Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3398
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LÁZARO FARIA
Descritores: CONCORRÊNCIA DESLEAL
MARCAS
Nº do Documento: SJ20090205033987
Data do Acordão: 02/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1 – Provado que os Réus, no exercício da sua actividade, utilizam a expressão "Saramago", integrando esta também a marca registada e prioritária da Autora ("Funerária Saramago, Lda."), e que aquela utilização tem em vista produzir efeitos no mercado e disputar a mesma clientela, ainda para mais quando ambas as partes exercem a sua actividade económica na mesma região e em locais (freguesias) limítrofes, verifica-se existir uma situação de potencial confusão, susceptível de causar prejuízos à Autora, concretizada na possibilidade de suscitação de dúvidas e incertezas relativamente às pessoas que prestam os respectivos serviços (empresários e/ou estabelecimentos), o que não deixa de ser contrário aos bons, honestos e normais usos do comércio.
2 - Não se carece, para se concluir por actuação violadora das normas do comércio, em sede de concorrência desleal, que se verifique uma “efectiva confusão prejudicial”, bastando a susceptibilidade ou perigo de que a mesma suceda.
3 – Mesmo para um normal consumidor, medianamente conhecedor, se existe risco de erro ou confusão entre sinais, quando pela sua identidade ou semelhança conduz a que um seja tomado por outro, ou ainda quando o público seja levado a confundir, pela identidade dos produtos e pela proximidade dos locais de sua proveniência, as pessoas ou entidades desses produtos prestadoras, tal envolve “concorrência desleal”, por representar uma prática de actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes, contrários aos usos honestos do comércio, susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor, pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



RELATÓRIO –
Na presente aS. Cosmeão que "Funerária Saramago, Lda. move contra BB e "Funerária de S. Cosme de de Gondomar, Lda", pretende aquela a condenação destes últimos a absterem-se imediatamente, no exercício da sua actividade comercial, de usar qualquer publicidade de onde conste ou faça parte o designativo "Saramago", bem assim no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 1.000 euros diários, desde a data da respectiva sentença condenatória até efectiva abstenção do uso daquela expressão, quer se trate de simples expressão publicista, quer integre eventual marca registada.
Para o efeito e, em síntese, alegou a Autora que, após a sua constituição e tendo em vista a sua actividade de agente funerário, foi-lhe concedido o registo da marca "Funerária Saramago" por despacho do "INPF' de 29.10.1993, sendo que, apesar disso, os Réus vêm usando, para efeitos profissionais relacionados com idêntica actividade à por si (autora) desenvolvida, a expressão "João Saramago - R", tudo em ordem a produzir efeitos no mercado, assim disputando a mesma clientela da Autora, por aquela expressão ser confundível com a por si registada, posto desenvolverem ambas as partes idêntica actividade (serviços funerários), em áreas geográficas muito próximas.
Os Réus, citados para os termos da aS. Cosmeão, vieram apresentar contestação em que impugnaram grande parte da alegação inicial, tendo ainda oposto à procedência daquelas pretensões a circunstância da Ré ser titular de marca comunitária com a designação "João Saramago - R", o que legitimava o uso para a sua actividade da expressão "Saramago”; tão pouco a marca, de que era detentora, se confundindo com aquela outra propriedade da Autora, para além do pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória não vir sustentada em factualidade bastante.
Replicou a Autora, rejeitando a defesa adiantada pelos Réus nomeadamente quanto à invocada prevalência da marca comunitária de que a Ré/sociedade era detentora, bem assim quanto à insubsistência do pedido de aplicação da dita sanção pecuniária compulsória, concluindo nos termos inicialmente peticionados.
Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência desse recurso.
No prosseguimento da lide, veio a ser fixada a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizada a base instrutória, peças estas que sofreram reclamação, só em parte atendida e apenas quanto a rectificações de erros de escrita.
O processo seguiu os seus legais termos, tendo, após audiência de discussão e julgamento, sido proferida sentença decidindo-se pela condenação dos Réus a absterem-se de, no exercício da sua actividade comercial, usar publicidade onde conste ou faça parte o designativo "Saramago", bem assim na sanção pecuniária compulsória de 50 euros por cada dia em que usarem de tal designativo após o trânsito da sentença.
Inconformados, interpuseram recurso de apelação os Réus, tendo concluído as suas alegações com a pretensão de revogação do decidido e de absolvição dos pedidos formulados na aS. Cosmeão.
Contra-alegou a Autora, defendendo a manutenção do julgado.
O Tribunal da Relação, conhecendo, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
De novo, foi interposto recurso pelos R.R., agora de revista, para este Supremo Tribunal.
Alegando, concluem estes:
a) O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 668°, 1, b), do C.P.C., por não especificar, como ao Tribunal da Relação do Porto competia, a matéria de facto que entendesse assente, em violação do disposto no artigo 713°, 2, do mesmo Código;
b) Ainda que tivessem sido discriminados, no acórdão recorrido, os factos que a Relação considerasse provados, ainda assim a sentença da 1ª instância nunca poderia, legalmente, ter procedido, com os factos dados por assentes, pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia;
Com efeito,
c) Quando a Autora propôs a acção inicial alegou, e bem, entre outros factos constitutivos do seu pretenso direito, que o uso, pelos RR, da expressão “Saramago" causava "confusão” perante a clientela e lhe acarretava "prejuízos", como resulta, nomeadamente, dos artigos 34°, 65° e 67° da petição inicial;
d) Com base nesses factos constitutivos peticionou o que emerge do pedido final;
e) E, porque tais factos são, na realidade, constitutivos e essenciais à procedência da acção, teria sido, como é, processualmente exigível que o Juiz do TCVNG tivesse levado à Base Instrutória essa factualidade, necessária à cabal apreciação do mérito da causa,
f) Pois, só através da sua eventual prova é que se poderia aferir a viabilidade de se condenar os RR nos termos do pedido final;
Ademais,
g) Note-se que os Recorrentes procuraram organizar a sua defesa com base, mormente, na indicação de testemunhas, habilitadas a pronunciarem-se sobre a concreta factualidade constante da B.I.,
h) E, se lá tivessem constado os factos atinentes à apregoada "confusão" e “prejuízos", outras poderiam ser as testemunhas a indicar ou a aditar pelos Recorrentes e, ou, outra poderia ser, legitimamente, a estratégia da defesa, no que à organização probatória concerne;
i) Aquilo que o Juiz do TCVNG fez, na prolatada sentença, foi, não só desrespeitar, na fase da subsunção jurídica, os exactos factos, constantes na B.I. e considerados provados (que não lhe permitiriam nunca condenar os Recorrentes), mas também proferir uma "decisão­ surpresa", baseada na suposta "confusão", quando esta não ficou minimamente provada, por nem sequer ter integrado a factualidade da B.I.;
j) A circunstância de os Recorrentes usarem a expressão "Saramago", por si só não é apta a fundamentar a procedência da acção, porque coexistem, na prática comercial corrente, inúmeras empresas que adoptam elementos comuns e isso não determina, "ipso facto", nem a ocorrência de "confusão", "concorrência desleal" ou "prejuízos", nem a ilicitude das condutas;
l) Ao longo da lide, a Recorrida conseguiu obter ganhos processuais ilegítimos, nomeadamente quando:
l-1) Apresentou uma Resposta-Réplica que, no mínimo, excedia largamente o âmbito da pronúncia sobre a suposta "excepção";
l -2) Não precisou de produzir prova dos factos essenciais e constitutivos da "confusão" e dos "prejuízos", com os quais estava processualmente onerada, nos termos do artigo 342°, 1,do C.C., porque o Juiz a ela se substituiu, na prolação da sentença do TCVNG;
l -3) Beneficiou do facto de o Juiz ter completamente omitido pronúncia jurisdicional sobre a aventada "excepção";
m) Uma decisão justa, sobre o mérito da causa, teria, inevitavelmente, que passar, pela inclusão, na Base Instrutória, para efeitos de prova e de contra-prova, dos factos constitutivos, alegados pela Recorrida, atinentes à invocada "confusão" e “prejuízos";
n) A factualidade, considerada assente, pelo TCVNG, reproduzida de fis. 516 a 517 , não permite a solução jurídica adoptada pelas instâncias, precisamente porque lhe falta a enunciação dos aludidos factos, essenciais à procedência da acção;
Pelo exposto,
o) Aos Recorrentes deve ser reconhecido o direito processual de produzirem contra-prova a tais factos, não quesitados, como lhes permite o artigo 346° do C.C., sendo certo que o ónus da prova desses factos constitutivos cabe à Recorrida, "ex vi" do artigo 342°, 1, do C.C.;
Consequentemente,
p) Independentemente da nulidade do acórdão recorrido, nos termos escogitados, deverá ser decidida, nos termos do artigo 729°, 3, do C.P.C., a ampliação da matéria de facto, relativamente aos mencionados factos, da apregoada “confusão" e “prejuízos";
q) O acórdão recorrido viola, pelo menos, os artigos 511°, 1 e 713°, 2, do C.P.C. e os artigos 342°, 1 e 346° do C.C.
Deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser igualmente revogado, ordenando-se a ampliação da matéria de facto na lª instância, nos termos propostos pelos recorrentes.
Foram apresentadas contra-alegações, concluindo-se que deve ser declarado o recurso deserto, pelos motivos já aduzidos retro ou, assim se não entendendo, deverá prosseguir, mantendo - se "a final" a decisão recorrida, por não padecer de qualquer vício ou nulidade.

Cumpre conhecer e decidir.
Foram julgados provados os seguintes factos:
1.A A. é uma sociedade com sede social em Fânzeres, que se dedica à actividade de agência funerária, tendo sido constituída por escritura pública de 11.06.1992, celebrada no Cartório Notarial de Rio Tinto, e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 2.384.
2.A requerimento da A., realizado em 10.11.1992, foi registado a marca Funerária Saramago, por despacho proferido no LN.P.L em 29.10.1999.
3. Em 11 de Maio de 1994, a A., Funerária Saramago, Lda., instaurou uma acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD, agente funerário, pai do 1º Réu.
4. Na referida acção a A. pediu que o pai do Réu lhe reconhecesse o direito exclusivo de usar a marca Funerária Saramago por ser proprietária da mesma, adquirida através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, ficando o Réu condenado a abster-se de usar a referida marca, ou seja, Funerária Saramago.
5. O pai do 1° Réu contestou alegando, além do mais, que a concessão da marca à A. seria ineficaz e o registo não definitivo, que a A. não seria proprietária da marca e que o Réu usaria legitimamente a expressão Saramago que seria alcunha ou apelido na família desde há várias gerações e que haveria abuso de direito da A. cujos sócios teriam adoptado uma expressão que sabiam identificar o Réu há dezenas de anos.
6. Na réplica, a A. ampliou o pedido pedindo a condenação do Réu a abster-se de usar qualquer marca da qual conste ou faça parte o designativo "Saramago ".
7. O pai do Réu tentou noutro processo apenso a este pedir a anulação da firma Funerária Saramago, Lda. e o cancelamento da matrícula, bem como a eliminar e abster-se de utilizar a referida firma.
8. Foi proferida decisão que julgou a acção principal procedente, por provada, e improcedente, por não provada, a acção apensa.
9. Em 24 de Abril de 2002, o DD transmitiu as suas quotas na Sociedade Funerária de S. Cosme de Gondomar, Lda., a seus filhos e, designadamente, ao 1º Réu, BB.
10. A 2a Ré usa comercialmente a expressão João Saramago na qualidade de detentora do registo da marca comunitária n° 000000000, válido até 26.01.2009.
11. A 2a Ré é detentora da denominação social Funerária de S. Cosme de Gondomar, Lda., e da marca comunitária João Saramago, divulgando essa marca em material publicitário.
12. A referida Ré dedica-se comercialmente a actividade de serviços fúnebres e decorativos.
13. O 1° Réu usa, a título pessoal, a expressão João Saramago Filho.
14. O 1º Réu é também sócio da sociedade Saramago - Comércio de Granitos Decorativos, Lda.
15. A A. publicita os seus serviços na página 33a da Lista Telefónica - Páginas Amarelas da Região Porto e Sul Douro, na Edição de 2002-2003, com inserção da fotografia do seu sócio­gerente, DD, de nome próprio, mas que também passou a usar o designativo " Saramago".
16. Os RR. usam profissionalmente a expressão "Saramago R".
17. Tal uso destina-se a produzir efeitos no mercado, através da disputa da mesma clientela da A., por terem actividades coincidentes, com actuação nomeadamente num âmbito local e regional e com uma distância geográfica mínima por se situarem em freguesias limítrofes.

O Direito:

É sabido que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não conhece de matéria de facto (arts. 26° L.O.F.T.J. e 721°, nº 2, 722°, nº 2, 726°, 729°, nºs 1 e 2. e 755°, nº 2, todos do C. P. Civil). Apenas lhe compete, em princípio, apreciar matéria de direito.

Apenas se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722°, nº 2 do C. P. Civil), é que poderá o Supremo alterar essa decisão (art. 729°, n° 2 do C. P. Civil). Só no caso de existir erro das instâncias na análise da prova por violação das normas que fixam o seu valor, ou seja, se as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal poderá o Supremo pronunciar-se sobre os factos provados.

Sabido ainda que só pode conhecer-se das “questões” que sejam suscitadas nas conclusões das alegações de recurso – artºs 690º nºs 1 e 4; e 726º do C. P. Civil - temos que as colocadas neste recurso fundam-se, por um lado, em que “o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 668°, 1, b), do C.P.C., por não especificar, como ao Tribunal da Relação do Porto competia, a matéria de facto que entendesse assente, em violação do disposto no artigo 713°, 2, do mesmo Código”; por outro, “ainda que tivessem sido discriminados, no acórdão recorrido, os factos que a Relação considerasse provados, ainda assim a sentença da 1ª instância nunca poderia, legalmente, ter procedido, com os factos dados por assentes, pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, defendendo-se que “uma decisão justa, sobre o mérito da causa, teria, inevitavelmente, que passar, pela inclusão, na Base Instrutória, para efeitos de prova e de contra-prova, dos factos constitutivos, alegados pela Recorrida, atinentes à invocada "confusão" e “prejuízos"; e que” a factualidade, considerada assente, pelo TCVNG, reproduzida de fis. 516 a 517 , não permite a solução jurídica adoptada pelas instâncias, precisamente porque lhe falta a enunciação dos aludidos factos, essenciais à procedência da acção, com violação dos artºs 342º, nº 1, e 346º, ambos do C. Civil.

Quid Júris?
A invocada nulidade não encontra fundamento nos autos, porquanto – como do acórdão se retira – este refere quais os factos que vêm referidos como provados, e que como tais considera, uma vez que, indeferindo até a invocada necessidade de ampliação da matéria de facto, tendo em vista a solução do litígio e o que foi alegado na contestação quanto a alguns pontos de facto, no âmbito deste recurso, reteve a factualidade considerada na sentença impugnada, que reproduziu.
Por isso, não só tomou posição sobre a matéria de facto provada nos autos, já que, atendo-se ao comando do disposto no art. 511, nº 1, do CPC, não viu motivos para atribuir à indicada factualidade relevância com manifesto interesse para a decisão da causa, por isso também não tendo a virtualidade de ser dada como assente ou, então, ser objecto de indagação, como ainda teve em devida conta, no acórdão, a matéria que, julgada provada pelo tribunal de 1ª instância, neste reproduziu.
Tendo sido, assim, dado cumprimento ao dispositivo legal do artº713º, nº2 do C. P. Civil, inexiste a invocada nulidade.

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Invocam ainda os recorrentes que “ a sentença da 1ª instância nunca poderia ter procedido com os factos dados por assentes, pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, defendendo-se que “uma decisão justa, sobre o mérito da causa, teria, inevitavelmente, que passar, pela inclusão, na Base Instrutória, para efeitos de prova e de contra-prova, dos factos constitutivos, alegados pela Recorrida, atinentes à invocada "confusão" e “prejuízos"; e que” a factualidade, considerada assente, pelo TCVNG, reproduzida de fis. 516 a 517 , não permite a solução jurídica adoptada pelas instâncias, precisamente porque lhe falta a enunciação dos aludidos factos, essenciais à procedência da aS. Cosmeão.
Na tese dos recorrentes, como invocaram já quando do recurso para o Tribunal da Relação, deviam ter sido levados à Base Instrutória a matéria de facto invocada pela A. na petição inicial, relativamente aos factos atinentes à apregoada “confusão" e “prejuízos" (artºs 34º, 65º e 67º, da petição inicial), para efeitos de prova e de contra­prova, por se tratar de factos constitutivos do direito da A.
Ocorre que, por um lado, quando da seleS. Cosmeão da matéria de facto (art 511º do C.P.Civil) não foi apresentada qualquer reclamação sobre esta matéria, e, a ser assim, podia (devia) tê-lo sido, nos termos do nº 2 deste citado artigo; por outro, a “questão” assim colocada pelos recorrentes não pode ser objecto de conhecimento por este Supremo Tribunal face ao disposto nos artºs 722º nº 2, do C. P. Civil, que dispõe que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, não se verificando a situação prevista na 2ª parte desta norma; e, dispondo no nº1 do artº 729º que “aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado”, contém-se no seu nº 2 que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722º”.
Aliás, como já atrás se disse, este Supremo Tribunal apenas conhece, por norma, de matéria de direito – artº 26º da L.O.F.T.J.; e nº 2 do artº 721º do C. P. Civil, que dispõe: “O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 668.º e 716.º


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É certo que, nos termos do nº3 do artº 729º referido, “o processo … volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.


E do disposto neste normativo se socorrem ainda os R.R. na al. P) das suas conclusões.

Ocorre que:
Tendo a “questão” da ampliação da base instrutória com tal matéria sido colocada no tribunal recorrido, por este foi entendido que não podia aceitar-se a objeS. Cosmeão posta pelos recorrentes, ao aduzirem não deter a factualidade acima enunciada (matéria de facto provada) a potencialidade de fundamentar a procedência da aS. Cosmeão, por a mesma não traduzir actuação produtora de “confusão” entre as actividades económicas das partes.
E bem agiu este ao assim ter entendido.
Na verdade, da factualidade provada resulta que os Réus, no exercício da sua actividade - aliás, idêntica à desenvolvida pela Autora - utilizam a expressão "Saramago", sendo que esta integra também a marca registada e prioritária da Autora ("Funerária Saramago") - artº 167º nº 1 do C.P.I. - tem em vista produzir efeitos no mercado e disputar a mesma clientela daquela, ainda para mais quando ambas as partes exercem a sua actividade económica na mesma região e em locais (freguesias) limítrofes.
Com esta actividade assim exercida pelos R. R., existe uma situação de potencial confusão susceptível de causar prejuízos à Autora, concretizada na possibilidade de suscitação de dúvidas e incertezas (confusão) relativamente às pessoas que prestam os respectivos serviços (empresários e/ou estabelecimentos), o que não deixa de ser contrário aos bons, honestos e normais usos do comércio.
Não se carece, por isso, para se concluir por actuação violadora das normas do comércio, em sede de concorrência, que se verifique uma “efectiva confusão prejudicial”, bastando a susceptibilidade ou perigo de que a mesma suceda; o que, no caso, perante a aludida materialidade, se verifica.
Na verdade, sendo que A. e R.R. prosseguem em áreas limítrofes a mesma actividade, não se pode pôr de parte que, utilizando ambas as partes a expressão “Saramago”, é clara - atendendo-se a diversos factores, nomeadamente à natureza e ao tipo de necessidades que os produtos ou serviços visam satisfazer - a grande possibilidade de confusão sobre a origem empresarial dos mesmos, pretendidos adquirir pelas pessoas, em cada momento.
Na perspectiva do normal consumidor, mesmo mediamente conhecedor, existe risco de erro ou confusão entre sinais, não só quando a identidade ou semelhança origina que um sinal seja tomado por outro, mas ainda sempre que o público seja levado a considerar a existência de identidade de proveniência de produtos ou serviços a que os sinais se destinam ou então à existência duma relação entre a proveniência desses produtos ou serviços que de facto não existe” – (­v. Ferrer Correia, in "Lições de Direito Comercial", Vol. I, pág. 329).
E a identidade no caso é significativa, uma vez que ambas são destinadas assinalar produtos ou serviços idênticos ou de afinidade manifesta, há relativa semelhança gráfica, um elemento identificativo e fonético dominante (Saramago), o que induz facilmente o consumidor em erro ou confusão, face ao risco de associação com a marca da A., anteriormente registada, dificultando ao consumidor a distinção das duas marcas, apenas aferível depois de exame através de atento confronto - (vide, art. 193º do C. P. Industrial, de 1995).
Nos termos do artº 260º do Código da Propriedade Industrial de 1995, em vigor à data dos factos e aquando da entrada em juízo da aS. Cosmeão, há “ concorrência desleal” quando alguém, com a intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente, acto susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue”.
Segundo Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Almedina, 1997, pag. 156, “ a concorrência desleal pressupõe a proximidade entre actividades económicas dos agentes concorrentes… Ora, “in casu”, as actividades são as mesmas e são dirigidas à mesma clientela.
Por isso, a actividade dos R.R., exercida nas circunstâncias referidas, integra “concorrência desleal”, já que implica a prática de actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor, pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela.
Não é, assim, exigida uma confusão efectiva e prejudicial; antes, é suficiente, basta o perigo de que a mesma aconteça – vide Couto Gonçalves, in "Manual de Direito Industrial", pág.s 349 a 350.
Assim sendo, tendo em conta o exposto, não se carece, para a procedência da aS. Cosmeão, nos termos em que a decisão foi proferida, de qualquer aditamento em sede de matéria de facto à base instrutória.
Por isso, nesta vertente, bem decidiu o tribunal recorrido.

Acresce que se, por um lado, o artº 34º da petição inicial, além de matéria conclusiva relativa à “criação de confusão na clientela” pelo uso da expressão “Saramago”, não contém referido qualquer outro facto sobre tal; por outro, o referido nos artºs 65º e 67º da mesma peça processual é também apenas matéria conclusiva, concretizada nas afirmações de que, respectivamente, “ o uso, pelos R.R., do designativo “ Saramago” é claramente idóneo e apto para provocar danos à A.” e os R.R., ao usarem tal epíteto, “só podem ter como propósito e objectivo causar prejuízo à A. e obter para si e para a firma de que são sócios/gerentes sucessivos benefícios ilegítimos”.
Trata-se, como se disse, apenas de matéria conclusiva; não de matéria de facto. Por isso, nunca poderia, nos termos do artº 511º do C. P. Civil, integrar a Base Instrutória, já que, por conclusivas, integram juízos de valor e, como tais, constituem matéria de direito (artº 646º nº 4 do C. P. Civil).
Não se verificam, pois, as violações invocadas dos artigos 511º nº1, 713º nº 2 do C. P. Civil, nem dos 342º nº1 e 346º do C. Civil.
Improcedem, pois, os invocados fundamentos do recurso.

Face a todo exposto, acorda-se em negar revista.
Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 05 de Fevereiro de 2009

Lázaro Faria (relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa