Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
759/18.9PASNT.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: BURLA
BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
NON BIS IDEM
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. Recorre o arguido do acórdão do tribunal coletivo que o condenou pela prática, em concurso, de 20 (vinte) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b) [agravação pelo «modo de vida»], do Código Penal («CP»), nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um deles, e, em cúmulo, na pena única de 6 anos de prisão.

II. A alegação de que «não foi feita a prova necessária e suficiente para a qualificação prevista no artigo 218.º, n.º 2, al. b) do CP» reconduz-se à questão de saber se os factos provados preenchem ou não este elemento (normativo) de agravação do tipo de crime de burla, ou seja, a uma questão de direito, cujo conhecimento, em recurso, é da competência do STJ [artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP].

III. O tipo de crime de burla (artigo 217.º do CP), não inclui a reiteração do facto, o que significa que cada conduta criminosa, levada a efeito pela forma tipicamente prevista (execução vinculada), constitui um crime de burla, donde resultaria que a conduta do arguido preencheria idêntico número de crimes, em concurso, não estando demonstrada a verificação dos pressupostos do crime continuado (art.º 31.º, n.ºs 1 e 2 do CP).

IV. A atual al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP difere da redação da al. a) do artigo 314.º da versão originária (de 1982), que punia como burla agravada o facto de o «agente se entregar habitualmente à burla»; a atual expressão «o agente fizer da burla modo de vida» exige que, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ele faça disso fonte de proventos para a sua sustentação, ainda que tenha meios próprios de subsistência ou rendimentos lícitos. Esta divergência justifica a diferenciação entre habitualidade e modo de vida, embora se realce a presença de um elemento em comum, que é a reiteração.

V. Na formulação do tipo agravado o «modo de vida» atua como elemento de unificação de condutas reiteradas, que, vistas isoladamente, constituem, cada uma delas, um crime de burla «simples» (art.º 217.º do CP) e, no seu conjunto, uma situação de concurso de infrações (artigo 30.º, n.º 1 do CP). Mostra-se presente o pressuposto do crime habitual, que só se consuma com prática do último ato, em data a partir da qual se começa a contar o prazo de prescrição [art.º 119.º, n.º 2, al. b), do CP].

VI. Tendo a atividade criminosa tido lugar durante 8 meses de forma reiterada e homogénea, através de condutas que, na sua individualidade, constituem crimes de burla «simples», na realização de um plano previamente definido, dever-se-á concluir que é a repetição, associada à sua finalidade de obtenção de proventos, independentemente de outros rendimentos, que confere unidade à ação típica, prolongada no tempo, de modo a preencher-se o elemento da burla qualificada através do «modo de vida». Só visto retroativamente, a partir do último ato fraudulento (da última «burla») se poderá concluir pela qualificação e pela dimensão do facto como consubstanciando um único crime qualificado por esta circunstância.

VII. Porém, daí não resulta que o arguido deva ser punido como autor de 20 crimes de burla qualificada; ou o seria pela prática de 20 crimes de burla simples (artigo 217.º do CP), no caso de não ocorrer tal qualificativa, ou, ocorrendo, e sendo a conduta constituída por factos reiterados que, por constituírem modo de vida, conferem unidade à ação, apenas pode ser punido pela prática de um único crime de burla qualificada da previsão do artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP. Isto sob pena de a condenação por crimes de burla qualificada em concurso resultar em insuportável violação do conteúdo material do princípio constitucional ne bis in idem (artigo 29.º, n.º 5, da Constituição) ou da proibição da dupla valoração.

VIII. Em consequência do que o acórdão recorrido deve ser revogado, nesta parte, e substituído por outro que condene o arguido pela prática de um único crime de burla qualificada p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP.

IX. A condenação pela prática de um único crime de burla qualificada implica a consideração dos factos no seu conjunto, incluindo a reiteração da atividade criminosa e a totalidade das importâncias ilicitamente obtidas em resultado dessa atividade, pelo que a pena singular é agravada por estas circunstâncias, tidas em conta no acórdão recorrido por segmentação da matéria de facto pelos crimes em concurso, sem que ocorra ofensa do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º do CPP).

X. Justifica-se assim que, nos termos do artigo 71.º do CP, a pena seja fixada em 3 anos e 6 meses de prisão, por, nesta medida, se afigurar conforme aos princípios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação e à realização das suas finalidades de proteção do bem jurídico e de reintegração (artigo 40.º do CP), não sendo de suspender a sua execução por não estarem presentes os respetivos pressupostos (art.º 50.º, n.º 1, do CP).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, que o condenou pela prática, em concurso, de 20 (vinte) crimes de burla qualificada, previstos e puníveis pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal («CP»), nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles, e, efetuado, o cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

2. Discordando da qualificação jurídica dos factos e das penas aplicadas, apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões (transcrição):

«Das Conclusões

15) Pelo supra exposto entende-se que não foi feita a prova necessária e suficiente para a qualificação prevista no artigo 218.º, n.º 2 alínea b) do Código Penal.

16) Finalmente, mas não condescendendo, ainda que se admita estar verificado/provado o elemento “modo de vida”, sempre se dirá que atendendo ao:

a) Valor médio mensal dos crimes praticados, estimado em € 341,67;

b) Valor máximo singular dos crimes praticados ser de € 200;

c) Arrependimento revelado pelo arguido;

d) Ao comportamento exemplar do arguido no estabelecimento prisional, a pena singular atribuída a cada um dos 20 crimes de burla qualificada não deveria ser superior ao limite inferior previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja, 2 (dois) anos.

17) E em consequência do referido em 15 e 16 supra, o cúmulo jurídico ser recalculado, pelo menos, na mesma proporção do fixado no acórdão do qual se recorre.

18) A não ser assim, existirá uma desproporção significativa entre o valor singular dos 20 crimes praticados e a pena atribuída.

19) Assim, entende-se que o douto tribunal a quo não tomou em devida consideração e ponderação o valor unitário singular e médio dos crimes praticados, a falta de prova do elemento “modo de vida”, o profundo arrependimento do arguido e o seu comportamento exemplar no estabelecimento prisional.

Por todo o supra exposto, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser procedente, devendo:

a) Ser dado como não provado a qualificação do crime de burla, ou;

b) Ainda que provado a qualificação do crime de burla, ser a pena singular por cada um dos vinte crimes de burla qualificada igual ao limite mínimo previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja 2 (dois) anos, e;

c) Em qualquer dos casos, o cúmulo jurídico ser ajustado na mesma proporção da fixada na decisão do acórdão que se recorre, assim se fazendo a costumada justiça.»

3. A Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido apresentou resposta em que, defendendo a improcedência do recurso, conclui (transcrição):

«1- Resultou da prova produzida, nomeadamente das declarações do arguido e em conjugação com a prova documental, que o arguido à data da prática dos factos obtinha rendimentos de forma regular da sua atividade profissional que complementava com os que conseguiu obter pelo engano que provocou aos ofendidos para fazer face aos seus gastos que incluía os decorrentes com o seu vício de jogo que habitualmente se dedicava.

2-De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 202/10.1PBCVL.C1 datado de 16.06.2015, “Para preenchimento da qualificativa “modo de vida”, não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.”

3- Considera-se que se encontra devidamente provado que à data da prática dos factos o arguido fazia da burla modo de vida, ainda que de forma não exclusive, encontrando-se verificado a alínea b), do artigo 218.º , n.º2 do Código Penal.

4- As penas parcelares aplicadas ao arguido que se encontram junto ao mínimo abstratamente aplicável ao crime de burla qualificada pelo qual o arguido foi condenado são justas, proporcionais, equilibradas de harmonia com o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal correspondendo às exigências de prevenção geral e especial e à culpa do arguido.

Nestes termos, devem Vossas Excelências julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter na íntegra, o douto acórdão recorrido […]»

4. O recurso foi interposto e admitido, no tribunal recorrido, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Porém, a Senhora Juíza Desembargadora relatora considerou que «as questões colocadas em sede de conclusões respeitam apenas a matéria de direito relativa ao preenchimento da qualificativa citada, à determinação das penas parcelares a aplicar e à consequente pena única resultante do cúmulo jurídico destas», concluindo não ser o tribunal da relação o competente, mas sim o Supremo Tribunal de Justiça.

Pelo que ordenou que os autos fossem remetidos a este tribunal.

5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal («CPP»), tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição):

«[…]

6 – Não se mostra isento de dúvidas que o recurso vise exclusivamente matéria de direito, como se considerou no Tribunal da Relação de Lisboa.

O recorrente extracta na primeira conclusão (com o n.º 15) com que remata a motivação do recurso o entendimento de que (…) não foi feita a prova necessária e suficiente para qualificação prevista no artigo 218º, nº2 alínea b) do Código Penal, o que traduz um inconformismo com a decisão proferida sobre a matéria de facto, que não apenas uma discordância com a integração jurídica dos factos.

Independentemente do juízo de valor que possa merecer a adequação jurídico formal do recurso apresentado em ordem à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, eventualmente determinante da sua rejeição, nessa parte, por inobservância dos comandos legais aplicáveis, tal não releva para a decisão sobre qual o tribunal competente para conhecer do recurso, a preceder lógica e necessariamente a apreciação e decisão do mérito das questões colocadas, daqui podendo resultar não ser este Supremo Tribunal de Justiça o materialmente competente para os termos do recurso.

Prevenindo, porém, diferente compreensão, sempre se dirá,

7 – É objecto do recurso, como decorre das conclusões acima transcritas, a medida das penas, parcelares e unitária, aplicadas, considerando o recorrente, no essencial, que (…) a pena singular atribuída a cada um dos 20 crimes de burla qualificada não deveria ser superior ao limite inferior previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja, 2 (dois) anos, e que (…) o cúmulo jurídico (deve) ser recalculado, pelo menos, na mesma proporção do fixado no acórdão do qual se recorre.

Considerem-se, então, na decisão recorrida, os fundamentos que presidiram à escolha e medida das penas. [transcrição].

Resulta claro que o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, as penas parcelares de 2 anos e 6 anos de prisão aplicadas ao recorrente, se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.

Como não suscita reparo a medida da pena única imposta ao recorrente AA, a qual, na economia da fundamentação expressa no acórdão recorrido, se mostra de acordo com os legais ditames do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sendo de realçar, como aí se refere, que a pena fixada se situa abaixo do primeiro quinto da penalidade abstractamente aplicável, de forma alguma se podendo considerar excessiva.

8 – Nestes termos, e na linha da tomada de posição do Ministério Público na 1ª instância, que se secunda, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA […]»

6. Notificado do parecer do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não apresentou resposta.

7. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso prosseguiu para julgamento em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Apreciando e decidindo:

II. Fundamentação

8. Factos provados

O tribunal coletivo julgou provados os seguintes factos (transcrição):

«1. O arguido, em data não concretamente apurada mas, pelo menos, a partir de julho de 2018, delineou um plano (que executou até, pelo menos, abril de 2019) com vista a apropriar-se de quantias em dinheiro a serem entregues pelos destinatários que visualizassem anúncios publicados por si em páginas de internet destinadas a anúncios gratuitos (na “OLX” e Facebook Market) em que anunciava ter para venda consolas de jogo e jogos, a quem, encetando conversações com ele, através do “chat” daquela página, faria crer que tinha os referidos equipamentos na sua posse e disponíveis para venda.

2. Após estes destinatários demonstrarem interesse na aquisição dos produtos anunciados, procederiam ao pagamento do preço acordado por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo arguido e por ele titulada, com o NIB .......................05 domiciliada no BCP (balcão de ...).

3. Nesses anúncios, o arguido, por forma a dar credibilidade ao que anunciava, colocava fotografias dos mencionados artigos, fazendo, assim, crer àqueles que os tinha na sua disponibilidade e para venda.

4. Contudo, estas pessoas nunca receberam qualquer artigo, tendo o arguido feito suas as quantias que lhe foram entregues por aqueles, jamais as ressarcindo, bem sabendo que não tinha disponível para venda os artigos que anunciava.

5. Jamais o arguido pretendeu vender artigos aos ora ofendidos, sendo a sua única intenção obter um benefício a que sabia não ter direito e à custa do património daqueles.

6. Assim, e na execução do plano por si delineado, o arguido efetuou o seu registo na página de internet www.olx.pt em julho de 2018, indicando, entre outros, o seu número de telemóvel (.......80) e o seu endereço de correio eletrónico - ......................om.

7. Em 17 de Julho de 2018, publicou o anúncio com o ID .......72 na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

8. BB, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre a remessa por via postal.

9. Em 20 de julho de 2018, BB procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter-lhe, para a sua morada, por via postal, o mencionado artigo,.

10. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia sem ter tido qualquer intenção de entregar a BB a referida Playstation e jamais restituiu àquele o valor pago.

11. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em setembro de 2018, publicou o anúncio com o ID .......50 na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 150,00.

12. CC, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre a remessa por via postal.

13. Assim, em 2 de setembro de 2018, CC procedeu à transferência bancária de € 165,00 (referente ao preço e aos custos de envio) para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter, por via postal, ao ofendido o mencionado artigo, para a sua morada.

14. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia e nunca entregou nem teve intenção de entregar a CC a referida consola, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”;

15. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em setembro de 2018 publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 200,00;

16. DD, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre a remessa do artigo via postal.

17. Assim, em 3 de setembro de 2018, DD procedeu à transferência bancária de € 200,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter a playstation à ofendida, por via postal, para a morada desta.

18. Contudo, o arguido, dias depois, informou-a que teria de efetuar outra transferência bancária de € 50,00 para que ele remetesse a referida consola, ao que DD, para que aquele lhe enviasse o referido artigo, acedeu, efetuando transferência bancária neste valor, no dia 10 de setembro de 2018, para a mesma conta.

19. No entanto, o arguido fez suas aquelas quantias e nunca entregou nem teve intenção de entregar a DD a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquela o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

20. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em setembro de 2018 publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 110,00.

21. EE, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

22. Assim, em 20 de setembro de 2018, EE procedeu à transferência bancária de € 110,00 a partir da conta bancária da sua irmã FF para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a sua morada, o mencionado artigo.

23. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia e nunca entregou, nem teve intenção de entregar a EE a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

24. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em outubro de 2018, publicou um anúncio na página de internet “OLX” no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 150,00.

25. GG, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem, através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

26. Assim, em 6 de outubro de 2018, GG procedeu à transferência bancária de € 150,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido e para a sua morada, por via postal, o mencionado artigo.

27. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia e nunca entregou, nem teve intenção de entregar a GG, a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

28. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em outubro de 2018 publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 200,00.

29. HH, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

30. Assim, em 6 de outubro de 2018, HH procedeu à transferência bancária de € 150,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada e, no dia seguinte, efetuou nova transferência bancária para a mesma conta, no valor de € 50,00, comprometendo-se o arguido a remeter ao ofendido e para a respetiva morada, por via postal, o mencionado artigo.

31. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a HH a referida consola, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

32. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em outubro de 2018, publicou um anúncio na página de internet “OLX” no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4 e sete jogos, pelo preço de € 160,00.

33. II, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet e, posteriormente, através de SMS para o número .......53 (indicado pelo arguido), demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço (cerca de € 155,00, pois dividiriam os portes de envio por ambos) e sobre o envio do artigo por via postal.

34. Assim, em 16 de outubro de 2018, II procedeu ao depósito na conta bancária do arguido (supra identificada) e cujo NIB foi indicado por este, de € 155,00, comprometendo-se o arguido a remeter para morada daquele, por via postal, o artigo, conforme combinado entre ambos.

35. No entanto, nesse mesmo dia, o arguido informou o ofendido que só remeteria a consola caso ele procedesse ao pagamento de mais € 50,00, o que aquele recusou, solicitando-lhe a devolução do valor já transferido.

36. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a II a referida consola, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

37. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em novembro de 2018, publicou um anúncio na página de internet “OLX” no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 165,00.

38. JJ, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

39. Assim, em 21 de novembro de 2018, JJ procedeu à transferência bancária de € 165,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a sua morada, o mencionado artigo.

40. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a JJ a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

41. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em novembro de 2018, publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

42. KK, após o seu filho ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

43. Assim, em 21 de novembro de 2018, KK procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a enviar à ofendida, para a morada desta e por via postal, o mencionado artigo.

44. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, mas nunca entregou nem teve intenção de entregar a KK a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquela o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

45. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em novembro de 2018, publicou o anúncio com o ID .......89 na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

46. LL, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

47. Assim, em 27 de novembro de 2018, LL procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter, para a morada do ofendido e por via postal, o mencionado artigo.

48. No entanto, nesse mesmo dia, o arguido informou o ofendido que só remeteria a consola caso ele procedesse ao pagamento de mais € 50,00, o que aquele aceitou por temer que, de outra forma, o arguido não enviasse a consola e perderia o valor já pago, efetuando transferência, neste valor indicado, no dia 28 de novembro de 2018.

49. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a LL a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

50. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em 15 de novembro de 2018, publicou o anúncio com o ID .......29 na página de internet “OLX” na qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

51. MM, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet e, posteriormente, através de SMS para o número de telemóvel indicado pelo arguido (.......27), demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

52. Assim, em 11 de dezembro de 2018, MM procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter, para a morada do ofendido, por via postal, o mencionado artigo.

53. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a MM a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

54. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em dezembro de 2018 publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 150,00.

55. NN, após ter visualizado tal anúncio, contatou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente que pagaria metade do preço e que o artigo seria enviado à ofendida por via postal, procedendo esta, então, ao pagamento do remanescente.

56. Assim, em 31 de dezembro de 2018, NN procedeu à transferência bancária de € 75,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter à ofendida, por via postal, o mencionado artigo.

57. Contudo, e logo após a ofendida ter procedido ao pagamento daquela quantia, o arguido informou-a que, afinal, só enviaria a Playstation se aquela procedesse, desde logo, ao pagamento do remanescente, o que NN não fez.

58. O arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a NN a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquela o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

59. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em janeiro de 2019 publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 150,00.

60. OO, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por SMS para o número de telemóvel por este indicado no anúncio (.......06) e por mensagem de correio eletrónico para o endereço .....................om (indicado pelo arguido), demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

61. Assim, em 6 de janeiro de 2019, OO procedeu à transferência bancária de € 150,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a morada deste, o mencionado artigo.

62. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a OO a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

63. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em janeiro de 2019, publicou um anúncio na página de internet “OLX” no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

64. PP, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem para o endereço de correio eletrónico indicado por este no anúncio ......................om), demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

65. Assim, em 7 de janeiro de 2019, PP procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter à ofendida, por via postal e para a sua morada, o mencionado artigo.

66. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a PP a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquela o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

67. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em janeiro de 2019, publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

68. QQ, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente que pagaria metade do preço e que o artigo lhe seria enviado por via postal, após o que o ofendido procederia ao pagamento do remanescente.

69. Assim, em 31 de janeiro de 2019, QQ procedeu à transferência bancária de € 80,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a morada deste, o mencionado artigo.

70. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a QQ a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

71. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em janeiro de 2019, publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma consola de jogos Playstation 4, pelo preço de € 150,00;

72. RR, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

73. Assim, em 1 de fevereiro de 2019, RR procedeu à transferência bancária de € 150,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, para a morada deste e por via postal, o mencionado artigo.

74. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a RR a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

75. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em fevereiro de 2019, publicou o anúncio com o ID .......83 na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma consola de jogos Playstation 4, pelo preço de € 160,00;

76. SS, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

77. Assim, em 21 de fevereiro de 2019, SS procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a morada deste, o mencionado artigo.

78. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a SS a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

79. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em fevereiro de 2019, publicou um anúncio na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 160,00.

80. TT, após o seu namorado UU ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

81. Assim, em 21 de fevereiro de 2019, TT procedeu à transferência bancária de € 160,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter à ofendida, para a morada desta e por via postal, o mencionado artigo.

82. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a VV a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquela o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

83. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em fevereiro de 2019 publicou o anúncio com o ID .......72 na página de internet “OLX”, no qual anunciava ter para venda uma Playstation 4, pelo preço de € 150,00, acrescidos de € 8,00 para portes de envio.

84. WW, após ter visualizado tal anúncio, contactou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet e, posteriormente, através de SMS para o número de telemóvel -.......17- e através de mensagens de endereço de correio eletrónico indicados pelo arguido ...........................om), demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

85. Assim, em 5 de março de 2019, WW procedeu à transferência bancária de € 158,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a morada deste, o mencionado artigo.

86. Após WW ter efetuado tal pagamento, o arguido informou-o que teria de efetuar outro pagamento de € 42,00 para que lhe enviasse a mencionada consola, ao que aquele acedeu por temer que, caso não o fizesse, não receberia o artigo em causa, pelo que, em 8 de março de 2019, o ofendido realizou uma transferência bancária para a mesma conta, naquele valor.

87. Contudo, o arguido fez suas aquelas quantias, nunca entregou nem teve intenção de entregar a WW a referida consola, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou na página “OLX”.

88. Na execução do plano por si delineado, o arguido, em março de 2019, publicou um anúncio na plataforma “Marketplace” da página “Facebook” no qual anunciava ter para venda uma consola Nintendo DS, pelo preço de € 50,00.

89. XX, após ter visualizado tal anúncio, contatou o arguido por mensagem através do “chat” disponibilizado por aquela página de Internet, demonstrando interesse em adquirir o mencionado artigo, tendo chegado a acordo com este sobre os termos do negócio, nomeadamente sobre o preço e sobre o envio do artigo por via postal.

90. Assim, em 26 de março de 2019, XX procedeu à transferência bancária de € 55,00 para a conta cujo NIB foi indicado pelo arguido e supra identificada, comprometendo-se este a remeter ao ofendido, por via postal e para a morada deste, o mencionado artigo.

91. Contudo, o arguido fez sua aquela quantia, nunca entregou nem teve intenção de entregar a XX a referida Playstation, bem como nunca restituiu àquele o valor pago, tendo retirado o anúncio que publicou.

92. O arguido, em 2019, não exercia atividade profissional regular remunerada.

93. A atuação supra descrita constituía modo de subsistência para fazer face às suas despesas quotidianas e diárias, oneradas pelo vício do jogo, realizado, nomeadamente, através da realização de apostas em páginas de jogo “online”.

94. O arguido tomou a decisão de adotar as condutas supra descritas para obter, para si, vantagens patrimoniais que sabia não lhe serem devidas, à custa de prejuízo patrimonial causado a terceiros.

95. Estas vantagens eram decorrentes de enganos que foram propositada e astuciosamente causados por si àqueles ofendidos, que lhe entregaram as quantias monetárias supra descritas com a expetativa de receberem, em contrapartida, as consolas e jogos anunciados para venda.

96. Estes ofendidos eram especialmente convencidos pela postura e discurso coerente e pormenorizado do arguido no que se refere aos artigos para venda e à possibilidade de realizarem pagamentos por transferência bancária.

97. O arguido logrou, desta forma e ao assim atuar, fazer sua a quantia de, pelo menos, € 3.070,00.

98. Bem sabia o arguido que provocava prejuízo aos ofendidos e que conseguia, para si, uma vantagem patrimonial a que não tinha direito, o que queria e conseguiu alcançar.

99. O arguido atuou, em todas as ações acima descritas, de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

100. O arguido está arrependido.

101. O arguido é o mais novo de uma fratria de dois irmãos.

102. Cresceu num agregado familiar composto pelos dois pais e pelo seu irmão mais velho, numa casa de razoáveis condições de habitabilidade, em ....

103. A relação desenvolvida com os pais, ao longo do seu processo de crescimento, é vista como afetuosa e gratificante, tendo aqueles logrado satisfazer todas as necessidades básicas do arguido, apesar da escassez dos rendimentos.

104. Em 2002, o seu irmão, à data com 18 anos, saiu da casa dos pais, para se emancipar economicamente.

105. O arguido frequentou o 11º ano de escolaridade, tendo, até aí, tido uma retenção quando frequentava o 8º ano de escolaridade.

106. Apesar de ter tido um comportamento escolar relativamente normativo, aos 17 anos, desistiu da escola e procurou inserir-se no mercado de trabalho, por forma a assegurar a satisfação de algumas necessidades materiais, que os seus pais tinham dificuldade em suportar.

107. O arguido começou a trabalhar na restauração e, depois, no ..., aos 19 anos, como ajudante de ....

108. Emigrou para o ... em 2017, durante 6 meses para trabalhar num talho.

109. Tornou-se cortador de carnes verdes, num talho, quando tinha 25 anos de idade.

110. O arguido, a partir de 2012, começa a jogar frequentemente em raspadinhas e a frequentar casinos.

111. Em 2015, desenvolve, mais intensamente, o vício do jogo, apostando em casinos e casinos on line.

112. O arguido, após ter regressado a Portugal, manteve-se, até ao final de 2018, a viver em casa dos pais.

113. Até ao final de 2018, trabalhou num estabelecimento de bar e café, em ... e auferia entre € 800,00 a € 1000,00 líquidos por mês.

114. No início de 2019, mudou-se para a ..., para a casa da sua namorada.

115. Desenvolveu, até à sua reclusão, trabalhos a tempo parcial ou temporários.

116. Por volta de 2020, por pressão da namorada, parou a atividade de jogo.

117. Para além deste relacionamento, entretanto terminado após a sua reclusão, em ... de janeiro de 2021, o arguido teve outro relacionamento amoroso estável, quando tinha 23 anos e que terá durado 4 anos.

118. O arguido não tem filhos, nem destes, nem doutros relacionamentos.

119. No Estabelecimento Prisional, tem recebido visitas da sua mãe.

120. O arguido foi condenado, no processo nº 469/14.6..., do J2, do Juízo Local Criminal de ..., por sentença de 27 de abril de 2015, transitada em julgado em 4 de maio de 2015, na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 10 de agosto de 2014, de um crime de burla informática e nas comunicações. A pena foi extinta, pelo cumprimento, em 14 de abril de 2016.

121. Foi condenado em 6 de janeiro de 2016, por sentença transitada em 5 de fevereiro de 2016, proferida no processo n.º 22/13.1..., do Juiz 1 do Juízo de Competência Genérica de ..., na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa por igual período, com imposição de regime de prova e sob condição do arguido, naquele período, depositar o valor de € 1000,00, pela prática, em 14 de setembro de 2013, de um crime de abuso sexual de menores dependentes. Esta suspensão veio a ser revogada, estando o arguido em cumprimento desta pena retroagido ao dia 28 de janeiro de 2021, quando foi detido à ordem dos nossos autos.

122. Foi condenado no processo sumaríssimo nº 99/15.5..., por sentença de 1 de junho de 2016, na pena de 180 dias de multa, pela prática, em 9 de fevereiro de 2015, de um crime de burla simples. Por despacho de 2 de julho de 2018, esta pena foi substituída pela de prisão subsidiária e foi declarada extinta, pelo pagamento da multa, em 10 de março de 2020.

123. O arguido foi condenado, em 1 de agosto de 2016, no processo sumaríssimo nº 1117/14.0..., do Juiz 2, do Juízo Local Criminal de ..., na pena de 170 dias de multa, pela prática, em 2014, de um crime de burla simples. Esta pena veio a ser convertida em pena de prisão subsidiária, por despacho de 6 de fevereiro de 2017, que foi suspensa por um ano. Em 15 de novembro de 2018, a pena foi declarada extinta.

124. O arguido foi condenado por sentença de 18 de maio de 2017, por sentença transitada em 6 de junho de 2017, no processo nº 184/16.6..., na pena de 320 dias de multa, pela prática, em 4 de outubro de 2016, de um crime de burla simples. Por despacho de 18 de setembro de 2017, esta pena foi a ser substituída por trabalho a favor da comunidade. E por despacho de 10 de dezembro de 2018, a pena de multa foi convertida em prisão subsidiária. A pena de multa foi declarada extinta, pelo pagamento, em 7 de fevereiro de 2020.

125. Foi condenado no processo nº 701/16.1..., do Juízo Local Criminal de ..., por sentença de 7 de maio de 2018, transitada em 14 de junho de 2018, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano, com imposição de regime de prova e da obrigação de pagar € 175,00 ao ofendido, pela prática, em 4 de outubro de 2016, de um crime de burla simples. Esta pena foi declarada extinta, pelo cumprimento, em 5 de fevereiro de 2020.

126. E foi condenado, no processo nº 201/17.2..., do Juízo de Competência Genérica de ..., por sentença de 12 de novembro de 2018, transitada em julgado em 6 de maio de 2021, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano, com regras de conduta, pela prática, em 12 de setembro de 2017, de um crime de burla simples.»

Objeto e âmbito do recurso

9. O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos, sendo, pois, admissível para o Supremo Tribunal de Justiça, limitado a matéria de direito (artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

O âmbito do recurso, que delimita os poderes de cognição deste tribunal, define-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

10. A alegação (conclusão 15) de que «não foi feita a prova necessária e suficiente para a qualificação prevista no artigo 218.º, n.º 2 alínea b) do Código Penal» suscitou dúvida refletida no parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto sobre o âmbito do recurso, no entendimento de que pretenderia abranger matéria de facto. Tema sobre o qual o arguido não se pronunciou, na sequência da notificação deste parecer.

Não é o caso. Como se extrai da motivação e das conclusões, em momento algum o recorrente impugna a matéria de facto, o que, a ter lugar, deveria ocorrer – e não ocorre – em conformidade com o disposto no artigo 412.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual, «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.»

Limita-se o recorrente a questionar o preenchimento do elemento de qualificação do crime de burla pelo «modo de vida» [artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP], alegando que este carece de prova que não foi feita.

O que se reconduz à questão de saber se os factos provados preenchem ou não este elemento (normativo) de agravação do tipo de crime de burla, ou seja, a uma questão de direito, como mais adiante se verá.

Assim se deve concluir que o recurso se circunscreve ao reexame de matéria de direito, da competência do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 434.º do CPP), não vindo invocados vícios ou nulidades que podem constituir fundamento do recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. c), na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro].

Estando em causa, conforme o acórdão recorrido, uma situação de concurso de crimes (artigos 30.º, n.º 1, e 77.º do CP), pode este tribunal conhecer de todas as questões de direito relativas à pena conjunta aplicada aos crimes em concurso e às penas aplicadas a cada um deles, englobadas naquela pena única, inferiores àquela medida, se impugnadas (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 5/2017, DR I, de 23.6.2017), como sucede no caso presente.

11. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, as questões colocadas à apreciação e decisão deste tribunal dizem respeito:

(1) À qualificação do crime de burla pela circunstância de o agente do crime fazer da burla «modo de vida» [artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP];

(2) À medida das penas singulares e da pena única.

Quanto à qualificação jurídica dos factos – burla qualificada pelo «modo de vida» [artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP]

12. O acórdão recorrido, depois de verificar o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo fundamental do crime de burla (artigo 217.º do Código Penal) – matéria que não vem nem se revela controvertida –, fundamenta a decisão relativa à qualificação da burla pela circunstância «modo de vida» nos seguintes termos (transcrição):

«Estão preenchidos, em cada uma das vinte situações, os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de burla.

Mas mostra-se, ainda, preenchida a circunstância especial modificativa agravante prevista na alínea b), do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal.

Segundo o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Ed., UCE, em anotação ao art. 204.º, do CP, sobre o conceito de “modo de vida”, como qualificativa do crime de furto, aplicável ao crime de burla, conforme anotação 23, pág. 639: «O modo de vida é a actividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente».

Como se pronunciou o Ac. do STJ de 26/10/2011 – Proc. 1441/07.8JDLSB.L1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça “O facto de o agente ter meios próprios de subsistência ou meios de rendimentos lícitos, não exclui que possa fazer da burla modo de vida, considerando-se verificada a circunstância qualificativa do crime de burla, constante do art. 218.º, n.º 2, al. b), do CP”.

Apesar do arguido conceber existir outros ofendidos, bastará o excurso dos seus antecedentes criminais e estas 20 situações de atos fraudulentos, descritas nos factos assentes para permitir apreender a atuação do arguido como integradora da agravante em apreço.

“Do complexo das infracções deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos delitos” (Cfr. Manzini, Tratado, Vol. III, pág. 223).

Deste pedaço de vida do arguido assim comprovado nestes autos e nos antecedentes criminais, permite-se concluir que o arguido faz da burla modo de vida, o que não se confunde, como se viu, com habitualidade ou, sequer, com exclusividade.

O tipo qualificado em apreço está assim assente, em termos dogmáticos e axiológico, na valoração negativa de uma conduta continuada, carecendo de apreciação conjunta de um complexo de várias infrações.

A arquitetura matricial do crime de burla qualificada pelo modo de vida não exclui, no entanto, mas antes pressupõe, a possibilidade do agente ser punido por um concurso de infrações, em que o número de crimes de burlas qualificadas por essa agravante se determina nos termos do artigo 30, nº 1 do Código Penal “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

A questão que se coloca é, assim, a de saber se o arguido pode estar comprometido, por fazer modo de vida da burla, com tantos crimes de burla qualificada quantos os atos de apropriação que concretiza ou, se pelo contrário, apenas estará comprometido com um crime de burla qualificada.

Efetivamente, estamos, no caso, perante várias resoluções criminosas, renovadas pelo traçar de planos diversos, ainda que homogéneos, tendo o arguido atuado perante 20 vítimas diferentes, entre julho de 2018 e março de 2019.

E não subsistem dúvidas sobre a renovação das resoluções criminosas, tanto mais que o arguido acaba, a cada vez, por apagar os anúncios, voltando a publicar outros anúncios, que visam vítimas diferenciadas.

Ainda que apreciado este facto axiologicamente neutro – o modo de vida – dentro de um conjunto de atuações, concluindo-se pelo preenchimento da agravante, o arguido passa a estar comprometido com tantos os tipos de crime de burla qualificada quantas as vezes que preenche esse tipo de crime, ou seja, tantas as vezes quantas as que atuou.

Assim, estão também preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal de burla qualificada.

O arguido não pode deixar de ser, assim, condenado por 20 crimes de burla agravada.

Inexiste qualquer causa de justificação da ilicitude, ou de exclusão da culpa, pelo que conclui que o arguido cometeu os 20 crimes de burla agravada, que lhe eram imputados.»

13. Da matéria de facto, extrai-se, em síntese, que:

(a) o arguido, «delineou um plano», «que executou», «com vista a apropriar-se de quantias em dinheiro a serem entregues pelos destinatários que visualizassem anúncios publicados por si em páginas de internet destinadas a anúncios gratuitos (na “OLX” e Facebook Market)», nos quais «anunciava ter para venda consolas de jogo e jogos, a quem, encetando conversações com ele, através do “chat” daquela página, faria crer que tinha os referidos equipamentos na sua posse e disponíveis para venda»;

(b) de acordo com esse plano, após «demonstrarem interesse na aquisição dos produtos anunciados», os interessados «procederiam ao pagamento do preço acordado por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo arguido e por ele titulada»;

(c) «contudo, estas pessoas nunca receberam qualquer artigo, tendo o arguido feito suas as quantias que lhe foram entregues por aqueles, jamais as ressarcindo, bem sabendo que não tinha disponível para venda os artigos que anunciava;

(d) «o arguido pretendeu vender artigos aos ora ofendidos, sendo a sua única intenção obter um benefício a que sabia não ter direito e à custa do património daqueles»;

(e) traduzindo-se a conduta na prática de atos reiterados, na realização de um mesmo propósito inicial, de forma essencialmente homogénea e em execução desse plano, entre julho de 2018 e março de 2019, num período de cerca de 8 meses, publicou o arguido 20 anúncios de venda de “Playstations” e de uma consola “Nintendo” e recebeu, relativamente a cada um deles, importâncias que variaram entre 50 e 200 euros (sendo 160 euros o valor mais frequente), que, por cada um dos interessados foram transferidas para a sua conta bancária, apropriando-se, assim, dessas quantias, no valor total de 3.070 euros;

(f) obteve o arguido as seguintes vantagens patrimoniais: 160 euros em julho de 2018; 525 euros em setembro de 20128; 505 euros em outubro de 2018; 695 euros em novembro de 2018; 75 euros em dezembro de 2018; 540 euros em janeiro de 2019; 520 euros em fevereiro de 2019; e 50 euros em março de 2019.

Não se discute a prática de crimes de burla – ou melhor, o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo fundamental de ilícito –, mas apenas a sua qualificação pela circunstância de o agente fazer da burla «modo de vida» [al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP].

Embora o recorrente a coloque no domínio do facto, invocando que «não foi feita prova necessária e suficiente» desta circunstância, a questão deve colocar-se no plano normativo, havendo que verificar se os factos provados preenchem este elemento do tipo legal de crime, recorrendo aos elementos de interpretação disponíveis – em particular o literal e o histórico, com o auxílio da doutrina – para definição do sentido e alcance da expressão «modo de vida».

14. A questão foi recentemente analisada no acórdão de 18.05.2022 (com o mesmo relator), Proc. 2711/20.5T8STR.E1.S1, em www.dgsi.pt, no qual se apreciou situação análoga, em vista da determinação do momento da consumação do crime, para efeitos de cúmulo jurídico. Nele se considerou o seguinte:

«Na definição do tipo de crime de burla, constante do artigo 217.º do Código Penal, não se inclui a repetição ou reiteração do facto, o que significa que cada conduta criminosa, levada a efeito pela forma tipicamente prevista (execução vinculada), em cada uma das datas indicadas na matéria de facto provada, constituirá, cada uma delas, um crime de burla, donde resultaria que a conduta do arguido preencheria idêntico número de crimes, ou seja, uma pluralidade de crimes ou um concurso efetivo de crimes, na definição do artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal (não estando, como não está, demonstrada a verificação dos pressupostos do crime continuado – n.º 2 do mesmo preceito).

Como se tem salientado, a burla, constitui um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efetivo no património do sujeito passivo da infração ou de terceiro, e um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída dos valores ou das coisas da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima, quando se dá um evento que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a esta (Almeida Costa, comentário ao artigo 217.º, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pp. 276-277 e 292-293).

A reiteração das burlas assume, todavia, particular relevância para efeitos da agravação prevista no artigo 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal – por o agente do crime de burla qualificada “fazer da burla modo de vida”. Com efeito, ao dar como provadas […] as condutas do arguido, individualmente subsumíveis à previsão da norma do tipo de crime de burla, o tribunal, […] optou […] pela não punição dos factos como constituindo um concurso de crimes de burla (burla “simples” do artigo 217.º do CP) – sendo que a punição por concurso de crimes de burla qualificada resultaria em insuportável violação do princípio da proibição da dupla valoração –, na base de uma unidade constituída por aquela pluralidade de atos, por força da presença de outros elementos de qualificação pelo “modo de vida” (“enriquecimento”, em resultado de “uma atividade [planeada] como modo de obtenção de dinheiro […])

O que, ocorrendo a reiteração que a carateriza, remete para a figura do crime habitual, de “larga elaboração pela doutrina” (declaração de Eduardo Correia, autor do projeto, em Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral II, Ministério da Justiça, 1966, p. 222), que, não sendo objeto de definição legal, apenas encontra expressão normativa no artigo 119.º do Código Penal, o qual, por referência ao tempo e duração dos atos de execução do crime, regula o início do prazo de prescrição do procedimento criminal. Nos termos do n.º 1 deste preceito, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, acrescentando o n.º 2 que o prazo só corre, nos crimes habituais, desde o dia da prática do último ato. […]

Citando Eduardo Correia (Direito Criminal I, Almedina, 1971, p. 309): “Tipos de crimes habituais são aqueles que são caraterizados pelo facto da prática habitual ou profissional da mesma atividade como elemento constitutivo ou como circunstância qualificativa dos respetivos crimes”.» E «citando Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, Teoria do Crime, Católica Editora, 2015 p. 39 e 88): “O crime habitual é aquele em que a sua estrutura típica exige uma multiplicidade de atos, de modo a revelarem uma certa habituação por parte do agente, sem que, porém, nenhum deles constitua o crime habitual pois que este é constituído precisamente pela reiteração desses atos pela persistência na atuação criminosa, reiteração que revela uma tendência ou hábito da vontade. A habitualidade é mais frequentemente uma circunstância agravante do crime, mas pode ser circunstância qualificativa essencial (…). O facto, na sua unidade jurídica, pode apresentar uma estrutura complexa em alguns dos seus elementos essenciais. (…). (…) a unidade do evento jurídico, bem como do evento material (resultado), quando nele se corporiza o evento jurídico, pode determinar a unidade do facto. (…) Factos reiterados são aqueles que, realizando também um só crime, cada um dos factos realiza parcialmente, e não totalmente, a execução e a produção de um evento parcial do crime. (…) A unidade do crime pode ser criada diretamente pela própria lei. É o que sucede com os denominados crimes complexos, crimes habituais e crimes continuados.”

O crime habitual “pressupõe a prática de vários atos, mas nenhum deles é, só por si, o crime habitual, pois que é constituído precisamente pela reiteração desses atos” (Simas Santos/Leal Henriques, Código Penal anotado, II, Rei dos Livros, 2015, anotação ao artigo 119.º).

Numa síntese atual de doutrina alemã: “Várias ações em sentido natural também podem ser condensadas em uma unidade de ação caso o tipo penal conecte várias ações a uma unidade de valoração jurídico social. Essa chamada unidade de ação típica aparece sobretudo nos tipos penais compostos. O mesmo vale para delitos de múltiplas ações, que agrupam ações consecutivas entre si em um mesmo tipo penal” (Eric Hilgendorf/Brian Valerius, Direito Penal, Parte Geral, Marcial Pons, Editora do Brasil, 2019 p. 385-396 - tradução da 2.ª ed. alemã de 2015, Strafrecht. Allgemeiner Teil).»

15. Como se sublinhou no mesmo acórdão, a atual al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do Código Penal, introduzida pela revisão de 1995, que substituiu al. a) do artigo 314.º da versão originária (de 1982), difere da redação dessa disposição, que punia como burla agravada o facto de o «agente se entregar habitualmente à burla». «A expressão atual – o “agente fazer da burla modo de vida” – resultou de proposta de Figueiredo Dias que salientou o seu desacordo com o termo “habitualidade”, “inclusive porque essa realidade é fundamento de aplicação de uma sanção particular [pena relativamente indeterminada]. Assim, ficou somente uma referência a modo de vida” (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, 30.ª Sessão, p. 335).

Comentando a alteração, refere Maia Gonçalves: “trata-se de expressão de conteúdo menos abrangente, exigindo-se, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ainda que ele faça disso a fonte dos proventos para a sua sustentação” (Código Penal Português, anotado e comentado, 11.ª ed., Almedina, 1997, p. 678). Seguindo esta orientação, na linha do pensamento de Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pp. 79-80, em comentário à al. h) do n.º 1 do artigo 204.º, com redação idêntica à da al. b) do n.º 2 do artigo 218.º), pode ver-se o acórdão de 26.10.2011 (Pires da Graça), Proc. 1441/07.8JDLSB.L1, em www.dgsi.pt, que acrescenta: “o facto de o arguido ter meios próprios de subsistência, ou meios de rendimentos lícitos, não exclui que possa fazer da burla modo de vida”.

Esta divergência justifica que se alerte para a diferenciação entre habitualidade e modo de vida, embora se realce a presença de um elemento em comum – a reiteração. Escreve, a este propósito, Faria Costa: “Modo de vida é a maneira pela qual quem quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade. (…) a noção de modo de vida deve ser olhada menos como categoria dogmática atinente ao direito e mais como noção indesmentivelmente ligada a um valor sociológico. Uma tal forma de apreciar este elemento faz com que afastemos qualquer ligação, materialmente fundada, entre modo de vida e habitualidade. Na verdade, se é certo que as duas noções têm, formalmente, um elemento em comum, qual seja, uma série reiterada de modelos de comportamento, é evidente que as representações sociais que se ligam ao modo de vida e à habitualidade são radicalmente diversas”. Salientando: a “tónica” “prende-se primacialmente com uma ideia de pluralidade de infrações. Ou seja: pressuposto fundamental para que se verifique a circunstância-elemento reside na prática – obviamente anterior – de vários furtos”, neste caso, de várias burlas (Comentário Conimbricense, loc. cit.).»

16. Nesta conformidade se concluiu que: «Na formulação do tipo agravado pela circunstância da al. b) do n.º 2 do artigo 218.º, o “modo de vida” atua, assim, como elemento de unificação de condutas reiteradas, que, vistas isoladamente, constituem, cada uma delas, um crime de burla “simples” e, no seu conjunto, uma situação de concurso de infrações (artigo 30.º, n.º 1 do CP). Por força desta circunstância, que à pluralidade adiciona o “modo de vida”, para que contribuem as burlas (melhor dito: o “enriquecimento” obtido em consequência e por via da consumação dos crimes de burla, consubstanciada no “empobrecimento” causado à vítima do crime) enquanto maneira de obter proventos, essa situação passa, porém, a configurar um crime de burla qualificada, em que cada um desses factos (burlas) realizam parcialmente o tipo, mas em que este só se realiza plenamente com o último facto. Só perante a realização do último facto se conclui que este e os que lhe são anteriores, no seu conjunto, associados a outros elementos de valoração (serem as burlas fonte de proventos, independentemente de o agente ter outros rendimentos), demonstram que o agente do crime fez da burla “modo de vida”.

E, assim sendo, mostra-se presente o pressuposto do crime habitual, que só se consuma com prática do último ato […]»

17. Transpondo estas considerações para o caso jub judice, de factualidade substancialmente idêntica, igual conclusão deverá ser obtida.

Isto é, tendo a atividade criminosa tido lugar entre julho de 2018 e março de 2019, de forma reiterada e homogénea, através de condutas que, na sua individualidade, constituem crimes de burla “simples”, na realização de um plano previamente definido, dever-se-á concluir que é a repetição, associada à sua finalidade de obtenção de proventos, independentemente de outros rendimentos, que confere unidade à ação típica, prolongada no tempo, de modo a preencher-se o elemento da burla qualificada através do «modo de vida». Só visto retroativamente, a partir do último ato fraudulento (da última “burla”) se poderá concluir pela qualificação e pela dimensão do facto como consubstanciando um único crime qualificado por esta circunstância.

18. Face ao exposto, não merece censura o acórdão recorrido no que respeita à verificação de que o arguido, nas circunstâncias descritas na matéria de facto provada, entre julho de 2018 e março de 2019, fez da burla modo de vida, assim se preenchendo a circunstância qualificativa do crime de burla prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP.

Porém, daí não resulta que o arguido deva ser punido como autor de 20 crimes de burla qualificada. Ou o seria pela prática de 20 crimes de burla simples, da previsão do artigo 217.º do CP, no caso de não ocorrer tal qualificativa, ou, ocorrendo, e sendo a conduta constituída por factos reiterados que, por constituírem modo de vida, conferem unidade à ação, apenas pode ser punido pela prática de um único crime de burla qualificada da previsão daquele artigo 218.º, n.º 2, al. b), do CP.

Isto sob pena de a condenação por crimes de burla qualificada em concurso resultar em violação insuportável do conteúdo material do princípio constitucional ne bis in idem (artigo 29.º, n.º 5, da Constituição) ou da proibição da dupla valoração (supra, 14; cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª ed., GestLegal, 2020, p. 1138). A circunstância qualificativa de cada um dos 20 crimes, traduzida na prática de, pelo menos, outros 19 crimes, para além dos crimes que constam de condenações anteriores, como sucedeu no caso presente, seria de novo reciprocamente valorada outras tantas vezes para qualificação de cada um dos outros crimes.

Em consequência do que o acórdão recorrido deve ser revogado, nesta parte, e substituído por outro que condene o arguido pela prática de um único crime de burla qualificada p. e p. pelo citado artigo 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

Da pena

19. O acórdão recorrido, dando como verificado um concurso de crimes, fundamentou a medida das penas singulares e da pena única nos seguintes termos:

«Feito o respetivo enquadramento penal da conduta do arguido, importa determinar a pena a aplicar-lhe.

Em sede de determinação das consequências jurídicas do crime e da reação criminal adequada, a culpa e a prevenção funcionam como critérios gerais orientadores da medida da pena, tendo esta, sempre, como limite, aquela, que é justamente o seu suporte. Relevantes para encontrar a "medida da culpa" são os próprios ilícitos típicos, enquanto apreciados nas suas consequências típicas, que lhe conferem uma certa "imagem" ou sentido social.

Em caso algum, como dispõe o artigo 40º, n.º 2 do Código Penal, a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.

O artigo 71º do Código Penal, enumera, de forma exemplificativa, os fatores a considerar na dosimetria penal, e que hão - de dar satisfação às exigências de prevenção, tendo sempre como ponto de referência a culpa do agente.

O crime de burla qualificado é punível com pena de prisão de dois a oito anos.

A Jurisprudência traçada pelo Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que - dentro da moldura penal prevista na lei se definirá uma “sub-moldura” adequada ao caso e aferida pela necessidade de prevenção geral positiva.

Então, o limite inferior desta sub-moldura corresponderá ao mínimo de pena tolerada pela comunidade perante o caso concreto.

O limite superior, por seu turno, corresponderá à medida ideal de defesa dos bens jurídicos violados com aquele crime. É dentro desta sub-moldura, configurada pelas exigências de prevenção geral que haverá que se encontrar o justo “quantum”, ditado pelas necessidades de prevenção especial.

Ora, no caso presente, apesar dos antecedentes criminais, o certo é que, dentro do tipo agravado, a conduta do arguido ainda se contém nos limites mínimos de censura, atendendo ao valor do seu enriquecimento em cada uma das 20 situações.

Assim, o limite mínimo dessa sub-moldura, correspondente ao mínimo da pena tolerada pela comunidade perante o caso concreto, deverá coincidir com os 2 anos.

Já o limite máximo da submoldura deverá situar-se, atenta a amplitude da moldura penal e a evidência de que as circunstâncias especialmente censuráveis do caso coincidem com aquelas que justificam a qualificativa, no primeiro terço da moldura penal.

Na medida das penas considerar-se-á:

a- O grau de ilicitude:

Atento o modo de atuação do arguido, que até permite a sua identificação, e visto o seu enriquecimento em cada uma das situações, entende-se que a intensidade de cada ilícito é semelhante e ainda reduzida.

b- Quanto ao dolo, este é direto e a sua intensidade foi média, atenta a considerável reflexão que o ato acarreta.

c- No que diz respeito à conduta anterior e posterior do arguido, verifica-se que este tem antecedentes criminais já relevantes, nomeadamente por crimes de burla, de burla informática e por um crime de abuso sexual de menor dependente, mostrando-se indiferente à aplicação de pena anterior nos processos n.º 469/14.6..., 22/13.1..., 99/15.5..., 1117/14.0..., 184/16.6... e 701/16.1...

D – O arguido elaborou, no entanto, juízo de autocensura adequado.

Atenta a homogeneidade das condutas, entende-se não ser de distinguir a medida da pena parcial a aplicar, concretamente, a cada um dos 20 crimes.

Deste modo, considera-se razoável graduar cada pena parcial ainda perto do mínimo da referida submoldura penal.

Pelo exposto, entendemos ser adequada a fixação das penas de dois anos e seis meses de prisão para cada um dos crimes.

Do cúmulo jurídico de penas.

Por ter sido condenado por 20 crimes, que são julgados neste mesmo acórdão, e que estão, assim, numa relação de concurso, importa fixar ao arguido uma pena única.

Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária ao arguido, que pode ser fixada entre a maior das penas concretamente aplicadas – 2 anos e 6 meses– e a pena máxima de prisão - 25 anos – visto que a soma de todas excede esta duração.

De acordo com os traços de personalidade demonstrados, que apontam para uma situação de habitualidade e as circunstâncias em que foram cometidos os crimes, vista a homogeneidade da conduta, a colaboração para a descoberta da verdade, a imagem global da ação delinquente, o valor total do enriquecimento (€ 3070,00) e a motivação subjacente (comportamento aditivo), julga-se adequado condenar o arguido na pena única global de 6 (seis) anos, aquém do quinto da diferença entre a pena máxima aplicada e a soma de todas.»

20. Retomando o que repetidamente se tem afirmado em acórdãos anteriores:

Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Como se tem afirmado, este regime encontra os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual as restrições de direitos devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, desde a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.

A projeção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade do facto praticado e gravidade da pena, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, isto é, que deva ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito e “pelas qualidades desvaliosas da personalidade que se exprimem no facto”, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

Para a medida da gravidade da culpa há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto (n.º 2 do artigo 71.º), nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – alínea a), 1.ª parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Para a determinação das necessidades de prevenção, há que atender às circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, dentro dos limites da culpa, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

É na presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar-se se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (assim, por todos, o acórdão de 29.06.2023, Proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, e jurisprudência e doutrina nela citadas, em www.dgsi.pt).

O que obriga a que a determinação da medida da pena se deva alhear da motivação pressuposta pelo legislador na identificação dos bens jurídicos protegidos, na construção dos tipos legais de crime e no estabelecimento das molduras das penas legalmente fixadas, assim se assegurando o respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

21. O crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, de 218.º, n.º 2, al. b), do CP é punido com pena de 2 a 8 anos de prisão.

Como se concluiu, o arguido cometeu apenas um crime p. e p. por estas disposições legais, não sendo caso de aplicação de uma pena única a um conjunto de crimes em concurso (artigo 30.º, n.º 1, e 77.º do CP).

22. Seguindo o mencionado critério da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP), o acórdão recorrido considerou, como se viu, as circunstâncias relacionadas com o grau de ilicitude do facto, incluindo a gravidade das suas consequências, os valores do “enriquecimento”, no total de 3.070 euros, e dos prejuízos causados a cada uma das vítimas (entre 50 e 200 euros, sendo de 160 euros o mais frequente), a intensidade do dolo, o “juízo de autocensura” elaborado, e a conduta anterior e posterior ao facto («antecedentes criminais já relevantes, nomeadamente por crimes de burla, de burla informática e por um crime de abuso sexual de menor dependente, mostrando-se indiferente à aplicação de pena anterior nos processos n.º 469/14.6..., 22/13.1..., 99/15.5..., 1117/14.0..., 184/16.6... e 701/16.1...»).

Embora as condenações anteriores digam respeito a crimes de pequena gravidade, punidos com penas de multa ou com penas de prisão suspensas na sua execução, é de notar a sua frequência, nomeadamente quanto a crimes de natureza idêntica, de burla e de burla informática, e a circunstância de a suspensão da execução de uma das penas de prisão ter sido revogada, encontrando-se o arguido, ainda jovem (nascido a ... .3.1992), atualmente a cumprir a pena de prisão substituída, aplicada no processo n.º 22/13.1..., em que foi condenado por um crime de abuso sexual de menor dependente, o que milita em seu desfavor.

As suas condições pessoais e familiares não se mostram frontalmente desfavoráveis aos objetivos de ressocialização e o seu comportamento na prisão indica uma evolução positiva.

Assim, tudo visto e ponderado, tendo em conta a moldura da pena aplicável, não se encontra fundamento que justifique a redução da pena singular, de 2 anos e 6 meses de prisão, aplicada ao crime de burla qualificada.

23. Dado que a condenação pela prática de um único crime de burla qualificada implica a consideração dos factos no seu conjunto, incluindo a reiteração da atividade criminosa e a totalidade das importâncias ilicitamente obtidas em resultado dessa atividade, como circunstâncias desse único crime, deverá a pena singular ser agravada por estas circunstâncias, tidas em conta no acórdão recorrido por segmentação da matéria de facto pelos crimes em concurso, sem que ocorra ofensa do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigo 409.º do CPP), para que releva o limite de 6 anos de prisão correspondente à pena efetivamente aplicada no acórdão recorrido.

Justifica-se assim que, nos termos do artigo 71.º do CP, a pena seja fixada em 3 anos e 6 meses de prisão, por, nesta medida, se afigurar conforme aos princípios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação e à realização das suas finalidades de proteção do bem jurídico e de reintegração (artigo 40.º do CP).

24. A personalidade do arguido manifestada na prática dos factos, as suas condições de vida, a conduta anterior ao crime, evidenciada nos antecedentes criminais, e as circunstâncias deste não permitem formular um fundado juízo de prognose positivo, de modo a poder concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.

Pelo que, não estando verificados os respetivos pressupostos, estabelecidos no artigo 50.º, n.º 1, do CP, não se suspende a execução da pena de prisão aplicada.

Quanto a custas

25. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O que não é o caso.

III. Decisão

26. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, alterando o acórdão recorrido nesta parte, condenar o arguido AA na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, de 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de novembro de 2023

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira adjunta)

Sénio Manuel dos Reis Alves (Juiz Conselheiro adjunto)