Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
326/18.7YHLSB.L3.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEI PROCESSUAL
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Impondo-se a motivação do julgamento de reapreciação da matéria de facto também à Relação, a alegação de que este tribunal na apreciação da impugnação da matéria de facto não fundamentou, ou fundamentou deficientemente, a decisão proferida sobre algum facto essencial para julgamento, inscreve-se no âmbito da violação ou erra aplicação da lei de processo do art. 674 nº 2 al. b) do CPC.

II - As questões referentes à não apreciação da matéria de facto impugnada em qualquer dos seus domínios (julgamento dos factos provados e não provados ou fundamentação) não constitui nulidade por omissão de pronúncia enquadrável no art. 615 nº1 al. d) do CPC que seja causa da nulidade da decisão.

III - A nulidade por omissão de pronúncia do art, 615 nº1 al. d) do CPC não ocorre quando a decisão recorrida não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos/conclusões do recorrente, mas apenas quando a questão que é objeto da ação tenha ficado por decidir, no todo ou em parte.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

O SNQTB – Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários propôs ação conforma de processo comum contra Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas pedindo:

a) a anulação do registo de marca nacional nº 586232 SAMS Quadros titulado pelo Réu;

b) a anulação do registo de marca nacional nº 586274 SAMS Bancários, Quadros e Técnicos titulado pelo Réu; c) a anulação do registo de marca nacional nº 586240 SAMS Técnicos titulado pelo Réu;

d) a anulação do registo de marca nacional nº 586241 SAMS Técnicos Bancários titulado pelo Réu;

e) a anulação do registo de marca nacional nº 586243 SAMS Quadros Bancários titulado pelo Réu;

f) a anulação do registo de marca nacional nº 586245 SAMS Técnicos e Quadros Bancários titulado pelo Réu;

g) a anulação do registo de marca nacional nº 586246 SAMS Quadros e Técnicos Bancários titulado pelo Réu;

h) declarar-se que o eventual uso das marcas supra identificadas pelo Réu ou por terceiro por si autorizado constituir a violação do direito ao exclusivo pertença da

Autora decorrente da respetiva firma e configurar uma atuação concorrencial desleal e imitação de marca notória;

i) condenar-se o Réu a abster-se de usar ou promover o uso por terceiro;

j) condenar-se o Réu a pagar indemnização à Autora a título compensatório pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em valor a fixar com recurso à equidade ou subsidiariamente a apurar em liquidação de sentença;

k) ordenar a publicitação da decisão a expensas do Réu.

Alegou que a Autora adotou em termos de facto a marca caracterizada pelo conjunto SAMS/Quadros em 1993 para assinalar os serviços de assistência médico-social prestados aos seus beneficiários.

Os serviços prestados sob a marca SAMS/QUADROS do Autor enquadram-se como serviços de um subsistema de saúde do sector bancário – os trabalhadores quadros e técnicos bancários filiados no SNQTB, no ativo ou na reforma, além dos elementos dos seus agregados familiares. Esses serviços gozam de comprovada e reconhecida qualidade, certificada pelo SGS, estão amplamente implementados e largamente publicitados.

Sob a marca SAMS/QUADROS do Autor são organizados eventos/eventos solidários, além de contemplar acordos com a Associação de Farmácias de Portugal, como Hospital da Luz de Lisboa, Acordo da Misericórdia do Porto, Acordo com o Hospital dos Lusíadas, Acordo com o Centro Hospitalar de S. Francisco, Acordo com a Fundação Champalimaud, Acordo com a Universidade Lusíadas Norte, entre outras entidades.

É generalizadamente reconhecido que os diferentes “SAMS” são geridos pelo Sindicato respetivo. Donde, quando confrontados com o conjunto SAMS/QUADROS, os consumidores relevantes percecionam-no como marca do Autor. Aliás, a reputação da marca é tal no sector bancário que os sindicalizados do Autor, muitas vezes, identificam a adesão a este Sindicato por referência à marca SAMS/QUADROS.

A tal fenómeno não é estranho a denominação social do Autor incluir a expressão “Quadros”.

Daí, o uso e o registo pelo Réu de cada uma das marcas impugnadas lesa o direito do exclusivo e a capacidade de referenciação da denominação social do Autor, além de gerar confusão nos consumidores e publico, perturbam o desenvolvimento normal da sua estratégica de marketing e comunicação.

A descrita conduta da Ré causou à Autora múltiplos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento reclama nos autos.

… …

A ré contestou por impugnação e pediu a improcedência da ação e a sua absolvição o pedido.

Instruídos os autos foi proferida em 4 de janeiro de 2020 sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.

Desta decisão interpôs recurso de apelação a autora, recurso esse que julgou nula a sentença por omissão de pronúncia e determinou a sua substituição por outra que suprisse a apontada nulidade.

Proferida nova sentença em 13 de novembro de 2020 que julgou ação improcedente e absolveu a ré do pedido, foi interposto recurso de apelação no qual veio a ser ordenada “a baixa dos autos à 1ª instância para que o Tribunal produza nova decisão onde fundamente de facto a decisão que tomou.”.

Proferida nova sentença em 9 de janeiro de 2022 que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido foi interposto recurso de apelação que foi julgado improcedente e confirmou a decisão recorrida.

Dessa decisão foi interposto recurso de revista que foi rejeitado no Tribunal da Relação com fundamento na sua inadmissibilidade legal.

Tendo a recorrente reclamado para o STJ nos termos do art. 643 do CPC veio a ser proferido despacho e, 17-4-2023 que admitiu o recurso.

Em 18-7-2023 por decisão singular, o relator na Relação prenunciou-se sobre as nulidades da sentença, conforme determinado na decisão da reclamação, terminando por admitir o recurso de revista que , afinal, a decisão da reclamação no Supremo Tribunal de Justiça, já tinha ordenado.

… …

O recurso de revista interposto pela autora e que foi admitido compõe-se de conclusões relativamente à revista normal e em conclusões relativas á revista excecional subsidiária.

Quanto à revista normal conclui que:

“ O presente Recurso de Revista tem por fundamento principal a violação no Acórdão Recorrido da lei de processo, previsto na alínea b) do n.º 1, do artigo 674.º, do CPC, e ainda a ocorrência de nulidades, previstas nos artigos 615.º ex vi artigo 666.º do mesmo código, o que constitui também fundamento de recurso de Revista, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 674.º, do CPC; o presente Recurso de Revista tem ainda por fundamento a violação de lei substantiva, por erros de julgamento, fundamento previsto nos termos da alínea a), do n.º1 do artigo 674.º, do CPC.

- A violação da lei de processo verifica-se pelo incumprimento do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, por não ter o Tribunal da 2.ª Instância reapreciado os factos assentes e os meios de prova ao seu dispor, e por isso não ter alterado a matéria de facto quanto ao Facto provado 9, quanto ao Facto não provado 1, alterações que os factos tidos como provados e a prova indicada no Recurso de Apelação, impunham;

P) Decorre do vertido no Acórdão recorrido que o Tribunal da 2.ª Instância não realizou uma efetiva apreciação dos factos assentes nem da prova produzida, o que lhe competia fazer no uso dos poderes de reapreciação que lhe são próprios, e da sua livre apreciação da prova;

O Recorrente deu satisfação ao ónus previsto no artigo 640.º do CPC de impugnação da decisão da matéria de facto sobre os factos Facto provado 9 e Facto não provado 1, pelo que não podia o Venerando Tribunal da Relação não fazer uso efetivo dos seus poderes de reapreciação da prova especificada pelo Recorrente no Recurso, assim tendo sonegando a possibilidade de um duplo grau de apreciação da matéria de facto, limitando-se a expender breves conclusões de justificação para a não reapreciação das questões que lhe foram submetidas;

Sobre a requerida reapreciação do Facto provado 9, o Tribunal recorrido expressa que tendo este facto logrado prova pelos meios indicados pelo Tribunal da 1.ª Instância, o Recorrente não logrou colocar aquele Tribunal no estado de dúvida inicial com que se principiou a lide de molde a conseguir que o facto tivesse sido dado como não provado, decidindo manter este facto qua tale;

O Facto em causa foi enunciado oficiosamente pela Mma. Juíza do Tribunal de 1.ª Instância, não decorrendo da alegação de qualquer uma das partes;

O critério aplicado pelo Tribunal de 2.ª Instância sobre o ónus da prova é desadequado neste caso, dado que relativamente à realidade deste facto nunca o Tribunal de 1.ª Instância esteve colocado numa situação de dúvida inicial com que tenha principiado a lide;

A justificação para a decisão de manutenção do facto qua tale não isentava o Tribunal de 2.ª Instância do dever de reapreciação da prova, não sendo de aceitar que tão exígua resposta baseada naquele critério formal e numa breve (e imprecisa) nomeação da prova, cumpra o dever de reapreciação;

O Tribunal de 2.ª Instância fez um deficiente uso dos poderes sobre a matéria de facto no julgamento da Apelação, incumpriu os deveres de reapreciação que lhe competem nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC;

Deve, nesta parte ser ordenado ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que proceda à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto como lhe foi requerido no recurso de Apelação.

Na reapreciação da impugnação da decisão da matéria de facto sobre o Facto não provado 1, o Tribunal de 2.ª Instância, ao limitar a mesma a uma mera alusão a um dos aspetos em que se baseou a impugnação tecida pelo Recorrente, incumpriu os seus deveres de reapreciação, assim contrariando os deveres a que está obrigado por força do disposto no artigo 154.º, do CPC, com especial relevância no n.º 2, que veda ao Tribunal a simples adesão à fundamentação expendida pelo Tribunal a quo, dever que impõe o artigo 607.º, n.º 3, do CPC.

O Acórdão recorrido não revela a motivação própria do Tribunal da 2.ª Instância, nem indica quaisquer elementos da prova produzida em que fez assentar o decidido, e que foram objeto da sua livre apreciação;

No recurso de Apelação, o Recorrente deixou apresentou as seguintes conclusões: “RR) ; TT) ; UU); VV) e o Tribunal da 2.ª Instância não analisou na sua integralidade esta questão e não demonstrou recondução à prova especificada no recurso de Apelação, escudando-se numa abordagem sintética que fez assentar numa pretensa justificação da desnecessidade de maiores desenvolvimentos de motivação, o que equivale a uma recusa de apreciação;

Essa abordagem sintética parece estribar-se numa analogia entre a admissibilidade pela jurisprudência do uso de conceitos jurídicos enraizados nas expressões populares como factos relevantes, e o emprego do conceito de “consumidores relevantes” pelo Tribunal da Propriedade Intelectual na formulação do Facto não provado 1.

O caso dos autos não admite essa analogia, não estando a expressão/conceito jurídico “consumidores relevantes” enraizada na expressão popular, tratando-se de um conceito indeterminado do direito de marcas da União Europeia, que a jurisprudência já estabilizou e que deve ser concretizado em presença das características de cada caso.

A falta de enraizamento dessa expressão na linguagem comum é evidente na fundamentação da decisão sobre este facto, da qual ressalta que o Tribunal da 1.ª Instância se desviou na concretização do respetivo critério formal que aquele conceito implica, ao ter desconsiderado as características do caso concreto, desvalorizando os bancários enquanto consumidores relevantes, quando, a factualidade provada atesta serem estes os destinatários dos serviços de assistência médico-sociais dos sindicatos dos bancários.

A complacência do Tribunal da 2.ª Instância e a falta de rigor na formulação do Facto não provado 1, aliada à rejeição liminar do reconhecimento do seu efeito inquinador do decidido, revelam um ilegal eximir da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto;

A apreciação requisitava por parte do Tribunal da 2.ª Instância, a averiguação da necessidade de uma definição/concretização à vista das características do caso, de qual o universo dos consumidores a relevar para efeito da apreciação da matéria de facto em causa;

Essa averiguação não era dispensável na apreciação da realidade do facto em causa, uma vez que a definição do universo dos consumidores relevantes é um pressuposto de Direito que tem de ser previamente concretizado para se poder aferir da perceção ou reconhecimento pelos sujeitos pertinentes, de um sinal como marca de uma determinada entidade;

A indulgência sobre a falta de fixação/ concretização deste pressuposto, afasta-se da Lei (artigo 223.º CPI’2003) e da jurisprudência da União Europeia que toma por axiomático que “O carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, por referência aos produtos ou aos serviços para os quais é solicitado o registo do sinal [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, Harbinger/IHMI (TRUSTEDLINK), T-345/99, Colect., p. II- 3525, n.° 32] e, por outro, em relação à percepção de um público-alvo, constituído pelo consumidor desses produtos ou serviços.” como se lê nos Acórdãos do Tribunal Geral de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL), T-34/00, Rec. pág. II683, ponto 38, e UniversalPHOLED ( ECLI:EU:T:2002:41, e ECLI:EU:T:2012:210;

O entendimento que o Tribunal a quo teve relativamente à falta de fixação/concretização do universo de consumidores relevantes in casu (público alvo), enquanto pressuposto para toda a apreciação da causa, afetou transversalmente o decidido, na medida em que a apreciação que recaiu sobre a questão da notoriedade da marca de facto SAMS/QUADROS do Recorrente, também ficou inquinada – pela falta de consideração de um pressuposto essencial na aferição da notoriedade de uma marca no mercado. Falha que contende com os ensinamentos da doutrina em matéria de marcas, nomeadamente os ensinamentos de Luís M. Couto Gonçalves, ínsitos na anotação ao artigo 241.º do CPI, e com os critérios para determinação de notoriedade de marcas vertidos na Recomendação Conjunta da Assembleia da União de Paris e a OMPI.

A indulgência, no Acórdão Recorrido, na consideração de que “a expressão não será melhor” não sana a desconformidade à lei da navegação errante na identificação dos sujeitos que se divisa na Sentença recorrida, ao ser feita referência indiferenciada a vários grupos de sujeitos, a saber “bancários”, “público relevante”, “destinatário comum”, e “prestadores de serviços”, agravada pela insólita sobrevalorização destes últimos na fundamentação do decidido, com a evidente preterição da relevância dos “bancários” nesse julgamento;

Essa sobrevalorização é insólita e não encontra respaldo na matéria de facto provada, como as segundo as máximas de experiência “os bancários” são inexoravelmente os naturais “destinatários comuns”, maxime os “consumidores relevantes” dos serviços pertinentes nesta causa;

O entendimento no Acórdão recorrido de que a não concretização do conceito de “consumidores relevantes” na fundamentação da decisão deste facto, não foi relevante para a determinação do sentido do decidido – nas palavras do Acórdão “(…) o conceito jurídico ali utilizado, não serviu para determinar o sentido da decisão, sendo, nessa vertente, irrelevante. E, assim sendo – irrelevante – , nada foi inquinado pelo seu uso, mantendo-se o facto qua tale.” demonstra que ao Acórdão recorrido não subjaz uma efetiva reapreciação da matéria de facto em face da impugnação e dos meios de prova indicados na Apelação sobre o Facto não provado 1;

Os termos em que se mostra lavrado o decidido redundam numa recusa em cumprir as funções típicas do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, o que constitui violação de normas de direito adjetivo relacionadas com a apreciação da impugnação da matéria de facto;

Por ter o Tribunal recorrido feito um uso deficiente dos poderes sobre a matéria de facto no julgamento da Apelação, tendo desse modo incumprido os deveres que lhe competem nos termos do disposto no artigo 662.º do CPC, deve ser ordenado ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que o mesmo proceda à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto nessa parte, como lhe foi requerido no recurso de Apelação;

Sobre a questão da alteração da matéria de facto no Acórdão recorrido afirma-se no Acórdão Recorrido que “Já no que tange à alteração da matéria de facto cumpre dizer que os factos dados como provados e não provados na sentença que agora apreciamos são exactamente os mesmos que estavam presentes na anterior sentença que foi anulada com base na sua falta de fundamentação e não em qualquer vício da matéria de facto. Na verdade, na anterior decisão foi apreciada a matéria de factos e os seus eventuais vícios de molde definitivo e não existindo alteração dos mesmos (como não podia haver pois conhecidos os factos foi determinado não os alterar) o que então se escreveu fez caso julgado.”

É correto que os factos dados como provados e não provados na Sentença recorrida são exatamente os mesmos que estavam presentes na anterior Sentença, mas o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, na anterior decisão, o Acórdão de 30 de Julho de 2021, não chegou a conhecer dos vícios apontados à decisão sobre a matéria de facto pelo Recorrente no recurso que havia interposto daquela Sentença anterior, porquanto, nessa decisão anterior, o Venerando Tribunal entendeu que a Sentença então recorrida apresentava fundamentação “fraca, incapaz de fazer com que o destinatário da decisão compreenda o porquê do decidido.”, aí se afirmando que “Da fundamentação não se compreende porque é que se deu como assente determinados factos e outros não. Pode-se até ir mais longe e dizer que se se dá como provado tudo com base nos depoimentos das testemunhas não se alcança como se pôde dar algo como não provado. E o que se diz é válido para todos os pontos de facto assentes e não assentes e, porque assim é, este Tribunal não consegue reapreciar a matéria de facto.”.

Em face do teor do decidido naquele anterior Acórdão, não se encontra no mesmo correspondência com o que agora é afirmado no Acórdão Recorrido de que já haviam sido conhecidos e apreciados “a matéria de factos e os seus eventuais vícios de molde definitivo e não existindo alteração dos mesmos (como não podia haver pois conhecidos os factos foi determinado não os alterar) o que então se escreveu fez caso julgado.”;

Na anterior decisão o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu nem apreciou a matéria de facto e os vícios alegados pelo Recorrente nas alegações do respetivo recurso;

Não é possível descortinar, nem alcançar, nos Autos a realidade processual afirmada, que se mostra incoerente com a reapreciação da matéria de facto que subsequentemente é empreendida no Acórdão recorrido;

Não se compreende, nem se atinge, o sentido da afirmação que é feita de “caso julgado”, obscuridade que torna o decidido ininteligível, o que é causa de nulidade do Acórdão recorrido, e se deixa arguida nos termos do artigo 615.º, n.º1 , alínea c) ex vi artigo 666.º, ambos do CPC;

Na Apelação formulada, o Recorrente impugnou também a decisão da Sentença recorrida sobre o Facto não provado 1, conforme conclusões da Apelação TT a VV, transcritas na conclusão Z) deste recurso de revista ;

O Acórdão recorrido, não contém qualquer referência, ou sequer alusão, ao conhecimento e à apreciação sobre essa impugnação da decisão da matéria de facto, o que consubstancia omissão de pronúncia em sede da 2.ª Instância;

Essa impugnação respeitava a matéria de facto essencial, assim reconhecida pelo próprio Venerando Tribunal, no Acórdão de 30 Julho de 2021 prolatado nos Autos, no qual, referindo-se a todos os factos – “E o que se diz é válido para todos os pontos de facto assentes e não assentes e, porque assim, é este Tribunal não consegue reapreciar a matéria de facto. ” (sublinhado na origem) – determinou, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPC, a baixa dos Autos à 1.ª Instância para que o Tribunal produzisse nova decisão onde fundamentasse de facto a decisão tomada da matéria de facto quanto a todos os factos.

Outrossim, não havia fundamento para essa omissão, ou recusa, da apreciação da impugnação, uma vez que o ónus primário e fundamental de identificação do concreto ponto de facto impugnado, de proposta de decisão alternativa, e dos concretos meios de prova que impõem tal alternativa, foi cumprido pelo Recorrente;

O ónus secundário da indicação das passagens da prova gravada e da prova documental pertinente, foi cumprido, tanto nas conclusões delimitadoras do objeto do recurso, como na motivação expressa no corpo das alegações, tudo conforme o disposto no artigo 640.º, do CPC;

Quanto às passagens da prova testemunhal, o Apelante salientou várias partes mais relevantes dos depoimentos, não se tendo limitado a indicar extratos de simples declarações das testemunhas, ou mesmo do depoimento de parte do Réu, tendo as passagens identificadas e transcritas correspondência com o sentido global do depoimento produzido para permitir a consolidação de uma determinada convicção acerca da matéria controvertida;

Quanto a esta questão, não tendo o Tribunal de 2.ª Instância expressado solução para mesma, ocorre omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, alínea d) e 674.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC e inerentemente, não ficou assegurado o direito ao duplo grau de jurisdição decorrente do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

Sendo julgada procedente, como se espera, a impugnação da decisão sobre o facto não provado 1, que consiste na questão objeto da omissão de pronúncia, tal implicará necessariamente a modificação da (aparente) dupla conformidade:

Deve o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa suprir essa nulidade nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do CPC, ou, se for caso disso ser-lhe ordenado que o faça nos termos do n.º 5 desse mesmo dispositivo legal;

No recurso de Apelação, o Recorrente impugnou a Sentença recorrida por diversos erros de julgamento na decisão sobre o pedido de invalidade dos registos das marcas anulandas com base nos artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPI’2003, com fundamento em confundibilidade das marcas anulandas com a sua firma/ denominação social, tendo expressamente arguido existir uma obscuridade na fundamentação de direito;

A impugnação consubstanciou-se nas seguintes conclusões expressas no recurso de Apelação: “RRR) SSS) TTT) UUU) VVV) XXX) YYY) ZZZ) AAAA) e o acórdão recorrido é silente quanto à apreciação destes apontados erros decisórios, que não podia deixar de ter conhecido e apreciado, dado tratar-se de questão essencial dos pedidos da Ação;

Aquela impugnação incidia sobre decisão a respeito de relevante fundamento da Ação, como reconhecido no Acórdão de 30 de Junho de 2020 nos presentes Autos, que julgou nula, por omissões de pronúncia, a Sentença de 4 de Janeiro de 2020, precisamente com os fundamentos de que “O Tribunal a quo não se pronuncia sobre se existe uma marca notória e se esta, existindo, obsta aos registos, não se pronuncia sobre se existe a reprodução ou imitação de denominação social, ou apenas parte característica dos mesmos, que não pertençam ao requerente, ou que o mesmo não esteja autorizado a usar, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, não conhece dos pressupostos de tal pedido de anulação e, outrossim, não aquilata do interesse legítimo do apelado em registar as marcas sendo que nesta parte a apelante refere expressamente que este interesse não existe e, por fim, a sentença é omissa quanto à má-fé no registo.

Nos termos do disposto no artº 615º nº 1 al. d) do C.P.C. “É nula a sentença quando: (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” Foi o que aconteceu nestes autos. Poder-se-ia ainda esgrimir, em favor de uma decisão nesta Instância, com o denominado “dever de substituição” a que se reporta o artº 665º do C.P.C.. No entanto, o preceito não tem aplicação no caso vertente já que o Tribunal a quo não deixou de conhecer questões por as haver considerado prejudicadas por via da decisão que proferiu. O Tribunal a quo, pura e simplesmente, não apreciou questões que lhe foram colocadas. Não resta, pois, outra alternativa que não anular a decisão.”;

Por se tratar de questão essencial e por coerência com o anteriormente decidido nos Autos, não podia o Tribunal de 2.ª Instância deixar de conhecer e apreciar essas questões suscitadas no Recurso de Apelação;

Ao assim ter feito, o Acórdão recorrido incorre em violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, padecendo em consequência de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), nulidade nesta sede sindicável, por força dos artigos 666.º e 674.º, n.º1, alínea d), todos do CPC.

Em conexão com a arguição daquele erro de julgamento o Recorrente arguiu erro de julgamento consistente na consideração na fundamentação de Direito da Sentença de facto inexistente na matéria de facto apurada – ambas as partes partilharem a firma SAMS;

O Acórdão recorrido não teceu qualquer pronúncia sobre a apreciação deste erro decisório, o que não podia deixar de ser conhecido e apreciado, dado tratar-se de erro relevante que conduziu decisivamente a um infundado julgamento de Direito, inquinando o decidido.

Perante esta omissão de pronúncia, o Acórdão recorrido incorre em violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, padecendo da nulidade prevista no 615.º, n.º 1, alínea d), nulidade nesta sede sindicável, por força dos artigos 666.º e 674.º, n.º1, alínea d), todos do CPC.

No recurso de Apelação, o Recorrente impugnou a Sentença recorrida por erro de julgamento na decisão sobre o pedido de invalidade dos registos das marcas anulandas com base nos artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPI’2003, com fundamento nos registos daquelas marcas concretizarem uma atuação de concorrência desleal do Réu.

Essa impugnação consubstanciou-se nas seguintes conclusões expressas no Recurso de Apelação: BBBB) CCCC) DDDD) EEEE) FFFF) GGGG) HHHH) e o acórdão recorrido é silente sobre elas sendo esse silêncio revelador da omissão da apreciação e da pronúncia sobre esta impugnação da Sentença recorrida, sendo tanto mais censurável quando esta impugnação pressupunha ademais a alteração da matéria de facto quanto à redação/configuração do Facto provado 11, o que foi determinado no Acórdão recorrido.

Perante tal omissão de pronúncia, o Acórdão recorrido incorre em violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, padecendo da nulidade prevista no 615.º, n.º 1, alínea d), nulidade nesta sede sindicável, por força dos artigos 666.º e 674.º, n.º1, alínea d), todos do CPC;

No Acórdão Recorrido foi admitida, por justificada, a impugnação da decisão da matéria de facto sobre o Facto provado 10, e foi ordenada a alteração da respetiva redação;

Como fundamentação desta decisão lê-se no Acórdão Recorrido que “O recorrente sustenta ainda a incoerência entre o facto 10 e 13 e, de facto, lidos os mesmos e analisados os documentos 7 e 35 juntos com a p.i. concluímos que a referência no ponto 10 tem de ser aos serviços SAMS do réu e não os “SAMS” em geral”, assim tendo o Venerando Tribunal ordenado a alteração do facto em conformidade, para passar o mesmo a identificar a origem/proveniência dos serviços SAMS como sendo os do Réu, assim esclarecendo não se referir o Facto provado 10 aos “SAMS em geral”;

A redação do Facto Provado 10 na versão alterada passou a consistir em: “Os referidos serviços de saúde SAMS do Réu são reconhecidos no seio dos bancários e da população em geral como prestador de um serviço de qualidade, diferenciado, um sub-sistema de saúde dos bancários, ao qual o público em geral pode aceder a título privado”;

À alteração ao Facto provado 10 no sentido da substituição da menção abstrata/irrestrita aos “SAMS” pela menção de “SAMS do Réu”, prescreveu o Tribunal da 2.ª Instância o propósito de esclarecer não se tratar de referência aos “SAMS em geral”, mas sim de referência particularizada aos “SAMS do Réu”;

Tendo o Tribunal de 2.ª Instância reconhecido a necessidade de ser feita a alteração ao Facto provado 10 para compatibilização com a matéria factual do Facto provado 13, impunha-se a conclusão, por maioria de razão, em resultado da subsunção normativa de tais factos, que a sigla SAMS não tem carater distintivo para assinalar os serviços de assistência médico-sociais em causa;

Subsumida a matéria do Facto provado 10 (reconfigurado) em conjugação com o Facto provado 13, ao disposto no artigo 223.º do CPI’2003, resulta que à luz deste dispositivo, a sigla SAMS não é um sinal, de per se, apto a distinguir a oferta individualizada de cada um dos operadores (Sindicatos) no tráfego dos serviços de assistência médico-sociais dos bancários;

A esse resultado já se chegava a partir da matéria do Facto provado 13, que consiste em que “Em linguagem corrente é usual entre bancários referirem-se aos diferentes “SAMS” por referência aos respetivos Sindicatos”, do se deveria inferir, necessariamente, que a sigla SAMS, por si só, não identifica, não individualiza, não distingue os serviços de assistência médico-social de um específico operador deste setor, dos Sindicatos dos bancários, requisitando a individualização/ distinção o aditamento da referência própria por que cada um se identifica, como seja o que sucede com a marca de facto SAMS/QUADROS por que o Recorrente individualiza os seus SAMS (v. Facto provado 11 (na versão alterada) e Facto provado 12);

Esta inferência está em linha com o que afirma a jurisprudência da União Europeia, tendo sempre por fundo a Diretiva 89/104/CEE, de 21/12/1998, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas, que então modelava o regime jurídico do CPI’2003, aplicável in casu, de que é exemplo o Acórdão do Tribunal Geral, de 20/07/2004, T- 311/02, ECLI:EU:T:2004:245, que no parágrafo 47 refere “A este respeito, basta recordar que um pedido de registo de um sinal nominativo deve ser recusado, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, se pelo menos um dos seus significados potenciais designar uma característica dos produtos ou serviços em causa (acórdão IHMI/Wrigley, já referido, n.° 32; despacho Telefon & Buch/IHMI, já referido, n.os 28 e 37; acórdãos STREAMSERVE, já referido, n.° 42, e CARCARD, já referido, n.° 30). Ora, resulta das considerações que precedem que um dos significados potenciais do sinal LIMO é «Laser Intensity Modulation» e que o público relevante está perfeitamente em condições de compreender este sinal com este significado.”;

Fica exposto, com nitidez, o erro de julgamento (error juris) que se condensa no entendimento do Tribunal recorrido de que ““SAMS”, por seu turno, não é imediatamente perceptível como sendo a abreviatura de Serviços de Assistência Médico-Social.” e de que “SAMS não se traduz assim numa designação genérica e descritiva da actividade e finalidade pelo que não é possível considerar que a expressão constitua uma denominação de tal forma genérica, de uso comum, que, por isso, não mereça protecção enquanto marca – o que redundaria, então, na absoluta inutilidade do respectivo registo.”;

A função distintiva da marca, plasmada na norma do artigo 222.º, do CPI’ 2003, requisita a capacidade distintiva do respetivo sinal, resultando, do disposto no artigo 223.º, do CPI’ 2003, que não são passiveis de registo e de exclusivo os sinais destituídos dessa capacidade, também não sendo apropriáveis os elementos não distintivos que entrem na composição de uma marca.

A conclusão expendida que “SAMS”, por seu turno, não é imediatamente perceptível como sendo a abreviatura de Serviços de Assistência Médico-Social.” que o Tribunal a quo formulou como premissa do seu julgamento, contraria a matéria de facto provada, e mostra-se desprovida de juridicidade;

Relevam, a este respeito, os doutos Pareceres, juntos aos Autos, dos Mui Doutos Professores Doutores, Luís Menezes Leitão e João Paulo Remédio Marques;

Existindo erro de julgamento sobre a valia distintiva da sigla SAMS, que era um dado prévio na apreciação da imitação da marca de facto SAMS/QUADROS e da Denominação Social do Autor/Recorrente, pelas marcas anulandas que Réu fez registar ficou tal apreciação irrefutavelmente inquinada, o que condicionou a legalidade da decisão proferida no Acórdão recorrido;

Sem prejuízo das apontadas nulidades apontadas ao Acórdão Recorrido, constitui erro de julgamento o efeito preclusivo que se possa extrair do decidido sobre a questão da incapacidade distintiva da sigla SAMS, por violação da norma do artigo 223.º, do CPI’2003 e sua teleologia no conhecimento das demais questões do Recurso de Apelação, nomeadamente as questões que se prendiam com os fundamentos de anulação dos registos das marcas anulandas do Réu, por imitação da denominação social do Recorrente e por concorrência desleal relativamente ao uso distintivo da marca SAMS/QUADROS pelo Recorrente na oferta dos seus serviços aos bancários;

Decorria da correta subsunção jurídica do facto provado 13 ao Direito, e decorre, do Facto provado 10 (na versão alterada), que as marcas anulandas do Réu, sendo caracterizadas por sinais que conjugam a sigla SAMS com as designações QUADROS, TÉCNICOS e BANCÁRIOS, apresentam uma configuração unitária/ global de referenciação e distinção semelhante à configuração de identificação e distinção da denominação social do Recorrente, sendo que, por efeito dessa semelhança, são sinais hábeis a suscitar a indução dos consumidores relevantes em erro ou confusão, incluindo confusão por associação;

Essa semelhança é juridicamente relevante, ou constitutiva de imitação da denominação social do Recorrente pelas marcas anulandas, nos termos do fundamento normativo invocado na ação disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º2, alínea a), ambos do CPI’2003.

Ao não ter dado provimento à impugnação da Sentença quanto ao decidido a respeito da imitação da denominação social do Recorrente pelas marcas anulandas, o Acórdão recorrido viola o disposto os artigos 266.º, n.º 1 e 239.º, n.º2, alínea a), ambos do CPI’2003;

No contexto de o Recorrido ser um sindicato do sector bancário e que resultando do confronto das marcas anulandas com a marca SAMS/QUADROS adotada e usada pelo Recorrente desde 1993 (Factos provados 11, 12 e 13), e com a sua denominação social – Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, ressalta existir identidade e semelhança de caracterização entre aquelas marcas anulandas e estes sinais distintivos por que se referencia o Recorrente e os seus serviços, por força dessa identidade e semelhança, são aquelas marcas anulandas hábeis a suscitar o risco de ocorrência de situações de erro ou confusão na referenciação da sua origem, quanto ao sindicato do Recorrente.

À luz do disposto no artigo 317.º do CPI’2003, a existência de risco de erro ou confusão relativamente a uma correta identificação das marcas anulandas por referência à marca SAMS/QUADROS e ao Recorrente, qualifica aquelas marcas como instrumentos de concorrência desleal, incorrendo os respetivos registos no fundamento de anulação previsto nos artigos 239.º, n.º 1 alínea e) e 266.º, do CPI’ 2003.

A aferição da existência do risco de erro ou confusão para efeito da tutela da concorrência desleal só está dependente do apuramento prévio da existência de identidade ou semelhança dos sinais, considerados no seu todo, e não da apreciação da eventual ausência de carater distintivo de algum/alguns dos seus elementos componentes. A apreciação da questão da ausência de caracter distintivo da sigla SAMS nunca teria precedência preclusiva relativamente à apreciação deste fundamento de anulação das marcas anulandas do Recorrido.

Ao não conhecer desta questão, por presumível preclusão do seu conhecimento na sequência do julgado, o Acórdão recorrido padece de erro de julgamento.

Ao não ter dado provimento à impugnação da Sentença em face da existência de identidade (SAMS QUADROS – SAMS/QUADROS) e semelhança que obviamente existe entre as demais marcas anulandas e a marca SAMS/QUADROS e a Denominação Social do Recorrente, e o inerente risco de erro ou confusão, o Acórdão recorrido violou o disposto nas normas do artigo 266.º, n.º 1, alínea a) conjugado com o artigo 239.º, n.º 1 alínea e) e nº 2 alínea a), todos do CPI’2003.

Os erros e desconformidades legais apontados de que padece o Acórdão recorrido, geraram a contaminação do decidido de forma integrada, ou conjuntamente, sobre as questões subsequentes relativas à tutela da notoriedade da marca SAMS/QUADROS do Recorrente, e à questão da má-fé do Recorrido no ato de registo das marcas anulandas.

O enunciado sobre estas questões ficou condensado do seguinte modo no Acórdão recorrido: “O recorrente contende ainda que o recorrido agiu de má-fé ao registar as marcas pois que o move uma consciência eticamente não benigna à vista dos princípios da sã conduta e dos padrões dos usos honestos em matéria comercial, o que é má-fé. Sustenta ainda que a sua marca é notoriamente conhecida no âmbito dos serviços de assistência médico-social do sector bancário pelo público e consumidores relevantes in casu, tendo o Réu/Apelado perfeito conhecimento da identificação do Apelante operada pela marca SAMS/QUADROS, coexistindo reconhecidamente em concorrência de oferta com tal marca há mais de 24 anos, não resulta da prova nos autos, nem ocorre, necessidade que pudesse legitimar o registo das marcas anulandas na esfera jurídica do Réu, contrariando, por isso, tais registos o disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea e) por referência ao artigo 225.º, do CPI 2003.”, resumindo-se a pronúncia sobre o julgamento de todas essas questões ao seguinte: “No que tange a esta questão teremos de dizer que para que se possa afirmar a má-fé seria necessário que a mesma resultasse dos factos dados como assentes, o que não é seguramente o caso. Nada nos factos nos autoriza a considerar que o recorrido agiu da forma que o recorrente descreve. Aliás, se algo resulta dos factos é, como o recorrido sustenta, que o recorrente deixou sem registo tempestivo as marcas em causa.”;

Nenhuma das questões apreciadas o foi com a ponderação que as mesmas demandavam, seja no plano fático, seja no plano da subsunção normativa.

A respeito da notoriedade da marca SAMS/QUADROS do Recorrente, o Acórdão recorrido apenas enuncia a questão, cuja apreciação, se presume ter ficado precludida pela irrelevância atribuída à necessidade de concretização do público relevante – o que se mostra manifestamente desviado dos critérios de apreciação da figura jurídica da marca notoriamente conhecida, há muito propostos pela intervenção orientadora da OMPI e da União de Paris, dos quais o douto Tribunal Recorrido se afastou.

Inquinada que ficou a reapreciação da invocada tutela para a marca SAMS/QUADROS a título de marca notoriamente conhecida, ocorreu também quanto a esta questão erro de julgamento.

Ao não determinar a anulação dos registos das marcas anulandas do Sindicato Recorrido, o julgamento realizado pelo Tribunal a quo falhou na apreciação correspetiva e violou o disposto nos artigos 266.º n.º 1 e 241.º, ambos do CPI’2003.

Não pode aceitar-se o decidido no julgamento a respeito da questão da má-fé do Recorrido nos pedidos de registo das marcas anulandas, por ser esse julgamento desconforme ao Direito, especificamente à teleologia da previsão desta figura no regime jurídico das marcas.

No Acórdão recorrido, diferentemente do enquadramento levado a cabo pelo Tribunal da 1.ª Instância que julgou a matéria factual apurada subsumindo-a para efeitos da aplicação da tutela da concorrência desleal, a apreciação desenvolvida pelo Tribunal Recorrido refere-se à subsunção da matéria de facto para integração do fundamento de anulação assente na má fé dos registos sem que tenha especificado o suporte normativo à luz do qual procede a essa subsunção, o que faz supor que o terá feito numa ótica atualista, tendo por regime de fundo o vertido no Código da Propriedade Industrial atualmente vigente, o Decreto Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro. Apesar de se poder entender, numa certa ótica, que as figuras se tocam, o que se aceita para o regime jurídico decorrente do CPI’2003, afigura-se que essa coincidência não é tão imediata no CPI atualmente vigente;

A decisão do Tribunal de 1.ª Instância, teve em perspetiva a valoração da conformidade da atuação do Réu relativamente aos padrões da leal concorrência (relevando naquele regime o risco de concorrência desleal objetiva/ não intencional), enquanto a perspetiva decisória do Tribunal de 2.ª Instância, ao reconduzir-se à má-fé considera os pressupostos subjetivos mais exigentes nesta figura/ critério;

O Tribunal de 2.ª Instância procedeu a uma integração e qualificação jurídica dos factos apurados, diversas das constantes na Sentença da 1.ª Instância, existindo, consequentemente, diversidade essencial entre a fundamentação do Acórdão recorrido e da Sentença apelada;

O julgamento do Acórdão Recorrido na perspetiva do fundamento de anulação de registo de marca por má-fé, está ferido por erros de julgamento;

Não estando o conceito de má-fé legalmente definido, o mesmo tem que ser integrado à vista do regime jurídico especificamente aplicável ao caso;

In casu o regime jurídico aplicável é o que resultava do CPI’2003, o qual é travejado pelo princípio da boa-fé registal, e à sula luz a conduta que contrarie os padrões de honestidade e as práticas de lealdade comercial, é contraria à boa-fé, consubstanciando uma atuação que grava o registo de má-fé;

Numa perspetiva da valoração da deslealdade da atuação entre concorrentes, abstraindo do objetivo visado com a conduta, era a mesma subsumível ao fundamento de anulação do registo a título da tutela por concorrência desleal, do CPI’ 2003.

É indubitável que, diferentemente da perspetiva adotada no Acórdão Recorrido, a matéria de facto provada comporta dados suficientes dos quais se infere que a conduta registal do Réu foi desconforme à boa-fé, ou seja os registos que efetuou estão gravados de má fé.

Numa primeira linha de subsunção jurídica, infere-se dos dados da matéria de facto que o Recorrido sabia e conhecia que o Recorrente vinha utilizando, há mais de 24 anos a marca de facto SAMS/QUADROS para referenciação da sua oferta de serviços de assistência médico-sociais aos bancários, existindo o conhecimento por parte do Recorrido sobre o uso efetivo e continuado da marca de facto SAMS/QUADROS pelo Recorrente;

Em tais circunstâncias, não podia o Recorrido ter um propósito de distinção eficiente com as marcas anulandas que, por serem semelhantes à marca SAMS/QUADROS já usada pelo Recorrente, necessariamente seriam invasivas da esfera de distinção desta última;

O propósito para o registo das marcas anulandas, não podia, à vista das finalidades jurídicas estabelecidas no regime, ser um propósito legítimo e conforme à boa-fé.

Apreciado o conjunto das marcas anulandas que o Recorrido fez registar e atentando na respetiva caracterização à vista da composição da Denominação Social do Recorrente Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, inferir-se-ia também que tais marcas invadem igualmente a esfera de distinção do Recorrente pela sua denominação social a respeito da sua oferta de serviços de assistência médico-sociais aos bancários.

Perspetivando-se fatalmente a ocorrência de ineficiência distintiva, não se vislumbra qualquer necessidade ou lógica comercial do Recorrido que estivesse na base ou que justificasse o registo de todo aquele acervo de marcas.

Estes eram os parâmetros inarredáveis da análise que a subsunção jurídica do caso ao fundamento invocado para a anulação dos registos daquelas marcas (artigo 266.º, com referência ao artigo 239.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPI’2003) , implicava considerar.

Da pronúncia vertida no Acórdão recorrido sobre a apreciação da impugnação da subsunção jurídica vertida na Sentença recorrida, não transparece sequer vestígio de que tais parâmetros de valoração da má-fé registal do Recorrido tenham sido considerados nessa apreciação pelo Tribunal de 2.ª Instância, o que constitui falha ou erro de julgamento.

Não se aceita como juridicamente correto o fundamento final para a improcedência do Recurso de Apelação, expresso em jeito de remate decisório, de que “(…) se algo resulta dos factos é, como o recorrido sustenta, que o recorrente deixou sem registo tempestivo as marcas em causa”, o qual, além de retórico, é descabido, por acolher a grosseira justificação arremessada pelo Recorrido, para legitimar a sua má-fé, ao fazer registar para si, a marca de facto SAMS/QUADROS do Recorrente e as demais marcas anulandas, e ainda para mais fazendo assentar essa justificação num pretenso ónus de registo tempestivo por parte do Recorrente.

O Recorrido, por certo, desconhecerá que o decidido no Acórdão, de 7 de Novembro de 2013, do Tribunal da Relação do Porto, 3.ª Secção (Processo 3607/10.4TJVNF.P2), mas o Tribunal Recorrido não deveria ter ignorado “(…) Para efeitos dos arts. 214/6 do CPI de 1995 e 266/4 do CPI de 2003 não está de má-fé só aquele que regista em seu nome, com conhecimento, uma marca já registada por outrem, mas também aquele que regista em seu nome, em concorrência desleal, uma marca com conhecimento do uso preexistente por outrem, mesmo que a marca não esteja registada a favor deste último (marca de facto).”

A atribuição de tutela a título de marca notoriamente conhecida, e por concorrência desleal (a tutela da marca de facto), e má-fé registal, precisamente não está dependente da existência de um registo tempestivo, que assim não pode ser exigido, encerrando o segmento da fundamentação do Acórdão recorrido nessa passagem um erro grosseiro de interpretação e aplicação do Direito, ao não aplicar o disposto nos artigos 241.º e 239.º, n.º 1 alínea e), do CPI’2003.

É errado o enquadramento jurídico da matéria levada a cabo pelo Tribunal a quo, sendo também consequentemente errada a determinação pelo Tribunal Recorrido da improcedência do recurso de Apelação.

Ao declarar improcedente o Recurso de Apelação, o Acórdão em crise violou o disposto nas normas dos artigos 223.º, n.º 1, alínea a) 266.º, n.ºs 1, conjugado com os artigos 241.º e 239.º, n.º 1, alínea e) e n.º2, alínea a) e ainda com o artigo 238.º, n.º 1, alínea e) por referência ao artigo 225.º, todos do CPI’2003, devendo, em consequência, ser revogado e considerados procedentes todos os pedidos formulados pelo Recorrente no presente Recurso de Revista.

O Acórdão recorrido, por ser ilegal, deve ser revogado.

… …

E quanto ao recurso de revista excecional subsidiário conclui a recorrente:

“A) A Recorrente ficou vencida nos pedidos da ação que instaurou contra o Recorrido, tendo o Tribunal de 1.ª Instância dos mesmos absolvido o Réu, vencimento que foi confirmado pelo Acórdão Recorrido, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente;

B) O Acórdão Fundamento não pode considerar-se desatualizado uma vez que não se detetam outros Acórdãos posteriores, designadamente desse Supremo Tribunal de Justiça, que tenham estabilizado a resposta à questão suscitada num sentido diverso ao do Acórdão Fundamento, que fosse coincidente com o que foi dado no Acórdão recorrido;

C) A causa a que respeitava o Acórdão Fundamento foi igualmente julgada ao abrigo do regime do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março (CPI’2003), regime jurídico na versão em vigor à data da propositura da ação dos presentes Autos, aplicável na ação a que respeita o Acórdão Recorrido;

D) Pelo Acórdão recorrido o Tribunal de 2.ª Instância decidiu confirmar, sem voto de vencido, a Sentença do Tribunal de 1.ª Instância, de 9 de janeiro de 2022, que julgou improcedentes todos os pedidos da ação (…).

E) Na Sentença proferida, em 9 de Janeiro de 2022, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, o objeto da ação foi sintetizado em“(..) conhecer se a atuação do Réu de registo e uso das marcas impugnadas configura uma imitação da marca “SAMS/Quadro” detida de facto pelo Autor desde 1993, imitação de marca notória, imitação ou reprodução de firma, denominação social ou outro sinal distintivo, uma atuação de concorrência desleal, geradora de prejuízos, além de aquilatar do interesse legítimo do Réu registar as marcas”, mais relevando referir que o Autor, ora Recorrente invocou na fundamentação dos pedidos que formulou ao Tribunal, que a atuação do Réu/ Recorrido incursava em má fé”;

F) No Acórdão recorrido a matéria/questões a decidir consistiram em: “Considerando as questões colocadas no recurso, a necessidade de as colocar em ordem preclusiva de decisão são as seguintes as questões a conhecer:

i) A questão da nulidade da decisão recorrida por obscuridade quanto à decisão da matéria de facto provada que torna a decisão ininteligível;

ii) A nulidade de tal decisão por obscuridade quanto à decisão da matéria de facto não provada, que torna a decisão ininteligível; iii) A nulidade da decisão recorrida por obscuridade por referência a factos alheios aos autos, que torna a decisão ininteligível; iv) A questão da alteração da matéria de facto; v) A questão da incapacidade distintiva da sigla SAMS e a impossibilidade de a usar como elemento caracterizador e distintivo da marca;

vi) A correção da subsunção jurídica feita em especial na vertente de se apurar se o decidido está em linha com pedido formulado, incluindo a questão da notoriedade da marca.”;

G) A questão que importa aqui considerar prende-se com a subsunção jurídica relativa à questão decidenda sobre se os registos das marcas anulandas efetuados pelo Réu concretizam uma atuação contrária às normas e aos usos honestos da atividade económica do sector em questão, e enquanto tal uma atuação de má-fé (para efeitos do disposto no artigo 266.º, n.º 4 do CPI’2003);

H) No Sumário do Acórdão Fundamento sintetiza-se que “I - Se a marca possibilitava objetivamente a concorrência desleal e não obstante o registo foi concedido, o ato era anulável a requerimento do utilizador da marca de facto, já no domínio do CPI de 1995. II – Para efeitos dos arts. 214/6 do CPI de 1995 e 266/4 do CPI de 2003 não está de má-fé só aquele que regista em seu nome, com conhecimento, uma marca já registada por outrem, mas também aquele que regista em seu nome, em concorrência desleal, uma marca com conhecimento do uso preexistente por outrem, mesmo que a marca não esteja registada a favor deste último (marca de facto).”

Tal como sintetizado no douto Acórdão fundamento, quanto uma parte das questões a decidir “a autora assentava o seu pedido de anulação na má-fé do réu (art. 266/4 do CPI de 2003), invocando também a concorrência desleal (art. 239/1e) do CPI de 2003] e a falta do direito ao registo por o direito não pertencer ao réu (art. 34/1 do CPI de 2003).”;

I) A questão de direito a que respeita o presente Recurso de Revista Extraordinária, foi analisada pelo Tribunal da Relação do Porto, à luz do regime normativo vertido no CPI’2003.

J) Ambos os acórdãos incidiram sobre a subsunção jurídica de registos de marcas efetuados por um operador de mercado, idênticas ou semelhantes a uma marca de facto já anteriormente usada há muitos anos no mercado por outro operador, tendo aquele que registou ulteriormente tais marcas, conhecimento da pré-existência e do uso de tal marca de facto, e não tendo motivo justificativo para o fazer – situações por que se define a coincidência do núcleo essencial da situação de facto e a existência de um quadro fáctico semelhante em ambas as causas, versando os dois Acórdãos sobre a mesma a questão fundamental de direito.

K) Mediante a matéria de facto dada como provada, em particular os factos, 10. Os referidos serviços de saúde SAMS do Réu são reconhecidos no seio dos bancários e da população em geral com o prestador de um serviço de qualidade, diferenciado, um sub-sistema de saúde dos bancários, ao qual o público em geral pode aceder a título privado.;

11. Desde 1993, o Autor passou a adoptar a denominação SAMS/Quadros para assinalar os serviços de assistência médico - social prestados aos seus beneficiários – os trabalhadores quadros e técnicos bancários filiados no SNQTB, no activo ou na reforma, além dos elementos dos seus agregados familiares;

12. O Autor, sob a designação de SAMS/QUADROS, organiza eventos/eventos solidários, além de contemplar acordos com a Associação de Farmácias de Portugal, com o Hospital da Luz de Lisboa, Acordo da Misericórdia do Porto, Acordo com o Hospital dos Lusíadas, Acordo com o Centro Hospitalar de S. Francisco, Acordo com a Fundação Champalimaud, Acordo com a Universidade Lusíadas Norte, entre outras entidades;

13. Em linguagem corrente é usual entre bancários referirem-se aos diferentes “SAMS” por referência aos respetivos Sindicatos.”,

o Tribunal Recorrido, deu a seguinte resposta a respeito da questão da má-fé: “O recorrente contende ainda que o recorrido agiu de má-fé ao registar as marcas pois que o move uma consciência eticamente não benigna à vista dos princípios da sã conduta e dos padrões dos usos honestos em matéria comercial, o que é má-fé. Sustenta ainda que a sua marca é notoriamente conhecida no âmbito dos serviços de assistência médico-social do sector bancário pelo público e consumidores relevantes in casu, tendo o Réu/Apelado perfeito conhecimento da identificação do Apelante operada pela marca SAMS/QUADROS, coexistindo reconhecidamente em concorrência de oferta com tal marca há mais de 24 anos, não resulta da prova nos autos, nem ocorre, necessidade que pudesse legitimar o registo das marcas anulandas na esfera jurídica do Réu, contrariando, por isso, tais registos o disposto no artigo 238.º, n.º 1, alínea e) por referência ao artigo 225.º, do CPI 2003.

No que tange a esta questão teremos de dizer que para que se possa afirmar a má-fé seria necessário que a mesma resultasse dos factos dados como assentes, o que não é seguramente o caso. Nada nos factos nos autoriza a considerar que o recorrido agiu da forma que o recorrente descreve. Aliás, se algo resulta dos factos é, como o recorrido sustenta, que o recorrente deixou sem registo tempestivo as marcas em causa.” ;

L) O Tribunal de 2.ª Instância rejeitou a qualificação da atuação do Réu como de má-fé ao registar as marcas em causa nos Autos com o comprovado conhecimento da pré-existência da marca de facto SAMS/QUADROS do Recorrente, desconsiderando esse comprovado conhecimento por parte do Réu sobre a existência da marca de facto do Autor e a inexistência do enquadramento desses registos por uma necessidade atendível à luz de uma compreensível e razoável lógica comercial do Recorrido, à vista da ineficiência distintiva, do erro e confusão, que necessariamente decorreria do uso de tais marcas em coexistência.

M) A resposta do Tribunal de 2.ª Instância alberga uma putativa exigência que é estranha aos parâmetros de valoração da má-fé, à vista das circunstâncias do caso concreto em julgamento naquele recurso de Apelação;

N) Decorre do regime jurídico expresso no CPI’2003, que o registo de marca é, em regra, facultativo (artigo 225.º).;

O) À luz deste quadro jurídico aplicável, a valoração da má-fé nunca poderia depender do registo prévio da marca de facto em causa, de quem reclama de uma atuação gravada por essa disfuncionalidade;

P) É errado o juízo expresso no Acórdão Recorrido “ Aliás, se algo resulta dos factos é, como o recorrido sustenta, que o recorrente deixou sem registo tempestivo as marcas em causa.”, por superar a atuação registal de má-fé do Recorrido, na base da inversão da censura, redirecionando-a ao Recorrente, apontando-lhe falha por este não ter procedido ao registo tempestivo da marca que, de boa-fé, vinha usando de facto;

Q) Na base de uma visão distorcida e de uma interpretação excessivamente formalista e restritiva do regime aplicável, que não é apanágio do mesmo, castiga-se, infundadamente, a atuação de boa-fé do Recorrente, e premeia-se a atuação de má-fé do Recorrido;

R) Tal interpretação também redunda em deixar sem qualquer tutela aquele que usa de boa-fé marca de facto, na base de um inexistente dever de diligência consubstanciado no registo prévio obrigatório dessa marca de facto que o regime não impõe para o acionamento da censura de uma atuação, por estar eivada de má-fé.

S) Conclui-se no Acórdão fundamento: “Mas toda esta evolução veio também confirmar aquilo que decorre da posição de Oliveira Ascensão quanto à extensão do conceito de má-fé: não está de má-fé só aquele que regista em seu nome, com conhecimento, uma marca já registada por outrem, mas também aquele que regista em seu nome uma marca com conhecimento do uso preexistente por outrem mesmo que a marca não esteja registada a favor deste último. O que aliás corresponde ao senso comum: de má-fé é o qualificativo que sempre será usado em relação à atuação, no âmbito de uma concorrência desleal, daquele que regista como sua uma marca que sabe que é usada por outrem.”

T) O julgamento vertido no Acórdão fundamento recaiu sobre uma factualidade que se prendia com o registo de uma marca por um operador, a qual imitava uma marca de facto previamente adotada e usada por um concorrente, e já com relevante aceitação junto dos consumidores, de cujo uso tinha conhecimento aquele operador – cumprindo decidir nesse julgamento sobre se (questão decidenda) a atuação daquele operador estava gravada de má-fé à luz do regime jurídico de marcas então vigente.

U) Do que se expressa no Acórdão Fundamento, a resposta dada à questão decidenda foi a de, perante a qualificação da atuação do ali Réu como gravada de má-fé, não se deixar sem tutela a marca de facto que de boa-fé vinha sendo usada pelo ali Autor, sem que se tenha requisitado o cumprimento de um putativo dever de registo tempestivo (que assim seria obrigatório) da marca de facto em causa para o acionamento da censura legal da má fé.

V) Em clara divergência, ou contradição, com o decidido no Acórdão Fundamento, o decidido no Acórdão Recorrido, sobre contexto fático com idênticos contornos (conhecimento do Recorrido sobre o uso prévio da marca SAMS/QUADROS pelo Recorrente, inexistência por parte do Recorrido de propósito de distinção eficiente, e ausência de lógica comercial subjacente ao registo das marcas anulandas), à luz do mesmo direito aplicável, rejeita o acionamento da censura por má-fé do Recorrido, e em consequência não reconhece qualquer tutela da marca de facto ao Recorrente.

W) É cristalino que a divergência na abordagem da mesma questão fundamental de Direito, pelo Acórdão Recorrido com flagrantes desvios hermenêuticos da figura jurídica da má-fé, e consequente desvio e comprometimento na subsunção jurídica da matéria de facto apurada, suscitou a diversidade do resultado obtido num e noutro caso, existindo frontal diversidade ou contradição de julgados.

X) Tivesse a matéria facto dos presentes autos sido valorada como o foi a matéria factual dos autos a que respeita o Acórdão Fundamento, e seguramente o resultado sobre a mesma questão de direito teria sido diverso e consequentemente a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância teria sido revogada, determinando-se a procedência dos pedidos da ação.

Y) Resulta inequívoco que a apontada diversidade/contradição sobre a consideração da aplicação das normas de tutela sobre má-fé ocorre sobre a interpretação e aplicação da mesma questão fundamental de Direito, tendo tal diversidade/contradição sido essencial para determinar o resultado num e noutro acórdão, ocorrendo tal divergência na aplicação no âmbito do mesmo quadro normativo, i.e. a respeito do artigo 266.º, n.º 4 do CPI’2003.

Z) É escassa a jurisprudência nacional relativa a situações de acionamento da censura por má- fé, incidindo sobre uma atuação de registo de marca face à pré-existência do uso de marca de facto por terceiro, não se detetando uma orientação geral que pudesse suportar a consideração jurídica da questão fundamental de Direito tratada no Acórdão Recorrido.

AA) A contradição de julgados impõe a revogação do Acórdão Recorrido, nos termos do art. 672.º, n.º 1 al. c) do CPC, com a consequente procedência dos pedidos da ação dos presentes autos.

Nestes termos deve determinar-se a revogação do Acórdão Recorrido e a procedência dos pedidos da Ação.

… …

A recorrida contra alegou.

Cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:

1. O Réu é titular da marca nacional nº 586232 “SAMS Quadros”, assinalando serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice”, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 25.10.2017. 2. O Réu titular da marca nacional nº 586274 “SAMS Bancários, Quadros e Técnicos”, assinalando serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 28.7.2017 e concedida em 25.10.2017.

3. O Réu é titular da marca nacional nº 586240 “SAMS Técnicos”, assinalando serviços nas classes 44ª e 45ª, da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 24.10.2017.

4. O Réu é titular da marca nacional nº 586241 “SAMS Técnicos Bancários”, assinalando os serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 24.10.2017.

5. O Réu é titular da marca nacional nº 586243 “SAMS Quadros Bancários”, assinalando os serviços de serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 24.10.2017.

6. O Réu é titular da marca nacional nº 586245 “SAMS Técnicos e Quadros Bancários”, assinalando os serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 24.10.2017.

7. O Réu é titular da marca nacional nº 586246 “SAMS Quadros e Técnicos Bancários”, assinalando os serviços nas classes 44ª e 45ª da classificação internacional de Nice, cujo pedido foi apresentado no INPI em 27.7.2017 e concedida em 24.10.2017.

8. Em 1.1.1976, o Réu implantou e promoveu a prestação direta de cuidados de saúde em centros hospitalares e clínicos, próprios e privados, que progressivamente foi abrangendo todo o território continental e as regiões autónomas.

9. O Réu foi o pioneiro na prestação desses serviços de saúde aos profissionais bancários, sob a denominação de SAMS.

10. Os referidos serviços de saúde SAMS são reconhecidos no seio dos bancários e da população em geral como prestador de um serviço de qualidade, diferenciado, um subsistema de saúde dos bancários, ao qual o público em geral pode aceder a título privado.

11. Desde 1993, o Autor passou também a adotar a denominação SAMS/Quadros para assinalar os serviços de assistência médico-social prestados aos seus beneficiários – os trabalhadores quadros e técnicos bancários filiados no SNQTB, no ativo ou na reforma, além dos elementos dos seus agregados familiares.

12. O Autor, sob a designação de SAMS/QUADROS, organiza eventos/eventos solidários, além de contemplar acordos com a Associação de Farmácias de Portugal, como Hospital da Luz de Lisboa, Acordo da Misericórdia do Porto, Acordo com o Hospital dos Lusíadas, Acordo com o Centro Hospitalar de S. Francisco, Acordo com a Fundação Champalimaud, Acordo com a Universidade Lusíadas Norte, entre outras entidades.

13. Em linguagem corrente é usual entre bancários referirem-se aos diferentes “SAMS” por referência aos respetivos Sindicatos.

B – FACTOS NÃO PROVADOS

1. Quando confrontados com o conjunto SAMS/QUADROS, os consumidores relevantes percecionam-no como marca do Autor.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635 n.º 4 e 639 n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do CPC.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista, delimitado pelo recorrente, importa em saber se a decisão recorrida violou a lei de processo pelo incumprimento do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, por não ter reapreciado os factos assentes e os meios de prova ao seu dispor;

- se existe nulidade da decisão recorrida por obscuridade quanto à fundamentação da matéria de facto e por omissão de pronúncia sobre a impugnação da decisão de facto e sobre a impugnação da sentença; omissão de pronúncia por não ter apreciado questões necessárias á decisão;

- se existe violação de lei substantiva por erros de julgamento.

… …

O recorrente interpôs a presente revista nos termos do art. 671 nº1 e, subsidiariamente, nos termos do art. 672 nº1 als. b) e c) do CPC. Isto é, pretende interpor uma revista normal por entender não ter existido dupla conforme na decisão das instâncias e, caso se entenda existir dupla conforme, que se admita a revista como excecional por estarem em causa interesses de particular relevância e por existir contradição entre a decisão recorrida e outro acórdão da Relação sobre a mesma matéria.

Nas suas conclusões a recorrente enuncia como temas do recurso:

- a violação da lei de processo pelo incumprimento do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, por não ter o Tribunal da 2.ª Instância reapreciado os factos assentes e os meios de prova ao seu dispor;

- a obscuridade do acórdão recorrido referente à fundamentação da matéria de facto;

- a omissão de apreciação e de pronúncia sobre a impugnação da decisão sobre o Facto não provado 1;

- a omissão de pronúncia sobre a impugnação da sentença por erro de julgamento assente na consideração de premissa de facto inexistente na matéria de facto.

- a omissão de pronúncia sobre a impugnação da sentença por erro de julgamento na apreciação do fundamento de anulação dos registos das marcas anuladas, por concorrência desleal;

- a violação de lei substantiva por erros de julgamento.

Como se deixou enunciado no despacho que decidiu a reclamação nos termos do art. 643 do CPC e admitiu a revista, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, sendo as decisões proferidas pela Relação no plano dos factos, em regra, irrecorríveis (art.º 46.º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/13, de 26 de agosto – e arts. 662.º, n.º 4, 674º, nº 3, e 682º, do CPC). No entanto é admissível sindicar a decisão da matéria de facto se for invocada uma violação das regras substantivas de direito probatório (art.º 674º, nº 3, 2ª parte, do CPC), apreciar a suficiência ou (in)suficiência da matéria de facto provada e não provada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, bem como aferir da existência de contradições na matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (art. 682.º, n.º 3, do mesmo Código). E os poderes do Supremo nesta matéria abarcam ainda o controlo da aplicação da lei adjetiva em qualquer das dimensões destinadas à fixação da matéria de facto provada e não provada – art. 674º, n.º 1, al. b), do CPC –, com a restrição que emerge do disposto no art.º 662 nº 4, do CPC que exclui a sindicabilidade do juízo de apreciação da prova efetuado pelo Tribunal da Relação e a aferição da formação da convicção desse Tribunal a partir de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação.

Assim, não obstante a dupla conforme das instâncias, quanto ao mérito da causa, sendo admissível recurso de revista, nos termos gerais, do acórdão proferido pela Relação em que seja apontada a existência de erro decisório relativamente à aplicação da lei processual no que se refere à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, importa conhecer desta matéria.

A recorrente, não obstante a prolixidade e repetição que não facilita e todo a inteligibilidade das alegações/conclusões, no domínio da decisão de facto protesta que a decisão recorrida não apreciou a impugnação que nas alegações de apelação havia realizado. Mais concretamente refere que houve “ incumprimento do disposto no artigo 662 n.º 1, do CPC, por não ter o Tribunal da 2.ª Instância reapreciado os factos assentes e os meios de prova ao seu dispor, e por isso não ter alterado a matéria de facto quanto ao Facto provado 9, e quanto ao Facto não provado 1, alterações que os factos tidos como provados e a prova indicada no Recurso de Apelação, impunham”.

O preceito citado estabelece que “a Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” e, de uma maneira genérica, incluem-se no conteúdo desta norma, sob a forma de princípio de modificabilidade da decisão de facto, quer os casos em que a alteração desta exige a prévia impugnação pelas partes, quer aqueles outros em que oficiosamente o tribunal da Relação pode conhecer por sua iniciativa (quando os factos assentes ou a existência de documento superveniente imponha decisão diversa).

No caso presente, tendo a recorrente impugnado a matéria de facto fixada na sentença (os pontos 9, 10 e 11 dos factos provados e ponto dos factos não provados) as suas conclusões são no sentido de a Relação ter omitido a apreciação dessa impugnação. Porém, na simples leitura da decisão recorrida é manifesto que houve pronúncia sobre a matéria de facto impugnada ( vd. págs. 20 a 24 do acórdão recorrido) e pronúncia concreta sobre cada um desses factos tendo até sido alterado, não o sentido da decisão (como julgado ou não provado) mas sim a redação do ponto 10 e 11.

Porque a decisão quanto aos factos impugnados se fundou em elementos de prova de livre convicção, não existindo nem protestando a recorrente violação do direito probatório material inscrito na previsão do art. 674 nº 3 do CPC, no domínio da fundamentação o art. 607 nº 4 do CPC, sobre da estrutura da “sentença”, refere que “o juiz declara os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…)”. Em articulação com este preceito, o art. 662 nº 1 al. d) do CPC determina que a Relação ordene ao tribunal de primeira instância que, tendo em contra os depoimentos gravados ou registados, fundamente a decisão sobre a matéria de facto quando entenda que a decisão sobre tal matéria e referente a algum facto essencial não está devidamente fundamentada. Neste segmento particular, o normativo citado replica o art. 712 nº 5 do anterior CPC ao abrigo do qual chegou a ser entendido não haver nulidade da sentença ou do acórdão quando se omite a justificação ou motivação dos fundamentos de facto em que assenta a decisão. E tão pouco se sancionar com a nulidade da sentença a deficiência ou erro de motivação da decisão de facto da sentença ou da sua reapreciação pelo acórdão da Relação - ac. STJ de 12-9-2006 no proc. nº 1994/06 – (1.ª Secção, relator Alves Velho). A explicação para tal entendimento residiria em a falta de fundamentação do julgamento da matéria de facto ter como consequência que a Relação, a requerimento da parte, pudesse determinar que o julgador da 1ª instância a fundamentasse. Ora, não encontrando tal disposição correspondência quando a Relação, reapreciando a matéria de facto, não indique eventualmente os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido pela 1.ª instância, o que se imporia seria decidir se essa inexistência de disposição legal expressa permitiria ao STJ devolver os autos ao Tribunal da Relação para que fundamentasse (quando faltasse a motivação) a decisão da impugnação sobre a matéria de facto. Isto é, se essa omissão do legislador em sede de recurso de revista tem solução nos normativos que a ela presidem ou se é uma coerência de sistema que determine a impossibilidade da remessa.

No entanto e não obstante tal entendimento, o STJ tem sufragado que “ impondo-se a motivação do julgamento de reapreciação também à Relação, esta exigência evidencia que o CPC de 2013 não regulou completamente a intervenção da Relação no julgamento do recurso de facto, nas várias implicações que esta intervenção pode ter, quer com a primeira instância, quer com o STJ. Limitou-se a colocar na sentença o que antes estava no julgamento de facto sem cuidar de questões como a da apreciação crítica das provas por parte da relação no conhecimento da impugnação. É neste contexto que julgamos ser de admitir que esta matéria se inscreva no âmbito do não uso indevido versus do mau uso dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto e, como assim, na previsão do art. 674 nº 2 al. b) do CPC como conhecimento da violação ou errada aplicação da lei de processo.

Em verdade, em face das diretrizes prescritas no artigo 607 n.º 4, 1.ª parte, do CPC, a exigência de o tribunal de recurso estribar a formação da sua convicção sobre o invocado erro de julgamento através dos fatores decisivos para tal, coloca-nos no domínio da “sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada” – vd. ac. STJ de 21-6-2022 no proc. 558/15.0T8AGH.L1.S1 e em igual sentido ac. do STJ de 30-11-2021, Proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, in dgsi.pt e ainda Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 359.

A motivação do julgamento da matéria de facto tem como balizas normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção - art. 607 nº 4 do CPC - o que não induz qualquer formulário que tenha de cumprir e menos ainda que tenha de seguir o itinerário argumentativo da recorrente respondendo a todos os argumentos impugnativos que hajam sido suscitados. A análise e indicação dos fundamentos é realizada em liberdade de convicção e de forma, importando essencialmente que depois de se decidir o que deve julgar-se como provado e não provado se possam conhecer as razões objetivas dessa convicção, as quais remetem para a indicação dos elementos probatórios decisivos e o que eles relevam de consistência no domínio da credibilidade. Reportando aos elementos probatórios e a toda a matéria de facto adquirida, o que se pretende é que de uma forma lógica, dinâmica e organizada mesmo que sucinta, o que se julga como provado e não provado tenha expressão suficiente na motivação.

Ora, da motivação da matéria de facto realizada na decisão recorrida que se estende da pág. 20 a 24 do acórdão, verificamos que nela se refere com explicação a matéria que foi impugnada e a prova constante dos autos, que sendo de livre apreciação foi tomada como decisiva para a convicção. Se na decisão recorrida se escreve que “tendo o facto em questão logrado prova pelos meios indicados pelo tribunal, o recorrente não logrou colocar o mesmo Tribunal no estado de dúvida inicial com que se principiou a lide de molde a conseguir que o facto tivesse sido dado como não provado pelo que o mesmo se há-de manter qua tale” é forçoso tomar esta expressão naquilo que ela pretende dizer: que aquele a quem cabia o ónus da prova, com os meios probatórios que apresentou, logrou convencer o tribunal, enquanto a contra parte (o autor) não conseguiu abalar com os meios de prova que possa ter apresentado, a convicção do tribunal formada sobre os elementos indicados. Em verdade, afirmar-se que um facto foi julgado como provado indicando os meios probatórios em que se baseia esse julgamento e que tais meios pela sua consistência revelaram credibilidade necessária, é bastante para uma fundamentação capaz sem que seja necessário acrescentar que, por sua vez, essa prova não foi abalada por qualquer outra contraprova. Se tivesse ocorrido esse abalo, nem o facto teria sido julgado provado, nem os meios de prova enunciados teriam sido aceites como credíveis.

Na fundamentação do facto não provado 1 observamos que o mesmo foi assim julgado por se ter entendido que não havia prova da qual pudesse ser retirado outro julgamento, sendo precisamente esta a matriz de todos os factos que se julguem como não provados, independentemente de as respetivas fundamentações serem mais ou menos extensas na desacreditação da credibilidade e consistência dos meios de prova que tenham sido apresentados. Essa maior ou menor extensão, no entanto, não é o critério da existência da fundamentação necessária e suficiente porque o importante é ser claro na afirmação da razão pela qual um facto em concreto foi julgado como não provado. E no caso em decisão percebe-se sem esforço que o tribunal da Relação em resposta à impugnação da recorrente, começando por questionar se o conteúdo desse facto poderia conter conceito de direito, caso em que deveria ser excluído da matéria de facto, ou se poderia ser acolhido como matéria de facto, decidiu considerar que enquanto facto (naturalístico) o mesmo não tinha obtido prova para o julgar demonstrado.

Em complemento deixamos nota de neste segmento da impugnação a recorrente, replicando as suas alegações de apelação, defende que “a alusão a consumidores relevantes demanda a definição prévia do âmbito jurídico da relevância que se tem em vista, e em função disso, qual seja o perfil ou universo dos consumidores a relevar, o que, de todo, a decisão recorrida não enuncia.”. Contudo, não tem abrigo legal que se afirme que o julgador colocado perante a necessidade de julgar um facto como provado ou não provado tenha de definir previamente qualquer “âmbito jurídico” porquanto, no julgamento da matéria de facto, o que exclusivamente importa é, em primeiro lugar, saber se aquilo a que se reponde é um facto, uma realidade, ou não (uma conclusão ou um conceito de direito) e, em segundo lugar, sendo um facto, se os meios de prova apresentados conduzem a uma convicção de provado e ou, por exclusão dessa consistência e credibilidade probatória, não provado. O facto não provado 1 foi julgado pelas instâncias como um facto e não um conceito de direito e neste sentido, por ausência de prova que o confirmasse, como não provado. Aliás, se tivesse sido considerado como um conceito de direito o mesmo deveria ter sido excluído/eliminado do julgamento de facto por não se considerar um facto e não, como a recorrente parece sustentar, que na fundamentação o tribunal clarificasse e definisse o conceito de direito que se conteria nesse “facto” e, depois, consoante essa definição normativa, o julgasse provado, o que violaria todas as regras de delimitação e julgamento da matéria de facto e de direito (passando esta última a ser sempre matéria de facto desde que o julgador na fundamentação de facto explicasse e definisse o conceito jurídico que antes tinha considerado provado) .

Acresce que a confusão entre matéria de facto e de direito repete-se quando se reclama que a delimitação do conceito de consumidores relevantes foi ensaiada na motivação da sentença recorrida, mas é ambígua. Em sede de matéria de facto, como o dissemos, não se enunciam nem delimitam conceitos porque nela apenas se exerce uma atividade de convicção sobre realidades naturalísticas e não normativas e, por outro lado, é de todo anómalo porque exorbita dos enunciados poderes do STJ em matéria de facto, que se proteste a precária aquisição/assunção da prova produzida nos autos na decisão recorrida e se pretenda que com base na consulta dos documentos e depoimentos de testemunhas de livre apreciação este tribunal fixe como provado esse facto/conceito direito.

Em resumo, seja como facto não provado por ausência de prova confirmatória (que a decisão recorrida entendeu ser) ou fosse como conceito de direito que a recorrente entendia ser (o que o tornaria não atendível na matéria de facto), a decisão recorrida não padece de vício de falta de fundamentação nem esse facto poderia ser alterado para a qualificação de provado como a recorrente conclui. Como assim, improcede o recurso de revista normal interposto pela recorrente com base na violação da lei de processo, referente à matéria de facto por se entender ter sido omitida a fundamentação pela decisão recorrida.

… …

Num segundo momento do recurso a recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 615 nº1 al. c) e d) do CPC.

Neste aspeto, embora este preceito no seu 4 estabeleça a regra de essas nulidades serem conhecidas pelo próprio tribunal que tenha proferido a decisão, não admitindo que com fundamento nelas exista recurso autónomo, na sua parte final deixa expresso que se acaso a decisão que se argui de nula admitir recurso ordinário as nulidades podem incluir o recurso, acrescendo assim ao fundamento que determina a sua admissão.

Nesta conformidade, por ter sido admitido o recurso de revista normal, mesmo que só na parte referente à violação da lei de processo, deve agora conhecer-se das nulidades de obscuridade e omissão de pronúncia arguidas pela recorrente.

A recorrente alega que a decisão recorrida é nula por obscuridade situando esse vício em ter o acórdão recorrido afirmado que já havia sido conhecida e apreciada “a matéria de factos e os seus eventuais vícios de molde definitivo e não existindo alteração dos mesmos (como não podia haver pois conhecidos os factos foi determinado não os alterar) o que então se escreveu fez caso julgado.”.

Analisando esta arguição, verificamos que ela se dirige ainda há fundamentação da matéria de facto e às questões que concernem a esse domínio (a análise crítica das provas e bem assim com a especificação dos fundamentos tidos como decisivos para a convicção do julgador) pelo que não se pode inscrever nas nulidades da sentença do art. 615 nº1 al. c) do CPC importando, se verificada a irregularidade, a eventual baixa dos autos para suprir a deficiência. Acontece que a expressão em que a recorrente funda a obscuridade não teve qualquer consequência impeditiva na apreciação da impugnação da matéria de facto realizada pelo tribunal recorrido. Este não invocou nem declarou qualquer caso julgado, relativamente ao conhecimento da impugnação da matéria de facto, para negar pronunciar-se sobre todas as questões e, deste modo não existiria qualquer fundamento de nulidade ou de baixa dos autos. O que a leitura contextualizada da expressão referida permite perceber é que, tendo o tribunal recorrido no anterior recurso de apelação sustentado haver vício de fundamentação da sentença e ter ordenado ao tribunal de 1ª instância que fundamentasse nos termos do disposto no art. 662 nº2 al. d) do CPC, é essa decisão de ordenou a fundamentação que entendeu ter transitado em julgado.

Efetivamente, no recurso de apelação que interpôs depois de a 1ª instância ter refundamentado a matéria de facto, a recorrente veio arguir a falta de fundamentação da na motivação da matéria de facto, e cremos que foi isso que o tribunal recorrido entendeu já ter decidido, quando na decisão anterior a jugara reconhecida e determinara ao tribunal de 1ª instância que procedesse à fundamentação. Sendo esta a única e descortinável explicação para a eventual alusão a um caso julgado, mais importante é ter presente que essa expressão não teve qualquer consequência na apreciação da impugnação da matéria de facto porque, como se decidiu antes, o Tribunal da Relação apreciou e decidiu essa impugnação reconhecendo a regularidade da fundamentação e da fixação da prova em 1ª instância, o que aceitámos como suficiente. Se tendo aludido a um caso julgado, a decisão recorrida não o definiu nem o explicou e se não extraiu dessa alusão qualquer consequência relativamente ao que era solicitado, essa expressão não torna a decisão sobre a matéria de facto obscura. E a considerar-se (essa expressão) como avulsa, desnecessária e sem significado útil, a verdade é que dela não resultou qualquer consequência normativa e processual, designadamente a omissão ou recusa de conhecimento da matéria de facto, pelo que não se pode relevar que se tenha como viciada a decisão por obscuridade que a anule nos termos do art. 615 nº1 al. c) do CPC ou que possa constituir causa para determinar a baixa dos autos para esclarecimento ou aperfeiçoamento da fundamentação.

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A recorrente argui a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre a impugnação da decisão sobre o Facto não provado 1.

Neste particular, repetimos que as questões referentes à matéria de facto não são causa de nulidade da sentença nos termos do art. 615 do CPC sendo enquadráveis na violação ou errada aplicação da lei de processo – art. 674 nº1 al. b) do CPC. E neste domínio valem aqui todas as observações que nessa temática antes decidimos, considerando que o tribunal recorrido não omitiu fundamentação na matéria de facto, nomeadamente na não provada, e que se pronunciou de forma suficiente sobre as razões pelas quais manteve o ponto 1 dos factos provados com esse julgamento.

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A recorrente argui a omissão de pronúncia sobre a impugnação da Sentença a respeito da questão da confundibilidade das marcas anulandas com a firma/denominação social do Autor. Os termos em que é exposta a arguição são significativos para entender que a recorrente protesta que a decisão recorrida não se pronunciou sobre algumas alegações que havia incluído nas conclusões retirando dessa eventual não apreciação a consequência de omissão de pronúncia.

É jurisprudência unânime do STJ que omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre as questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. O não haver a decisão recorrida tomado posição sobre o conteúdo de cada concreta conclusão não tem como consequência a nulidade por omissão de pronúncia, sendo apenas relevante que a questão a decidir tenha sido decidida.

Na leitura da decisão recorrida concluímos que o Tribunal da Relação sobre o concreto objeto da ação definido pela causa de pedir e pelo pedido deu-lhe resposta e, com argumentação que considerou suficiente, confirmou em fundamentação e resultado, a sentença. Abordou a temática da capacidade/incapacidade distintiva da sigla SAMS pronunciando-se quanto a “Serviços de Assistência Médico-Social” constituírem uma expressão inapropriável porquanto descritiva de uma atividade; não traduzível numa designação genérica e descritiva da atividade e finalidade e, portanto, impossível de constituir uma denominação de tal forma genérica, de uso comum, que, por isso, não mereça proteção enquanto marca. Abordando ainda por fim a ausência de prova em que se pudesse firmar a concorrência e a má-fé.

Conclui-se então que o acórdão recorrido deu resposta às questões com relevância para a decisão de mérito não existindo omissão de pronúncia quanto a essas questões. Assim, quando a recorrente se insurge contra a decisão por o tribunal não ter apreciado os seus argumentos/conclusões não é no âmbito da omissão de pronúncia que pode obter acolhimento, mas sim na consideração (que também realiza) de a decisão proferida ter sido errada de acordo com as normas e interpretação que deviam ter sido aplicadas o que situa o recurso no âmbito do erro de julgamento de direito.

Por esta razão improcede a arguição de nulidade por omissão de pronúncia.

A recorrente argui ainda a omissão de pronúncia sobre a impugnação da Sentença por erro de julgamento assente na consideração de premissa de facto inexistente na matéria de facto.

Uma vez mais repete a ideia de que existe omissão por a decisão recorrida não se ter debruçado expressamente sobre algumas das suas conclusões, no caso, ter sido tomado em consideração (na sentença) um facto que não havia sido dado como provado. Uma primeira questão se impõe é a de esclarecer que a recorrente não está a imputar à própria decisão recorrida, na decisão que proferiu, o ter tomado em consideração qualquer facto que não estivesse provado, mas antes que a sentença realizou essa apreciação e o acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa matéria.

Como já antes esclarecemos e agora repetimos, no recurso de revista não está propriamente em causa se a sentença omitiu algum conhecimento relativamente ao qual tenha havido arguição de nulidade e que a apelação não tenha conhecido. O que importa é verificar se é alegado que a própria decisão recorrida em si mesma cometeu alguma nulidade que a recorrente tenha reclamado, no caso se tomou em consideração na decisão que profere factos não provado por inexistente na matéria de facto. Afirmar-se que a sentença tomou e consideração facto inexistente na matéria de facto não é a mesma coisa nem significa por decorrência afirmar que a decisão recorrida tomou em consideração facto inexistente na matéria de facto. E não tendo sido isto que foi alegado pela recorrente tem de concluir-se não é imputada à decisão recorrida que tenha assentado o julgamento na consideração de premissa de facto inexistente na matéria de facto razão pela qual se julga improcedente a arguição desta nulidade.

… …

Apreciados os aspetos incidentes no recurso interposto sobre a matéria de facto e as nulidades da decisão, ficam por apreciar as questões referentes aos erros de julgamento da decisão de direito relativamente aos quais existe dupla conforme, nos termos do art. 671 nº3 do CPC.

Neste aspeto, porque se encontram preenchidos os requisitos gerais de recorribilidade (legitimidade, tempestividade, valor, sucumbência e regularidade processual) e a recorrente invoca como razão da revista excecional a contradição de acórdãos, tendo junto aos autos cópia do que apresenta como fundamento, determina-se que transitada em julgado a decisão referente ao recurso de revista normal que se decidiu, sejam os autos enviados à Formação a que alude o art, 672 nº3 do CPC a fim de se pronunciar sobre os pressupostos de admissibilidade.

… …

Síntese conclusiva

- Impondo-se a motivação do julgamento de reapreciação da matéria de facto também à Relação, a alegação de que este tribunal na apreciação da impugnação da matéria de facto não fundamentou, ou fundamentou deficientemente, a decisão proferida sobre algum facto essencial para julgamento, inscreve-se no âmbito da violação ou erra aplicação da lei de processo do art. 674 nº 2 al. b) do CPC.

- As questões referentes à não apreciação da matéria de facto impugnada em qualquer dos seus domínios (julgamento dos factos provados e não provados ou fundamentação) não constitui nulidade por omissão de pronúncia enquadrável no art. 615 nº1 al. d) do CPC que seja causa da nulidade da decisão.

- A nulidade por omissão de pronúncia do art, 615 nº1 al. d) do CPC não ocorre quando a decisão recorrida não se tenha pronunciado sobre todos os argumentos/conclusões do recorrente, mas apenas quando a questão que é objeto da ação tenha ficado por decidir, no todo ou em parte.

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Decisão

Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a revista normal incidente sobre os aspetos da matéria de facto suscitados pela recorrente e bem assim, quanto à arguição das nulidades invocadas e, em consequência confirmar nessa parte a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

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Transitada em julgado a decisão referente ao recurso de revista normal, remetam-se os autos à Formação a que alude o art. 672 nº3 do CPC a fim de se pronunciar sobre os pressupostos de admissibilidade da revista excecional.

Lisboa, 12 de outubro de 2023

Relator: Cons. Manuel Capelo

1ª adjunta: Srª. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

2ª adjunta: Srª. Juíza Conselheira Fátima Gomes