Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LÁZARO FARIA | ||
Descritores: | CONCORRÊNCIA DESLEAL MARCAS | ||
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Nº do Documento: | SJ20090205033987 | ||
Data do Acordão: | 02/05/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | 1 – Provado que os Réus, no exercício da sua actividade, utilizam a expressão "Saramago", integrando esta também a marca registada e prioritária da Autora ("Funerária Saramago, Lda."), e que aquela utilização tem em vista produzir efeitos no mercado e disputar a mesma clientela, ainda para mais quando ambas as partes exercem a sua actividade económica na mesma região e em locais (freguesias) limítrofes, verifica-se existir uma situação de potencial confusão, susceptível de causar prejuízos à Autora, concretizada na possibilidade de suscitação de dúvidas e incertezas relativamente às pessoas que prestam os respectivos serviços (empresários e/ou estabelecimentos), o que não deixa de ser contrário aos bons, honestos e normais usos do comércio. 2 - Não se carece, para se concluir por actuação violadora das normas do comércio, em sede de concorrência desleal, que se verifique uma “efectiva confusão prejudicial”, bastando a susceptibilidade ou perigo de que a mesma suceda. 3 – Mesmo para um normal consumidor, medianamente conhecedor, se existe risco de erro ou confusão entre sinais, quando pela sua identidade ou semelhança conduz a que um seja tomado por outro, ou ainda quando o público seja levado a confundir, pela identidade dos produtos e pela proximidade dos locais de sua proveniência, as pessoas ou entidades desses produtos prestadoras, tal envolve “concorrência desleal”, por representar uma prática de actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes, contrários aos usos honestos do comércio, susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor, pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça RELATÓRIO – Na presente aS. Cosmeão que "Funerária Saramago, Lda. move contra BB e "Funerária de S. Cosme de de Gondomar, Lda", pretende aquela a condenação destes últimos a absterem-se imediatamente, no exercício da sua actividade comercial, de usar qualquer publicidade de onde conste ou faça parte o designativo "Saramago", bem assim no pagamento da sanção pecuniária compulsória de 1.000 euros diários, desde a data da respectiva sentença condenatória até efectiva abstenção do uso daquela expressão, quer se trate de simples expressão publicista, quer integre eventual marca registada. Para o efeito e, em síntese, alegou a Autora que, após a sua constituição e tendo em vista a sua actividade de agente funerário, foi-lhe concedido o registo da marca "Funerária Saramago" por despacho do "INPF' de 29.10.1993, sendo que, apesar disso, os Réus vêm usando, para efeitos profissionais relacionados com idêntica actividade à por si (autora) desenvolvida, a expressão "João Saramago - R", tudo em ordem a produzir efeitos no mercado, assim disputando a mesma clientela da Autora, por aquela expressão ser confundível com a por si registada, posto desenvolverem ambas as partes idêntica actividade (serviços funerários), em áreas geográficas muito próximas. Os Réus, citados para os termos da aS. Cosmeão, vieram apresentar contestação em que impugnaram grande parte da alegação inicial, tendo ainda oposto à procedência daquelas pretensões a circunstância da Ré ser titular de marca comunitária com a designação "João Saramago - R", o que legitimava o uso para a sua actividade da expressão "Saramago”; tão pouco a marca, de que era detentora, se confundindo com aquela outra propriedade da Autora, para além do pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória não vir sustentada em factualidade bastante. Replicou a Autora, rejeitando a defesa adiantada pelos Réus nomeadamente quanto à invocada prevalência da marca comunitária de que a Ré/sociedade era detentora, bem assim quanto à insubsistência do pedido de aplicação da dita sanção pecuniária compulsória, concluindo nos termos inicialmente peticionados. Respondeu a Autora, pugnando pela improcedência desse recurso. No prosseguimento da lide, veio a ser fixada a matéria de facto tida como assente entre as partes e organizada a base instrutória, peças estas que sofreram reclamação, só em parte atendida e apenas quanto a rectificações de erros de escrita. O processo seguiu os seus legais termos, tendo, após audiência de discussão e julgamento, sido proferida sentença decidindo-se pela condenação dos Réus a absterem-se de, no exercício da sua actividade comercial, usar publicidade onde conste ou faça parte o designativo "Saramago", bem assim na sanção pecuniária compulsória de 50 euros por cada dia em que usarem de tal designativo após o trânsito da sentença. Inconformados, interpuseram recurso de apelação os Réus, tendo concluído as suas alegações com a pretensão de revogação do decidido e de absolvição dos pedidos formulados na aS. Cosmeão. Contra-alegou a Autora, defendendo a manutenção do julgado. O Tribunal da Relação, conhecendo, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. De novo, foi interposto recurso pelos R.R., agora de revista, para este Supremo Tribunal. Alegando, concluem estes: a) O acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 668°, 1, b), do C.P.C., por não especificar, como ao Tribunal da Relação do Porto competia, a matéria de facto que entendesse assente, em violação do disposto no artigo 713°, 2, do mesmo Código; b) Ainda que tivessem sido discriminados, no acórdão recorrido, os factos que a Relação considerasse provados, ainda assim a sentença da 1ª instância nunca poderia, legalmente, ter procedido, com os factos dados por assentes, pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia; Com efeito, c) Quando a Autora propôs a acção inicial alegou, e bem, entre outros factos constitutivos do seu pretenso direito, que o uso, pelos RR, da expressão “Saramago" causava "confusão” perante a clientela e lhe acarretava "prejuízos", como resulta, nomeadamente, dos artigos 34°, 65° e 67° da petição inicial; d) Com base nesses factos constitutivos peticionou o que emerge do pedido final; e) E, porque tais factos são, na realidade, constitutivos e essenciais à procedência da acção, teria sido, como é, processualmente exigível que o Juiz do TCVNG tivesse levado à Base Instrutória essa factualidade, necessária à cabal apreciação do mérito da causa, f) Pois, só através da sua eventual prova é que se poderia aferir a viabilidade de se condenar os RR nos termos do pedido final; Ademais, g) Note-se que os Recorrentes procuraram organizar a sua defesa com base, mormente, na indicação de testemunhas, habilitadas a pronunciarem-se sobre a concreta factualidade constante da B.I., h) E, se lá tivessem constado os factos atinentes à apregoada "confusão" e “prejuízos", outras poderiam ser as testemunhas a indicar ou a aditar pelos Recorrentes e, ou, outra poderia ser, legitimamente, a estratégia da defesa, no que à organização probatória concerne; i) Aquilo que o Juiz do TCVNG fez, na prolatada sentença, foi, não só desrespeitar, na fase da subsunção jurídica, os exactos factos, constantes na B.I. e considerados provados (que não lhe permitiriam nunca condenar os Recorrentes), mas também proferir uma "decisão surpresa", baseada na suposta "confusão", quando esta não ficou minimamente provada, por nem sequer ter integrado a factualidade da B.I.; j) A circunstância de os Recorrentes usarem a expressão "Saramago", por si só não é apta a fundamentar a procedência da acção, porque coexistem, na prática comercial corrente, inúmeras empresas que adoptam elementos comuns e isso não determina, "ipso facto", nem a ocorrência de "confusão", "concorrência desleal" ou "prejuízos", nem a ilicitude das condutas; l) Ao longo da lide, a Recorrida conseguiu obter ganhos processuais ilegítimos, nomeadamente quando: l-1) Apresentou uma Resposta-Réplica que, no mínimo, excedia largamente o âmbito da pronúncia sobre a suposta "excepção"; l -2) Não precisou de produzir prova dos factos essenciais e constitutivos da "confusão" e dos "prejuízos", com os quais estava processualmente onerada, nos termos do artigo 342°, 1,do C.C., porque o Juiz a ela se substituiu, na prolação da sentença do TCVNG; l -3) Beneficiou do facto de o Juiz ter completamente omitido pronúncia jurisdicional sobre a aventada "excepção"; m) Uma decisão justa, sobre o mérito da causa, teria, inevitavelmente, que passar, pela inclusão, na Base Instrutória, para efeitos de prova e de contra-prova, dos factos constitutivos, alegados pela Recorrida, atinentes à invocada "confusão" e “prejuízos"; n) A factualidade, considerada assente, pelo TCVNG, reproduzida de fis. 516 a 517 , não permite a solução jurídica adoptada pelas instâncias, precisamente porque lhe falta a enunciação dos aludidos factos, essenciais à procedência da acção; Pelo exposto, o) Aos Recorrentes deve ser reconhecido o direito processual de produzirem contra-prova a tais factos, não quesitados, como lhes permite o artigo 346° do C.C., sendo certo que o ónus da prova desses factos constitutivos cabe à Recorrida, "ex vi" do artigo 342°, 1, do C.C.; Consequentemente, p) Independentemente da nulidade do acórdão recorrido, nos termos escogitados, deverá ser decidida, nos termos do artigo 729°, 3, do C.P.C., a ampliação da matéria de facto, relativamente aos mencionados factos, da apregoada “confusão" e “prejuízos"; q) O acórdão recorrido viola, pelo menos, os artigos 511°, 1 e 713°, 2, do C.P.C. e os artigos 342°, 1 e 346° do C.C. Deve ser declarada a nulidade do acórdão recorrido, o qual deverá ser igualmente revogado, ordenando-se a ampliação da matéria de facto na lª instância, nos termos propostos pelos recorrentes. Foram apresentadas contra-alegações, concluindo-se que deve ser declarado o recurso deserto, pelos motivos já aduzidos retro ou, assim se não entendendo, deverá prosseguir, mantendo - se "a final" a decisão recorrida, por não padecer de qualquer vício ou nulidade. Cumpre conhecer e decidir. Foram julgados provados os seguintes factos: 1.A A. é uma sociedade com sede social em Fânzeres, que se dedica à actividade de agência funerária, tendo sido constituída por escritura pública de 11.06.1992, celebrada no Cartório Notarial de Rio Tinto, e encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 2.384. 2.A requerimento da A., realizado em 10.11.1992, foi registado a marca Funerária Saramago, por despacho proferido no LN.P.L em 29.10.1999. 3. Em 11 de Maio de 1994, a A., Funerária Saramago, Lda., instaurou uma acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra DD, agente funerário, pai do 1º Réu. 4. Na referida acção a A. pediu que o pai do Réu lhe reconhecesse o direito exclusivo de usar a marca Funerária Saramago por ser proprietária da mesma, adquirida através do registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, ficando o Réu condenado a abster-se de usar a referida marca, ou seja, Funerária Saramago. 5. O pai do 1° Réu contestou alegando, além do mais, que a concessão da marca à A. seria ineficaz e o registo não definitivo, que a A. não seria proprietária da marca e que o Réu usaria legitimamente a expressão Saramago que seria alcunha ou apelido na família desde há várias gerações e que haveria abuso de direito da A. cujos sócios teriam adoptado uma expressão que sabiam identificar o Réu há dezenas de anos. 6. Na réplica, a A. ampliou o pedido pedindo a condenação do Réu a abster-se de usar qualquer marca da qual conste ou faça parte o designativo "Saramago ". 7. O pai do Réu tentou noutro processo apenso a este pedir a anulação da firma Funerária Saramago, Lda. e o cancelamento da matrícula, bem como a eliminar e abster-se de utilizar a referida firma. 8. Foi proferida decisão que julgou a acção principal procedente, por provada, e improcedente, por não provada, a acção apensa. 9. Em 24 de Abril de 2002, o DD transmitiu as suas quotas na Sociedade Funerária de S. Cosme de Gondomar, Lda., a seus filhos e, designadamente, ao 1º Réu, BB. 10. A 2a Ré usa comercialmente a expressão João Saramago na qualidade de detentora do registo da marca comunitária n° 000000000, válido até 26.01.2009. 11. A 2a Ré é detentora da denominação social Funerária de S. Cosme de Gondomar, Lda., e da marca comunitária João Saramago, divulgando essa marca em material publicitário. 12. A referida Ré dedica-se comercialmente a actividade de serviços fúnebres e decorativos. 13. O 1° Réu usa, a título pessoal, a expressão João Saramago Filho. 14. O 1º Réu é também sócio da sociedade Saramago - Comércio de Granitos Decorativos, Lda. 15. A A. publicita os seus serviços na página 33a da Lista Telefónica - Páginas Amarelas da Região Porto e Sul Douro, na Edição de 2002-2003, com inserção da fotografia do seu sóciogerente, DD, de nome próprio, mas que também passou a usar o designativo " Saramago". 16. Os RR. usam profissionalmente a expressão "Saramago R". 17. Tal uso destina-se a produzir efeitos no mercado, através da disputa da mesma clientela da A., por terem actividades coincidentes, com actuação nomeadamente num âmbito local e regional e com uma distância geográfica mínima por se situarem em freguesias limítrofes. O Direito: É sabido que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, não conhece de matéria de facto (arts. 26° L.O.F.T.J. e 721°, nº 2, 722°, nº 2, 726°, 729°, nºs 1 e 2. e 755°, nº 2, todos do C. P. Civil). Apenas lhe compete, em princípio, apreciar matéria de direito. Apenas se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722°, nº 2 do C. P. Civil), é que poderá o Supremo alterar essa decisão (art. 729°, n° 2 do C. P. Civil). Só no caso de existir erro das instâncias na análise da prova por violação das normas que fixam o seu valor, ou seja, se as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal poderá o Supremo pronunciar-se sobre os factos provados. Sabido ainda que só pode conhecer-se das “questões” que sejam suscitadas nas conclusões das alegações de recurso – artºs 690º nºs 1 e 4; e 726º do C. P. Civil - temos que as colocadas neste recurso fundam-se, por um lado, em que “o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 668°, 1, b), do C.P.C., por não especificar, como ao Tribunal da Relação do Porto competia, a matéria de facto que entendesse assente, em violação do disposto no artigo 713°, 2, do mesmo Código”; por outro, “ainda que tivessem sido discriminados, no acórdão recorrido, os factos que a Relação considerasse provados, ainda assim a sentença da 1ª instância nunca poderia, legalmente, ter procedido, com os factos dados por assentes, pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, defendendo-se que “uma decisão justa, sobre o mérito da causa, teria, inevitavelmente, que passar, pela inclusão, na Base Instrutória, para efeitos de prova e de contra-prova, dos factos constitutivos, alegados pela Recorrida, atinentes à invocada "confusão" e “prejuízos"; e que” a factualidade, considerada assente, pelo TCVNG, reproduzida de fis. 516 a 517 , não permite a solução jurídica adoptada pelas instâncias, precisamente porque lhe falta a enunciação dos aludidos factos, essenciais à procedência da acção, com violação dos artºs 342º, nº 1, e 346º, ambos do C. Civil. |