Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15696/18.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: OBJETO DE RECURSO
QUESTÃO NOVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
ORDEM PÚBLICA
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
FUNDOS DE INVESTIMENTO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
ASSINATURA
CONTRATO DE ADESÃO
INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CIRCUNSTÂNCIAS DO CONTRATO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. Tem-se entendido que o DL n.º 176/95, de 26 de julho, não obsta à aplicação da LCCG aos contratos de seguro.

II. Questões novas apenas podem ser apreciadas, em primeiro grau, em fase de recurso, se se integrarem no âmbito dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal. Tendo em conta os interesses de ordem pública em jogo, crê-se que as cláusulas previstas no art. 8.º, als. c) e d), da LCCG, são do conhecimento oficioso do Tribunal.

III. Conforme a jurisprudência do STJ, “a inclusão de cláusulas contratuais gerais depois da assinatura do aderente ao contrato é também proibida por lei, que as considera excluídas dos contratos singulares efectivamente celebrados (art. 8.º, al. d), da LCCG), independentemente de se incluir, antes da assinatura, uma outra cláusula, onde se fez constar que há cláusulas inseridas após a assinatura e que o aderente delas tomou conhecimento”.

IV. Na interpretação do art. 8.º, al. d), da LCCG, o Tribunal deve usar um critério abstrato de apreciação, mas sem desconsiderar as circunstâncias concretas da conclusão do contrato e dos contraentes.

V. No caso de o aderente ser empresário, sócio de várias empresas, conhecedor da realidade económica e empresarial, leitor frequente da imprensa generalista e especializada em economia e subscritor, há bastante tempo, de seguros de capitalização, à luz da teleologia da norma do art. 8.º, al. d), da LCCG, as cláusulas contratuais gerais constantes de documentos, não assinados, anexos àquele que titula o contrato, não devem ser objeto de exclusão.

VI. Por outro lado, essas cláusulas também escapam à previsão do art. 8.º, al. c), da LCCG.

VII. O STJ não pode sindicar o julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo TR quando o mesmo assenta em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador.

VIII. Tratando-se dos denominados PIBS (produtos de investimento com base em seguros), à luz da legislação vigente à data da celebração dos contratos em apreço, estes acordos encontravam-se legalmente tipificados como modalidade de seguro do ramo vida (art. 124.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do DL n.º 94-B/98). De qualquer o modo, o art. 207.º do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, manda aplicar às operações de capitalização, desde que compatíveis com a respetiva natureza, o regime comum do contrato de seguro e o regime especial do seguro de vida.

IX. Um seguro ligado a fundos de investimento traduz-se num seguro de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende, total ou parcialmente, de um “valor de referência” constituído por uma ou mais “unidades de participação”.

X. No que respeita ao enquadramento jurídico da sua intervenção, no domínio da relação contratual estabelecida entre o A. e o segurador, o banco atua, em primeira linha, como mediador de seguros e não como intermediário financeiro.

XI. O predisponente deve garantir ao aderente a possibilidade de conhecer o conteúdo das cláusulas com a antecedência necessária que lhe permita refletir e adotar uma decisão ponderada e esclarecida.

XII. A circunstância de os seguros de vida ligados a fundos de investimento não terem, em regra, taxas de rendibilidade garantida não consente qualificar tais cláusulas como inabituais, inesperadas em função do tipo de contrato.

XIII. Se os esclarecimentos são prestados em reuniões presenciais, de um lado e, de outro, o rendimento da operação é um aspeto de importância crucial na subscrição dos seguros em causa, facilmente apreensível por um aderente com o perfil do A., com um histórico de investimentos na área e detentor de literacia financeira, o segurador cumpre, de forma cabal, os deveres de comunicação e de informação que sobre si recaem, à luz dos três regimes aplicáveis (DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, DL n.º 176/95, de 26 de julho, e DL n.º 446/85, de 25 de outubro).

XIV. Ainda que se verifique um agravamento do risco do investimento – o que parece ser indiciado pela diminuição de investimento em obrigações de taxa fixa e pelo aumento de investimento em obrigações de taxa variável -, não pode deixar de se entender que o A. se conformou com tal agravamento, pois permitiu que o contrato permanecesse em vigor durante cerca de nove após a mudança de designação do seguro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I - Relatório

1. AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., pedindo:

a) seja reconhecido que o Autor subscreveu contratos de adesão com as Rés,

b) seja declarada a violação dos deveres de comunicação e informação das Rés a propósito das cláusulas constantes dos contratos de adesão subscritos pelo Autor,

c) seja declarada, consequentemente, a exclusão dessas cláusulas contratuais nos termos do art. 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25 de outubro,

d) que os contratos celebrados pelo Autor sejam, assim, declarados nulos, nos termos do art. 9.º, n.º 2, do DL n.º 446/85,

e) por conseguinte, sejam as Rés condenadas, solidariamente, na restituição integral do capital investido pelo Autor, no valor de € 1.443.044,56,

f) sejam as Ré condenadas, solidariamente, no pagamento de juros vencidos à taxa legal de 4% desde o momento da subscrição do “BPI capitalização Private Bankig conservador", que ascende atualmente ao valor de € 713.536,12,

g) sejam as Rés condenadas, solidariamente, no pagamento de juros vincendos à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento,

h) sejam as Rés condenadas, solidariamente, no pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor,

i) ou, subsidiariamente, seja declarada a existência de dolo da 1.ª Ré, que responsabiliza também a 2.ª Ré, enquanto intermediária desta, na contratação dos produtos subscritos pelo Autor e, consequentemente,

j) seja decretada a anulação do contrato em vigor denominado como "BPI capitalização Private Bankig conservador", na sua nova designação de "BPI capitalização moderado" e,

k) sejam as Rés condenadas, solidariamente, na restituição integral do capital investido pelo Autor, no valor de € 1.443.044,56,

i) sejam as Rés condenadas, solidariamente, no pagamento de juros vencidos à taxa legal de 4% desde o momento da subscrição do "BPI capitalização Private Bankig conservador", que atinge neste momento o valor de € 713.536,12,

m) sejam as Rés condenadas, solidariamente, no pagamento de juros vincendos à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento,

n) sejam as Rés condenadas, solidariamente, no pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de compensação pelos danos morais sofridos pelo Autor,

o) seja declarado abusivo, à luz do art. 334.º do CC, o exercício do direito de denúncia contratual pela 1.ª Ré a 10 de maio de 2018.

2. As Rés contestaram, pedindo a sua absolvição do pedido e negando a maioria dos factos alegados.

3. Saneada, condensada e instruída a causa, procedeu-se a julgamento no decurso do qual o Autor reduziu o pedido formulado. Foi depois proferida sentença que julgou o pedido improcedente.

4. Não conformado, o Autor AA interpôs recurso de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.

5. Através da presente ação, o Autor/Recorrente, pretende a condenação das Rés Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., porquanto foi convencido pelo primeira a subscrever um produto financeiro que não corresponde nem ao que solicitou, nem ao que por aquele lhe foi informado ao tempo da subscrição.

6. As Rés Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., apresentaram contra-alegações e deduziram uma ampliação subsidiária do recurso, nos termos do art. 636.º, n.os 1 e 2, do CPC, quanto à matéria de facto e ao conhecimento das exceções da prescrição e do abuso do direito.

7. Por acórdão de 23 de setembro de 2021, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte:

Pelo exposto, este tribunal delibera julgar a presente apelação, improcedente por não provada e, por disso, confirma a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante porque decaiu totalmente.”

8. De novo não conformado, o Autor AA interpôs recurso de revista exceciona, formulando as seguintes Conclusões:

I. QUESTÃO PRÉVIA: DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE

RECURSO DE REVISTA

1.ª Por razões de economia processual, dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os fundamentos constantes dos artigos 1.º a 26.º do requerimento de interposição do presente recurso.

2.ª Estando reunidos os pressupostos previstos nos artigos 629.º, n.º 1, e 672.º, n.º 1, als. a) e b), do CPC, deve o presente recurso de revista excecional ser admitido.

II. OBJETO DO PRESENTE RECURSO

3.ª O presente recurso reporta-se ao Acórdão proferido em 23/09/2021, no âmbito do processo n.º 15696/18.9T8PRT.P1, que correu termos na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida, solicitando-se a reapreciação das seguintes questões de Direito.

A) Da violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro

4.ª Como decorre da Petição Inicial, o Autor/Recorrente reclamou uma indemnização porquanto foi convencido pelo Banco BPI a subscrever um produto financeiro que não corresponde nem ao que solicitou, nem ao que lhe foi informado pelo Banco BPI no momento da sua subscrição. Na verdade, como decorre da prova dada como assente e da prova documental junta aos autos, o fundo autónomo que as Recorridas dizem que o Recorrente subscreveu não corresponde ao seguro de capitalização efetivamente subscrito!

5.ª Na verdade, o Autor pretendia aplicar as suas poupanças num seguro de capitalização sempre com garantia do capital investido e ainda com uma taxa de rentabilidade mínima garantida, factos confirmados pelas testemunhas do Banco BPI e conforme ficou provado sob o n.º 11 dos factos provados.

6.ª Todavia, apesar de o Autor procurar um seguro de capitalização nos exatos termos referidos (com capital e taxa de rentabilidade mínima garantidos), o certo é que, veio a verificar-se que o Autor/Recorrente começou por subscrever um seguro denominado “Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização”, em 2004, o qual dispunha apenas de capital garantido e, mais tarde, em 2006, subscreveu, ainda, um seguro denominado “Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador”, o qual não detinha qualquer uma dessas características, para si essenciais, aquando da contratação e que não foram respeitadas pelas Rés/Recorridas.

7.ª De facto, e ao contrário do afirmado pelo TRP, como decorreu da prova testemunhal apresentada, bem como do documento 1.1 junto com a PI, o seguro de capitalização subscrito pelo Autor/Recorrente junto do Banco BES e Seguradora Tranquilidade, para além do capital garantido, detinha uma “rendibilidade mínima garantida de 4%” (cfr. doc. 1.1 junto com a PI).

8.ª Assim, mal andou o TRP ao afirmar, sob o item 5 “Da valoração da prova e alteração da matéria de facto” que o Autor, no investimento anterior, junto do BES, teria investido em ações com possibilidade de perda do capital investido.

9.ª Isto porque, conforme decorre dos factos assentes, o Autor sempre aplicou as suas poupanças em seguros de capitalização com garantia do capital investido e rendibilidade mínima garantida (cfr. docs. 1 a 3 juntos com a PI).

10.ª Finalmente, no que concerne o invocado pelo TRP em sede de “Motivação do Direito”, numa tentativa de menosprezo do dever fundamental de informação, chamando à colação que, se em 2014, o Autor tivesse aplicado as suas poupanças em depósitos a prazo no seu anterior Banco (BES), teria perdido todas as quantias superiores a € 100.000,00 por titular, cumpre lembrar que, o Autor tinha o seu capital aplicado, não no Banco BES (o qual atuou apenas como intermediário financeiro), mas sim numa companhia de seguros, sendo de realçar que estas estão obrigadas a ressegurar os capitais aplicados, havendo por isso, e em princípio, uma segurança maior do que nos Bancos.

11.ª Deste modo, tendo em consideração os factos dados como assentes, não pode o Autor/Recorrente, com um perfil avesso ao risco, que sempre subscreveu seguros de capitalização com capital e rentabilidade garantidos, aceitar a tese sufragada pela primeira e segunda instâncias, no sentido de que, em consciência e devidamente esclarecido, alguma vez aceitasse confiar as poupanças de uma vida num produto sem garantia do capital, como acabou por ocorrer.

12.ª Do mesmo modo, na aplicação do Direito, tendo em consideração a prova documental constante dos autos e a prova dada como assente, não poderia ter sido considerado que foi cumprido o dever de informação a que as Recorridas estavam obrigadas perante o Recorrente, quando ficou provado que só em 2017, após muitas insistências, foram disponibilizados os alegados contratos “subscritos”, que, sublinhe-se, não correspondem ao Seguro de Capitalização efetivamente subscrito pelo Recorrente.

13.ª De facto, compulsados os documentos identificados nas alegações deste recurso, verifica-se que o Recorrente subscreveu, em 2006, um Seguro que o BPI designava como “BPI Capitalização PB Conservador” e não o ulteriormente designado “BPI Capitalização Private Banking (Acções) Fundo Conservador”!

14.ª Por outro lado, os Tribunais a quo, na aplicação do Direito, não deveriam ter ignorado as consequências jurídicas decorrentes do facto de o Recorrente ter subscrito um contrato de adesão quando assinou o documento relativo ao BPI Capitalização PB Conservador.

15.ª Pelo que, não se vislumbra de que modo puderam os Tribunais a quo concluir, como concluiram, que as Recorridas cumpriram os deveres de informação a que estavam obrigadas.

16.ª Na verdade, verificou-se, in casu, uma grave violação do dever de informação por parte do Banco BPI, a qual deve ser reconhecida por este Supremo Tribunal de Justiça.

17.ª Os contratos de seguro de capitalização em questão regem-se, entre o mais, pela Norma Regulamentar n.º 05/2004-R, vigente à data das subscrições efetuadas pelo Recorrente.

18.ª Pelo que, sobre as Recorridas impendem determinados deveres de informação, designadamente os constantes do artigo 5.º, n.º 4 da aludida Norma Regulamentar, os quais não foram cumpridos, ficando as RR., em consequência, com o dever de indemnizar o Recorrente nos termos peticionados.

19.ª Acresce que, no caso da comercialização dos seguros ser efetuada por uma empresa (in casu, Banco BPI) distinta da empresa que explora o produto (BPI VIDA), como ocorre no caso dos autos, compete a esta última fazer prova da disponibilização ao tomador do seguro de TODOS os elementos informativos exigidos em momento anterior à contratualização do seguro, o que também não ocorreu.

20.ª Conforme resulta dos autos de modo abundante, foram inúmeras as vezes em que o Recorrente, pelo menos desde 2013 e por escrito, solicitou ao BPI o envio de toda a documentação por si assinada e a demais com relevância para a compreensão do seguro em que efetivamente as suas poupanças estavam investidas.

21.ª Todavia, o BPI apenas acabaria por disponibilizar ao Autor/Recorrente a referida documentação solicitada através da comunicação do Banco BPI de 07/11/2017, ou seja, 11 anos depois da subscrição do seguro.

22.ª Pelo que as Recorridas agiram em total violação do disposto no n.º 1 do 181.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17/04/1998, sendo por isso responsáveis pelos danos e perdas decorrentes dessa violação (cfr. artigo 180.º, n.º 2, ex vi artigo 181.º, ambos do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17/04/1998). Ao não reconhecer o direito nos termos expostos, o TRP violou, assim, o consagrado nos referidos normativos.

B) Das alterações contratuais unilaterais

23.ª Em 2006, foi subscrito um seguro de capitalização, então denominado “Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador” (cfr. facto assente sob o n.º 22), sendo que a partir desse momento o Recorrente não assinou quaisquer documentos relacionados com qualquer subscrição de seguros.

24.ª Esse seguro subscrito pelo Recorrente em 2006, veio a sofrer diversas alterações unilaterais, quer da sua nomenclatura, quer das suas características, às quais o Recorrente sempre foi alheio.

25.ª Com efeito, como decorre da prova documental junta aos autos, ocorreram profundas alterações no “seguro” subscrito em 2006, a saber, em dezembro de 2016, em outubro de 2008, em maio de 2010 e em maio de 2016, sempre com agravamento do risco, conforme facto assente sob o n.º 52.

26.ª Em 27/02/2006, o Recorrente subscreveu um seguro de capitalização denominado “Seguro de Capitalização PB Conservador” (cfr. facto assente sob o n.º 23), o qual foi redenominado pela R. Seguradora (cfr. comunicação de 02/08/2010), passando a designar-se de “BPI Capitalização Moderado”.

27.ª Por carta registada de 07/11/2017 o Banco BPI enviou ao Recorrente as condições contratuais dos seguros denominados “BPI Novo Capitalização”, “BPI Capitalização PB Conservador” e “BPI Capitalização Moderado” (cfr. facto assente sob o n.º 40), todos distintos, sendo certo que ficou ainda assente que não foram enviadas ao Recorrente as alegadas “cláusulas dos contratos assinadas pelo Autor” (factos assentes sob os n.ºs 40 a 45).

28.ª Acresce que, através da informação transmitida pelo Banco BPI, por carta registada de 10/05/2018 (cfr. doc. 27 junto com a PI), o Recorrente tomou conhecimento que afinal, o seguro onde estavam aplicadas as suas poupanças tratava-se de um fundo autónomo designado de “BPI Capitalização Moderado (Acções) Fundo Conservador” (adesão/apólice n.º 1199), instrumento de captação de aforro estruturado, sendo este um produto de elevado risco e de difícil controlo pela Comissão de Mercado de Valores Imobiliários, ao contrário dos seguros de capitalização em que o Recorrente sempre aplicou as suas poupanças, os quais eram produtos de poupança com benefícios fiscais.

29.ª Efetivamente, de entre as antigas e novas designações (à data da comunicação da R. Seguradora de 02/08/2010), não existe qualquer referência ao BPI Capitalização Private Banking (Ações) Fundo Conservador cujo Prospeto Informativo a Recorrida Banco BPI teria alegadamente dado a conhecer ao Autor à data da subscrição!!

30.ª Mais, na carta enviada pela Recorrida Banco BPI com as novas nomenclaturas dos produtos, os únicos que têm menção a ações são: o BPI Capitalização Dinâmico (Ações) e o BPI Capitalização Agressivo (Ações).

31.ª Em suma, o Recorrente subscreveu um seguro denominado Seguro de Capitalização PB Conservador e a Recorrida Banco BPI alega ter fornecido, em fevereiro de 2006, informações contratuais relativamente a um outro seguro denominado BPI Capitalização Private Banking (Ações) Fundo Conservador!

32.ª Ou seja, o Banco BPI alega ter prestado informação sobre um seguro que não corresponde ao seguro que o Autor/Recorrente subscreveu e assinou(!); sendo certo que ficou provado que ao Autor/Recorrente nunca foram enviados os contratos alegadamente assinados.

33.ª Estamos, pois, perante alterações contratuais unilaterais que se encontram provadas quer através de documentos quer nos factos assentes; alterações contratuais não só das nomenclaturas dos seguros, mas também do próprio conteúdo dos seguros, com agravamento do risco, havendo, por isso, uma clara e inequívoca errada aplicação do Direito por parte dos Tribunais a quo, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 181.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17/04/1998 e artigo 5.º, n.º 4 da Norma Regulamentar n.º 05/2004-R, ambos relativos ao dever de informação, bem como em violação do disposto no artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil, no que concerne as ilícitas alterações unilaterais do acordado e ainda, em violação do disposto nas alíneas c) e d) do artigo 8.º do RGCC no que respeita o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

34.ª Apesar de o Tribunal a quo ter considerado que a alteração da designação do seguro ocorrida em 2010 “não implicou” qualquer alteração à política de investimento, afirmando que as alterações verificadas se cingiram “apenas a pontuais alterações”, o certo é que dá como assente que existiram alterações contratuais unilaterais, designadamente relativamente aos intervalos de alocação de determinados produtos financeiros (cfr. facto assente sob o n.º 52).

35.ª Sendo de realçar que, compulsada a prova documental junta aos autos, bem como os factos assentes sob os n.ºs 48 a 49 (sendo que se inclui aí o facto por lapso numerado como n.º 40), baseados essencialmente nessa prova, verifica-se que o Seguro de Capitalização PB Conservador subscrito pelo Recorrente em 2006, em relação ao Seguro BPI Novo Capitalização, subscrito em 2004, representou, já, um sério agravamento do risco, uma vez que, enquanto o primeiro previa um investimento máximo em ações de 20%, o segundo passou a prever a possibilidade de um investimento em ações num máximo de 40%!

36.ª Por outro lado, enquanto inicialmente não estava prevista a possibilidade de investimento em hedge funds, o seguro subscrito em 2006 já previa a hipótese de um investimento de até 5% neste tipo de ativos, considerado de alto risco (cfr. factos provados sob o n.º 48).

37.ª Acresce ainda que, com as sucessivas alterações de designação (do mesmo seguro, segundo as Recorridas) verificou-se, através da informação por elas prestada em 2017 que, a final, houve ainda um agravamento do risco através do aumento do limite máximo de exposição a obrigações de taxa variável, que passou de 10% para 50% e a hedge funds, que passou de 5% para 10% (cfr. factos assentes sob os n.ºs 40, 41 e 52).

38.ª Ora, atentas as referidas alterações nas políticas de investimento, e salvo melhor opinião, não nos parece que se possa concluir, como o fizeram os Tribunais a quo, que as alterações ocorridas se tratam de “pontuais alterações” que não implicam a alteração da política de investimento.

39.ª Na verdade, atentos os factos assentes e a prova documental produzida, é inequívoco que as Recorridas procederam unilateralmente à alteração da política de investimento do seguro de capitalização que o Recorrente detinha, sem o seu consentimento, tendo fornecido ainda informações incorretas acerca dessas alterações, pois afirmaram não ter havido qualquer alteração da política de investimento quando se constata que a mesma existiu e sujeitou o Recorrente a um risco sucessivamente maior.

40.ª Por último, cumpre salientar uma vez mais, que nem o seguro Novo Capitalização (subscrito em 2004) nem o Seguro de Capitalização PB Conservador (subscrito em 2006), sucessivamente alterado possuíam as duas características que o Recorrente sempre procurou e pretendeu e que o Banco BPI bem percebeu, a saber: capital garantido e rendibilidade mínima garantida.

41.ª Deste modo, e pelas razões acima aludidas, deve revogar-se o Acórdão recorrido, devendo ser substituído por outro que julgue procedentes os pedidos do Recorrente.

C) Da nulidade dos contratos de adesão

42.ª Tendo o Tribunal da primeira instância considerado que a subscrição do seguro de capitalização efetuada pelo Recorrente consubstancia um verdadeiro contrato de adesão (cfr. página 28 da Sentença), submetido ao regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, incumbia-lhe apreciar a questão relativa à (in)validade desses contratos de adesão.

43.ª Todavia, não o fez, tendo o Recorrente, no seu recurso para o TRP pugnado pela nulidade da Sentença da primeira instância com base na sua omissão de pronúncia relativamente a esta matéria.

44.ª Não obstante, o TRP julgou improcedente o referido pedido de nulidade, afirmando não existirem quaisquer cláusulas após a assinatura do formulário de subscrição do seguro de capitalização, que suscitassem qualquer tipo de apreciação;

45.ª Isto apesar de dar como assentes os factos provados sob os n.ºs 40 a 45, dos quais decorre que o Banco BPI anuiu em remeter todas as cláusulas dos produtos envolvidos na querela, tendo enviado cláusulas ínsitas em documentos não rubricados nem assinados pelo Recorrente.

46.ª Em face do exposto, e seguindo a tese do TRP, verifica-se um absoluto paradoxo.

47.ª Por um lado, o TRP considera que o dever de informação foi cumprido, uma vez que foram disponibilizadas ao Recorrente as cláusulas contratuais que regem os contratos de seguro por si subscritos, quando dos formulários assinados não consta qualquer cláusula;

48.ª E ao mesmo tempo, e de modo totalmente contraditório, o TRP afirma que não existem cláusulas contratuais para efeitos de aplicação do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, quando, na verdade, dá como assente que as mesmas foram enviadas, em 2017, ao Recorrente.

49.ª Ora, a questão suscitada pelo Recorrente é legítima e óbvia: as Recorridas afirmaram ter cumprido o dever de informação ao entregar ao Recorrente as cláusulas contratuais dos seguros subscritos. Todavia, tais cláusulas não se encontram assinadas, como consta da matéria de facto dada como assente.

50.ª Pelo que, nas decisões proferidas, quer da primeira quer da segunda instância, violou-se o disposto nas alíneas c) e d) do artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (RGCC), ao não reconhecer a nulidade (inexistência) das cláusulas contratuais gerais constantes de documentos autónomos, os quais não contêm a sua rúbrica ou a sua assinatura!

51.ª De facto, como decorre da documentação junta aos autos, a única assinatura do Recorrente foi aposta nos formulários de subscrição dos seguros, de folha única e onde não consta qualquer cláusula do seguro subscrito.

52.ª Pelo que sempre se deverá considerar inexistente todo o restante clausulado, nos termos previstos nas referidas alíneas do artigo 8.º da LCCG, com as devidas consequências legais.

53.ª Acresce que, a questão em causa compreende única e exclusivamente matéria de qualificação jurídica, não carecendo por isso de ser alegada e não estando o Tribunal vinculado à posição das partes (cfr. artigo 5.º, n.º 3 do CPC), tratando-se, por isso e pelo facto de estarmos perante uma nulidade decorrente de norma imperativa, de uma questão de conhecimento oficioso, que poderia e deveria ter sido conhecida pelos Tribunais a quo.

54.ª Porém, o TRP também não se pronunciou sobre a oficiosidade do conhecimento da questão, limitando-se a afirmar que não vislumbrava onde se encontravam as cláusulas contratuais depois da assinatura do Recorrente que, como resulta claro, estavam ínsitas noutras folhas de papel, enviadas posteriormente ao Recorrente e sem a sua assinatura.

55.ª Ainda que, no quadro da legislação específica dos produtos financeiros em causa a assinatura das cláusulas contratuais não fosse necessária, o que não se concede, o certo é que o é no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais.

56.ª Pelo que, deveriam as decisões recorridas ter retirado dos factos expostos as devidas e obrigatórias consequências legais, nos termos supra descritos, condenando-se as Recorridas nos exatos termos peticionados.

Nestes termos,

Deve o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser revogado e substituído por outro que julgue procedente todo o peticionado pelo Recorrente contra ambas as Recorridas, com todas as consequências legais.

Assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!

9. Por seu turno, as Rés Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões:

CONCLUINDO QUANTO AO RECURSO INTERPOSTO

Termos em que na improcedência total das CONCLUSÕES do Recorrente e do RECURSO interposto, deve a douta decisão recorrida ser confirmada.

SEM PREJUÍZO

O douto Acórdão da RELAÇÃO DO PORTO, julgou prejudicada a apreciação da AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C., suscitada pelas Recorridas.

No entanto, caso a REVISTA EXCECIONAL venha a ser admitida mantém as Recorridas interesse na apreciação das EXCEÇÕES invocadas e que tanto na sentença de 1ª Instância, como no predito Acórdão, não foram conhecidas.

As Recorridas deduziram a EXCEPÇÃO DE PRESCRIÇÃO e de ABUSO DE DIREITO.

E fizeram-no seguintes termos:

“…239. Por mera cautela de patrocínio se invoca a presente exceção.

240.Dá como integralmente reproduzida, para os presentes efeitos, toda a factualidade e documentação supra alegada, nos presentes autos.

241.Peticiona o A. o pagamento de juros de mora, contados desde 27 de Fevereiro de 2006, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento.

242.Mas verifica-se a esse respeito, a inexigibilidade de quaisquer juros legais tal como peticionados, por ocorrência de mora do credor nos termos do artº 813º do C.C.

243.Pois o A. instado por várias vezes pelo Banco R., em ocasiões de valorização do subscrito Seguro, a resgatar o mesmo.

244.De forma consciente e insistente o não fez, não praticando como tal os actos necessários ao cumprimento da obrigação, antes sim preferindo o A. mesmo com toda a sua reiterada insatisfação, manter-se com a aplicação em carteira, para agora vir, então, invocar a pretendida declaração de nulidade ou anulação de tal Seguro e os juros de 12 anos que peticiona...

245.Sem prejuízo, é certo que os R.R. foram citados em 12/07/2018, para os termos da presente ação.

246.Quanto aos juros legais pelo A. peticionados, é aplicável o prazo prescricional previsto no art. 310º, alínea d) do C.C.

247.Assim sendo, sempre os referidos e alegados créditos do A., a titulo de juros sobre o Banco R. e da co-R. SEGURADORA, sempre se encontrariam prescritos, em tudo o que exceda o prazo de 5 anos, aí previsto.

248.O que, expressamente, para todos os efeitos legais, se invoca e alega.

249.E que, como EXCEÇÃO PEREMPTÓRIA que é, conduzirá à absolvição do pedido formulado, contra os R.R.

250.Nos termos do art. 576º, nº 3 do C.P.C.

ABUSO DE DIREITO

251.Dá para os presentes efeitos, como reproduzida toda a factualidade e documentaria supra alegada.

252.Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerassem procedentes os vícios imputados aos R.R.

253.Sempre se diria que, a procedência da mesma, comporta uma clara e flagrante situação de “Abuso de direito”.

254.Dispõe o art. 334º do Cód. Civil, que “ é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

255.Como se asseverou já em jurisprudência sobre a matéria: “ O abuso de direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito casos em que se excede os limites impostos pela boa fé”. (Ac. STJ, de 28/11/96, CJ, STJ, Ano IV, Tomo III, pg. 118).

256.Já o Prof. Vaz Serra considerava existir abuso de direito quando o comportamento do seu titular se mostre clamorosamente chocante para o sentimento jurídico reinante na colectividade, quer essa contrariedade resulte de factos subjectivos ou objectivos.

257.Em princípio, exigir-se-á que o titular actue com intenção malévola ou com grave negligência, mas também existirá abuso de direito quando o interesse geral estiver directamente em causa de modo a prevalecer sobre o interesse privado (BMJ nº 85, pg. 254).

258.O entendimento proposto pelo Prof. Antunes Varela aproxima-se, nos seus aspectos gerais dos ensinamentos anteriores, defendendo de igual modo, que o abuso de direito pressupõe que os direitos sejam exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (C. Civil Anot., vol. I, pg. 299).

259.O instituto do abuso de direito tem em vista impedir que as normas jurídicas, formuladas em termos gerais e abstractos, determinem, na sua aplicação aos casos concretos, flagrantes injustiças.

260.Os direitos não devem ser exercidos de modo insuportavelmente injusto para a consciência jurídica dominante.

261.Quando a aplicação concreta dos preceitos legais conduzirem a uma conclusão que flagrantemente viole essa consciência jurídica, o instituto do abuso de direito funcionará como “válvula de segurança” do sistema jurídico (Prof. Vaz Serra, ob. Cit., pg. 265).

262.Ora a situação, de facto e juridicamente criada pelo A., prefigura e consubstancia uma violação flagrante do princípio da boa-fé contratual e da tutela do fim social e económico do direito invocado.

263.Tal como vem sendo assinalado, a censura do “venire contra factum proprium” supõe que o titular do direito criou naquele com quem entre em relação uma situação de confiança que veio a frustrar por conduta posterior contrária à que motivou essa confiança.

264.A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, sendo, pois, aquela que resulte de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas.

265.Essa confiança deve assim filiar-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, sendo nessa conduta concludente que a contraparte cria expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade.

266.Na verdade, contraria o princípio da boa-fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contrária no futuro.

267.Como vem sendo consistentemente defendido, os efeitos do abuso de direito nesta especial modalidade exige a verificação dos seguintes pressupostos:

• Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;

•Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;

• Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico.

268.Isto posto, tendo em conta os elementos que podem ser colhidos nos autos, afigura-se-nos que, em concreto, a arguição pelo A. dos vícios nas Subscrições, bem como de hipotética violação de deveres de informação, configura um claro “venire contra factum proprium”, já que tal direito está a ser exercido em contradição com a sua anterior conduta.

269.O que intenta o A., claramente, perante investimento supostamente menos sucedido, ensaiando a declaração de nulidade ou anulação de Seguro de capitalização, em que não logrou os ganhos esperados.

270.Pois instado por várias vezes pelo Banco R., em ocasiões de valorização do subscrito Seguro, a resgatar o mesmo.

271.De forma consciente e insistente o não ter feito, preferindo o A. mesmo com toda a sua reiterada insatisfação, manter-se com a aplicação em carteira, para agora vir, então, invocar a pretendida declaração de nulidade ou anulação de tal Seguro.

272.Pelo que, mesmo que de alguma forma, se verificasse assistir ao A. algum direito, relativamente aos invocados vícios, bem como de hipotética violação de deveres de informação, sempre o mesmo se deveria considerar exercido em situação de claro, ostensivo e manifesto ABUSO DE DIREITO, cominador da sua denegação judicial.”

Ora tais EXCEÇÕES não foram apreciadas, por ter sido entendido, na sentença revidenda, que se mostraram prejudicadas face à decisão proferida.

Idêntico entendimento sido mantido no referido Acórdão da Relação do Porto, revidendo.

De acordo com a violação alegada por parte do Recorrente, do artº 8º, d) do R.J.C.C.G., tal apreciação de mérito, quanto ao invocado ABUSO DE DIREITO, ganhará mais clara relevância !!!

Mais prevenindo a hipótese de procedência da REVISTA EXCECIONAL interposta pelo Recorrente, deve a AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, requerida nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C., ser acolhida e como tal julgadas como procedentes as invocadas EXCEÇÕES e como tal confirmado o Acórdão revidendo, ainda que outros fundamentos.

Para o efeito da requerida AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO formulam-se as presentes CONCLUSÕES:

1. A FORMAÇÃO DE JUÍZES, a que alude o artº 672º, nº 3 e 4 do C.P.C., deverá rejeitar os pressupostos de REVISTA EXCECIONAL, alegados pelo Recorrente.

2. Quer a sentença de 1ª Instância, quer o Acórdão recorrido, não apreciaram as invocadas EXCEPÇÕES DE PRESCRIÇÃO e de ABUSO DE DIREITO.

3. Por tais EXCEÇÕES, em função ao decidido em tais 2 arestos, terem sido consideradas como prejudicadas.

4. Dão as Recorridas como integralmente reproduzida, para os presentes efeitos, toda a factualidade e documentação alegada na sua Contestação, bem como aqueloutra dada como provada nos presentes autos.

5. Peticionou o Recorrente, no âmbito da REDUÇÃO DO PEDIDO por si efetuada o pagamento de juros de mora, contados desde 27 de Fevereiro de 2006, à taxa legal de 4%, até ao dia 06/12/2019.

6. Mas verifica-se a esse respeito, a inexigibilidade de quaisquer juros legais tal como peticionados, por ocorrência de mora do credor, nos termos do artº 813º do C.C.

7. Pois o Recorrente instado por várias vezes pelo Banco Recorrido, em ocasiões de desvalorização do subscrito Seguro, a resgatar o mesmo.

8. De forma consciente e insistente o não fez o Recorrente, não praticando como tal os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

9. Antes sim preferindo o Recorrente, mesmo com toda a sua reiterada insatisfação, manter-se com a aplicação em carteira, para agora vir, então, invocar a pretendida declaração de nulidade ou anulação de tal Seguro e os juros de 12 anos que peticionou...

10.Tudo sem esquecer que, em 25/11/2019, o Recorrente solicitou ao Banco Recorrido o resgate imediato e total do SEGURO CAPITALIZAÇÃO BPI MODERADO por si detido e melhor identificado nos presentes autos, tendo sido entregue ao Recorrente o comprovativo de registo da ordem supra referida, quanto ao certificado nº 068-001199, com a quantidade de 244.536,38509 e com data de execução de 29/11/2019.

11.Com base na cotação UC de € 5,95598 apurada em 29/11/2019, foi por NOTA DE EXECUÇÃO, com data valor de 06/12/2019, efetuado o solicitado resgate, pelo valor bruto de € 1.456.453,82.

12.Tendo sido retido IRS, à taxa legal no montante de € 6.322,83, pelo que foi, então, creditado na conta D.O. do Recorrente, o valor líquido de € 1.450.130,99.

13.Ficando como tal resgatado o SEGURO CAPITALIZAÇÃO BPI MODERADO, nos termos e valores supra descritos.

14.Sem prejuízo, certo é que as Recorridas foram citadas em 12/07/2018, para os termos da presente ação.

15.Quanto aos juros legais pelo Recorrente peticionados, é aplicável o prazo prescricional previsto no art. 310º, alínea d) do C.C.

16.Assim sendo, sempre os referidos e alegados créditos do Recorrente, a titulo de juros sobre as Recorridas, sempre se encontrariam prescritos, em tudo o que exceda o prazo de 5 anos, aí previsto.

17.O que, expressamente, para todos os efeitos legais, se invoca e alega, como EXCEÇÃO PEREMPTÓRIA que é, conduzirá à absolvição do pedido formulado, contra as Recorridas, nos termos do art. 576º, nº 3 do C.P.C.

18.Mais vieram as Recorridas a invocar a EXCEÇÃO DE ABUSO DE DIREITO, nos termos do artº 334º do C.C.

19.Dão as Recorridas como integralmente reproduzida, para os presentes efeitos, toda a factualidade e documentação alegada na sua Contestação, bem como aqueloutra dada como provada nos presentes autos, bem como a matéria alegada pelo Recorrente nas suas ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES, no âmbito do uma alegada violação do artº 8º, d) do R.J.C.C.G., por si apenas alegada em sede de omissão de pronúncia, na APELAÇÃO interposta, que deu origem ao Acórdão da RELAÇÃO DO PORTO revidendo.

20.Tal apreciação de mérito, quanto à invocada EXCEÇÃO DE ABUSO DE DIREITO, ganha, com tal episódio…, maior e mais clara relevância.

21.Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerassem procedentes os vícios imputados às Recorridas, sempre se diria que, a procedência da ação, nos termos em que permanece, comportaria uma clara e flagrante situação de “Abuso de direito”, para os efeitos do art. 334º do C.C.

22.Como se asseverou já em jurisprudência sobre a matéria: “O abuso de direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito casos em que se excede os limites impostos pela boa fé”. (Ac. STJ, de 28/11/96, CJ, STJ, Ano IV, Tomo III, pg. 118).

23.O instituto do abuso de direito tem em vista impedir que as normas jurídicas, formuladas em termos gerais e abstractos, determinem, na sua aplicação aos casos concretos, flagrantes injustiças.

24.Os direitos não devem ser exercidos de modo insuportavelmente injusto para a consciência jurídica dominante.

25.Quando a aplicação concreta dos preceitos legais conduzirem a uma conclusão que flagrantemente viole essa consciência jurídica, o instituto do abuso de direito funcionará como “válvula de segurança” do sistema jurídico (Prof. Vaz Serra, ob. Cit., pg. 265).

26.Ora a situação, de facto e juridicamente criada e alegada pelo Recorrente, prefigura e consubstancia uma violação flagrante do princípio da boa-fé contratual e da tutela do fim social e económico do direito invocado.

27.A censura do “venire contra factum proprium” supõe que o titular do direito criou naquele com quem entre em relação uma situação de confiança que veio a frustrar por conduta posterior contrária à que motivou essa confiança.

28.A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, sendo, pois, aquela que resulte de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas.

29.Essa confiança deve assim filiar-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, sendo nessa conduta concludente que a contraparte cria expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade.

30.Na verdade, contraria o princípio da boa-fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta contrária no futuro.

31.Como vem sendo consistentemente defendido, os efeitos do abuso de direito nesta especial modalidade exige a verificação dos seguintes pressupostos:

• Uma situação objectiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;

• Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;

• Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico.

32.Afigura-se às Recorridas que, em concreto, a arguição pelo Recorrente dos vícios nas Subscrições efetuadas, bem como de hipotética violação de deveres de informação, e da alegada violação do artº 8º, d) do R.J.C.C.G., por si nunca antes alegada em 1ª Instância e que foi imputada a tal decisão, em sede de omissão de pronúncia, configura um claro e reforçado “venire contra factum proprium”, já que tal hipotético direito está a ser exercido em contradição com a sua anterior conduta.

33.O que intentou o Recorrente, claramente, perante investimento supostamente menos sucedido, ensaiando a declaração de nulidade ou anulação de Seguro de capitalização, em que não logrou os ganhos esperados.

34.E que instado por várias vezes pelo Banco Recorrido, em ocasiões de valorização do subscrito Seguro, a resgatar o mesmo, de forma consciente e insistente o não fez, preferindo o Recorrente, mesmo com toda a sua reiterada insatisfação, manter-se com a aplicação em carteira, para vir, então, invocar a pretendida declaração de nulidade ou anulação de tal Seguro.

35.E depois, na pendência dos presentes autos, proceder ao seu resgate nos termos supra descritos…

36.Pelo que, mesmo que, de alguma forma, se verificasse assistir ao Recorrente, algum direito, relativamente aos invocados vícios, bem como de hipotética violação de deveres de informação, ou do artº 8º, d) do R.J.C.C.G., sempre o mesmo se deveria considerar exercido em situação de claro, ostensivo e manifesto ABUSO DE DIREITO, cominador da sua denegação judicial.

37.Sendo certo que a invocada EXCEÇÃO DE ABUSO DE DIREITO, ganha clara e reforçada relevância.

38.Na hipótese de procedência do RECURSO interposto pelo Recorrente, assiste às Recorridas a faculdade de promover a AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C.

39.Para que possam ser acolhidas e como tal julgadas como procedentes as invocadas EXCEÇÕES e como tal confirmada a sentença revidenda, ainda que outros fundamentos.

40.Como tal, as invocadas EXCEPÇÕES DE PRESCRIÇÃO e de ABUSO DE DIREITO, caso de alguma forma, o recurso interposto pelo Recorrente possa ter merecimento, devem ser julgadas provadas e procedentes.

41.Como tal devendo as Recorridas ser absolvidas dos pedidos, nos termos legais.

Pelo que:

A. Deve a FORMAÇÃO DE JUÍZES, a que alude o artº 672º, nº 3 e 4 do C.P.C., rejeitar os pressupostos de REVISTA EXECECIONAL alegados pelo Recorrente.

B. Na hipótese de admissão do RECURSO interposto pelo Recorrente, deve o mesmo ser julgado improcedente, confirmando-se o Acórdão revidendo.

C. Na hipótese de procedência do RECURSO interposto pelo Recorrente, deve a AMPLIAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO RECURSO, requerida pelas Recorridas, nos termos do artº 636º, nº 1 e 2 do C.P.C., ser acolhida e como tal julgadas como procedentes as invocadas EXCEÇÕES e como tal confirmada a decisão revidenda, ainda que com outros fundamentos.

Assim se fazendo integral JUSTIÇA

10. Por acórdão de 24 de março de 2022, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça, à luz do art. 672.º, n.º 1, al. a), admitiu o recurso de revista excecional interposto pelo Autor AA.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as questões:

- exclusão ou não das cláusulas contratuais gerais ao abrigo do art. 8.º, als. c) e d), do DL n.º 446/85, de 25 de outubro;

- (in)cumprimento pelas Rés dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação;

- (in)cumprimento pelas Rés do dever de atualização de informação contratual.

III – Fundamentação

A. De Facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

1. O BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA, é um Banco, com o NIPC nº ...46, com sede na Rua ..., com o capital social de € 17.500.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o nº ...6 4. A Certidão Permanente do BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO S.A., foi atribuído o número ...-...-...52.

2. Por seu turno, o BANCO BPI, S.A., Sociedade Aberta, igualmente Banco apresenta o NIPC nº ...34, com sede na Rua ..., com o capital social de € 1.293.063.324,98, matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o nº ...34.

3. O Banco R. encontra-se registado com MEDIADOR DE SEGUROS LIGADO, com o nº de registo ...31, no anteriormente designado por INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL – I.S.P., actual AUTORIDADE DE SUPERVISÃO DE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÕES - ao diante abreviadamente designada por A.S.F.

4. Por operação de CISÃO-FUSÃO lavrada em registo comercial em 07/11/2014, foram destacadas do BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA e incorporadas no BANCO BPI S.A – Sociedade Aberta, ora R., um conjunto de actividades económicas por aquele desenvolvida entre as quais o PRIVATE BANKING, – ao diante abreviadamente designado por PB - incluindo toda a sua rede de clientes e de relações jurídicas.

4. Em face de tal operação a conta do A. e sua mulher, aberta em 14/10/2004, no PB, do BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA, com o nº ...50, passou a ter o nº ...2.0, com o IBAN PT...81, no Banco R., com a mesma titularidade.

5. A sociedade BPI VIDA – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, SA, tem o NIPC nº ...43.

6. Por seu turno, por acto de fusão, adoptou a firma de BPI VIDA E PENSÕES – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, sua actual firma - ao diante abreviadamente designada por co-R. SEGURADORA.

7. O A. desde pelo menos, 1992 e até 14 de Outubro de 2004, tinha subscrito no "Banco Espírito Santo, S.A." (assim designado à data), PPR's (Planos de Poupança e Reforma) e Seguros de Capitalização, os quais sempre lhe garantiram o capital investido e ainda uma rendibilidade mínima garantida;

8. O A., em 14 de Outubro de 2004, acompanhado da sua mulher BB, dirigiu-se às instalações do "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A.", primeira R., na Rua ...;

9. Tendo sido atendido pelos Exmos. Srs. Dra. CC e Dr. DD, funcionários da primeira R., onde desempenhavam o cargo de ... Financeiros;

10. O A. explicou a ambos quais os Seguros de Capitalização que havia subscrito no "Banco Espírito Santo, S.A.", explicando-lhe as características dos seguros de capitalização que lá havia subscrito.

11. O A. explicou aos mencionados funcionários do "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A.", primeira R., que o seguro de capitalização de que ali ia à procura era um que lhe atribuísse garantia de capital investido, e ainda uma taxa de rendibilidade mínima garantida.

12. O A., na altura, era empresário, no ramo de serralharia, sócio de várias empresas, tendo chegado mais tarde a frequentar um curso superior de engenharia civil na Universidade ..., sendo sua mulher empresária no ramo têxtil.

13. Conjuntamente com sua mulher são pessoas conhecedoras da realidade económica e empresarial.

14. O Autor é leitor frequente de imprensa, generalista e especializada em economia.

15. Os Srs. Dra. CC e Dr. DD referiram ao A. que o que o "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A." dispunha de uma aplicação de capital garantido na maturidade e indexada à inflação e o Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização, com capital garantido da co-R. SEGURADORA.

16. O A. depositou, em 14/10/2004, o valor de EUR 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) no "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A." numa conta aberta para o efeito com o n.º ...0.5 e nessa mesma data subscreveu então o referido seguro que a Dra. CC e Dr. DD lhe apresentaram, o "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" (Adesão n.º ...28);

17. O denominado “seguro de capitalização” terminaria a 14/10/2044 e essa subscrição foi assinada pelo Dr. DD, enquanto funcionário do "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A.", primeira R. e pelo A.

18. Na reunião de subscrição do Seguro, tanto o A. como sua mulher entenderam as características do mesmo, nomeadamente a existência de garantia de capital, a inexistência de rentabilidade garantida, a existência de comissões de resgate durante o 1º ano, o apuramento da rentabilidade ser anual e conhecida no inicio de cada ano.

19. Em Janeiro de 2005 os serviços do PB contactaram o A. para apresentar a rentabilidade obtida no Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização no ano de 2004 que ascendeu a 3,2%, não tendo o mesmo feito nenhum comentário em desabono da rentabilidade obtida.

20. Em Janeiro de 2006, de igual forma, os serviços do PB comunicaram a rentabilidade obtida por este investimento no ano de 2005, que ascendeu a 2,15%.

21. O A. e sua mulher não reclamaram da rentabilidade obtida, nem invocaram qualquer tipo de vício quanto à performance do seguro, nem sequer exigiram resgatar o referido investimento.

22. Em Fevereiro de 2006 ocorreu uma reunião, com o A. e sua mulher nas instalações do PB, no decurso da qual foi veiculada uma Proposta de Investimento de um Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador.

23. Alguns dias depois em 27 de fevereiro de 2006, os serviços do PB e o A., voltaram a reunir e a falar sobre as características do Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador tendo o A. decidido, então, transferir a aplicação do Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização para o Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador, da co-R. SEGURADORA, no total de € 1.443.456,71.

24. Para o efeito tendo o A. assinado a documentação necessária, sendo que operacionalmente esta transferência ocorreu respeitando os prazos previstos.

24-A O Autor e assinou os documentos que lhe foram apresentados, nomeadamente os documentos em que constava "Aceito as condições na informação ao cliente, de que tomei conhecimento completo e sobre as quais me foram prestados todos os esclarecimentos que julguei necessários".

25. O Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização tem um prazo de resgate de 5 dias úteis, pelo que tendo o mesmo sido pedido a 27 de fevereiro de 2006, a liquidação ocorreu a 6 de março de 2006, data em que ocorre a subscrição por transferência no Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador.

26. O A. recebeu a “Informação ao Cliente” do Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador, contendo as condições do Seguro, tendo as mesmas sido, detalhada e presencialmente, explicadas ao A. e sua mulher.

27. A 02/08/2010, o A. recebeu uma missiva A co-R. SEGURADORA que comunicou ao A. a colocação à disposição de novos 2 perfis de investimento e a actualização dos restantes perfis atribuindo-lhes um nome que melhor expressasse o conceito de investimento, como tal, o Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador subscrito pelo A. em 27/02/20061, e liquidado em 06/03/20068, passou a designar-se Seguro de Capitalização “BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO”.

28. Mais referindo nessa missiva que aquela "mudança não implica qualquer alteração ao nível da política de investimentos dos fundos autónomos que se mantêm inalteradas"

29. A primeira R. indica ainda nessa missiva que o seguro de capitalização onde o A. tinha o seu dinheiro depositado passou de "BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING CONSERVADOR" para a designação de "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO" ;

30. Em 31/03/2009, o A. teve perdas que ascenderam a 25,5%, aproximadamente, cifrando-se o seu capital em EUR 1.090.620,05.

31. O Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador, apresentou rentabilidade positiva em vários momentos no decurso dos anos de 2006 e 2007, como se pode constatar dos extractos mensais: 30.09.2006 – 1.444.510,66; 31.12.2006 - 1.483.162,08; 31.03.2007 – 1.506.608,23; 30.06.2007 – 1.533.526,80; 30.09.2007 – 1.513.746,25; 31.12.2007 – 1.483.619,37

32. Em 30/09/2011 o A. apresentou perdas que ascenderam a 18%, passando a dispor de um capital de apenas EUR 1.188.495,74.

33. Em 31/10/2016, o seu resultado líquido no seguro de capitalização era de EUR 1.412.136, 49, ainda abaixo do capital que depositou.

34. Em 15/04/2014, o A. fez uma reclamação para o Banco de Portugal a relatar este facto

35. Em resposta, o Banco de Portugal, a 04/06/2014, remeteu o A. para o Instituto de Seguros de Portugal (actual Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), uma vez que o "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A.", primeira R, funcionou como intermediário financeiro na subscrição dos seguros de capitalização entre o A. e o "BPI VIDA COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A.", segunda R.

36. Nesta sequência, o A. também reclamou várias vezes para a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões que referiu, em 13/09/2016 que não lhe competia dirimir conflitos de natureza contratual.

37. A 12 de Julho de 2017, o A. solicitou, através dos seus mandatários, o agendamento de uma reunião, para ser esclarecido quanto às perdas de capital que apresentava e para saber que tipo de características tinha o seguro de capitalização subscrito;

38. Tal reunião veio a ocorrer, nas instalações da primeira R., a 2 de Outubro de 2017;

39. Nessa reunião, estiveram presentes a Exma. Senhora Dra. CC, funcionária da primeira R., o Ilustre Mandatário da primeira R., a mandatária do A. e o próprio A..

40. A primeira R. a pedido da mandatária do A. presente, anuiu em remeter todas as cláusulas dos produtos envolvidos na querela, designadamente, "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO", ""BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING CONSERVADOR" e "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO";

41. Mais fora solicitado o envio de todos os documentos que o A. assinara nas instalações da primeira R. aquando da subscrição desses produtos, bem como as cláusulas dos contratos assinadas pelo A.;

42. Estas últimas nunca foram enviadas pela primeira R., pelo menos não rubricadas nem assinadas pelo A.;

43. A primeira Ré qualificou o Autor como um investidor não qualificado/ não profissional e conservador ;

44. Na sequência da referida reunião, a primeira R. remeteu, a 7 de Novembro de 2017, as Informações ao Cliente do "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" não assinadas pelo A. ;

45. Remeteu igualmente as Informações ao Cliente do "BPI CAPITALIZAÇÃOPRIVATE BANKING CONSERVADOR", não assinadas pelo A.

46. Mais remeteu ao A. as Informações ao Cliente do "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO", declarando que esta é a mencionada nova designação do "BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING - CONSERVADOR", ocorrida em 2010, e reiterou novamente que tal mudança de nome não implicou qualquer alteração à política de investimento .

47. E A primeira R. aproveita o ensejo para remeter o documento informativo do "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO" "atualmente em vigor", sendo que nunca comunicara ao R. que tais condições haviam alterado (Doc. N.º 21, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

48. As condições daquele produto denominado "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" (são).

a. É um seguro de capitalização contratado pelo prazo de 8 anos, quando no documento de subscrição deste produto o Dr. DD colocou que a data de vencimento seria em 14/10/2044 (Cfr. Doc. N.º 4);

b. A política de investimento era a seguinte: i. Valores mobiliários, designadamente títulos de dívida pública, ações, títulos de participação, obrigações convertíveis, obrigações de taxa fixa, de taxa indexada e de taxa variável; participações em instituições de investimento coletivo; ii. Terrenos, edifícios, ações de sociedades imobiliárias e unidades de participação em fundos de investimento coletivo; iii. Pode aquele fundo investir em participações em Instituições de investimento coletivos que não respeitem os requisitos de legislação adotada por força da Diretiva do Concelho n.º 85/611/CEE, de 20 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelas Diretivas n.º 2001/107/CE e 2001/108/CE; iv. Pode aquele fundo investir, ainda, em valores mobiliários que não se encontrem admitidos à negociação em bolsas de valores ou em outros mercados análogos de países da OCDE, até ao limite máximo permitido por lei ou regulamento. Este limite era, ao momento, de 15%, podendo ser excedido desde que existisse cobertura de risco; v. O fundo podia investir em valores mobiliários expressos em moedas distintas do Euro, até ao limite máximo permitido legalmente. O limite era, na altura, 20%, podendo ser excedido desde que existisse adequada cobertura do risco cambial; vi. O fundo podia utilizar derivados, operações de reporte e empréstimos de valores, de acordo com a legislação ao momento em vigor;

c. Seriam adotados como limites específicos, face ao valor global do fundo, os seguintes intervalos de alocação: activos Mínimo Máximo: Obrigações de Taxa Fixa 5% 70%

Obrigações de Taxa Variável 5% 70%; Investimentos Imobiliários 0% 30%; Instituições de Investimento Coletivo 0% 40%; Acções 0% 20%; Liquidez 0% 30%; A medida de referência para a política de investimento relativa à rendibilidade seriam a TWR (Time Weighed Rate of Return) e ao risco o Desvio Padrão, sendo os índices de referência os seguintes: CLASSE DE ATIVOS ÍNDICE DE REFERÊNCIA Obrigações de taxa fixa + Imobiliário EFFAS> 1 Ações MSCIEurope Outros Euribor 3 meses A taxa de rendimento do fundo seria calculada no final de cada exercício, através da seguinte fórmula matemática e sem garantia de qualquer rentabilidade, a qual não foi nem comunicada nem explicada ao A.: rxClf + [∑ CFd x(1 + r)x [(365-d)/365] - ∑ CFd] Clf Conta de investimento no fim do ano anterior; CFa- Entregas líquidas de encargos (sinal positivo) e resgates (sinal negativo) efectuados durante o ano; d- Número de dias decorridos desde o início do ano, para cada entrega e resgate.

40. As condições daquele produto denominado ""BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING": a. Títulos de dívida pública, ações, títulos de participação, obrigações convertíveis, obrigações de taxa fixa, de taxa indexada e de taxa variável; b. Participações em fundos de investimento mobiliário (OICVM's), Hedge Funds e outras instituições de investimento coletivo; c. Terrenos, edifício, ações de sociedade imobiliárias e unidades de participação em fundos de investimento imobiliário.

Seguir-se-iam pelos seguintes intervalos de alocação: Activos Mínimo Máximo Ações 0% 40% Obrigações de taxa fixa 25% 80%; Obrigações de taxa variável 5% 10% Investimentos imobiliários 0% 5%; Hedge Funds 0% 5%; A medida de referência relativa à rendibilidade seria, tal como no anterior, a TWR (Time Weighed Rate of Return) e ao risco o Desvio Padrão; Contudo, alteraram os índices de referência para os seguintes: CLASSE DE ATIVOS ÍNDICE DE REFERÊNCIA; Obrigações de taxa fixa EFFAGLOBAL; Obrigações de taxa variável + liquidez +; Hedge Funds + imobiliárioEuribor 3 meses; Ações MSCI World; A rendibilidade do investimento seria a rendibilidade da carteira do fundo constituído com o capital do A

49. As condições daquele produto denominado "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO Ativos Mínimo Máximo Ações 0% 40%; Obrigações de Taxa Fixa 0% 80%; Obrigações de Taxa Variável 0% 50%; Investimentos imobiliários 0% 5%; HedgeFunds 0% 10%;

E, como medida de referência relativa à rendibilidade e ao risco estabelecida como padrão de comparação para análise do desempenho da gestão dos investimentos, os índices abaixo melhor indicados: CLASSE DE ATIVOS ÍNDICE DE REFERÊNCIA Obrigações de taxa fixa EFFAGLOBAL; Obrigações de taxa variável + liquidez + imobiliário; Euribor 3 meses; Ações MSCI World; HEDGEFUNDS HFR Global Hedge Fund Eur.

50. Tendo em conta o tipo de aplicação, ao longo do tempo, os serviços do PB conversaram e reuniram várias vezes com o A. sobre a evolução do Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador.

51. O seguro apresentou desvalorizações passados 3 meses da sua constituição momento em que o A. começou a mostrar um temperamento muito inconstante e nervoso com a evolução do investimento.

52. A política de investimento do Seguro em causa, apenas teve ao longo dos anos as seguintes pontuais alterações: em dezembro de 2006 foi diminuída a percentagem mínima a alocar em obrigações de taxa fixa e aumentou-se a percentagem máxima a alocar em obrigações de taxa variável; em outubro de 2008, a alocação mínima passou toda a ser 0%. em maio de 2010 a alocação em “Hedge Funds” passou a ter definido o intervalo de alocação, dado que à altura apenas existia indicação de que poderia investir neste tipo de ativo. em maio de 2016 foi diminuída a percentagem máxima a alocar em ações.

53. A partir de 06/02/2008 e até 13/11/2011, enveredou o A. por dirigir ao BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA e sua então Administração cartas de natureza injuriosa, relativas ao alegado comportamento do mesmo Banco na subscrição do predito Seguro.

54. O BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA perante tal sucessão - quase mensal - de missivas ainda promoveu, inicialmente, resposta, pela mesma via, ao A.

55. O que fez, por intermédio, das suas cartas de 07/03/2008, 22/04/2008, 30/09/2008 e 16/06/2009. 56. Tendo na sua carta de 16/06/2009, comunicado ao A., que não iria de futuro continuar a responder às mesmas cartas sobre a pretensa "retirada" de valores da conta poupança do mesmo, ou a solicitar a devolução de importâncias.

57. No seguimento do supra-referido, e perante e contínuas insistências do A. com novas cartas, o então BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA, apresentou contra o ora A. 2 queixas crime, em 11/04/2012 e 20/07/2012.

58. Tais queixas deram origem ao processo nº 5025/12.0..., que foi distribuído em fase de Julgamento ao então ...º JUIZO- ...ª SECÇÃO do JUIZOS CRIMINAIS ....

59. Posteriormente, em 15/01/2014, em sede de AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO designada em tais autos, foi obtido um acordo entre o A. - então ARGUIDO - e o BANCO PORTUGUÊS DE INVESTIMENTO, SA, por intermédio do qual se consignou que, desistindo este da Queixa e P.I.C. apresentado.

60. Até o dia 06.12.2019 o autor não pediu o regaste do seguro de capitalização BPI moderado.

61.9 o Autor resgatou o seguro de capitalização BPI moderado, pelo valor global de € 1.456.453,82, tendo sido creditado na sua conta de depósitos à ordem no dia 06.12.2019 a quantia de € 1.450.130,99, deduzida de IRS.

B. De Direito

1. No âmbito da ação declarativa, sob a forma de processo comum, intentada por AA contra Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., o Autor AA interpôs recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença do Tribunal de Primeira Instância que decidiu julgar a ação totalmente improcedente.

2. Não conformado com a decisão do Tribunal superior, o Autor/Recorrente AA pugna pela revogação do acórdão e pela sua substituição por outro que julgue procedente todo o peticionado.

3. As Rés Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso e, por conseguinte, a confirmação do acórdão recorrido, tendo igualmente suscitado, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 636.º, n.os 1 e 2, do CPC.

(In)admissibilidade do recurso

O recurso de revista excecional interposto pelo Autor AA foi admitido pelo acórdão da Formação de apreciação preliminar de 24 de março de 2022.

Da exclusão ou não das cláusulas contratuais gerais ao abrigo do art. 8.º, als c) e d), do DL n.º 446/85, de 25 de outubro

1. Analisando, por ordem de precedência lógica, as questões suscitadas no recurso, começa-se por apreciar a questão da invocada nulidade de cláusulas contratuais gerais constantes de documentos autónomos em que não se encontra a assinatura do Autor/Recorrente AA.

2. O Autor/Recorrente AA insurge-se contra o facto de o Tribunal de 1.ª Instância, apesar de ter considerado que a subscrição do seguro de capitalização efetuada se reconduzia a um contrato de adesão, submetido ao regime jurídico previsto no DL n.º 466/85, de 25 de outubro (doravante LCCG), absteve-se de se pronunciar sobre a (in)validade de tal convénio com o fundamento que ora vem suscitar. Refere, por outro lado, que o Tribunal da Relação, ao apreciar a alegada nulidade da sentença quanto a tal matéria, afirmou “não existirem quaisquer cláusulas após a assinatura do formulário de subscrição do seguro de capitalização, que suscitassem qualquer tipo de apreciação”, “apesar de dar como assentes os factos provados sob os n.ºs 40 a 45, dos quais decorre que o Banco BPI anuiu em remeter todas as cláusulas dos produtos envolvidos na querela, tendo enviado cláusulas ínsitas em documentos não rubricados nem assinados pelo Recorrente.” Conclui que foi violado o disposto no art. 8.º, als. a) e d), da LCCG, ao não ser reconhecida pelo Tribunal a nulidade (inexistência) das cláusulas contratuais gerais constantes de documentos autónomos desprovidos da sua rubrica ou assinatura. Pugna, por isso,

pela declaração de inexistência de todo o restante clausulado contratual.

3. Em sede de resposta, as Rés/Recorridas Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., com vista a refutar a pretensão do Autor/Recorrente, mencionam os seguintes argumentos: a sentença não se pronunciou sobre a validade dos referidos contratos, à luz do disposto no art. 8.º, al. d), da LCCG, uma vez que tal questão não foi oportunamente suscitada, tendo até o Autor/Recorrente procedido ao resgate do seguro em causa, não obstante defender a sua nulidade; na pressuposição de que a questão colocada se mostra suscetível de conhecimento oficioso do Tribunal, há que ter em conta que a informação contratual e pré-contratual relativa à comercialização de seguros do ramo vida, em 2004 e 2006, se regia pelo DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, bem como pelo DL n.º 176/95, de 26 de julho (e, em termos regulamentares, pela Norma Regulamentar n.º 05/2004-R, de 10 de setembro, do então I.S.P., atual A.S.F., publicada por via do Regulamento n.º 37/2004), regime esse que se reveste de natureza especial relativamente à disciplina das cláusulas contratuais gerais e que não exige assinatura conjunta de segurador, mediador, segurado e tomador de seguro; que o então vigente art. 426.º do Cód. Comercial previa tão somente a necessidade de redução a escrito do contrato de seguro num instrumento que constituía a apólice de seguro, sendo que, no regime estabelecido na Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de abril), a validade desse contrato não depende da observância de forma especial; ainda que assim não se entendesse, a situação dos autos escapa à lógica da invocada exigência formal.

4. O Tribunal a quo, depois de considerar que a sentença apelada não padecia de nulidade, por omissão de pronúncia, em virtude de não ter apreciado a questão referida, acabou por se pronunciar, a título subsidiário, sobre o mérito da mesma, ao referir que os documentos juntos com a petição (n.os 6 e 7) não ostentavam cláusulas inseridas após a assinatura.

5. Antes de entrar no mérito da questão decidenda, impõe-se a consideração da natureza jurídica da relação contratual estabelecida entre as partes.

6. Ficou provado que o Autor/Recorrente depositou, a 14 de outubro de 2004, o valor de € 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) no Banco BPI Private Banking, S.A., numa conta aberta para o efeito com o n.º 60950.5 e, nessa mesma data, subscreveu então um seguro denominado "BPI Novo Capitalização" (Adesão n.º 000628). Essa subscrição foi assinada pelo Senhor Dr. DD, enquanto funcionário do Banco BPI Private Banking, S.A., 1.ª Ré, e pelo Autor AA (factos provados sob os n.os 16 e 17). Ficou igualmente demonstrado que, a 27 de fevereiro de 2006, os serviços do private banking e o Autor voltaram a reunir e a falar sobre as características do Seguro de Capitalização “BPI Capitalização PB Conservador”, tendo o Autor/Recorrente decidido transferir a aplicação do Seguro de Capitalização “BPI Novo Capitalização” para o Seguro de Capitalização “BPI Capitalização PB Conservador”, da co-Ré BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., no total de € 1.443.456,71. Para tal, o Autor/Recorrente assinou a documentação necessária, os documentos que lhe foram apresentados, nomeadamente aqueles em que estipulavam o seguinte: "Aceito as condições na informação ao cliente, de que tomei conhecimento completo e sobre as quais me foram prestados todos os esclarecimentos que julguei necessários" (factos provados sob os n.os 24 e 25).

7. Entre o Autor/Recorrente AA e a Ré BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., foram celebrados, em 2004 e 2006, dois contratos de seguro, tendo o Réu Banco BPI Private Banking, S.A., intervindo na qualidade de mediador de seguros.

8. Numa perspetiva compreensiva, seguro é o contrato pelo qual o segurador, mediante uma retribuição (prémio) pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos resultantes da verificação de um determinado evento futuro e incerto, ou ao pagamento de um valor pré-definido, no caso de ocorrência dessa eventualidade2.

9. No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou com a sobrevivência da pessoa segura.

10. Conforme mencionado infra, o seguro em apreço não se reconduz a um seguro do ramo vida tradicional. Efetivamente, “por pressão dos operadores e interesses financeiros, operou-se uma verdadeira “revolução” no sector segurador, com a introdução de novas modalidades contratuais e o reforço da vertente financeira, permitindo e conferindo ao contrato de seguro de vida algumas polivalências que no início não tinha, com enorme impacto no volume de negócios dos seguradores.”3.

11. Ao tempo da celebração dos referidos contratos, regia o DL n.º 176/95, de 26 de julho, que consagrava regras de transparência para o exercício da atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico dos contratos de seguro, assim como DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, que estabeleceu uma fronteira entre os seguros do ramo “Vida” e os seguros dos ramos “Não vida”. Este diploma previa, no art. 124.º, que “O ramo «Vida» inclui os seguintes seguros e operações:1) Seguro de vida: a) Em caso de morte, em caso de vida, misto e em caso de vida com contra-seguro (…) 3) Seguros ligados a fundos de investimento, que abrangem todos os seguros previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e ligados a um fundo de investimento (…)

12. O Tribunal de 1.ª Instância qualificou tais contratos como de adesão, sujeitos ao regime plasmado na LCCG.

13. De facto, não existindo incompatibilidade de regimes, tem-se entendido que “o DL n.º 176/95, de 26-07, não constitui entrave à aplicação aos contratos de seguro do regime do DL n.º 446/85, de cujo âmbito não estão excluídos4, afirmando-se mesmo que, tendo em conta os objetivos não inteiramente coincidentes dos dois diplomas legais, “o DL n.º 176/95 não contém regime jurídico especial em relação ao do DL n.º 446/85, pelo que as suas disposições não prejudicam nem afastam as deste.”5.

14. Uma vez que o DL n.º 176/95, de 26 de julho, não prevê nenhum regime suscetível de colidir com as regras estabelecidas no art. 8.º, als. c) e d), da LCCG, não se descortina qualquer obstáculo à aplicação destas normas ao caso concreto.

15. Todavia, impõe-se, desde logo, saber se as cláusulas previstas nas als. c) e d) do art. 8.º da LCCG são ou não do conhecimento oficioso do Tribunal.

16. A resposta a esta questão determina o âmbito de cognição do presente recurso, porquanto a alegação de que cláusulas contratuais gerais foram incluídas em documento autónomo, não assinado, surgiu, de modo inovatório, em sede de alegações do recurso de apelação (cf. pontos 58.º e 59.º das respetivas Conclusões). Assim, enquanto questão nova, apenas poderá ser apreciada, em primeiro grau, em fase de recurso, se se integrar no âmbito dos poderes de conhecimento oficioso do Tribunal.

17. Tendo em conta os interesses de ordem pública em jogo, crê-se que o conhecimento da questão em apreço se afigura de caráter oficioso6, na esteira do entendimento preconizado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça7.

18. Efetivamente, “face ao direito constituído, é indefensável na nossa ordem jurídica uma solução de “nulidade de protecção”, isto é, que faça depender a declaração de nulidade (ou de exclusão do contrato) da cláusula de aceitação ou, pelo menos, de não oposição do aderente; como indefensável é que o tribunal só possa retirar do contrato cláusula que, por desconhecimento ou em razão do seu conteúdo, seja prejudicial ao aderente.”8

19. De resto, considerando a relativa indiferenciação que se vem desenhando entre as cláusulas que constituem objeto desta disposição do art. 8.º da LCCG e as cláusulas abusivas – feridas de nulidade -, não se mostra despiciendo convocar, a este respeito, a jurisprudência do TJUE, que se pronuncia no sentido de que os juízes nacionais têm o poder de controlar oficiosamente essas cláusulas.

20. Estabelecida a possibilidade de conhecimento oficioso do Tribunal da questão relativa à violação do regime contido no art. 8.º, als. c) e d), da LCCG, aprecia-se então o respetivo mérito.

21. Nas normas mencionadas, o legislador ponderou que o circunstancialismo externo da celebração do contrato é claro no sentido da inexistência de mútuo consenso das partes sobre o conteúdo dessas cláusulas9.

22. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na interpretação do art. 8.º, al. d), tem observado que “a inclusão de cláusulas contratuais gerais depois da assinatura do aderente ao contrato é também proibida por lei, que as considera excluídas dos contratos singulares efectivamente celebrados (art. 8.º, al. d), da LCCG), independentemente de se incluir, antes da assinatura, uma outra cláusula, onde se fez constar que há cláusulas inseridas após a assinatura e que o aderente delas tomou conhecimento10.

23. Assim, “II - Nos contratos de adesão relativos aos cartões (de crédito e de débito) do banco Y, a assinatura do aderente localiza-se antes das cláusulas contratuais gerais que se encontram apostas em folha imediatamente a seguir; porém, consta dos mesmos contratos em local situado antes da assinatura do aderente, uma declaração em que o aderente afirma ter tomado conhecimento e aceitar as condições de utilização do cartão. III - A exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes sobrepõe-se ao conhecimento manifestado pelo aderente; daí que tais cláusulas, por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação do art. 8.º, al. d), do DL 446/85, sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo o réu banco Y abster-se da sua futura utilização.” 11.

24. Na verdade, “o legislador, ao consagrar tal norma, para além da comunicação que impende sobre o predisponente, pretende exercer um controlo efectivo ao nível da formação do acordo de adesão, considerando que, independentemente do caso concreto e da sua comunicação, as cláusulas para poderem ser válidas devem anteceder a assinatura do aderente (cf. Acórdão do S.T.J. de 27/3/2007, na Revista 279/2007) para afastar o risco de os aderentes apenas atentarem e tomarem consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas (Acórdão do S.T.J. de 13/1/2005, na Revista 3874/2004). E na verdade, com uma declaração deste tipo pode impedir-se que o aderente saiba, sem qualquer dúvida, quais as reais cláusulas a que fica sujeito, podendo ser um meio para um predisponente menos escrupuloso inserir no contrato cláusulas que não são objecto de apreciação e reflexão pelo aderente. Por isso, a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes se sobrepõe ao conhecimento manifestado pelo aderente — aquela vontade manifestada naqueles termos pelo aderente cede pela necessidade de uma efectiva formação e consciencialização do conteúdo do proposto, certo que legalmente é considerado irrelevante o localizado após a assinatura, tendo em conta que as cláusulas não foram objecto de negociação.” 12.

25. A referenciada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça converge em torno de duas proposições: de um lado, aquela segundo a qual a norma prevista no art. 8.º, al. d), do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, prevalece sobre os deveres de informação previstos nos arts. 5.º e 6.º do mesmo diploma; e, de outro, aquela de acordo com a qual à exclusão de cláusulas contratuais gerais inseridas depois da assinatura do aderente não obsta a existência das chamadas cláusulas confirmatórias ou de confirmação, i.e., de cláusulas, insertas no espaço anterior à assinatura do aderente, referindo a inserção de cláusulas após a assinatura e o seu conhecimento por parte do aderente.

26. Parece ser este o entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça13.

27. Contudo, atendendo às especificidades das circunstâncias do caso concreto, outros arestos negaram a exclusão de cláusulas contratuais gerais inseridas após a assinatura do aderente. Com efeito, “I - Constando no rosto do documento, precedendo as assinaturas, com o mesmo destaque das cláusulas singulares, uma “declaração” de conhecimento das “condições gerais” e concordância com as mesmas, e estando demonstrado que houve negociações prévias durante as quais foi entregue uma cópia do escrito que corporiza o contrato de aluguer em apreço, deverá entender-se que estas “cláusulas gerais que integram o contrato (…)”14; “(…) III - Se as cláusulas gerais se encontram formalmente inseridas no verso de um contrato, após as assinaturas dos outorgantes, constando antes do local onde foram apostas as assinaturas a declaração: “Declaro(amos) que tomei(amos) conhecimento de todas as cláusulas constantes neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo”, o autor, que assinou o contrato, não podia razoavelmente desconhecer a declaração que assinou, se agisse com a normal diligência. Nestas situações não ter aplicação o disposto no art. 8.º, al. d), da LCCG. IV - Desde que idoneamente alertado para a existência das cláusulas impressas no verso do contrato, o eventual desconhecimento das mesmas só pode imputar-se ao aderente a título de descuido ou negligência V - Perante o evidente conhecimento das cláusulas pelo autor – que as leu e só depois assinou – constituiria manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, vir depois, quando ocorreu desentendimento entre as partes, peticionar-se a nulidade das cláusulas gerais que antes se aceitaram.” 15.

28. Sob um ponto de vista diferente, alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça refere que o art. 8.º, al. d), da LCCG, sanciona negativamente a inserção, no contrato, de cláusulas contratuais gerais em formulário depois da assinatura do aderente e, portanto, mediante a adoção de um mero critério de localização espacial dessas cláusulas: i.e., depois da assinatura16.

29. Na doutrina, por seu turno, verifica-se a existência de querela a propósito da questão de saber se todos os contratos com cláusulas inseridas no verso do documento, ou em documento anexo àquele que titula o contrato, não seguidas de assinatura do aderente, estão ou não abrangidos pela proibição legal consagrada no art. 8.º, al. d), da LCCG. De acordo com alguns autores, não se encontram compreendidas por essa proibição as cláusulas constantes de anexo para o qual remeta o texto assinado17. Outros autores preconizam uma redução teleológica da norma, defendendo a sua aplicação exclusivamente aos casos em que a inserção das cláusulas em formulários indicia a inexistência de mútuo consenso das partes18. Assim, “atendendo à teleologia subjacente à alínea em questão — sancionar as cláusulas sobre as quais não tenha incidido a vontade do aderente e relativamente às quais não se possa afirmar um conhecimento cabal e efectivo — deve entender-se que o legislador só quis atingir as cláusulas que não tenham sido aceites pelo aderente (quer porque não existia qualquer remissão para a existência das mesmas, quer porque as referidas cláusulas, constantes de anexos ou de outro documento, não foram assinadas pelo aderente, não se podendo presumir que foram por ele conhecidas). Na verdade, estando em causa uma norma sancionatória, deve privilegiar-se uma interpretação que não alargue, sem um fundamento material razoável, a letra do preceito.”19

30. Com relevância para a questão em apreço, resultou demonstrado o seguinte: “40. A primeira R. a pedido da mandatária do A. presente, anuiu em remeter todas as cláusulas dos produtos envolvidos na querela, designadamente, "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO", ""BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING CONSERVADOR" e "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO"; 41. Mais fora solicitado o envio de todos os documentos que o A. assinara nas instalações da primeira R. aquando da subscrição desses produtos, bem como as cláusulas dos contratos assinadas pelo A.; 42. Estas últimas nunca foram enviadas pela primeira R., pelo menos não rubricadas nem assinadas pelo A.; 43. A primeira Ré qualificou o Autor como um investidor não qualificado/ não profissional e conservador ; 44. Na sequência da referida reunião, a primeira R. remeteu, a 7 de Novembro de 2017, as Informações ao Cliente do "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" não assinadas pelo A. ; 45. Remeteu igualmente as Informações ao Cliente do "BPI CAPITALIZAÇÃOPRIVATE BANKING CONSERVADOR", não assinadas pelo A. 46. Mais remeteu ao A. as Informações ao Cliente do "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO", declarando que esta é a mencionada nova designação do "BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING - CONSERVADOR", ocorrida em 2010, e reiterou novamente que tal mudança de nome não implicou qualquer alteração à política de investimento”.

31. As cláusulas inseridas nas denominadas Informações ao Cliente do "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" e Informações ao Cliente do "BPI CAPITALIZAÇÃOPRIVATE BANKING CONSERVADOR", constantes pois de documentos que não foram assinados pelo Autor (cf. documentos n.os 18 e 19 juntos com a petição inicial), correspondem às condições especiais do contrato, contendo informação sobre as características dos seguros subscritos, regras relativas aos contraentes, às garantias, aos resgastes, às políticas do fundo de investimento, à taxa de rendimento, às condições de resgaste e ao risco de participação no fundo.

32. Essas cláusulas revelam um texto padronizado, pré-elaborado, não subsistindo dúvidas sobre a sua qualificação como cláusulas contratuais gerais, sujeitas à aplicação da LCCG.

33. Apesar de se referir a “formulário”, a norma do art. 8.º, al. d), da LCCG deve considerar-se aplicável a todos os contratos de adesão, independentemente da forma que assumam ou da representação gráfica que ostentem20.

34. No caso sub judice, pode dizer-se que os mencionados anexos em que se encontram plasmadas tais cláusulas não se mostram assinados. Foi dado como provado que o Autor assinou os documentos que lhe foram apresentados, nos quais se encontra a afirmação de que aceita “as condições na informação ao cliente”, de que tomou conhecimento completo e sobre as quais lhe foram prestados todos os esclarecimentos que julgou necessários, inserida antes da assinatura (facto provado sob o n.º 24-A).

35. Na interpretação do preceito do art. 8.º, al. d), da LCCG, o Tribunal deve usar um critério abstrato de apreciação, com recurso ao padrão do homem médio, mas sem desconsiderar as circunstâncias concretas da conclusão do contrato e dos contraentes21. A compreensão do dever de comunicação e de informação ao aderente há-de ser concretizada casuisticamente, em cada situação jurídico-negocial, não sendo aprioristicamente definida pelo legislador22.

36. Estas circunstâncias específicas – concretamente do Autor: empresário, sócio de várias empresas, conhecedor da realidade económica e empresarial, leitor frequente da imprensa generalista e especializada em economia e subscritor, desde pelo menos 1992, de seguros de capitalização (factos provados sob os n.os 7, 12 a 14) –, à luz da teleologia da norma do art. 8.º, al. d), da LCCG, conduzem como que inelutavelmente à conclusão de que não se deverão sancionar, com a respetiva exclusão, as cláusulas constantes dos documentos anexos em apreço.

37. Com efeito, apesar de tais documentos não terem sido assinados, não se afigura credível, atendendo ao perfil concreto do contraente-cliente, com largos de anos de experiência na subscrição de seguros de capitalização e disponibilidade para aplicar neste produto quantia superior a um milhão de euros, que o mesmo tivesse prescindido do conhecimento das cláusulas especiais e se quedasse pela informação constante dos lacónicos documentos de subscrição.

38. Trata-se, assim, de um caso que difere das hipóteses subjacentes à jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça, mencionada supra, que, em larga medida, se referem a tipologias contratuais marcadas por uma vincada assimetria de informação entre proponente e aderente, como sejam os contratos de mútuo bancário ou de crédito ao consumo.

39. De facto, num contrato com as especificidades daquele em apreço, tecnicamente sofisticado, a inclusão de cláusulas em documentos autónomos parece concorrer para assegurar um conhecimento mais eficaz das mesmas, “colocando em segundo plano questões de pormenor que poderiam turvar, pela sua complexidade ou prolixidade, a apreensão dos pontos essenciais do contrato. Isolando uma remissão em bloco para determinado conjunto de cláusulas-tipo ou para documento com uma certa unidade ou autonomia. Casos em que o recurso a esses mecanismos não só não é de repudiar como poderá contribuir para assegurar o cumprimento do dever de comunicação efectiva.”23

40. Por isso, “Vistas assim as coisas, o alcance do estipulado na alínea d) do artigo 8. terá de se cingir às situações em que nenhuma razão palpável, nomeadamente de maior clareza do contrato, justifique o recurso a formulários complementares ou anexos. Este entendimento decorre do espírito que subjaz ao preceito que, como visto, se funda em uma presunção de que quem subscreve um contrato apenas se reporta às cláusulas que antecedem a sua assinatura. Sendo certo que tal não se poderá aplicar a complementos ou anexos se houver uma razão funcional plausível para a utilização destes.”24

41. No âmbito de um contrato em que sobressai a nota da tecnicidade, a existência de cláusulas contratuais gerais constantes de documentos anexos, nas quais é explicitada a rendibilidade do produto, avulta como justificada e compreensível. Por conseguinte, a inclusão de uma cláusula confirmatória ou de confirmação que expressamente remete para as condições constantes da informação ao cliente, cujo conhecimento se atesta, conduz à exclusão de tais cláusulas gerais da previsão normativa contida no art. 8.º, al. d), da LCCG. Entendimento diverso equivaleria, no caso em apreço – em virtude do caráter idiossincrático dos contraentes e dos contratos celebrados – a alargar de modo excessivo e desprovido de fundamento material razoável a proibição contida na referida norma. Na verdade, a informação a prestar pelo predisponente é a que se afigurar necessária e adequada para que o aderente compreenda a dimensão da vinculação que para si resulta do contrato que vai celebrar, devendo, pois, aquele acomodar a comunicação e a informação da sua proposta ao concreto aderente-cliente que tem perante si25.

42. Por outro lado, essas cláusulas também escapam à previsão do art. 8.º, al. c), da LCCG.

43. Com efeito, não foi alegado – nem demostrado, não ressaltando igualmente da leitura das condições gerais contantes dos documentos juntos aos autos – que essas mesmas cláusulas sejam cláusulas contratuais incluídas em documentos que desencorajam a sua leitura pela respetiva redação, inserção sistemática ou apresentação gráfica, de tal modo que hajam passado despercebidas ao contraente-cliente, consubstanciando-se em “cláusulas surpresa”.

44. Improcedem, por conseguinte, os argumentos constantes dos pontos 42.º a 56.º das Conclusões de recurso interposto pelo Autor/Recorrente AA.

Do (in)cumprimento pelas Rés Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação

1. O Autor/Recorrente AA invoca também a violação do dever de informação que incumbia ao Réu Banco BPI Private Banking, S.A., alegando que pretendia aplicar as suas poupanças num seguro de capitalização sempre dotado de garantia do capital investido e ainda com taxa de rendibilidade mínima garantida. Refere que começou por subscrever um “Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização”, em 2004, o qual dispunha apenas de capital garantido, tendo, mais tarde, em 2006, subscrito um seguro denominado “Seguro de Capitalização BPI Capitalização BPI Capitalização PB Conservador”, que não tinha qualquer dessas características. Conclui que as demandadas violaram o disposto no art. 181.º, n.º 1, do DL n.º 94-B/98, de 17 de abril de 1998, sendo por isso responsáveis pelos danos e perdas daí decorrentes (cf. art. 180.º, n.º 2, ex vi do art. 181.º, do DL n.º 94-B/98, de 17 de abril de 1998).

2. Contrariamente ao que parece pretender o Autor/Recorrente nos pontos 7.º, 8.º, e 9.º das suas Conclusões de recurso, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o julgamento sobre a matéria de facto efetuado pelo Tribunal da Relação, pois que o mesmo assentou em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na configuração da matéria de facto encontra-se, como é sobejamente sabido, limitada às situações previstas nos arts. 674.º, n.º 3, 2.ª parte, e 682.º, n.º 3, do CPC, que não se verificam in casu: violação das regras de direito probatório material ou reenvio do processo para ampliação da matéria e facto, na sequência de vício de insuficiência ou de contradições na decisão da matéria de facto inviabilizadoras da decisão jurídica.

3. O Tribunal da Relação do Porto, depois de afirmar estar em causa uma atividade de intermediação financeira por parte do Banco Réu, mobilizou o disposto no art. 312.º do CVM, na redação aprovada pelo DL n.º 66/2004, de 24 de março, observando que, “conforme resulta dos factos provados, a Ré esclareceu devidamente o autor da inexistência de qualquer garantia de rentabilidade e da volatibilidade inerente à alocação de parte do capital à variante acções. Riscos esses que foram comunicados, ponderados (só por isso é que a esposa do autora afirma discutimos em casa), e aceites pela contraparte. Acresce que, conforme já salientamos um risco semelhante foi aceite pelo autor desde 1999 a 2004 quando subscreveu instrumento financeiro semelhante através do banco BES nos termos do qual aceitou também colocar até 15% do capital em ações.

4. Não parece que este enquadramento jurídico esteja totalmente correto.

5. Impõe-se, pois, a análise da relação jurídica estabelecida entre as partes, já que esta se reveste de particular importância para a seleção do regime jurídico aplicável.

6. Ainda que não resulte da matéria de facto dada como provada, a leitura dos documentos juntos aos autos pelo Autor/Recorrente, denominados como “informação ao cliente”, permite concluir que os contratos em causa se reconduzem a contratos de seguro de vida, celebrados entre ele (na dupla qualidade de pessoa segura e de tomador do seguro) e a Ré/Recorrida BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A.. Nestes, a Ré BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., obrigou-se, no caso de morte do segurado, a pagar aos beneficiários o valor constante da conta investimento e, em caso de vida do segurado, no termo do respetivo prazo, a pagar tal montante aos beneficiários. Ficou estipulado que os valores investidos pelo segurado seriam aplicados num fundo autónomo de investimento.

7. A Ré/Recorrida Banco BPI Private Banking, S.A., de acordo com o programa contratual acordado, assumiu a qualidade de “banco colocador”, exercendo assim a atividade de mediação de seguros.

8. Tratando-se dos denominados PIBS (produtos de investimento com base em seguros), à luz da legislação vigente à data da celebração dos contratos em apreço, estes acordos encontravam-se legalmente tipificados como modalidade de seguro do ramo vida (art. 124.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do DL n.º 94-B/98). Ao abrigo da legislação atualmente em vigor, a doutrina tem-se, porém, pronunciado no sentido de que as operações de capitalização não são qualificáveis como contratos de seguro, por não se encontrarem ligadas a um risco relacionado com a morte ou a com sobrevivência da pessoa segura26. De todo o modo, o art. 207.º do DL n.º 72/2008, de 16 de abril, manda aplicar às operações de capitalização, desde que compatíveis com a respetiva natureza, o regime comum do contrato de seguro e o regime especial do seguro de vida.

9. Está em causa um seguro ligado a um fundo de investimento (unit linked), que constitui um instrumento de captação de aforro estruturado, que se caracteriza por “os prémios e os capitais serem traduzidos em unidades de participação em fundos de investimento, cuja cotação é variável. Esta modalidade distingue-se dos seguros de capitalização precisamente por não assumir uma lógica de capitalização, isto é, de atribuição de uma taxa de juro ao valor dos prémios pagos e sua capitalização sucessiva. Finalmente, enquanto nos seguros de capitalização o risco financeiro é, no fundamental, suportado pelo segurador, nos unit linked esse risco é, em regra, suportado pelo próprio tomador do seguro.”27 Por seu turno, nos seguros de capitalização, não ligados a fundos de investimento, verifica-se “pelo menos, a garantia do capital investido (prémio pago), normalmente com uma garantia de rendibilidade mínima, essa garantia não existe, em regra, nos unit linked, podendo o contravalor das unidades de participação adquiridas depreciar-se de acordo com a evolução dos mercados financeiros.”28 Ou seja, é um seguro ligado a fundos de investimento, um seguro de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende, total ou parcialmente, de um “valor de referência” constituído por uma ou mais “unidades de participação”.

10. É um produto específico dos seguros do ramo vida (capital diferido ou rendimento diferido) em que as prestações são expressas em número de “partes” de um ativo subjacente, denominado unit. Pertence ao grupo das apólices com prestação do tomador bem definida (prémios normalmente constantes) e prestação do segurador (capital ou rendimento seguro) variável, associada à evolução do ativo subjacente. A unit linked é um organismo de investimento coletivo de tipo contratual: um fundo de investimento a cuja evolução se encontra ligada a prestação do segurador.

11. A designação “seguro de capitalização” resulta sobretudo de práticas comerciais e da gíria do mercado segurador, reconduzindo-se à modalidade de seguro de vida de capitais diferidos com contra-seguro. Esta expressão é, todavia, passível de se revelar equívoca.

12. Uma figura contratual afim – que, porém, não se confunde com tais “seguros de capitalização” – é, pois, a que está em causa nos presentes autos, dos unit linked, dos seguros ligados a fundos de investimento (cf. factos provados sob os n.os 48 e 49, este último por lapso indicado sob o n.º 40 pelo Tribunal a quo), em que os prémios e os capitais são traduzidos em unidades de participação em fundos de investimento, cuja cotação se mostra variável. Assim, “embora possam seguir a estrutura de um seguro de capitais diferidos com contra-seguro, não seguem uma lógica de capitalização, isto é, de atribuição de uma taxa de juro mínima aos prémios, acrescida de eventual participação nos resultados, e sua capitalização sucessiva.”29

13. Importa referir que ao tomador nos contratos em apreço assistem, desde logo, direitos à informação, “quer na fase pré-contratual — sobre as características do mesmo e outros elementos relevantes que decorrem, em grande parte, de uma exigência legal — quer durante a vigência do contrato, sobre a evolução das revalorizações e do saldo das provisões matemáticas da apólice.”30

14. Assim, e para apreciar da (in)observância do dever de informação pré-contratual que incumbia à Ré/Recorrida BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., há que levar em linha de conta o regime previsto no DL n.º 94-B/98, que regulava as condições de acesso e de exercício da atividade seguradora e resseguradora no território da Comunidade Europeia.

15. De acordo com o art. 179.º do DL n.º 94.B/98, “1 - As empresas de seguros que se proponham celebrar contratos de seguro ou operações do ramo «Vida» previstos nos n.º 1 a 4 do artigo 124.º e em que Portugal seja o Estado membro do compromisso devem, antes da respectiva celebração, fornecer ao tomador, de forma clara, por escrito e redigidas em língua portuguesa, as seguintes informações: a) Denominação ou firma e estatuto legal da empresa de seguros; b) Nome do Estado membro onde se situa a sede social e, se for caso disso, a sucursal com a qual o contrato será celebrado; c) Endereço da sede social e, se for caso disso, da sucursal com a qual o contrato será celebrado; d) Definição de cada garantia e opção; e) Duração do contrato; f) Modalidades de resolução do contrato; g) Modalidades e período de pagamento dos prémios; h) Forma de cálculo e atribuição da participação nos resultados; i) Indicação dos valores de resgate e de redução e natureza das respectivas garantias; j) Prémios relativos a cada garantia, principal ou complementar, sempre que tal informação se revele adequada; l) Enumeração dos valores de referência utilizados (unidades de participação) nos contratos de capital variável; m) Indicação da natureza dos activos representativos dos contratos de capital variável; n) Modalidades de exercício do direito de renúncia a que se refere o artigo 182.º; o) Indicações gerais relativas ao regime fiscal aplicável ao tipo de contrato; p) Disposições respeitantes ao exame das reclamações relativas ao contrato por parte dos respectivos tomadores, segurados ou beneficiários, incluindo a referência à possibilidade de intervenção do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo do recurso aos tribunais; q) Liberdade das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 193.º, para escolher a lei aplicável ao contrato, com a indicação de qual a que a empresa propõe que seja escolhida. 2 - A proposta deve conter uma menção comprovativa de que o tomador tomou conhecimento das informações referidas no número anterior, presumindo-se, na sua falta, que o mesmo não tomou conhecimento delas, assistindo-lhe, neste caso, o direito de resolver o contrato de seguro no prazo referido no artigo 182.º e de ser reembolsado da totalidade das importâncias pagas.”

16. Relevante mostra-se, por outro lado, o preceituado no art. 2.º do DL n.º 176/95, de 26 de julho, aplicável aos seguros do ramo “Vida”, segundo o qual “1 - Aos deveres de informação pré-contratuais previstos no artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril [antecedente do sobredito diploma 94-B/98, de 17 de abril] ,acrescem os seguintes, a prestar da mesma forma: a) Quantificação dos encargos, sua forma de incidência e momento em que são cobrados (relativamente aos contratos com componente de capitalização significativa, nomeadamente operações de capitalização, seguros mistos, seguros de rendas vitalícias, seguros de capitais diferidos, contratos do tipo «universal life» e seguros ligados a fundos de investimento); b) Penalização em caso de resgate, redução ou transferência do contrato; c) Rendimento mínimo garantido, incluindo informação relativa à taxa de juro mínima garantida e duração desta garantia. 2 - Relativamente às informações referidas no número anterior aplica-se o disposto no n.º 2 do artigo 171.º e nos artigos 172.º a 176.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril. 3 - Da informação anualmente comunicada ao tomador do seguro, relativa à atribuição da participação nos resultados, deve constar o montante atribuído e o aumento das garantias resultantes desta participação. 4 - Nos contratos com participação nos resultados, nos contratos a prémios únicos sucessivos e nos contratos em que a cobertura principal seja integrada ou complementada por uma operação financeira, a empresa de seguros, havendo alteração da informação inicialmente prestada, deve informar o tomador do seguro dos valores de resgate e de redução, bem como da data a que os mesmos se referem. 5 - Nos seguros de vida PPR, a empresa de seguros deve informar anualmente o tomador do seguro, quando se trate de um seguro celebrado por pessoa singular, ou a pessoa segura, quando se trate de um seguro celebrado por uma pessoa colectiva, dos valores a que tem direito. 6 - A informação prevista no número anterior deverá também ser prestada sempre que for solicitada.”

17. Por seu turno, e no que respeita ao enquadramento jurídico da intervenção do Réu/Recorrido Banco BPI Private Banking, S.A., no domínio da relação contratual estabelecida entre o Autor e a 2.ª Ré, importa notar que, ao contrário do que se retira da fundamentação do acórdão recorrido, este atuou, em primeira linha, não como intermediário financeiro - já que não está em causa primacialmente uma atividade de intermediação financeira tout court, tal como regulada nos arts. 289.º e ss do CVM e entendida, à data da celebração dos convénios, como a prestação de serviços de investimento em valores mobiliários ou de serviços auxiliares dos serviços de investimento –, mas como mediador de seguros, designado, na economia dos contratos, como “banco colocador”, uma entidade com competência para distribuir os já denominados PIBS31.

18. Por conseguinte, recorde-se, nesta sede, que o recurso a mediador não isenta o segurador do respetivo dever geral de informação32: o segurador pode servir-se do mediador para o cumprimento do dever de informação, “mas não se exime à responsabilidade pela atuação dos sujeitos de que se sirva para o seu cumprimento, nos termos do art. 800.º do CC, que é também aplicável à responsabilidade pré-contratual.”

19. Ao tempo da celebração dos contratos de seguro vigorava o DL n.º 388/91, de 10 de outubro, que regulava o Regime de Acesso e Exercício da Atividade de Mediação de Seguros. Segundo as als. a) e e) do art. 8.º deste diploma, constituíam obrigações do mediador apresentar ao tomador do seguro, através de uma exposição correta e detalhada do produto, a modalidade de contrato que mais conviesse à sua situação específica, assim como observar as disposições legais respeitantes à atividade seguradora. Segundo o art. 9.º do mesmo diploma, o mediador era responsável perante o tomador do seguro pelos factos que lhe fossem imputáveis e que se refletissem no contrato em que interveio, determinando-se a alteração nos seus efeitos tal como pretendido pela vontade expressa dos contratantes.

20. Por outro lado, sendo os contratos compostos por cláusulas contratuais gerais - elaboradas sem prévia negociação individual, dirigidas a destinatários indeterminados, que se limitam a subscrevê-las ou a aceitá-las -, ao âmbito dos deveres de comunicação e de informação das Rés/Recorridas, mencionados supra, acrescem os deveres de comunicação e de informação contidos nos arts. 5.º e 6.º da LCCG. De facto, “nos contratos de seguro, o recurso a cláusulas pré-redigidas e gerais (condições gerais e especiais) não visa apenas economias de escala sendo também imposto por exigências técnicas: os riscos que o segurador assume devem ser homogéneos de modo a poderem constituir objecto de compensação estatística.”33.

21. Conforme o art. 5.º daquele diploma legal, “1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, preceituando o art. 6.º que “1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.”

22. É abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que densifica estes dois deveres que impendem sobre o segurador, como se depreende da leitura dos seguintes arestos que se referem a título meramente exemplificativo, e cujo sumário se transcreve no segmento relevante para o caso em apreço:

- acórdão de 24 de março de 2011 (Granja da Fonseca)34: “V - Relativamente à comunicação à outra parte, a mesma deve ser integral (art. 5.º, n.º 1) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.º, n.º 2). VI - O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (art. 5.º, n.º 2, in fine). Deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil. VII - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5.º, n.º 3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. art. 342.º, n.º 1, CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8.º, al. a)). VIII - Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6º, n.º 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6.º, n.º 2). IX - O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices. Já perante um analfabeto, impõe-se um atendimento mais demorado e personalizado”;

- acórdão de 13 de setembro de 2016 (Alexandre Reis)35: “(…) II - O cumprimento das prestações impostas pelos arts. 5.º e 6.º da LCCG – cuja prova onera o predisponente – convoca deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas), enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um antecipado e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação. III - Por isso, esse cumprimento deve ser assumido na fase de negociação e feito com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração. IV - É certo que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas. V - Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, nos apontados termos. Uma tal concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente.”;

- acórdão de 3 de outubro de 2017 (Henrique Araújo)36: “I - Os deveres de comunicação e de informação, que decorrem, respectivamente, dos arts. 5.º e 6.º da LCCG, concretizadores dos deveres pré-contratuais previstos no art. 227.º do CC, são distintos: (i) o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo; (ii) o dever de informar dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente (…)”;

- acórdão de 19 de dezembro de 2018 (Maria do Rosário Morgado)37: “II - A lei impõe ao proponente das cláusulas contratuais gerais um conjunto de deveres destinados a tutelar a parte presumivelmente mais débil da relação contratual, i.e., o mero aderente. IV - Entre eles, destaca-se o dever de comunicar (art. 5.º da LCCG) integral, prévia e adequadamente o conteúdo dessas cláusulas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las e o dever de informação relativamente a aspetos carecidos de clarificação (art. 6.º da LCCG).V - Ambos constituem uma emanação da exigência duma formação de vontade negocial isenta de vícios e do princípio da boa-fé, radicando, ultimamente, no direito dos consumidores à informação assegurado pelo art. 60.º, n.º 1, da CRP. VI - O dever de comunicação caracteriza-se como uma obrigação de meios e impõe que o predisponente desenvolva uma atividade que, em função da importância, extensão e complexidade das cláusulas contratuais gerais por si empregues, se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome efetivo conhecimento das mesmas, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência (art. 5.º, n.º 2, da LCCG). VII - O dever de informação importa, para o predisponente, a obrigação de prestar aos aderentes as indicações e explicações que se devam ter como razoáveis sobre o conteúdo das cláusulas predispostas que careçam de aclaramento. Trata-se de uma concretização legislativa que resultaria já da boa-fé na fase pré-contratual. VIII - A intensidade e modo de cumprir esse dever dependem das particulares circunstâncias do caso, podendo ter-se como referência as necessidades que seriam sentidas por um aderente normal que use de comum diligência (…)”;

- acórdão de 17 de novembro de 2020 (Maria Clara Sottomayor)38: “I - O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constitui um regime especial tutelador, que visa conter os efeitos disfuncionais da liberdade contratual e proteger determinada categoria de sujeitos, os aderentes, os quais se encontram integrados em formas estruturais que geram situações de poder a favor de organizações, numa situação que tipicamente os impossibilita de uma autotutela dos seus interesses. II - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (artigo 5.º, n.º 3, do DL n.º 446/85. De 25-10). III - Não basta a mera comunicação, sendo ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado e que se realize de forma adequada e com certa antecedência, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.”

23. Para o efeito da apreciação da (in)observância dos deveres de comunicação e de informação, estes acórdãos enfatizam a necessidade, por parte do predisponente, de garantir ao aderente a possibilidade de conhecer efetivamente o conteúdo das cláusulas com a antecedência necessária que lhe permita refletir e adotar uma decisão ponderada e esclarecida.

24. Esta é uma ideia fulcral também sublinhada no campo doutrinário, que não deixa igualmente de fazer referência à necessidade de levar em devida linha de conta as circunstâncias do caso concreto para estabelecer o perímetro, mais ou menos lato, dos deveres em apreço.

25. Assim, “a redacção do n..º 2 é deliberada e inevitavelmente vaga, porque o conteúdo concreto da obrigação de comunicação depende do tipo de contrato, das cirunstâncias da conclusão dele, do seu objecto e conteúdo, da natureza e da preparação das partes que nele intervêm. Trata-se de obrigação de extensão e intensidade variáveis, em função da condição relativa das partes, da complexidade (quer jurídica, quer técnica) do conteúdo contratual, bem como de outras circunstâncias da concreta situação em que o contrato é concluído. Por vezes, é a natureza do objecto que cria a obrigação de comunicação: como observa Muriel Fabre-Magnan, se se trata de um bem ou produto novo, é imperioso que o seu vendedor ou fornecedor explique as suas características e modo de utilização ao aderente; esta obrigação atenuar-se-á à medida que o bem começara ser mais conhecido e divulgado. Nas palavras da mesma autora, a obrigação é “personalizada”»39

26. A exigência de comunicação deve ser integralmente cumprida e deve ser feita a todos os interessados diretos (art. 5.º, n.º 1) de forma adequada e atempada, não se exigindo ao aderente mais do que a diligência comum (art. 5.º, n.º 2), aferida em abstrato, mas tendo em conta as circunstâncias típicas de cada caso. Já o dever de informação (art. 6.º) visa assegurar que as cláusulas foram efetivamente entendidas pelo aderente e pressupõe a iniciativa da empresa utilizadora e não apenas a assunção de um papel meramente passivo por parte desta40.

27. Incontroverso é, por fim, que sobre o utilizador que alega contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais recai o ónus de provar, para além da adesão em si, o efetivo cumprimento do dever de comunicar (art. 342.ºdo CC). Com efeito, trata-se este de “um simples encargo: a sua inobservância, mesmo sem culpa, envolve as consequências legalmente previstas.41

28. Importa agora atender às alegações concretamente feitas pelo Autor/Recorrente AA a propósito da violação do dever de informação, pelas Rés/Recorridas, na subscrição dos dois seguros relativamente à inexistência de garantia do capital investido e de taxa de rendibilidade mínima garantida.

29. Para o que releva, resultou demonstrado o seguinte: “16. O A. depositou, em 14/10/2004, o valor de EUR 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros) no "BANCO BPI PRIVATE BANKING, S.A." numa conta aberta para o efeito com o n.º 60950.5 e nessa mesma data subscreveu então o referido seguro que a Dra. CC e Dr. DD lhe apresentaram, o "BPI NOVO CAPITALIZAÇÃO" (Adesão n.º ...28) (…) 18. Na reunião de subscrição do Seguro, tanto o A. como sua mulher entenderam as características do mesmo, nomeadamente a existência de garantia de capital, a inexistência de rentabilidade garantida, a existência de comissões de resgate durante o 1º ano, o apuramento da rentabilidade ser anual e conhecida no inicio de cada ano. 19. Em Janeiro de 2005 os serviços do PB contactaram o A. para apresentar a rentabilidade obtida no Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização no ano de 2004 que ascendeu a 3,2%, não tendo o mesmo feito nenhum comentário em desabono da rentabilidade obtida. 20. Em Janeiro de 2006, de igual forma, os serviços do PB comunicaram a rentabilidade obtida por este investimento no ano de 2005, que ascendeu a 2,15%. 21. O A. e sua mulher não reclamaram da rentabilidade obtida, nem invocaram qualquer tipo de vício quanto à performance do seguro, nem sequer exigiram resgatar o referido investimento. (…) 23. Alguns dias depois em 27 de fevereiro de 2006, os serviços do PB e o A., voltaram a reunir e a falar sobre as características do Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador tendo o A. decidido, então, transferir a aplicação do Seguro de Capitalização BPI Novo Capitalização para o Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador, da co-R. SEGURADORA, no total de € 1.443.456,71 (…) 26. O A. recebeu a “Informação ao Cliente” do Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador, contendo as condições do Seguro, tendo as mesmas sido, detalhada e presencialmente, explicadas ao A. e sua mulher.”

30. Ficou, pois, assente que quanto ao seguro subscrito em 2004 – que, aliás, dispunha de garantia do capital investido -, o Autor/Recorrente AA entendeu as suas características, concretamente a inexistência de rendibilidade garantida.

31. Por outro lado, quanto ao seguro subscrito em 2006, resultou provado que o Autor/Recorrente AA recebeu a respetiva informação ao cliente, cujas condições lhe foram detalhada e presencialmente explicitadas.

32. Não obstante a sofisticação técnica dos contratos de seguro em apreço, a verdade é que o Autor/Recorrente AA – que, nessa altura, além de empresário e sócio de várias empresas, era pessoa conhecedora da realidade económica e social e leitor frequente da imprensa económica – não se mostrava um principiante na subscrição de seguros de capitalização, tendo recorrido a este instrumento de captação de aforro, em distinta entidade, no período de tempo compreendido entre 1992 e 2014.

33. É certo que, como aliás ele próprio menciona, resultou provado que, nas anteriores subscrições dos denominados seguros de capitalização, o Autor/Recorrente obteve uma rendibilidade mínima garantida (facto provado sob o n.º 7). Assente ficou mesmo que o Autor/Recorrente, num primeiro momento, explicou aos assessores financeiros que procurava um seguro de capitalização que lhe atribuísse uma taxa de rendibilidade mínima garantida (facto provado sob o n.º 11).

34. Todavia, também ficou demonstrado que, em reuniões presenciais, foram explicadas ao Autor/Recorrente as características dos novos produtos (factos provados sob os n.os 18 e 26), inter alia, a ausência de rendibilidade mínima garantida. Note-se, de resto, que a circunstância de os seguros de vida ligados a fundos de investimento não terem, em regra, taxas de rendibilidade garantida não consente qualificar tais cláusulas como inabituais, inesperadas em função do tipo de contrato. Afigura-se, por isso, inexigível ao respetivo utilizador o seu realce através de “uma bandeira”, de “caracteres vermelhos” ou de “formato destacado42.

35. Atendendo a que os esclarecimentos foram prestados em reuniões presenciais, de um lado e, de outro, a que o rendimento da operação é um aspeto de importância crucial na subscrição dos seguros em causa, facilmente apreensível por um aderente com o perfil do Autor/Recorrente, com um histórico de investimentos na área e detentor de literacia financeira, pode concluir-se que a Ré BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., demonstrou ter cumprido, de forma cabal, os deveres de comunicação e de informação que sobre si recaíam, à luz dos três regimes jurídicos aplicáveis (DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, DL n.º 176/95, de 26 de julho, e DL n.º 446/85, de 25 de outubro). Atuou de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram exigíveis.

36. Não há, pois, fundamento legal para determinar a exclusão de cláusulas contratuais ou para declarar a invalidade dos contratos celebrados pelas partes, restando concluir pela improcedência dos mencionados argumentos recursórios do Autor/Recorrente AA.

Do (in)cumprimento pelas Rés/Recorridas Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., do dever de atualização de informação contratual

1. O Autor/Recorrente AA invoca ainda, a propósito do seguro de capitalização subscrito em 2006, a verificação de alterações contratuais unilaterais, em dezembro de 2016, em outubro de 2008, em maio de 2010 e em maio de 2016, que foram pautadas pelo agravamento do risco. Refere que essas alterações se reportaram a “intervalos de alocação de determinados produtos financeiros” e a um aumento do limite máximo de exposição a obrigações de taxa variável, que passou de 10% para 50%, e a hedge funds, que passou de 5% para 10%.

2. Insurge-se contra o entendimento das Instâncias de que as alterações ocorridas foram “pontuais” e não implicaram a modificação da política de investimento. Em sua opinião, teve lugar a violação do disposto no art. 181.º, n.º 1, do DL n.º 94-B/98, de 17 de abril de 1998, e do art. 5.º, n.º 4, da Norma Regulamentar n.º 05/2004-R, ambos os preceitos relativos ao dever de informação, bem como do art. 406.º, n.º 1, do CC, e do disposto no art. 8.º, als. c) e d), da LCCG.

3. Importa, nesta sede, considerar a matéria de facto relevante.

4. Em 2006, o Autor/Recorrente subscreveu o seguro denominado “Seguro de Capitalização PB Conservador”, tendo nele investido a quantia de € 1.443.456,71 (facto provado sob o n.º 23). Na verdade, ficou provado o seguinte: “27. A 02/08/2010, o A. recebeu uma missiva A co-R. SEGURADORA que comunicou ao A. a colocação à disposição de novos 2 perfis de investimento e a actualização dos restantes perfis atribuindo-lhes um nome que melhor expressasse o conceito de investimento, como tal, o Seguro de Capitalização BPI Capitalização PB Conservador subscrito pelo A. em 27/02/2006, e liquidado em 06/03/20068, passou a designar-se Seguro de Capitalização “BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO”.28. Mais referindo nessa missiva que aquela "mudança não implica qualquer alteração ao nível da política de investimentos dos fundos autónomos que se mantêm inalteradas" 29. A primeira R. indica ainda nessa missiva que o seguro de capitalização onde o A. tinha o seu dinheiro depositado passou de "BPI CAPITALIZAÇÃO PRIVATE BANKING CONSERVADOR" para a designação de "BPI CAPITALIZAÇÃO MODERADO".”

5. O DL n.º 94-B/98, de 17 de abril, vigente à data de grande parte do período de execução do contrato subscrito em 2006, continha, no art. 180.º, uma norma sobre o dever de informação durante a vigência do contrato ou operação, segundo a qual: “1 - Durante a vigência do contrato ou operação, para além das condições gerais, especiais e particulares que devem ser entregues ao tomador, as empresas de seguros referidas na presente secção devem também comunicar-lhe o seguinte: a) Todas as alterações que ocorram nas informações referidas na alínea a) e nas alíneas c) a l) do artigo anterior; b) Anualmente, informação relativa à atribuição da participação de resultados. 2 - Em caso de incumprimento do disposto no número anterior e sem prejuízo do direito de resolução do contrato ou operação que assiste ao tomador ou ao segurado, a empresa de seguros será responsável por perdas e danos.”

6. A estes deveres acrescem os deveres de informação previstos no art. 2.º do DL n.º 176/95, de 26 de julho, e que concernem à “a) Quantificação dos encargos, sua forma de incidência e momento em que são cobrados (relativamente aos contratos com componente de capitalização significativa, nomeadamente operações de capitalização, seguros mistos, seguros de rendas vitalícias, seguros de capitais diferidos, contratos do tipo «universal life» e seguros ligados a fundos de investimento) e ao “c) Rendimento mínimo garantido, incluindo informação relativa à taxa de juro mínima garantida e duração desta garantia.”

7. Trata-se do dever de atualização da informação contratual, que tem subjacente o princípio, consagrado no art. 406.º, n.º 1, do CC, segundo o qual os contratos só podem modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes.

8. A ponderação da matéria de facto dada como provada não permite concluir que tenha existido um incumprimento ilícito do dever de atualização da informação contratual.

A subscrição do denominado “Seguro de Capitalização PB Conservador” foi efetuada após duas reuniões presenciais (factos provados sob os n.os 22 e 23).

Em 2010, o Autor/Recorrente recebeu uma missiva da Ré/Recorrida BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., dando-lhe conta de que o produto subscrito se passaria a designar Seguro de Capitalização “BPI Capitalização Moderado”. Esta missiva refere não se verificar a existência de qualquer alteração da política de investimento dos fundos autónomos (factos provados sob os n.os 27 e 28), informação esta que foi reiterada mais de sete anos depois (facto provado sob o n.º 46), período durante o qual o contrato esteve em execução. Sublinhe-se, a este respeito, que resultou provado que, ao longo do tempo, os serviços do private banking conversaram e reuniram várias vezes com o Autor/Recorrente sobre a evolução dos “Seguro de Capitalização PB Conservador” (facto provado sob o n.º 50).

9. Foi também considerado como provado que “a política de investimento do Seguro em causa, apenas teve ao longo dos anos as seguintes alterações: em dezembro de 2006 foi diminuída a percentagem mínima a alocar em obrigações de taxa fixa e aumentou-se a percentagem máxima a alocar em obrigações de taxa variável; em outubro de 2008, a alocação mínima passou toda a ser 0%; em maio de 2010 a alocação em “Hedge Funds” passou a ter definido o intervalo de alocação, dado que à altura apenas existia indicação de que poderia investir neste tipo de ativo; em maio de 2016 foi diminuída a percentagem máxima a alocar em ações” (facto provado sob o n.º 52).

10. Num contexto em que a Ré/Recorrida BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., observou o seu dever de informação pré-contratual respeitante às condições do produto denominado “BPI Capitalização Conservador”, emerge da factualidade provada a existência de uma atualização do Autor, temporalmente localizada, acerca da política de investimento daquele seguro. Ainda que se tenha verificado um agravamento do risco do investimento – o que parece ser indiciado, desde logo, pela diminuição de investimento em obrigações de taxa fixa e pelo aumento de investimento em obrigações de taxa variável -, não poderá deixar de se entender que o Autor/Recorrente se conformou com tal agravamento (que sempre seria suscetível de lhe conferir maior rendibilidade). Apenas deste modo se percebe que tenha deixado que o contrato permanecesse em vigor durante cerca de nove após a mudança de designação do seguro, tendo procedido ao regaste do produto tão somente em finais de 2019 (facto provado sob o n.º 60).

11. De resto, a causa de pedir invocada pelo Autor/Recorrente, e que fundou o seu pedido de exclusão de cláusulas ao abrigo da LCCG, ancorou-se na alegada violação do dever de informação de cláusulas atinentes à inexistência da rendibilidade garantida do seguro em causa, e não de disposições contratuais relativas à alteração do nível de uma rendibilidade não garantida.

12. Não encontrando as pretensões do Autor/Recorrente AA respaldo na matéria de facto dada como provada, à luz dos pedidos e da causa de pedir que integram o objeto da presente ação, resta concluir pela improcedência do recurso também no segmento em apreço.

Por fim,

Tendo em conta a improcedência do recurso interposto pelo Autor/Recorrente AA, resulta prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do recurso deduzida, a título subsidiário, pelas Rés/Recorridas Banco BPI Private Banking, S.A., e BPI Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A..

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se, ainda que com distinta fundamentação, o acórdão recorrido

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2023


Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Arcanjo

_____________________________________________


1. Erro de escrita que se corrige nos termos supra referidos.↩︎

2. Cf. José Vasques, Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 94.↩︎

3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 2013 (Gregório Silva Jesus), Proc. n.º 530/10.6TJPRT.P1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/38f33c44b0c8358280256879006bc013?CreateDocument.↩︎

4. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 1999 (Ferreira Ramos), Proc.n.º 736/99.↩︎

5. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2001 (Reis Figueira), Proc. n.º 3156/00.↩︎

6. Refira-se, nesta sede, que, no caso objeto de análise pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2009 (Oliveira Rocha), Proc. n.º 369/09.1YFLSB – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d5a864a65cd6537802575ee0032a682?OpenDocument -, em que se considerou não ser de conhecimento oficioso a questão de saber se devem ser excluídas do contrato cláusulas gerais apostas no verso do documento assinado pelo aderente, com o argumento de que este pode pretender vincular-se a essas cláusulas, ressalvou-se não se tratar de um caso de nulidade do contrato (diferentemente do que sucede in casu, em que se discute a nulidade do convénio).↩︎

7. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de março de 2005 (Moitinho de Almeida), Proc. n.º 282/05, in Coletânea de Jurisprudência – STJ, ano XIII, tomo I, pp. 144-146; e de 6 de julho de 2005 (Pereira da Silva), Proc. n.º 272/05.↩︎

8. Cf. Ana Prata, Contratos de adesão e Cláusulas contratuais gerais, Coimbra, Almedina, 2021, pp. 313 e 344.↩︎

9. Cf. Mário Júlio De Almeida Costa/António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais – Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, Coimbra, Almedina, 1991, p. 29.↩︎

10. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de abril de 2008 (Salreta Pereira), Proc. n.º 4031/07.↩︎

11. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2008 (Mota Miranda), Proc. n.º 357/08 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c6f0dff85bdab2308025747c003004f9?OpenDocument.↩︎

12. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de outubro de 2022 (Fernando BaPtista), Proc. n.º 1853/18.1T8VCT.G1.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e0adb4ce6670e195802588da00562e22?OpenDocument.↩︎

13. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de março de 2005 (Moitinho de Almeida), Proc. n.º 282/05, consultável em Coletânea de Jurisprudência – STJ, ano XIII, tomo I, pp. 144-146; de 6 de março de 2008 (Oliveira Vasconcelos), Proc. n.º 4617/07 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ab293bbb2433e82e802574090033c952?OpenDocument; de 29 de abril de 2008 (Salreta Pereira), Proc. n.º 4031/07; e de 7 de julho de 2009 (Oliveira Rocha), Proc. n.º 369/09.01YFLSB – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d5a864a65cd6537802575ee0032a682?OpenDocument.↩︎

14. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2006 (Alves Velho), Proc. n.º 396/06.↩︎

15. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de outubro de 2011 (Moreira Alves), Proc. n.º 1097/04.0TBLLE.E1.S1 - disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/57f0b68a479310a98025793c003525d4?OpenDocument.↩︎

16. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2006 (João Bernardo), Proc. n.º 627/06; de 3 de maio de 2007 (Pires da Rosa), Proc. n.º 06B1650 – disponível para consulta in em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/34214a684de90457802572d4002d4c00?OpenDocument.↩︎

17. Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Coimbra, Almedina, 2009, p. 623.↩︎

18. Cf. Nuno Pinto Oliveira, “A Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e a Directiva n.º 93/13/CEE”, de 5 de abril de 1993”, in Scientia Iuridica, tomo LIV, N.º 303, 2005, p. 542.↩︎

19. Cf. Ana Filipa Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 187.↩︎

20. Cf. Ana Filipa Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 187.↩︎

21. Cf. Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 116.↩︎

22. Cf. Sandra Passinhas, “O problema das cláusulas contratuais gerais é o da usura em massa? Resposta a Pedro Pais de Vasconcelos”, in Revista de Direito Comercial, 2018-02-04, p. 185 – disponível para consulta in https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b2b4dc12b6a28718c45123c/1529564611918/2018-05.pdf.↩︎

23. Cf. José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais – DL 446/85 Anotado – Recolha Jurisprudencial, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 116.↩︎

24. Cf. José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais – DL 446/85 Anotado – Recolha Jurisprudencial, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 116.↩︎

25. Cf. Sandra Passinhas, “O problema das cláusulas contratuais gerais é o da usura em massa? Resposta a Pedro Pais de Vasconcelos”, in Revista de Direito Comercial, 2018-02-04, pp. 186, 188-189 – disponível para consulta in https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b2b4dc12b6a28718c45123c/1529564611918/2018-05.pdf.↩︎

26. Cf. Maria Elisabete Ramos, O Contrato de Seguro – Entre a Liberdade Contratual e o Tipo, Coimbra, Almedina, 2021, p. 154.↩︎

27. Cf. Luís Poças, “Produtos de Investimento com Base em Seguros (PIBS)”, in Estudos de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2023, p. 1176.↩︎

28. Cf. Luís Poças, “Produtos de Investimento com Base em Seguros (PIBS)”, in Estudos de Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2023, p. 1176, nota 17.↩︎

29. Cf. Luís Poças, Estudos de Direito dos Seguros, Porto, Almeida e Leitão, Lda. p. 44.↩︎

30. Cf. Luís Poças, Estudos de Direito dos Seguros, Porto, Almeida e Leitão, Lda. p. 25.↩︎

31. Note-se que os seguros ligados a fundos de investimento, em virtude do seu caráter especulativo, não são apenas e tão somente produtos segurísticos. Pode dizer-se que se caracterizam por uma componente causal mista, financeira e seguradora do ramo vida. Por conseguinte, o julgador, na interpretação do contrato, tem de ir para além do nomen iuris que lhe é atribuído. Será um contrato de seguro de vida quando o risco que tem por objeto um evento da existência do segurado é assumido pelo segurador, enquanto será uma operação de investimento num instrumento financeiro quando o risco de performance é assumido pelo tomador do seguro. Daí que estes seguros, sendo suscetíveis de configurar contratos com uma causa mista, possam estar sujeitos a uma cascata de regulamentação: o regime do contrato de seguro em geral, a disciplina especial prevista no regime do contrato de seguro para os seguros de vida e, no âmbito deste, as normas especiais relativas a seguros ligados a fundos de investimento, de um lado e, de outro, a disciplina dos valores mobiliários. É que os unit linked são instrumentos financeiros complexos: DL n.º 211-A/2008, de 3 de novembro. Verifica-se aqui a necessidade de uma harmonização prática entre o Direito dos Seguros e o Direito dos Valores Mobiliários.

Num unit linked não se pretende verdadeiramente segurar algo, mas sim investir. O segurador, ao tempo da verificação da eventualidade, terá de entregar o respetivo montante, que pode ser inferior ao prémio que o tomador pagou. Existe um risco financeiro, que recai sobre o tomador do seguro, porquanto o rendimento que este irá receber depende da (des)valorização do fundo a que está ligado. Contudo, o tomador do seguro pode partilhar este risco financeiro com o segurador, quando este lhe presta alguma garantia de capital.

Note-se, por fim, que apesar o de unit linked não ser um verdadeiro seguro, a Lei do Contrato de Seguro enquadra-o no ramo vida,↩︎

32. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), Proc. n.º 969/18.9T8GMR.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a6f4cf714e9a98648025868000417e8e?OpenDocument.↩︎

33. Cf. José Carlos Moitinho de Almeida, “O regime comunitário das cláusulas abusivas e o contrato de seguro”, in Congresso Luso- Hispano de Direito dos Seguros, Coimbra, Almedina, 2005, p. 212.↩︎

34. Cf. Proc. n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7806dfc2d897d50e80257863004f92e2?OpenDocument.↩︎

35. Cf. Proc. n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/354d6c3d4635adfd8025802e003c1a4d?OpenDocument.↩︎

36. Cf. Proc. n.º 569/13.0TBCSC.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/17b68961f3707614802581ae004f3450?OpenDocument.↩︎

37. Cf. Proc. n.º 857/08.7TVLSB.L1.S2 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/62b11c5e4d40e72e802583690037f26e?OpenDocument.↩︎

38. Cf. Proc. n.º 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e782fce7decaea638025865e0037883f.↩︎

39. Cf. Ana Prata, Contratos de adesão e Cláusulas contratuais gerais, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, pp. 243-244.↩︎

40. Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Coimbra, Almedina, 2009, p. 620.↩︎

41. Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Coimbra, Almedina, 2009, p. 620.↩︎

42. Cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, Direito dos Contratos - Estudos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 92↩︎