Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
478/19.9T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO IN ITINERE
INFRAÇÃO ESTRADAL
CÓDIGO DA ESTRADA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
SINISTRADO
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

A transposição pelo sinistrado de linha contínua M1, em estrada com duas faixas de rodagem; a circulação na distância de 40 metros na faixa esquerda atento o sentido de marcha e o embate em veículo parado na berma contrária, constitui negligência grosseira para efeitos do artigo 14.º n.º 1 alínea b) e n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 478/19.9T8FAR.E1.S1


Origem: Tribunal Relação Évora


Revista excecional


Relator Conselheiro Domingos Morais


Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado


Conselheiro Júlio Gomes


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.Relatório


1. - AA intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra a


Companhia de Seguros Allianz, S.A., pedindo: “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, declarando-se como de trabalho o acidente supra descrito e, em consequência, ser a ré condenada a pagar ao autor o montante global de € 371.810,52.”.


2. - A Ré seguradora contestou, alegando que “não pôde aceitar a caracterização do acidente que vitimou o autor como de trabalho, por considerar, não só que não estamos perante um acidente in intinere, como também que o mero acidente de viação ocorreu por negligência grosseira e exclusiva da própria vítima” e pedindo que a acção deve ser julgada totalmente improcedente.


3. - Na 1.ª instância, a ação foi julgada improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.


4. - O Tribunal da Relação julgou o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.


5. - O Autor interpôs recurso de revista excepcional, invocando oposição de julgados, entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa, de 05.12.2018, proc. nº 2576/16.1T8VFX, transitado em julgado, concluindo, em síntese:


- Ora face à similaridade das factualidades provadas em ambos os arestos o primeiro aspecto de identidade que determina a contradição em questão é o de se saber se perante a factualidade provada nos autos se está perante negligência grosseira, ou, tal como entendeu o acórdão-fundamento, tal conclusão não se pode concluir pela existência de negligência grosseira, sendo de aplicar o instituto da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, devendo, em consequência, o trabalhador ver reparados/compensados os danos que sofreu em decorrência do sinistro de que foi vítima.


- O outro aspecto de identidade em que determina a contradição em questão e para o qual o mesmo acórdão serve de fundamento é o do ónus da prova, uma vez que ao considerar suficiente para qualificar de grosseiramente negligente a conduta do recorrente, a mera prova da prática de contraordenação grave, sem que mais factualidade tenha sido provada, leva a que o dito ónus que competia à Ré recorrida não tenha sido cumprido.


- Ou seja, se se pode afirmar, com segurança e de acordo com as regras que informam o direito regulador dos acidentes de trabalho, que a conduta de inobservância da indicada norma geral de trânsito, constitua falta grave e indesculpável, se permanece oculto o motivo determinante da momentânea invasão da faixa de rodagem contrária.


6. - Por acórdão da Formação, de 24 de maio de 2023, foi admitida a revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, nº 1, c), do CPC.


7. - O M. Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista excepcional.


8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto:


As Instâncias decidiram sobre a matéria de facto:


Factos provados


1- AA é gerente da sociedade P... ...... ........ .........., Lda. com sede na Rua ... o que já era em 15 de setembro de 2017.


2- Pelo desempenho das suas funções o sinistrado auferia a retribuição mensal de €2.000,00/mês, num total anual (x 14) de €28.000,00.


3- A responsabilidade infortunística da entidade patronal, em 15 de setembro de 2017, encontrava-se transferida para a R., mediante contrato de seguro de acidentes de trabalho, identificado pela apólice n.º .......37.


4- A P... ...... ........ .........., Lda. tem como objeto social o design de interiores, serviços de decoração e venda de artigos de decoração, de mobiliário e de equipamentos, galeria de arte, comércio, fornecimento de sítios informáticos e domiciliação de páginas, fornecimento de imagens, textos e informações e disponibilização de bases de dados.


5- No desempenho das suas funções o A. encarregava-se do contacto com clientes e fornecedores, deslocação às instalações quer dos clientes, quer dos fornecedores da sociedade nestes para conhecer novas coleções de decoração, acompanhar o fabrico de artigos específicos ou outros assuntos relacionados com compras, bem como locais de obra.


6- Os fornecedores da sociedade P... ...... são sociedades que se dedicam à importação e/ou produção de artigos de decoração.


7- No dia 15 de Setembro de 2017 AA deslocava-se, provindo ..., cidade onde pernoitou depois de, no dia anterior, ter tido uma reunião com um cliente em localidade próxima, no motociclo marca Harley Davidson, com a matrícula ..-PA-.., propriedade da já identificada sociedade, na E.N. ..., também designada Rua ..., em ..., sentido ....


8- Seguia em direção a ..., a fim de participar numa reunião de trabalho nas instalações da S........ ......... . .... ...... ..........., S.A. com sede na zona Industrial de ....


9- Naquelas circunstâncias de tempo e local AA saiu da hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, e invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, destinada aos veículos que seguiam em sentido ..., na qual passou a circular.


10- Na hemi-faixa de rodagem sentido ... circulava o veículo pesado mercedes Benz 2041, de matrícula ..-LG-.., a velocidade de cerca de 50Km/h.


11- O condutor do veículo ..-LG-.. apercebendo-se que a cerca de 40m de distância o veículo do sinistrado circulava na hemi-faixa de rodagem destinada à sua circulação, junto à berma direita, travou e parou o seu veículo.


12- Apercebendo-se da presença do veículo pesado o sinistrado ainda direcionou o motociclo para a hemi-faixa de rodagem sentido ..., porém, dada a sua posição na via e a velocidade não concretamente apurada a que circulava, ao Km 66,300, numa curva suave, com perfil em patamar, não conseguiu evitar o embate da parte frontal do motociclo com a parte frontal esquerda do veículo pesado de matrícula ..-LG-...


13- O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem sentido ....


14- O tempo estava bom e seco.


15- A estrada, no local, estava sinalizada com linha continua M1 e guias laterais M19.


16- O pavimento era betuminoso e estava em bom estado de conservação.


17- A velocidade no local estava limitada a 50Km/h.


18- A via tinha uma largura de 5,31metros.


19- O motociclo era um dos meios de transporte diário do sinistrado.


20- Após o acidente não foram detetadas pelas autoridades quaisquer anomalias mecânicas e/ou outras aos veículos intervenientes.


21- A P... ...... ........ .........., Lda., mantém há vários anos relações comerciais com a H................... ..........., S.A..


22- Entre ... e o local do acidente distam cerca de 600 Km.


23- O trajeto mais curto entre ... e ..., é de 534 Km, percorrido em 5 horas à velocidade regulamentar.


24- Entre ... e ..., pelo local do acidente, distam 685 Km, percorridos em 6h50m.


25- Entre o local do acidente e ... distam 83,5 Km, percorridos em 1h23m.


26- O sinistrado foi socorrido pelos serviços do INEM que lhe prestaram os primeiros socorros no local e que o transportaram de helicóptero para o Centro Hospitalar Universitário ..., sito na cidade ....


27- O sinistrado esteve internado na unidade de cuidados intensivos do Centro Hospitalar Universitário ... e, posteriormente, na unidade de cuidados intermédios, tendo-lhe sido dada alta por transferência, em 26 de Outubro de 2017, a fim de continuar tratamentos no Hospital ... na mesma cidade ....


28- Teve alta hospitalar em 24 de Fevereiro de 2018, mantendo consulta e observação regular em consulta externa sem atribuição de alta (clínica).


29- A Ré declinou toda e qualquer responsabilidade em 14 de Novembro de 2017.


30- Recebeu € 3.000,00 por parte da Seguradora BUPA Global.


31- Em próteses dentárias o sinistrado despendeu € 13.865,00.


32- A título de medicação despendeu a quantia de € 512,18.


33- Com fisioterapia despendeu a quantia de € 2.330,00.


34- Em outros tratamentos médicos despendeu a quantia de € 320,00.


35- Despendeu € 1.078,28 na aquisição de uma meia elástica para colocação no coto e ajustamento da Prótese.


Factos não provados:


1. Um dos sócios-gerentes da P... ...... esteja permanentemente destacado para as funções de acompanhamento de fornecedores e clientes, de molde a garantir o correcto desempenho das mesmas.


2. Coubesse ao outro gerente as remanescentes tarefas, especialmente ao nível administrativo e gestão de pessoal.


3. O sinistrado viajasse em passeio particular, inserido num grupo de amigos e apoiados por uma viatura ligeira de cor branca, marca Qasquai.


4. O sinistrado seguisse no sentido ... ou ....


5. O sinistrado circulasse a 90 Km/h.


III. – Fundamentação de direito


1. - Do objeto do recurso de revista excepcional


- Da (in)existência dos requisitos da negligência grosseira para a descaracterização do acidente de trabalho.


2. - Legislação aplicável


O acidente descrito nos autos ocorreu no dia 15 de Setembro de 2017, pelo que o regime jurídico aplicável é o da Lei n.º 98/2009, de 4.09 (LAT), como decorre do n.º 1 do seu artigo 188.º: a presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010.


Nos seus artigos 1.º, 2.º e 3.º está consagrado o direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho aos trabalhadores por conta de outrem, reparação essa que é da responsabilidade dos empregadores ou das empresas seguradoras para as quais tenha sido transferida - cf. artigos 7.º e 79.º da LAT -.


Por sua vez, o artigo 14.º - Descaracterização do acidente - prescreve:


1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:


a) (…);


b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;


c) (…).


2 – (…).


3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.”.


3. - A interpretação do artigo 14.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4.09 - e, anteriormente, do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 100/97, de 13.09 e do artigo 8.º, n.º 2, do DL n.º 143/99, de 30 de abril; da alínea b), do n.º 1 da Base VI) da Lei n.º 2127, de 03 de agosto de 1965 -, têm proporcionado vários escritos sobre a matéria, quer na doutrina, quer na jurisprudência.


Na doutrina:


Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, pág. 42, em anotação à Base VI, n.º 1 alínea b), da Lei n.º 2127, escreveu: “é preciso que haja um comportamento temerário, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, uma imprudência e temeridade inútil, indesculpável, mas voluntária, embora não intencional, (…)”.


“Os factos referidos nesta Base, porque impeditivos do direito do sinistrado à reparação, incumbe à entidade responsável a prova da sua existência (cfr. artigo 342.º do Código Civil)” – cf. Autor e obra citada, pág. 39.


Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina 2.ª Edição, Reimpressão, 2001, pág. 63, em anotação ao artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei 100/97, escreveu:


Ao qualificar negligência grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras. (…).


O legislador do art.º 7.º teve também o cuidado de distinguir a negligência quanto à intensidade da vontade ou gravidade, no pressuposto de que a doutrina costuma estabelecer três graus: lata, leve e levíssima. A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira; é grosseira porque é grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bónus pater famílias.


Mais recentemente, Júlio Manuel Vieira Gomes, in O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra editora, 2013, págs. 232 a 234, escreveu:


“(…) a privação da reparação por acidente de trabalho é uma consequência desproporcionada, a não ser para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente.”. (negritos nossos)


Na jurisprudência:


No acórdão do STJ de 26.01.2006, proc. n.º 05S3114, Fernandes Cadilha (Relator), foi consignado:


A jurisprudência tem vindo a associar o comportamento temerário em alto e relevante grau a um comportamento inútil, indesculpável, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência (acórdão do STJ de 7 de novembro de 2001, Revista 1314/01).”.


No acórdão do STJ de 02.02.2006, proc. n.º 05S3479, Relator Sousa Peixoto, in www.dgsi.pt, pode ler-se:


“A negligência grosseira corresponde à culpa grave ou lata, que os romanos apelidavam de nimia ou magna negligentia e que, segundo eles, consistia em non intelligere quod omnes intelligunt – cfr. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 304.


Neste contexto, dúvidas não há de que para descaracterizar o acidente, com base na negligência grosseira do sinistrado, é preciso provar que a sua conduta (por acção ou omissão) atentou contra o mais elementar sentido de prudência (…). É preciso, em suma, que a sua conduta se apresente como altamente reprovável, indesculpável e injustificada, à luz do mais elementar senso comum. (…), a falta grave e indesculpável deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstracto, de conduta.


No acórdão do STJ de 09.06.2010, proc. n.º 579/09.1YFLSB, Sousa Grandão (Relator), in www.dgsi.pt, foi escrito:


Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada - se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.


A par de um tal comportamento, a assinalada exclusão da responsabilidade mais exige que o acidente tenha resultado em exclusivo desse comportamento.


Refira-se também que a “negligência grosseira” deve ser apreciada em concretoconferindo as condições do próprio sinistrado – e não com referência a um padrão abstracto de conduta.


No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 22.09.2011, proc. n.º 896/07.5TTVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt, (Pinto Hespanhol Relator):


“(…)


Neste plano de consideração, a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.


Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares, que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstracto, de conduta.”. (negritos nossos).


4. - Foi dado como provado:


9- Naquelas circunstâncias de tempo e local (pontos 7 e 8) AA saiu da hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, e invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária, destinada aos veículos que seguiam em sentido ..., na qual passou a circular.


10- Na hemi-faixa de rodagem sentido ... circulava o veículo pesado mercedes Benz 2041, de matrícula ..-LG-.., a velocidade de cerca de 50Km/h.


11- O condutor do veículo ..-LG-.. apercebendo-se que a cerca de 40m de distância o veículo do sinistrado circulava na hemi-faixa de rodagem destinada à sua circulação, junto à berma direita, travou e parou o seu veículo.


12- Apercebendo-se da presença do veículo pesado o sinistrado ainda direcionou o motociclo para a hemi-faixa de rodagem sentido ..., porém, dada a sua posição na via e a velocidade não concretamente apurada a que circulava, ao Km 66,300, numa curva suave, com perfil em patamar, não conseguiu evitar o embate da parte frontal do motociclo com a parte frontal esquerda do veículo pesado de matrícula ..-LG-...


13- O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem sentido ....


14- O tempo estava bom e seco.


15- A estrada, no local, estava sinalizada com linha continua M1 e guias laterais M19.


16- O pavimento era betuminoso e estava em bom estado de conservação.”. (negritos nossos).


5. - Conforme o disposto no artigo 13.º n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada, “A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes” (n.º 1). “Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.”.


Por sua vez, o artigo 24.º, n.º 1, estabelece:


O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”.


O Decreto Regulamentar 22-A/98, de 1 de outubro, que aprovou o Regulamento de Sinalização do Trânsito, prescreve as várias marcas de trânsito que regulam a circulação rodoviária, incluindo as marcas longitudinais no artigo 60.º:


1 - As marcas longitudinais, referidas no presente artigo, são linhas apostas na faixa de rodagem, separando sentidos ou vias de trânsito e com os significados seguintes:


M1 - linha contínua: significa para o condutor proibição de a pisar ou transpor e, bem assim, o dever de transitar à sua direita, quando aquela fizer a separação de sentidos de trânsito;


(…).”. (negritos nossos)


Ora, decorre da matéria de facto dada como provada que, no dia 15 de setembro de 2017, o sinistrado recorrente deslocava-se no motociclo marca Harley Davidson, na E.N. ..., também designada ..., em ..., no sentido ..., e que, a dado momento, saiu da sua faixa de rodagem direita transpondo a linha contínua marcada no local e passou a circular, no mesmo sentido, na faixa de rodagem esquerda, pelo menos, na distância de 40 metros, indo embater no veículo pesado que parara encostado à berma do seu lado direito, no sentido contrário, ..., para evitar o embate.


O sinistrado não alegou, nem muito menos provou, qualquer facto juridicamente relevante (v.g., ultrapassagem ou mudança de direção), para tal comportamento desviante, tanto mais que a estrada, no local, estava sinalizada com linha continua M1 - facto15 -, proibida de pisar ou transpor; o tempo estava bom e seco; o pavimento era betuminoso e estava em bom estado de conservação - factos 14 e 16 - e o veículo pesado estava parado na berma direita atento o seu sentido de marcha, ... - facto 11.


[Diga-se que, no acórdão-fundamento a saída do veículo conduzido pelo sinistrado da sua mão de trânsito foi momentânea, em piso molhado e escorregadio, devido à chuva].


Assim sendo, tal comportamento temerário, inútil, indesculpável e reprovado pelo mais elementar sentido de prudência, não só integra o conceito de negligência grosseira por parte do sinistrado, como foi a causa exclusiva para a produção do acidente.


Improcede a revista excepcional.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista excepcional apresentado pelo Recorrente.


Custas a cargo do Recorrente.


Lisboa 11 de outubro de 2023


Domingos José de Morais (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Gomes