Recorrentes que o Acórdão realiza um novo julgamento da matéria de facto, convertendo a descrita sob as alíneas a), a f), k) e j) dos factos não provados em provados, realizando uma intolerável violação da violação da livre apreciação da prova pelo Tribunal da 1.ª instância, assim como o princípio da imediação, extravasando o disposto no art.º 662, do n.º1, a que acresce que as conclusões a que o Tribunal da Relação chega nas alíneas a) a d) de páginas 69 a 78, não tem acolhimento e cobertura técnica na prova pericial produzida, não podendo ser acolhidas.

Acresce um novo julgamento da matéria de facto realizado pelo Acórdão recorrido com adição de novos factos, ainda sobre a invocação da violação da livre apreciação da prova e do princípio da imediação.

Por outro lado verifica-se no Acórdão recorrido a desconsideração e não ponderação dos suprimentos realizados por FF à Sociedade, validada pela prova pericial, justificando-se neste caso a ampliação da matéria dada como assente.

Mais invocam os Recorrentes a nulidade prevista no art.º 615, n.º1, e), no concerne às acimas conclusões a) a d).

1. Como se sabe, o recurso de revista é o recurso ordinário que cabe dos acórdãos do Tribunal da Relação, tendo assim como fundamento, art.º 674, n.º1, a violação da lei substantiva – nas modalidades de erro de interpretação, de aplicação, ou da determinação da norma aplicável -, ou a violação da lei processual, incluindo aquela de que possa resultar alguma nulidade de decisão prevista no art.º 615, ex vi art.º 666, n.º1, como se realiza nestes autos.

A competência deste Tribunal, Supremo Tribunal de Justiça (STJ) está assim confinada à matéria de direito, enquanto tribunal de revista, não podendo debruçar-se sobre a matéria de facto, enquanto ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos ou quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, mas também o estado, qualidade e situação reais das pessoas e das coisas, percetíveis como tal que não tem de ser necessariamente simples9, ficando desse modo vinculado aos factos fixados pelo Tribunal recorrido, a que aplica definitivamente o regime jurídico tido pelo o adequado, art.º 682, n.º1.

Por sua vez, quanto à violação da lei de processo, prendendo-se com a tramitação processual, nomeadamente no que concerne à verificação de pressupostos processuais ou outros fatores que determinam a validade da instância, bem como o cumprimento das regras adjetivas a observar pelo Tribunal da Relação no conhecimento do recurso de apelação10, caso das reportadas aos termos como foram interpretadas e aplicadas as normas que regem o ónus de impugnação previsto no art.º 640, na mesma inclui-se também o conhecimento das nulidades do Acórdão da Relação que possam ter sido arguidas, cuja apreciação apenas pode ser realizada se o recurso de revista, normal ou excecional, for admitido.

Vem se entendendo que a razão de ser de tal regime, com exclusão do conhecimento da matéria de facto, tem a sua justificação na maior proximidade das instâncias relativamente à matéria de facto, estando reservada para o STJ a função de harmonização da interpretação e aplicação da lei11, e assenta nas fontes de direito que contém as normas suscetíveis de ser apreciadas pelo STJ12, (…) e na exclusão do controlo de critérios de decisão não normativos13.

Com efeito, como decorre do art.º 662, n.º1, impende sobre a Relação o dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa da proferida, estabelecendo-se no n.º 2 e n.º 3 do mesmo preceito legal, um conjunto de decisões e procedimentos que podem ser determinados e seguidos, consignando-se expressamente no n.º 4, também do art.º 662, que das decisões da Relação previstas nos aludidos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o STJ, num compreensível afastamento da possibilidade de pronúncia sobre a matéria de facto, vedada que lhe está a competência, ficando desse modo impedido de censurar o uso dos poderes conferidos à Relação, por tais dispositivos legais14.

Tal não significa, nem contraria o mencionado, que o STJ não possa sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto no caso de erros de julgamento, no que concerne à identificação, interpretação e aplicação de uma norma do direito probatório material, como consta do disposto no art.º 674, n.º 3, bem como determinar a baixa dos autos à Relação, art.º 682, n.º 3, quando seja necessária a ampliação da matéria facto com vista a constituir a base suficiente para poder ser prolatada a decisão de direito pelo STJ.

Como se aludiu a decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pela 1.ª instância pode ser alterada conforme o disposto no art.º 662, n.º 1, se a prova produzida (ou um documento superveniente) impuser uma decisão diversa, considerando que tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, a impugnação realizada deve ser feita na observância do ónus a cargo do recorrente, nos termos do art.º 640.

As exigências vertidas nesta última disposição legal traduzem-se num ónus tripartido sobre o recorrente, estribando-se nos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso.

Com estes poderes/deveres15, visou-se com a reapreciação da matéria de facto alcançar a verdade material, numa autonomia decisória16, “ (…) competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção na reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis (…)”, vigorando para a Relação o princípio da livre apreciação da prova, com exclusão dos factos que só possam ser provados por documentos, ou estejam plenamente provados por acordo das parte, confissão das mesmas ou documento, nos termos do art.º 607, n.º5, ex vi art.º 663, n.º 2.

Deste modo, o princípio que rege a (re)apreciação da prova, sendo o da livre valoração, sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado, traduz-se numa (re)apreciação segundo a prudente convicção do juiz, no atendimento de critérios de normalidade, mas também da experiência esclarecida que para o caso seja exigível, com a análise serena e objetiva da prova levada aos autos, constituindo a certeza da realidade do facto que, embora não absoluta, assente num grau elevado de probabilidade de ter ocorrido, conforme o julgador o apreendeu17, pois tal certeza absoluta é quase sempre inatingível, devendo necessariamente ser afastados os entendimentos arbitrários, de mero capricho ou simples produto de momentos.

A tarefa a realizar pela Relação surge, como facilmente se depreende, mais dificultada, porquanto os elementos atendíveis podem surgir menos fecundos, pela falta da oralidade, mas sobretudo da imediação, na invocação de o sistema legal, e se não deverá ser desprezada a existência de inúmeros aspetos comportamentais dos depoentes, se a sua valorização assumir relevância preponderante na convicção plasmada na decisão da matéria de facto, deverá a mesma ser vertida na motivação18, sob pena do seu não atendimento, na realização do necessário exame crítico dos elementos probatórios postos à consideração da Relação19.

Deste modo, e não escamoteando as dificuldades que advêm à reapreciação da prova e formação da sua convicção pela Relação, no atendimento da referencia da imediação, a sua inexistência não autoriza que seja formulado um juízo impeditivo dessa atividade.

1. Importa ter presente que a prova pericial é livremente apreciada pelo Tribunal, conforme o art.º 389, do CC, pese embora seja gerada a partir de juízos de ordem técnica, de maior ou menor especialidade, poderá a sua apreciação, em situações de particular especificidade, suscitar algumas limitações face aos conhecimentos exigíveis, contudo tal não a transforma em prova plena, de modo a ter um valor insindicável pelas Instâncias, caso do Tribunal da Relação, ficando vinculadas à mesma, mantendo-se a livre apreciação20.

1. Invocaram os Recorrentes a nulidade prevista na alínea e, n.º1, do art.º 615, que como é sabido se traduz na condenação efetuada em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, na violação do disposto no art.º 609, num reporte direto ao princípio dispositivo, na salvaguarda da estratégia ou pretensão formulados pela parte.

2. Revertendo estes considerandos para a situação sob análise, e reportando desde logo à arguida nulidade, referenciada à consideração da prova pericial, não avulta, nem surge explicitado, em que termos o decidido no Acórdão recorrido colide com o pedido formulado pelas Recorridos, sendo certo, que como se compreende tal não pode decorrer de factualidade apurada em quantidade ou qualidade que não tenha a devida correspondência na condenação a final, que repise-se, não surge explicitada.

Por sua vez a consignação da decisão sobre a matéria de facto proferida pela Relação, na qual operou a questionada alteração nesse âmbito, permite-nos constatar que aquele Tribunal procedeu à reapreciação do acervo probatório contido nos autos, formulando a convicção expressa, em termos de livre apreciação da prova que não se configura como sindicável, por inexistir qualquer ofensa a prova tarifada, nem, aliás, os Recorrentes o alegam.

Com efeito resulta do alegado, considerações genéricas sobre a atuação da Relação no exercício dos poderes que lhe foram legalmente conferidos, do mesmo modo questionando da invocada desconsideração a prova pericial, e demais acervo probatório, sob a invocação de uma violação da livre apreciação da prova levada a cabo pela 1.ª Instância e sob a imprescindibilidade da imediação.

Manifesto se torna, que exercendo os poderes legalmente conferidos, e como o fez, não se mostra violado o princípio da imediação, pois se assim fosse, não teria o legislador conferido tais poderes, bastando-se com os elementos constantes dos autos e a reprodução dos depoimentos prestados, com as notas tidas por relevantes em sede de fundamentação que permitam entender o juízo fáctico realizado.

Ora, como resulta delineado o uso dos poderes da Relação, em termos da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, como se aludiu, presentes e indicados todos os elementos do processo para tanto, vedado está a este Tribunal sindicar o uso de tais poderes.

Temos assim que o Tribunal da Relação entendeu que deveria usar os aludidos poderes, nos termos em que o fez, formando livremente a sua convicção, e é esta que questionada pelos Recorrentes, pretendendo que fosse atendida uma factualidade, que seria considerada se não tivesse sido violado o princípio da livre apreciação da prova, e não houvesse uma convicção arbitrária na valoração e interpretação da prova.

Não estando em causa um erro de julgamento no que respeita à identificação, interpretação e aplicação de uma norma do direito probatório material, como consta do disposto no art.º 674, n.º 3, do CPC, caso de prova tarifada, nem que seja necessária a ampliação da matéria facto com vista a constituir a base suficiente para poder ser prolatada a decisão de direito pelo STJ, manifesto se torna que inexiste fundamento para determinar a intervenção limitada apontada deste Tribunal quanto à matéria de facto.

Em conformidade, resulta dos autos que existe, uma manifesta discordância com o decidido no que concerne ao tido, ou não, como provado, resultado do exercício dos poderes que são atribuídos ao Tribunal que, repita-se, não cabe a este Tribunal sindicar.

Improcede também nesta parte o recurso formulado

4. Pretendem os Recorrentes que o Acórdão devia ser revogado face às razões expostas, e repristinada a Sentença, com a ressalva da indicação da disposição invocada do Código das Sociedades Comerciais erradamente referenciada.

Tal pretensão assim formulada, sem que tenha merecido acolhimento o pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto, objeto fundamental deste recurso, carece de fundamento, importando assim na manutenção da condenação operada, a satisfazer pelos Recorrentes.

5. Por último, invocam ainda os Recorrentes que “a mora dos réus só deverá ser contada a partir da decisão ora proferida”, e não a contar da citação do primitivo réu, como foi decidido.

Sem fundar tal pretensão, sendo certo que não resulta dos autos que na condenação realizada tenha havido a algum dos critérios utilizados no caso do decurso do tempo, caso da correção monetária ou taxa de inflação, os juros devem ser contabilizados, como foram, desde a citação do primitivo Réu, artigos 804, 805, n.º1, 806, n.º1 e 2, do Código Civil.

3. Improcedem, na totalidade, as conclusões formuladas.

*

III – DECISÃO

Nestes termos, nega-se a revista.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 19 dezembro de 2023

Ana Resende (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Graça Amaral

*

Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.


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1. Diploma a que se fará referência, se nada mais for dito.↩︎

2. Tem vindo a ser entendido por este Tribunal, que a reprodução nas conclusões do recurso da respetiva motivação não se configura como uma falta de alegações, prevista no art.º 641, n.º 2, al. b), pois embora em termos formais, foi efetuada uma diferenciação entre a motivação do recurso e as conclusões e desse modo, uma diferenciação entre ambas, que não dá lugar à sua rejeição, mas à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, conforme o n.º 3, do art.º 639. Cf. Ac. STJ de 24.09.2020, processo n.º 4899/16.0T8PRT.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt, reportando ser entendimento mais coerente com o direito de acesso aos Tribunais, consagrado no art.º 20, n.º4 da Constituição da República Portuguesa, e ao próprio papel do Juiz enquanto gestor do processo, art.º 6, bem como uma ampla referência jurisprudencial. Mais se alude no Ac. do STJ de 13.4.2021 processo n.º 6086/19.7T8STB.E1.S1, acessível in www.dgsi.pt que “(…) no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.”.↩︎

3. Cf. Ac. do STJ de 18.02.2021, processo n.º 18625/18.6T8PRT.P1.S1., acessível in www.dgsi.pt,↩︎

4. Cf. Ac. do STJ de 30.03.2023, processo n.º 351/16.2T8CTB.C1.S1., acessível in www.dgsi.pt. mencionando: “Não estabelecendo a lei um número máximo de páginas ou de carateres para as conclusões das alegações, não se pode adotar um critério essencialmente quantitativo na apreciação da sua adequação (…)”.↩︎

5. Cf. Ac. do STJ de 6.02.2020, processo n.º 1898/17.9T8SNT.L1.S1., acessível in www.dgsi.pt.↩︎

6. Cf. Ac. do STJ de 9.5.2023, processo n.º 228/22.2T8GMR-A.G1.S1, acessível in www.dgsi.pt., com mais referências jurisprudenciais.↩︎

7. Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, pág. 22.↩︎

8. Cf. Ac STJ de 24.03.2017, processo n.º 6131/12.7TBMTS-A.P1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

9. Como, sem perder a atualidade, refere Alberto Reis, Código de Processo Civil Anotado, III vol, pag. 206 e seguintes, no estabelecimento da dicotomia, da matéria de facto apurada à margem direta da lei, averiguando factos cuja existência não dependa da interpretação de qualquer norma jurídica, matéria já de direito.↩︎

10. Cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, fls. 474 e segs.↩︎

11. Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, fls. 233, apud Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil.↩︎

12. Por reporte à explicitação do conceito de “lei substantiva”, constante do n.º 2, do art.º 674.↩︎

13. Lebre de Freitas, e outros, obra citada, fls. 234.↩︎

14. Cf. Ac. STJ de 30.11.2011, processo n.º 581/1999.P1.S1, o uso ou não uso dos poderes da Relação, em termos de decisões negativas ou positivas, desde que fundadas em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgado, reportam-se à valoração da matéria de facto, pronúncia sobre a matéria de facto que é vedada ao STJ, Ac. STJ de 4.07.2013, processo n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1, não pode em sede de revista sindicar-se alegados erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, Ac. STJ de 05.05.2016, processo n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1, cumprindo às instâncias apurar a matéria de facto, só a Relação pode emitir um juízo de valor sobre o apurado na 1.ª instância, Ac. STJ de 24.11.2020, processo n.º 2350/17.8T9PRT.P1.S1., o que Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efetivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova, competindo mediante iniciativa da parte pronunciar-se sobre a legalidade do apuramento dos factos, Ac. STJ de 18.06.2019, processo n.º 745705.9TBFIG.C1.S2, a livre apreciação da prova não é sindicável pelo STJ, todos in www.dgsi.pt.↩︎

15. Já anteriormente consagrados mas que foram reforçados com a reforma operada pela Lei 41/2013, de 26.06, que aprovou o novo Código de Processo Civil.↩︎

16. Cf. Acórdão do STJ de 9.03.2021, processo n.º 3424/16.8T8CSC.L1.S1, in www.dgsi.↩︎

17. Cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, pág. 420 e 421.↩︎

18. Cf. Ac. STJ de 1 de junho de 2010, processo n.º 3003/04.2TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, referindo, A valorização de comportamentos e atitudes das testemunhas não captáveis pelo registo magnético, se tiverem influência nas respostas à matéria de facto devem constar da motivação; se tal não ocorrer, o Tribunal da Relação não deve invocar a uma imediação que acabou por não assumir expressão nas respostas aos quesitos dados.↩︎

19. Cf. Ac. STJ de 1 de junho de 2010, já referido, bem como mais Jurisprudência ali citada, e Ac. STJ de 2 de novembro de 2017, processo n.º 62/09.5TBLGS.E1.S1. in www.dgsi.pt.↩︎

20. Cf. Ac. STJ de 23.06.2021, processo n.º 199/07.5TTVCT-E.G1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎