Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1027/13.8TYVNG-K.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DIRETIVA COMUNITÁRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
INSOLVÊNCIA
Apenso:


Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% a que alude o n.º 7 do art. 23º do EAJ, na redacção atribuída pela Lei 9/2022, incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada ao apuramento do «grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», em detrimento de ter como objecto o montante total apurado para satisfação dos créditos.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1027/13.8TYVNG-K.P1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação do Porto, ... Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. No âmbito do processo em que foi decretada a insolvência da «Módulo – Condutores Eléctricos Especiais, Lda.», após ser recusada a homologação do PER que se requereu, o Administrador de Insolvência (AI) AA apresentou “mapa de rateio parcial” (art. 178º, 1 e 2, do CIRE), nele consignando:


(i) que das receitas brutas de € 625.782,42 reservou 20% para o pagamento das despesas da massa;


(ii) ter sido já efectuado um primeiro rateio parcial para pagamento aos trabalhadores no montante de € 248.270,43, sendo de € 251.992,31 o montante do rateio parcial;


(iii) que, nos termos do n.º 7 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial, tem a receber, a título de majoração da remuneração variável, o montante de € 25.023,14 (5% do valor rateado, incluindo o 1º rateio parcial), acrescido de IVA à taxa de 23%, no total de € 30.766,21, a ser pago previamente ao pagamento desse rateio.


2. O Ministério Público reclamou da proposta de rateio, com a seguinte argumentação e requerimento:


Foi calculado o resultado da liquidação da massa insolvente em 40.746,30.


Face ao disposto no 6 do art. 23º do EAJ, entendo que o resultado da liquidação é de 39.266,30 (apuro da massa deduzido do montante do pagamento das dívidas da massa com exceção da remuneração).


Assim a remuneração variável a que se refere o 4 da norma acima citada é de 2.414,87 (€


39.266,30x5%x23%).


quanto ao valor a considerar para majoração, nos termos do 7 da citada norma legal, que atender ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.


Os créditos reclamados e admitidos são no valor de 3.820.687,70, pelo que o grau de satisfação é de 13,09% (€ 500.262,74 x 100 : 3.820.687,70).


Assim, o valor a considerar para efeitos de majoração da remuneração variável é de 65.484,39 (€ 500.262,74 x 13,09%), sendo o valor da remuneração variável majorada de 3.274,22, acrescida de IVA à taxa de 23%, ou seja, 753,07, o que totaliza 4.027,29.


Pelo exposto, o valor a ratear é de 251.992,31 - 4.027,29, ou seja, de 247.965,02.


Pelo exposto, p. se digne admitir a presente reclamação, e considerar que o valor da remuneração variável majorada referente às quantias do e rateio parciais é de 4.027,29, remanescendo para rateio pelos credores a quantia de 247.965,02.


3. Notificado para se pronunciar, veio o AI alegar a existência de erro do Ministério Público na referência à remuneração prevista no nº 4 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ – Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro), já que ainda não foram apresentadas contas, não podendo ser calculado o resultado da liquidação, que todavia será superior a 40.746,30€.


Quanto ao valor calculado para majoração da remuneração variável, nos termos do nº 7 do art. 23º do EAJ, pugnou pela manutenção do valor requerido e forma do seu pagamento.


4. Cumprido o contraditório, o Juiz 3 do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia proferiu despacho, decidindo:


“(…)


Relativamente ao pendente assunto centrado na proposta de rateio elaborada pelo Exmo Administrador da Insolvência e depois de crítica digressão sobre tal segmento da causa (e sempre com o maior respeito por divergente óptica), sou a considerar que face aos elementos dos autos o resultado da liquidação da massa insolvente se cifra em 40.746,30.


No que entendo ser o respeito do estatuído no 6 do art. 23º do EAJ, sou a sufragar segundo o qual que o resultado final da liquidação ascende a 39.266,30 (o apuro da massa deduzido do montante do pagamento das dívidas da massa com exceção da remuneração).


Destarte e havendo por bom o entendimento propugnado pela M.Ilustre Magistrada do M.P., o qual, “data venia”, aqui trago à colação a remuneração variável a que se refere o 4 da norma em crise se situa no valor de 2.414,87 (€ 39.266,30x5%x23%).


No que, por seu turno, tange ao “quantum” a considerar para majoração, nos termos do 7 da citada norma legal, será de levar em cogitação o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, sendo certo que no caso “sub judice” os créditos reclamados e admitidos ascendem a 3.820.687,70, daí derivando que o grau de satisfação ascende a 13,09% (€ 500.262,74 x 100 : 3.820.687,70).


Aqui chegados, acho por bem salientar que o valor a considerar (ao que colho da economia do pleito) para efeitos de majoração da remuneração variável é de 65.484,39 (€ 500.262,74 x 13,09%), sendo o valor da remuneração variável majorada de 3.274,22, acrescida de IVA à taxa de 23%, ou seja, 753,07, o que totaliza 4.027,29, daí brotando que o valor a ratear se cifra em 251.992,31 4.027,29, ou seja, de € 247.965,02. [Sublinhado nosso.]


Destarte e como silogístico corolário das esgrimidas razões de facto e de direito a remuneração variável majorada referente às quantias do e rateio parciais é de 4.027,29, remanescendo para rateio pelos credores a quantia de 247.965,02, julgando nesta decisória conformidade, “uno acto” indeferindo tudo o que veio requerido depondo em divergente sentido.” [Sublinhado nosso.]


5. Inconformado, o AI interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, visando a revogação do despacho e a fixação do valor da majoração da remuneração variável devida em € 25.023,14 (5% do valor dos 1º e 2º rateios parciais) acrescido de IVA à taxa de 23%, a ser pago previamente ao pagamento deste 2º rateio, tudo em conformidade com o art. 23º do EAJ





Subidos os autos, foi proferido acórdão que, identificadas as questões recursivas –


“- a nulidade da decisão apelada e a prematuridade da apreciação e fixação do valor da remuneração variável do administrador da insolvência,


- a desconformidade da decisão apelada ao critério legalmente estabelecido para cálculo da majoração da remuneração variável do administrador da insolvência.” –,


julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decidiu:


“- anular a decisão na parte em que fixou a remuneração variável (art. 23º, nº 4, b) do EAJ) do Sr. Administrador da Insolvência e determinar que, prosseguindo os autos seus normais termos, apurado o resultado final da liquidação, se proceda à fixação da remuneração variável,


confirmar o despacho apelado no segmento em que fixou o valor da majoração variável concernente aos dois já rateios efectuados.”


6. Novamente sem se resignar, o AI Requerente veio interpor recurso de revista para o STJ, tendo por base o art. 14º, 1, do CIRE, invocando oposição com o acórdão proferido em 20/12/2022 pelo TRL, no processo n.º 415/13.4TYLSB-E.L1-1, e dele apresentando cópia do publicado na base de dados www.dgsi.pt.


Notificado para o efeito, o Recorrente juntou certidão comprovativa do acórdão fundamento com nota de trânsito em julgado.





A finalizar as suas alegações, o Recorrente apresentou as seguintes Conclusões:


A) Por acórdão notificado ao Recorrente em 20.04.2023, com a Refª ......95, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, manter a decisão do Tribunal de 1ª Instância que fixou a majoração da remuneração variável a atribuir ao AI, aqui Recorrente.


B) Não concordando o Recorrente com aquela parte da decisão, em causa está a solução adoptada no acórdão recorrido sobre a interpretação e aplicação do nº 7 do art. 23º do EAJ e que se estriba no entendimento seguinte: - “Em processo de insolvência em que haja lugar à liquidação da massa insolvente, o valor da majoração da remuneração variável do administrador resulta da aplicação do factor previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas da aplicação directa do factor de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos.”


C) No acórdão fundamento - acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2022, (Relatora: Fátima Reis Silva), processo n.º 415/13.4TYLSB-E.L1-1. - a interpretação dada ao nº 7 do art. 23º do EAJ é diametralmente oposta ao do agora acórdão recorrido, assim sumariada: - “A majoração de 5% prevista no nº 7 do art. 23ª do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.”


D) Pretende-se, assim, que este Venerando Tribunal se pronuncie sobre se a majoração de 5% previsto naquele normativo legal resultará, como sustenta o acórdão recorrido: “(…) da aplicação do factor previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas da aplicação directa do factor de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos.”


ou, ao invés,


E) Como sustenta o acórdão fundamento: “A majoração de 5% prevista no nº 7 do art. 23ª do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.”


F) É notório que a interpretação e o entendimento adoptados no acórdão ora em crise, mostram-se influenciados pelas operações de cálculo de majoração constantes da tabela anexa à Portaria 51/2005, de 20/01.


G) Perante a actual redacção do n.º 7 do art. 23º do EAJ não se vislumbra fundamento legal para se fazer apelo ao valor percentual dos créditos satisfeitos a que aquela norma alude.


H) Para que a majoração possa ser paga antes do pagamento aos credores nos rateios parciais, é preciso determinar o valor da majoração, procedendo-se ao seu cálculo.


I) Para que tal seja possível, o legislador autonomizou a majoração da remuneração variável, dizendo simplesmente que é 5% dos créditos satisfeitos.


J) Ao ser inferior ao montante dos créditos reclamados e reconhecidos, o montante dos créditos satisfeitos, já contém em si, um “grau” de satisfação implícito.


K) O legislador definiu de forma directa e expressa a forma de cálculo da majoração da remuneração variável, eliminando a remissão constante da pregressa lei que remetia para o cálculo do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, de acordo com a tabela anexa à portaria já revogada.


L) Ora, a interpretação do nº 7 do art. 23º do EAJ propugnada no acórdão fundamento é claramente contrária à interpretação da mesma norma adoptada no acórdão recorrido, sendo a interpretação daquele a mais consentânea com o espírito e a letra da lei em vigor.


M) Verifica-se, assim, oposição de julgados a que importa por termo.


N) Ao decidir da forma como o fez, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação e aplicação, a norma prevista no nº 7 do art. 23º da Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro (EAJ).


Impondo-se a revogação do acórdão recorrido, nesta parte.”





Colhidos os vistos de forma electrónica de acordo com o art. 657º, 2, do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objecto do recurso


1.1. Estão preenchidos os requisitos gerais do art. 629º, 1, do CPC: valor da causa, visto o despacho transitado em julgado, e sucumbência mínima, atenta a perda resultante da improcedência da apelação em face do decidido pela 1.ª instância e o montante pedido pelo Recorrente considerado relevante para efeitos da consideração do seu decaimento em sede exclusiva da majoração da remuneração variável.


1.2. A decisão de fixação da remuneração variável do AI, em especial na vertente ou parcela da sua majoração, proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada endogenamente como incidente nos próprios autos de insolvência, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ em termos exclusivos e excludentes.


Assim, a admissibilidade desta revista depende, em particular, de ser invocada e assente uma oposição de julgados sobre «a mesma questão fundamental de direito» com um (e um só) outro acórdão do STJ ou das Relações, com vista a inscrever tal conflito jurisprudencial como condição de acesso ao STJ («No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.»).


Está preenchido o requisito especial da existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, tendo como subjacente uma situação factual equiparável para efeitos jusnormativos, uma vez que o acórdão fundamento do TRL faz uma interpretação diversa da que é seguida pelo acórdão recorrido e, ambos no âmbito da nova versão do art. 23º, 7, do EAJ, chegam por isso a resultados diferentes em razão dessa divergência; no ponto 2. do Sumário do acórdão do TRL de 20/12/2022 sustenta-se:


“A majoração de 5% prevista no n.º 7 do art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante.” (cfr. fundamentação a págs. 16 a 20).


1.3. Assim, cabe apreciar do objecto do recurso e do seu mérito: qual o critério de cálculo da majoração da remuneração do administrador da insolvência consagrado pelo art. 23º, 7, do EAJ aquando da apresentação do plano e mapa de rateio parcial pelo AI.


Em rigor, discute-se se o valor de 5% referido nesse normativo, uma vez aplicado nesse momento da tramitação insolvencial, tem como objecto o montante total que foi apurado para satisfação dos créditos ou, em alternativa, incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia correspondente ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”.


Não está em causa, na presente revista, a apreciação da outra questão reapreciada pela Relação quanto à fixação do valor global da remuneração variável a atribuir ao AI (art. 23º, 4, b), EAJ) no momento do rateio parcial, que desembocou na anulação do despacho de 1.ª instância no segmento correspondente a tal decisão – transitada em julgado.


Nem sequer está em causa saber se a majoração da remuneração variável pode ser calculada sempre que haja lugar a rateio parcial, o que foi julgado afirmativamente pelo acórdão recorrido como pressuposto da decisão que agora merece a discordância do Recorrente (“ao ontrário da remuneração variável, cujos elementos de facto só ficam disponíveis depois de inalizada a liquidação da massa insolvente, o cálculo da majoração utiliza elementos factuais isponíveis no momento em que os rateios parciais são apresentados (sendo certo que tal cálculo majoração nos rateios parciais emerge cristalino do significado precípuo da parte final do nº 7 do art. 23º do EAJ)” – tal constitui questão que extravasa do objecto recursivo delimitado pela revista (seria questão nova) e não é susceptível de conhecimento oficioso.


2. Factualidade


Avulta como suficiente para a decisão jurídica a constante do Relatório.


3. Fundamentação de direito


3.1. A pretensão do Requerente e Recorrente prende-se com a aplicação dos critérios legais, previstos no art. 23º do EAJ, em especial quanto à majoração contemplada no respectivo n.º 7 e seu cálculo, para a fixação da remuneração variável a atribuir ao AI, uma vez alterada pela Lei 9/2002, de 11 de Janeiro.


O acórdão recorrido tomou posição na controvérsia que tem alastrado nas Relações e concluiu assim:


“A alteração introduzida pela Lei 9/2022 circunscreve-se ao segmento final do actual nº 7 do art. 23º do EAJ (por referência ao nº 5 do art. 23º do EAJ, na redacção da Lei 22/2013) – “onde antes se dizia, “pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1” diz-se agora “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”’ –, podendo afirmar-se que o seu significado (sentido da alteração) é apenas o seguinte: “na versão actual, em vez de se aplicarem os factores referidos na Portaria (Anexo II), aplica-se a taxa de 5%. E, assim, qualquer que seja o grau de satisfação dos créditos aplica-se sempre a mesma taxa (5%).”


Conclui-se, pois, que se mantém, qual eixo central do critério para a majoração da remuneração variável, o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos – que este grau ou medida de satisfação dos créditos reclamados e admitidos se mantém “como um dos factores terminantes da majoração da remuneração variável” ou, doutro modo, que a redacção do nº 7 actual art. 23º do EAJ não foi determinada por qualquer intenção do legislador alhear a ajoração da remuneração variável do administrador do grau de sucesso da satisfação dos créditos reclamados e admitidos.


nterpretação que nos leva a concluir que o valor da majoração resulta da aplicação do actor previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas da aplicação directa do factor de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos – critério seguido na decisão apelada (que observou as operações aritméticas pelo mesmo implicadas).


Sustenta o apelante que o valor dos créditos reclamados e admitidos ponderado na decisão apelada não se mostra correcto, por desconforme à lista apresentada no apenso da reclamação em 20/06/2014.


Não lhe assiste razão, porém – como se constata da sentença proferida em 10/12/2014 no apenso da reclamação de créditos, transitada em julgado, foi homologada a lista definitiva dos credores reconhecidos constante a fls. 2 desses autos, aí constando como montante de créditos reclamados e reconhecidos o valor global de 3.820.687,70€, que corresponde ao valor atendido na decisão apelada.


Ponderando que foram reclamados e admitidos créditos no montante global de 3.820.687,70 € (como resulta do apenso da reclamação), o grau de satisfação, atendendo ao valor obtido para rateio parcial (500.262,74€ - valor correspondente aos dois rateios), corresponde a 13,09%, donde resulta o valor de majoração de 3.274,22€ (500.262,74€ x 0,1309 = 65.484,39€ x 0,05 = 3.274,22€), a acrescer de IVA (23%), o que significa o valor global de 4.027,29€ (como considerado na decisão apelada) a título de majoração da remuneração variável concernente aos dois já rateios efectuados.”


3.2. Chegada ao STJ, a questão jurídica controvertida – que alastrou com divergência pelas Relações – tem sido apreciada e julgada de forma constante por esta 6.ª Secção, desde que, atendendo à sua competência especializada em matérias da insolvência, foi chamada a pronunciar-se.


Referimo-nos aos Acs. do STJ de 18/4/20231 e de 16/5/20232.


No primeiro dos arestos encontramos o fio argumentativo essencial para a delucidação da matéria em sede de interpretação e aplicação ao caso.


Transcreve-se.


“A formulação literal do n.7 do art.23º do EAJ não é isenta de dificuldades interpretativas.


Tais dificuldades identificam-se também quanto à determinação do sentido e alcance de outras disposições que regem a remuneração do administrador judicial (tanto enquanto administrador de insolvência, como enquanto administrador judicial provisório), das quais aqui se não cuidará porque o objeto do presente recurso se restringe ao n.7 do art.23º3.


A remuneração do administrador judicial em processo de insolvência, havendo liquidação, é integrada por uma parte fixa (art.23º, n.1) quantificada em €2.0004 e por uma parte variável, subdividida em dois vetores: um previsto nos números 4 e 6 do art.23º e outro previsto no n.7 (majoração). É apenas este segundo vetor da remuneração variável que está em causa no presente recurso.


Dispõe o n.7 do art.23º do Estatuto do Administrador Judicial5:


«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.»”





“A tese defendida pelo recorrente (e com respaldo no acórdão fundamento) implica desconsiderar um segmento literal do n.7 do art.23º; precisamente aquele onde se lê: «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».


Amputando a norma deste segmento literal, ela apresentaria a seguinte configuração:


«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado (…) em 5/prct. do montante dos créditos satisfeitos (…)».


Com tal literalidade, o n.7 do art.23º expressaria claramente a tese que o recorrente pretende ver aí consagrada.


Porém, desconsiderar um segmento de uma norma (como se dele tivesse sido amputada) equivale a fazer uma interpretação ab-rogante dessa norma, ou seja, significa concluir que o legislador expressou aquilo que não queria dizer, e que, portanto, tal disposição não pode ter qualquer sentido normativo útil.


O intérprete concluiria, como afirma Oliveira Ascensão «(…) que esse texto proclamado como lei não contém, apesar das aparências, nenhuma regra6


Porém, tendo presentes o “princípio do aproveitamento das leis” e a “presunção de racionalidade da legislação7, no percurso interpretativo do conjunto das regras que disciplinam a remuneração do administrador de insolvência, chega-se à conclusão que não existe oposição com qualquer outra norma que permita sustentar uma interpretação ab-rogante (lógica ou valorativa) do segmento literal «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» do n.7 do art.23º.


Efetivamente, numa análise intra-sistemática, conclui-se que esse segmento do n.7 não conflitua com qualquer outro dos números do art.23º (que preveem hipóteses distintas da hipótese de majoração da remuneração do administrador). Ampliando o campo de análise às demais normas que, direta ou indiretamente, respeitam à matéria da remuneração do administrador, também não é identificável qualquer disposição de natureza especial ou de prioridade sistemática que pudesse esvaziar de sentido lógico ou normativo o segmento do n.7 do art.23º que aqui está em equação.


Conclui-se, portanto, não existir fundamento para fazer uma interpretação ab-rogante do referido segmento dessa norma.”





“Considerando que o legislador se pode expressar de modo imperfeito, mas que não cria disposições inócuas, deverá o intérprete encontrar um sentido normativamente útil para o referido segmento do n.7 do art.23º, tendo presentes os parâmetros previstos no art.9º do Código Civil.


Nestes termos, e num percurso dialógico com a tese do recorrente, cabe apurar se as alterações introduzidas pela Lei n.9/2022 permitirão uma interpretação restritiva do n.7 do art.23º, teleologicamente orientada pelo propósito legislativo de aumentar a majoração da remuneração do administrador.


Para se responder a tal questão, e perceber se a Lei n.9/2022 teve como propósito alterar o critério normativo destinado a encontrar a fórmula da majoração, há que ter presente a evolução legislativa das disposições reguladoras da majoração da remuneração do administrador de insolvência.


Que a Lei n.9/2023 alterou a percentagem a aplicar ao montante a ser considerado para efeitos de majoração não existem dúvidas, pois a nova redação dada ao n.7 do art.23º é clara ao consagrar uma percentagem de 5%, em vez da percentagem que se encontrava estabelecida, entre 1% a 1.6%, pela Portaria n.51/2005, de 20 de janeiro (que, nessa matéria, ficou esvaziada de sentido normativo).Questão diferente, e é essa que ocupa o objeto do presente recurso, é a de saber a que montante se aplica aquela percentagem de 5%.


Como já referido, a atual redação do n.7 do art.23º do EAJ foi introduzida pela Lei n.9/2022. Porém, a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» não surgiu ex novo com a reforma introduzida por essa lei; ela já constava das normas que antecederam o n.7 do art.23º.


Tal expressão tem um lastro legislativo que remonta à Lei n.32/2004 (antigo Estatuto do Administrador da Insolvência)8, cujo artigo 20º, n.4 dispunha:


«O valor alcançado por aplicação da tabela referida no n.º 2 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1


A portaria para a qual esta norma remetia era a Portaria n.51/2005, de 20 de janeiro, do Ministério das Finanças e da Administração Pública e do Ministério da Justiça, cujo Anexo II continha uma tabela onde se encontravam previstos os fatores de majoração da remuneração do administrador, estabelecendo uma lista de correspondência entre a percentagem dos créditos reclamados que foram satisfeitos e o respetivo fator de majoração (entre 1% e 1,6%).


Quando a Lei n.32/2004 foi revogada pela Lei n.22/2013 (que estabeleceu o Estatuto do Administrador Judicial) aquela norma passou a corresponder ao n.5 do artigo 23º do EAJ, com o seguinte teor:


«O valor alcançado por aplicação das tabelas referidas nos n.os 2 e 3 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1.»


Continuou a fazer-se a remissão para a referida Portaria n.51/2005, a qual continuou em vigor, apesar de ter ficado desatualizada, pois literalmente continuava a referir-se ao artigo 20º da Lei 32/2004 (revogada pela Lei 22/2013).


Com a alteração introduzida no art.23º pelo DL n.52/2019 (de 17 de abril), o alcance normativo do n.5 deste artigo não se alterou, tendo a alteração consistido apenas num ajustamento à numeração que antecedia esta norma.


O seu teor passou a ser o seguinte:


«O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1


Com a Lei n.9/2022, a previsão que até então se encontrava no n.5 do art.23º passou para o n.7 deste artigo, tendo desaparecido a remissão para a Portaria n.51/2005. Ao mesmo tempo, o legislador operou uma alteração relativamente às percentagens que antes constavam dessa portaria. Assim, em vez da percentagem que variava entre 1% e 1.6%, aplicáveis ao montante resultante do fator de satisfação, a lei 9/2022 estabeleceu uma percentagem fixa de 5%, que passou a constar do n.7 do art.23º.


Constata-se, assim, que com a Lei n.9/2022 o legislador não abandonou o critério normativo correspondente à expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos», que já vinha da Lei n.32/2004.


Todavia, na nova redação do n.7, ao procurar explicitar o objeto de referência daquela percentagem, o legislador referiu-se ao «montante dos créditos satisfeitos», o que sustenta a tese do recorrente no sentido de os 5% respeitarem à totalidade dos créditos satisfeitos, rectius, ao montante total destinado à satisfação dos créditos.


Apesar de literalmente imperfeita, essa expressão [montante dos créditos satisfeitos] não é necessariamente contraditória com o segmento literal que a antecede.


Na realidade, o montante a que se chega depois de aplicado o fator correspondente ao grau de satisfação dos créditos não deixa de ser um montante de créditos satisfeitos, ou seja, um montante destinado à satisfação de créditos.”





“Feito este percurso histórico, pode concluir-se que se o legislador da Lei n.9/2022 tivesse pretendido alterar o critério normativo (que já vinha da Lei n.32/2004) dificilmente se compreenderia que não o tivesse feito de forma clara, abandonando a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos».


Porém, não se identifica qualquer argumento sólido para sustentar essa eventual mudança de orientação legislativa. É inequívoco que a Lei n.9/2022 pretendeu favorecer o administrador, alterando a percentagem da majoração para 5%, em vez dos valores mais reduzidos que constavam da Portaria n.51/2005. Mas não é possível concluir que o legislador o tivesse pretendido favorecer em mais do que isso.


Ao manter o valor da remuneração fixa (em 2.000 €), no n.1 do art.23º, não parece que o legislador tenha dado um sinal de pretender melhorar significativamente a remuneração do administrador independentemente dos resultados alcançados pelo seu labor em cada caso concreto. Neste sentido, é possível concluir que o legislador terá pretendido fazer depender uma maior remuneração de um maior grau de empenho do administrador na satisfação do interesse dos credores.


Por outro lado, tendo presente que a Lei n.9/2022 transpôs a Diretiva 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, importa indagar se (nos considerandos ou no articulado) tal Diretiva contém alguma referência à remuneração do administrador.


Entre as medidas destinadas a aumentar a eficiência dos processos de insolvência, encontra-se o artigo 27º daquela Diretiva, o qual se refere à supervisão e à remuneração do administrador.


No n.4 deste artigo dispõe-se que:


«Os Estados-Membros asseguram que a remuneração dos profissionais se reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos


Embora desta disposição não resulte um comando legislativo destinado a modelar diretamente as normas reguladoras da remuneração do administrado, o apelo a um propósito de eficiência compatibiliza-se melhor com uma majoração calculada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» (como consta do n.7 do art.23º do EAJ) do que com uma interpretação que não depende de qualquer grau de satisfação.


Pode ainda acrescentar-se que, caso subsistissem dúvidas interpretativas quanto à definição do critério de calculo da majoração que o legislador terá pretendido consagrar no n.7 do art.23º, constatando-se que determinado critério favorece mais os interesses do administrador, enquanto que o critério alternativo favorece mais os interesses dos credores, sempre os princípios estruturantes do regime da insolvência haveriam de ser ponderados para dissipar tais dúvidas. E a resposta encontrar-se-ia no artigo 1º do CIRE, nos termos do qual o processo de insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores, nomeadamente através da repartição do produto da liquidação do património do devedor.”


3.3. Considerando que a bondade e acerto desta argumentação merece ser sufragada, apropria-se dela este acórdão e remete-se para esse efeito para o precedente e transcrito acórdão do STJ, assim como o proferido em 16/5/2023, que nela igualmente se ancorou, ao qual se adere nos termos do art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.


Do objecto recursivo não consta a problematização da fixação de tal majoração da remuneração variável nesta fase de rateios parciais, que transcende a revista – reitera-se.


Destarte, na questão controvertida em função do segmento decisório colocado em crise pelo Recorrente e decidido, não merece censura o acórdão recorrido, improcedendo as Conclusões do Recorrente quanto à majoração da remuneração variável e sua fórmula de cálculo.


III) DECISÃO


Em conformidade, julga-se improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


STJ/Lisboa, 2 de Novembro de 2023


Ricardo Costa (Relator)


Luís Espírito Santo


Ana Resende


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


___________________________________________________

1. Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, in www.dgsi.pt.↩︎

2. Processo n.º 453/11.1TBCDN-M.C1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, in www.dgsi.pt.

Em ambos, foi 1.º Adjunto o aqui Relator.↩︎

3. Para uma análise detalhada dos múltiplos problemas interpretativos emergentes da atual disciplina da matéria sobre a remuneração do administrador judicial, veja-se: Nuno Araújo, “A remuneração do Administrador Judicial depois de abril de 2022”, in Data Venia – Revista Jurídica Digital, n.13, 2022.↩︎

4. Este montante já constava da Portaria n.51/2005 (de 20 de janeiro), passando a ser referido diretamente pelo n.1 do art.23º após a alteração introduzida pela Lei n.9/2022, a qual manteve tal montante inalterado.↩︎

5. Aprovado pela Lei n.22/2013 (entretanto, objeto de múltiplas alterações).↩︎

6. O Direito – Introdução e Teoria Geral (13ª ed.), página 428.↩︎

7. Vd. Oliveira Ascensão, op. cit., página 429.↩︎

8. Revogada pela Lei n.22/2013.↩︎