Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
270/10.6TYLSB-J.L1.S1-A
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
EXTEMPORANEIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
CONTAGEM DE PRAZOS
PRAZO PERENTÓRIO
MULTA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :
O n.º 5 do art. 139.º do CPC concede à parte um acréscimo temporal de tolerância permitindo que a mesma pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do respectivo prazo, mas não constitui um “acréscimo” do prazo se a parte não praticar o acto.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,


I – AA, vem requerer que seja submetida à conferência a decisão singular da relatora, que não admitiu o recurso extraordinário de jurisprudência que interpôs do acórdão proferido nestes autos (de 15-02-2023), alegando contradição do mesmo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2016, proferido no Processo n.º 106/11.0TBCPV.P2- S1.


II – É do seguinte teor a decisão singular:


“1. AA, após o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos (de 15-02-2023), veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil (CPC), alegando contradição daquele acórdão com o acórdão do STJ de 22-09-2016, proferido no Processo n.º 106/11.0TBCPV.P2- S1, imputando ao acórdão recorrido uma inadequada interpretação do artigo 621.º do CPC, ao introduzir uma distinção que a norma não comporta no que toca à verificação da condição, do prazo ou do facto ocorrer antes ou depois do encerramento da audiência em 1ª instância.


E, sem indicar, o sentido em que se deve fixar a jurisprudência, concluiu pedindo que seja “determinada a celebração de escritura pública a favor da Recorrente, a outorgar pelo Sr. Administrador de Insolvência ou ser proferida decisão judicial que determine e possibilite a transmissão da propriedade das fracções autónomas a favor daquela e o respectivo registo na conservatória do registo predial, num caso ou noutro sempre com cancelamento, por via de despacho judicial, de todos os ónus e encargos que, indevidamente, incidem sobre as ditas fracções, designadamente, a apreensão para a massa falida.”.


2. Tendo-se considerado que no caso se verificava a ausência da condição de admissibilidade do mesmo – (in)tempestividade – foram as partes notificadas para se pronunciarem nos termos do artigo 655.º, n.º1, do CPC (despacho de 24-04-202).


3. A Recorrente reafirma a tempestividade do recurso.


4. As Recorridas NOVO BANCO, SA e MASSA INSOLVENTE DE CORREIA E SANTOS defendem a extemporaneidade do recurso.


Apreciando


1. Sob a epígrafe “Prazo para interposição”, o artigo 689.º, n,º1, do CPC, dispõe que o “recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.”


Na sequência do que se mostra realçado no despacho que antecede, o referido prazo de 30 dias tem natureza processual e constitui uma condição de admissibilidade do recurso.


Na contagem do referido prazo há que atender ao disposto nos artigos 138.º, 139.º e 248.º e 249.º, do CPC, estando-se, por isso, na presença de um prazo contínuo (conta-se dia por dia) e se o seu termo ocorrer em dia em que os tribunais se encontrem encerrados “transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.


A notificação por via postal, se for realizada sob registo e por transmissão electrónica tem-se por feita no 3.º dia posterior, respectivamente, ao registo e ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse (se aquele não o for).


Esgotado o prazo, a parte poderá ainda praticar o acto nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo respectivo (sublinhado nosso), sob pagamento imediato de uma multa progressiva, consoante seja o 1.º, 2.º ou o 3.º dias subsequentes (artigo 139.º, n.º5, do CPC), restando ainda a possibilidade de, posteriormente, o acto poder ser praticado se ocorrer justo impedimento (cfr. artigo 140.º, do CPC).


2. No caso, verifica-se que a notificação do acórdão recorrido (de 15-02-2023) à Recorrente foi realizada em 16-02-2023 (quinta-feira), presumindo-se a efectivação da mesma a 20-02-2023 (segunda-feira, enquanto 1.º dia útil seguinte ao presumido 3.º dia).


Considerando que o prazo para reagir ao referido acórdão era de dez dias (por o mesmo, não ser susceptível de ser impugnável através de recurso ordinário, apenas podendo ser objecto de reclamação para a conferência), uma vez que o termo do mesmo ocorreu a 02-03-2023, há que concluiu que o acórdão recorrido transitou em julgado em 02-03-2023. Consequentemente, o termo do prazo de 30 dias para interpor recurso de uniformização de jurisprudência ocorreu a 11-04-2023.


Tendo a Recorrente interposto recurso de uniformização de jurisprudência em 20-04- 2023, mostra-se o mesmo extemporâneo, pois que o acto foi praticado para além do prazo que a lei estabelece para o efeito.


3. Contrapõe a Recorrente entendendo que o trânsito em julgado do acórdão não ocorreu a 02- 03-2023, mas a 07-03-2023, porquanto, no computo do mesmo, se impunha ter em atenção os 3 dias úteis em que o acto (de reclamação para a conferência) poderia ter sido praticado (ao abrigo do n.º5 do artigo 139.º do CPC). Concluiu, por isso, pela tempestividade do recurso, uma vez que o prazo de 30 dias para recorrer se iniciou em 08-03-2023, expirando a 20-04-2023 (data em que interpôs o recurso), por constituir o 3.º dia útil após o termo (verificado a 17-04-2023), tendo procedido ao pagamento da respectiva multa.


Não podemos concordar.


4. O entendimento que a Recorrente colhe do artigo 139.º n.º 5, do CPC, para o computo do prazo para o trânsito em julgado do acórdão recorrido descura a finalidade que a norma tem subjacente e que, a nosso ver, não oferece dúvidas de interpretação (que se retira do elemento literal de interpretação1) quanto a constituir um acréscimo temporal de tolerância, viabilizando que a parte pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do mesmo. E, assim, só assume relevância como tal (enquanto direito de praticar o acto) se a parte, efectivamente, o exercer. Caso contrário, ou seja, quando a parte não o exerce, não poderá ser entendido como um “acréscimo” do prazo e mostra-se irrelevante para a contagem do mesmo2 .


Por conseguinte, tal como fizemos realçar no despacho que antecede, uma vez que o acórdão recorrido transitou em julgado em 02-03-2023, quando da interposição do recurso de uniformização de jurisprudência (em 20-04-2023), já havia sido ultrapassado o prazo (peremptório) de 30 dias previsto no n.º1do artigo 689.º do CPC (que ocorreu a 11-04-2023), mostrando-se, por isso, extemporâneo o recurso que a Recorrente veio interpor.


5. Verificando-se, assim, no caso, que o recurso foi interposto muito para além do prazo estabelecido no artigo 689.º, do CPC, não se admite o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.


Custas pela Recorrente.”.


III - Como salientado no despacho singular, mostra-se extemporâneo o recurso de uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente, por se encontrar ultrapassado o prazo de 30 dias que a lei estabelece no n.º1 do artigo 689.º do Código de Processo Civil.


A dissonância de posição por parte da Recorrente reporta-se ao início do referido prazo de interposição, que a lei fixa a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido.


Para a Recorrente, o início do prazo não ocorreu a 02-03-2023 (dez dias após a notificação à Recorrente do acórdão3), mas a 07-03-2023, uma vez que considera que no cômputo do prazo do trânsito em julgado do acórdão recorrido cabia ter em conta os 3 dias úteis em que o acto (de reclamação para a conferência) poderia ter sido praticado (ao abrigo do n.º5 do artigo 139.º do CPC). Nessa medida, defende a tempestividade do recurso de uniformização, uma vez que, a ser assim, o prazo de 30 dias para recorrer se iniciaria em 08-03-2023, expirando a 20-04-2023 (data em que interpôs o recurso), por constituir o 3.º dia útil após o termo (verificado a 17-04-2023), tendo procedido ao pagamento da respectiva multa.


Como expressámos na decisão singular proferida, o entendimento da Recorrente não pode ser acolhido.


Na verdade, o n.º5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, visa constituir um acréscimo temporal de tolerância permitindo que a parte pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do mesmo. Nesse sentido, o prazo de três dias só assume relevância como tal (enquanto direito de praticar o acto) se a parte, efectivamente, o exercer praticando o acto. Nas situações em que a parte não o exerce não podem os três dias ser entendidos como um “acréscimo” de prazo e, como tal, mostra-se irrelevante para a contagem do trânsito em julgado.


Por conseguinte, transitado em julgado o acórdão recorrido a 02-03-2023, não pode deixar de se reafirmar a conclusão a que chegou a decisão singular ao considerar que, em 24-04-2023, quando da interposição do recurso de uniformização de jurisprudência, encontrava-se ultrapassado o prazo (peremptório) de 30 dias previsto no n.º1do artigo 689.º do CPC (que ocorreu a 11-04-2023), mostrando-se, por isso, extemporâneo o recurso que a Recorrente veio interpor.


III – Decisão


Nestes termos, confirmando o despacho singular da relatora, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar in limine o recurso para uniformização de jurisprudência.


Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17 de Outubro de 2023

Graça Amaral (Relatora)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa




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1. Dispõe o corpo do n.º 5 do citado preceito “Independentemente do justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos primeiros três dias úteis subsequentes ao termo do prazo”.↩︎

2. Este entendimento mostra-se sufragado no acórdão do STJ de 30-10-2019 (Processo 324/14.0TELSB-N.L1- D.S1, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ), citado, aliás, pela Recorrida Novo Banco, SA, onde se lê no seu sumário: “(…) VIII – Não relevam, para o efeito da data do trânsito em julgado, os 3 dias úteis durante os quais o acto ainda pode ser praticado com o pagamento de uma multa (art. 145.º do CPC), pois, como refere esta norma, trata-se dos “três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.(…) a estatui no art. 139.º, n.º 5, do CPC, se situa para além do termo do prazo da prática do acto (“pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo”) (…) XI – No caso presente reitera-se que, com o devido respeito, não faz sentido invocar a possibilidade de pagamento de multa, quando o direito ao acto (recurso, reclamação, arguição de nulidade, pedido de correcção) não é exercido. Só fará sentido invocar esse acréscimo temporal de tolerância quando dele se faz uso efectivo.”.↩︎

3. A notificação do acórdão recorrido (de 15-02-2023) à Recorrente foi realizada em 16-02-2023 (quinta-feira), presumindo-se a efectivação da mesma a 20-02-2023 (segunda-feira, enquanto 1.º dia útil seguinte ao presumido 3.º dia). No caso, o prazo para reagir ao referido acórdão era de dez dias por o mesmo, não ser susceptível de ser impugnável através de recurso ordinário, apenas podendo ser objecto de reclamação para a conferência.↩︎