Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1094/17.5T8EVR.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
CONFISSÃO
ILICITUDE
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
“I. Se o Banco intermediário não esclareceu o investidor A. que a emitente das obrigações era uma sociedade estrangeira controlada por outra com o rating de “lixo” e se relacionou o investimento outra sociedade “segura”, que não era a verdadeira emitente, prestou, a um tempo, uma informação incompleta e errónea;

II. Porém, se não provaram que a prestação de informação devida levaria o A. a não tomar a decisão de investir, os AA. não lograram demonstrar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o investimento;

III. Também o Banco devia ter informado o A. da antecipação da maturidade das obrigações;

IV. Todavia, não tendo os AA. alegado o concreto dano sofrido resultante da omissão de tal informação, nem indicado o valor da venda das obrigações na data da maturidade e não tendo alegado, ainda, que, se o A. tivesse sido informado da antecipação da maturidade, o mesmo teria vendido as obrigações, verifica-se que os AA. não fizeram jus a qualquer indemnização. “

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA e BB, casados entre si, residentes em ..., vieram intentar acção declarativa de condenação sob forma processo comum contra BEST — BANCO ELETRÓNICO DE SERVIÇO TOTAL, SA, com sede em Praça ..., pedindo que:

i) fosse o negócio celebrado entre os autores e réu anulado por erro na base do negócio e condenado o réu à devolução de 100.000,00 EUR acrescido de juros vincendos até integral pagamento;

Caso assim não se entendesse, que:

ii) fosse o réu condenado no pagamento da quantia de 100.000,00 EUR, subtraído do valor que lhe foi reembolsado com o acionamento do swap, no valor de 15.269,26 EUR, acrescido de juros vencidos, desde 19 03 2014, à taxa legal em vigor;

Por fim, caso assim não se entendesse,

iii) que fosse o negócio celebrado entre os autores e réu resolvido por alteração superveniente das circunstâncias e condenado o réu à devolução de à devolução do valor de 100.000,00 EUR, subtraído do valor que lhe foi reembolsado com o acionamento do swap, 14.329,66 EUR, acrescido de juros vencidos, desde 23 de abril de 2014, à taxa legal em vigor.

Para o efeito, alegaram os autores, em síntese, que:

- são clientes do banco réu e que, nessa qualidade, subscreveram uma ordem de compra do valor mobiliário com a designação comercial “EUR 5Y CLN Portugal Telecom Internacional Finance BV”, no valor de € 100 000,00.

- este valor mobiliário é qualificado como um produto financeiro complexo;

- o gestor de conta contactou o autor marido informando-o de que não havia qualquer risco de não receber o capital que investia, sabendo que a ausência de risco ou a existência de risco muito controlado era essencial para o autor marido.

- por força da relação de confiança que estabeleceu, ao longo dos anos, com o gestor de conta, o autor marido tomou a decisão de subscrever a ordem de compra supramencionada.

-o autor limitou-se, assim, a assinar uns papéis que lhe colocaram à frente e a rubricar as respetivas folhas, na convicção de que a emitente era a PT.

- o réu não informou os autores dos riscos especiais envolvidos na operação proposta, nomeadamente, que existia o risco de perda da totalidade do investimento e que a entidade emitente era uma sociedade sediada na Irlanda, controlada pelo BESI com o rating de “lixo”, sabendo que o autor marido era avesso a investimentos com risco de perda de capital.

- o autor marido tem um perfil de investimento conservador.

- Se o autor tivesse sido esclarecido quanto ao produto que estava a contratar, não o teria subscrito.

Os autores alegaram, ainda, que:

- as ações representativas do capital da PTIF foram transferidas para a PT Portugal e que as Notes emitidas pela PTIF passaram a ser garantidas pela OI, não tendo o autor sido informado;

- passou, assim, o autor a ter uma entidade de referência garantida por uma entidade que não conhecida (a OI), um garante que fazia parte do mesmo grupo que a entidade de referência, que o autor também não conhecia.

- o autor manteve-se sempre convencido de que se relacionava com a PT, sendo que só semanas depois do pedido de recuperação judicial do Grupo OI e de ter verificado ter-lhe sido creditado na conta o valor do swap, tomou consciência de que tinha perdido parte substancial do seu investimento.

- os danos sofridos pelos autores foram causados pelo incumprimento do dever de informação por parte do banco réu.

- não está em causa nos autos uma relação contratual de consultoria de investimento ou gestão de carteira que permitisse reclamar do Banco BEST o tipo de acompanhamento da performance de investimento que vêm reclamar.

O R. defendeu-se por excepção, invocando a prescrição do direito dos AA., ao abrigo do disposto no art. 324º do Código dos Valores Mobiliários.

Considera que no caso dos autos, não são alegados factos que se reconduzam a dolo ou culpa grave do Banco Best, tendo o prazo de prescrição para alegação de factos respeitantes ao momento da conclusão dos negócios em causa nos autos terminado no dia 19 de Março de 2016, ou seja, exactamente dois anos após a subscrição dos produtos financeiros em causa nos autos pelo Autor AA. Assim, devem quaisquer direitos de que os Autores fossem porventura titulares decorrentes desses processos de subscrição ser considerados prescritos.

Defendeu-se também por impugnação.

Alegou, entre o mais, que:

- o Banco BEST assumiu, no âmbito do processo de aquisição do produto financeiro pelo Autor AA, o papel de entidade comercializadora, encarregando-se dos actos inerentes à apresentação do produto aos investidores e do processo de subscrição.

- o contrário do que aconteceu com produtos estruturados comercializados por outros intermediários financeiros, as Notes adquiridas pelo Autor AA não tinham qualquer colateral a garantir o seu pagamento, como aliás resulta dos documentos de Informações Fundamentais ao Investidor, que foram entregues ao Autor AA.

- resulta do documento de Informações Fundamentais ao Investidor que o emitente dos produtos financeiros em causa nos autos é uma sociedade denominada Espírito Santo Investment, p.l.c..

-assim, além da entidade emitente, existe também uma entidade de referência, a Portugal Telecom International Finance.

- a entidade emitente – a Espírito Santo Investment, plc – era a destinatária dos fundos entregues pelo investidor e é a entidade que se encontra obrigada ao reembolso do capital investido e da remuneração acordada (juro), nos termos e condições fixados para cada produto financeiro.

-diferentemente, a entidade de referência – a Portugal Telecom International Finance BV – era a entidade que levada em consideração para determinar se e em que moldes é que se venceriam as obrigações de pagamento pela entidade emitente.

-a este respeito, e conforme referido na informação disponibilizada ao Autor AA, as Notes pagavam uma remuneração fixa mensal (cupão mensal fixo) e, na data da sua maturidade, seria devolvido ao investidor a totalidade do capital investido.

- contudo, eram previstas situações em que se verificaria a cessação antecipada das Notes, como sucedia com a ocorrência de um evento de crédito.

- no que diz respeito a riscos do investimento, os documentos contêm uma secção inteira dedicada a esta matéria, em que se identificam os principais factores de risco (risco de mercado, de crédito, de contraparte, de taxa de juro, de liquidez, de conflitos de interesses e jurídico e fiscal).

-de igual modo, eram também traçados os diversos cenários e probabilidades associadas ao investimento nas Notes, desde o cenário mais pessimista ao cenário mais optimista.

- o documento de Informações Fundamentais ao Investidor continha toda a informação relevante que permitiu ao Autor AA avaliar os riscos que corria ao subscrever os produtos, a sua mecânica de funcionamento, as entidades de supervisão e os procedimentos ao dispor dos investidores para reclamações.

- no momento da subscrição dos produtos, o Autor AA assinou e rubricou os documentos de Informações Financeiras Fundamentais, escrevendo pelo seu punho “Tomei conhecimento das advertências” e, mais à frente, acrescentando “Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição”.

. no documento de Informações Fundamentais ao Investidor não podia ser mais claro quanto à existência de risco no investimento realizado, apontando-se aí o risco como o mais elevado numa escala de 1 a 4 e acrescentando-se, de forma bastante incisiva, a possibilidade de o investidor nas Notes perder a totalidade do capital investido.

-o A. investiu em diversos produtos financeiros com características de risco, confirmando a sua apetência pela subscrição de produtos que, potenciando as possibilidades de recebimento de uma remuneração mais elevada, o expunham também a um risco de investimento superior.

- em 2 de Agosto de 2013, foi solicitado ao A. que respondesse a um questionário para aferir o seu perfil de investimento. Porém, o Autor AA declarou, nessa data, não pretender responder ao referido questionário. Só em Maio de 2014 é que o Autor AA aceitaria responder ao referido questionário, na sequência do que lhe foi atribuído um perfil de investimento moderado.

- é falso que o Banco BEST se tenha referido às Notes como sendo da PT ou da Portugal Telecom SGPS.

- a entidade de referência era a Portugal Telecom International Finance, que passou a ser detida pela brasileira Oi, o que melhorou a percepção do mercado sobre aquela empresa.

- além disso, a PT não era a “suposta devedora das obrigações compradas”.

- a devedora das “obrigações compradas” (as Notes) era a Espírito Santo Investment, p.l.c., entidade que, tanto quanto é sabido, é perfeitamente solvente e nada tem que ver com o negócio celebrado entre Oi e Portugal Telecom.

- a PT nunca assumiu o papel de garante das Notes, sendo que não existia qualquer garante em nenhuma das emissões, mas sim um único devedor, que era a Espírito Santo Investment, p.l.c..

-no período em que se verificaram todos os eventos a que os Autores se referem na petição inicial – até à venda da PT Portugal à Altice, em Junho de 2015 – o Autor AA poderia ter vendido as suas Notes por um valor na ordem ou acima dos 85% do valor nominal investido.

Considera, assim, o R. que cumpriu todos os deveres de informação, sendo esta incluída no documento de Informações Fundamentais ao Investidor e nos documentos das ofertas, que descreviam de forma desenvolvida e detalhada todos os riscos que o Autor AA alega não lhe terem sido dados a conhecer.

Defende ainda o R. que, também após a comercialização das Notes, como intermediário financeiro, não incorreu na violação do dever de informação, acentuando que a informação que o A. alega não ter obtido do Banco BEST foi divulgada pelos mais diversos órgãos de comunicação social ou através de sistemas institucionais de prestação de informação aos investidores.

Termina, dizendo que a acção deve ser julgada improcedente.

Notificados para o efeito, os AA. vieram pronunciar-se sobre a excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência.

Em sede de despacho saneador foi a ré considerada parte ilegítima relativamente aos pedidos de “anulação” e “resolução”, tendo a mesma sido absolvida quanto aos pedidos formulados nas als. a) e c) do pedido.

Prosseguiram, assim, os autos para apreciação do pedido formulado na al. b) do pedido.

Produzida a prova, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno o Banco Réu a pagar aos Autores o resultado da diferença entre € 100.000,00 e a soma de € 15.269,26 com o valor recebido a título de juros remuneratórios, acrescido de juros moratórios, à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento condenar o banco réu no pedido formulado pela autora.”

Inconformado, recorreu o R., concluindo as suas alegações pelo pedido de revogação da sentença recorrida, o que mereceu provimento.

Desta vez os AA. inconformados interpuseram recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

I. O presente recurso, tem fundamento no erro de interpretação e de aplicação, quer da lei substantiva, quanto aos art. 251.º, 342.º, 347.º, 351.º, 352.º, 358.º, n.º 2, 376.º, n.º 1 e 2, 393.º, 394.º, 562.º, 798.º e 799.º do CC, da lei adjetiva, quanto aos art. 465.º, n.º 1, 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5 do CPC, e do CVM quanto aos art. 7.º, 289.º, n.º 1, alínea a), 290.º, n.º 1, alínea a) e b), 293.º, n.º 1, alínea a), 304.º, n.º 1, 304.º-A, 312.º, 312.º-A, 312.º-B, 312.º-E, 314.º, n.º 1 e 2 e ainda 324.º e ss;

II. Não há contradição entre os factos dados como provados em sede de 1.ª instância, e a prova produzida naquela sede, ao contrário do que quer fazer crer o Recorrido Banco.

III. Apesar disso, veio o Tribunal a quo a considerar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, com a consequente alteração da matéria de direito, quando não a tal não haveria lugar.

IV. Porquanto a restante matéria de facto, por si só, evidencia a violação por parte do Recorrido Banco da violação dos deveres de informação.

V. Dispõe o art. 304.º, n.º 2, do CVM, que: "nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência e lealdade". (o negrito é nosso).

VI. Ocorrendo a violação desses deveres, como ficou demonstrado in casu, verifica-se sempre uma culpa grave. Isto porque a lei exige ao intermediário financeiro elevados níveis de conduta. Além disso, a referida culpa presume-se, atendo o disposto nos art. 304.º-A e 324.º do CVM.

VII. Veja-se a este propósito o teor dos Acórdãos do STJ, de 10-04-2018, Processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, 6.ª secção, Relator Fonseca Ramos, de 25-10-2018, Processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, 2.ª secção, Relator Bernardo Domingos, e do Acórdão do TRL, de 22-03-2018, Processo n.º 14202/16.4T8LSB.L1, Relator Jorge Leal.

VIII. Resulta essencialmente do recurso interposto em sede do Tribunal da Relação que o Recorrido Banco mais não fez do que criticar a decisão proferida pelo tribunal da 1.ª instância, distorcendo o ali vertido, nomeadamente quanto à valoração da prova, que é, como se sabe, livremente apreciada pelo tribunal.

IX. Pretendeu (e aparentemente conseguiu) o Recorrido Banco criar a convicção que o tribunal de 1.ª instância «apenas» atentou nas declarações de parte do Recorrente AA – o que não é verdade, como se demonstrou, fazendo tábua rasa dos restantes meios de prova carreados para os autos por ambas as partes.

X. O tribunal de 1.ª instância não fundamentou a sua convicção apenas nas declarações de parte do Recorrente AA. O tribunal de 1.ª instância valorou devidamente a prova documental existente nos autos e bem assim, na medida do possível, os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrido Banco, que mesmo tendo conhecimento direto dos factos sub iudice prestaram um depoimento cheio de “incertezas e … falta de memória”.

XI. Forçoso é concluir que a única prova carreada pelo Recorrido Banco para os autos relativa a este caso concreto é a prova documental, que se adianta desde já, não tem a força probatória que o Recorrido lhe atribui.

XII. O tribunal de 1.ª instância não poderia formar a sua convicção quanto ao caso em concreto valorando a prova testemunhal arrolada pelo Recorrido em mais do que o fez. Aliás, leia-se na página 15 da douta sentença proferida: “A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada teve por base a confissão (quanto à relação comercial entre os Autores e o Banco e à subscrição do produto financeiro em causa) e a análise conjugada e crítica da prova produzida, nomeadamente: - os documentos juntos aos autos (ordem de compra e comprovativo de entrega de documentos assinados pelo Autor; Ficha informativa; “IFI”; carta de 13/08/2013; extratos integrados; questionários de “Perfil de investimento”)”.

XIII. O tribunal de 1.ª instância valorou ainda o facto de: “…. os depoimentos sinceros e espontâneos das testemunhas do Autor e as declarações do próprio contrastaram com as incertezas e a falta de memória das testemunhas do Banco Réu, em especial daquelas (duas) que tiveram uma intervenção direta no caso.” (pág. 20 da douta sentença).

XIV. Tendo entendido, e bem, que na verdade do: “conjunto da prova resulta que o Autor confiou, de facto, na segurança do produto e que decisivo para a sua decisão foi a noção da "garantia do capital", assim afirmado “sem reservas” pelo gestor de conta, que era também um amigo da família. Por sua vez, ficou o Tribunal convencido de que tal afirmação foi assim feita pelo gestor de conta que, na verdade, era um “agente vinculado”, ou seja, não era bancário e a formação que, porventura, terá recebido não lhe permitia sequer prestar os esclarecimentos devidos, não obstante o seu “team leader” para tanto o achar capaz.” (págs. 19 e 20 da douta sentença).

XV. Resulta assim, que o tribunal de 1.ª instância não se baseou apenas nas declarações de parte do Recorrente AA para formar a sua convicção, mas valorou também a prova testemunhal e documental carreada para os autos.

XVI. Dúvidas não restaram ao tribunal da 1.ª instância em que o Recorrente AA, assinou o que lhe foi pedido para assinar, sem qualquer explicação e sem a perceção do que estava a assinar, sobretudo, sem a perceção das implicações que decorriam do facto de estar a assinar onde lhe diziam que era para assinar.

XVII. Tanto que os factos sob os pontos 18. e 19. dados como provados não foram alterados pelo Tribunal a quo, pelo que não se descortina, salvo o devido respeito que é muito, como é que o Tribunal a quo decidiu no sentido de eliminar o ponto 28.

XVIII. As provas efetivamente produzidas em sede de audiência discussão e julgamento terem deixado bem claro que o Recorrido Banco não explicou ao Recorrente algumas das características essenciais do produto financeiro por si subscrito.

XIX. Dúvidas também não restaram ao tribunal da 1.ª instância que o Recorrente não tinha como perceber o risco associado a um produto que nunca tinha visto, e que não tinha afinal as características que julgava ter.

XX. E que o Recorrido Banco não cumpriu assim com o dever de informar o cliente (Recorrente) e de fazer com que este tomasse uma decisão de investimento livre e esclarecida, como lhe incumbia.

XXI. O ora Recorrente, de facto, assinou os referidos documentos, mas, repete-se: de cruz!, não decorrendo que o mesmo tenha apreendido o seu teor e que o mesmo lhe tenha sido explicado.

XXII. E o facto de estar manuscrito no IFI “tomei conhecimento das advertências” deve-se ao facto de lhe ter sido dito que teria que copiar o que estava escrito datilograficamente. Não ao facto de ter assimilado o seu conteúdo, nem tão pouco de saber o que são advertências.

XXIII. O Recorrente não pretendeu, ao contrário do que resulta do Douto Acórdão recorrido, pôr em causa a prova plena das declarações ínsitas nos mesmos documentos, e que lhe são atribuídas – mas tão só, demonstrar – como demonstrou, o contexto e as circunstâncias em que as mesmas foram recolhidas e/ou obtidas – e não já tanto os factos que dos mesmos são objeto.

XXIV. Do que se trata verdadeiramente é do dever de informação que não se compadece com a exibição de um documento para assinar por parte do agente vinculado do Recorrido Banco, não bastando dizer “assine aqui” ou “escreva isto” para que se deem como cumpridos os deveres de informação do intermediário financeiro.

XXV. Não se pode deixar de estranhar é o facto de o Tribunal a quo ter o entendimento de que o contexto e as circunstâncias quanto à forma como as declarações foram recolhidas e/ou obtidas, merecem o mesmo tratamento quanto aos factos que são objeto de um documento assinado pela parte.

XXVI. Não se questiona que o documento assinado pelo Recorrente faz prova plena quanto às declarações do mesmo (art. 376.º CC). Todavia, e como bem ensina Fernando Pereira Rodrigues, in “Os meios de prova em processo civil”, página 94: “A força probatória do documento não obsta a que as declarações nele exaradas sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem.”.

XXVII. Vícios da vontade são, como bem ensina Carlos Alberto da Mota Pinto in “Teoria Geral do direito civil”, páginas 500 e 501: “Trata-se de perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos. A vontade não se formou de um «modo julgado normal e são».”.

XXVIII. E, no que tange ao “erro como vício da vontade”, prossegue o insigne Professor, afirmando “O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efetuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse conhecimento exacto dessa realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos determinantes da vontade (...). (páginas 505 e 506).

XXIX. No entender do Tribunal a quo apenas a vontade de contratar é posta em crise por parte do Recorrente (quando era apenas isso que pretendia), por se encontrar viciada.

XXX. Entende assim o Tribunal a quo que o documento apelidado de IFI, não expressa a declaração de vontade do Recorrente, pelo que não poderá a seu ver, ser contrariado por outros meios de prova – isto, apesar de a subscrição do produto não poder realizada sem o referido documento.

XXXI. Não estamos perante um “mero” documento de teor informativo, como se quer fazer crer, nem foi esse o tratamento que o Recorrido Banco deu ao mesmo durante todo o processo, incluindo as suas alegações de recurso, sendo o mesmo condição sine qua non para a celebração do contrato em questão.

XXXII. O Recorrente assinou o referido documento induzido em erro, erro esse motivado pela omissão por parte do intermediário financeiro no que aos deveres de informação respeita.

XXXIII. O Recorrido Banco não demonstrou, conforme ónus que sobre si impendia (art. 342.º, n.º 1, do CC), que foi prestada informação ao Recorrente sobre as Notes e que este estava perfeitamente convencido que o produto era “Portugal Telecom”, era seguro, não tinha risco, ou seja, que, na maturidade, iria receber o capital por si investido.

XXXIV. Não basta carrear para os autos documentos, para provar os deveres de informação que sobre si impendem enquanto intermediário financeiro (arts. 312.º e ss do CVM). Facultar documentos redigidos em linguagem financeira não é, por forma alguma, suficiente para que se possam dar como provados os deveres de informação.

XXXV O tribunal de 1.ª instância decidiu com base na prova documental e na prova produzida em sede de audiência final, com imparcialidade e isenção, como, aliás, é seu timbre. Julgou este caso com os elementos concretos do mesmo.

XXXVI. O contrato celebrado entre o Recorrido Banco e o Recorrente AA foi um contrato de intermediação financeira, subsumível, pois, aos art. 289.º, n.º 1, a) e 290.º, n.º 1, a) e b) e 293.º, nº 1, a) do CVM.

XXXVII. Enquanto intermediário financeiro, sobre o Recorrido Banco impendem diversos deveres, melhor elencados no art. 304.º CVM, orientando essa sua atividade “na proteção dos interesses legítimos dos seus clientes” (n.º 1 do referido artigo).

XXXVIII. Em caso de violação de tais deveres, a correspondente responsabilidade civil do intermediário financeiro, tal como é referido na douta sentença, “a responsabilidade do intermediário financeiro é uma responsabilidade contratual”, pelo que subsumível ao disposto no art. 798.º do CC – (cfr. Acórdão do STJ de 10/1/2013,13 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/12/2012, proc. n.º 298/10.6TBAGN.C1.

XXXIX. A decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância, e apesar do Douto Acórdão recorrido, certo é que a mesma não merce reparo também quanto à fundamentação de direito.

XL. Ficou provado e outra não poderia ter sido a conclusão do tribunal de 1.ª instância, que o Recorrido Banco, não cumpriu os deveres de informação pré-contratuais, isto é, antes da subscrição do produto por parte do Recorrente.

XLI. Não foi explicado ao Recorrente, quanto às informações que o intermediário financeiro deveria prestar respeitante ao produto, risco, entidade emitente e de referência, etc.

XLII. O Recorrido não demonstrou o cumprimento dos deveres pré-contratuais (art. 7.º, 312.º, 312.º-A, 312.º-B e 312.º-E CVM), conforme ónus que Sobre si impende (art. 342.º CC).

XLIII. Foi esse não cumprimento dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro, Recorrido, que lograram induzir o Recorrente AA em erro e fazê-lo subscrever uma ordem de compra de um produto que acreditava ser “Portugal Telecom” e se encontrar ausente de qualquer tipo de risco.

XLIV. Existiu, de facto, um vício da vontade (art. 251.º CC) causado pelo incumprimento dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro.

XLV. Dispõe o art. 799.º CC que: “1 – Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.

XLVI. E dispõe o art. 304.º-A, n.º 2 CVM que: “2-A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”.

XLVII. É notória a violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro, Recorrido, pelo que é nessa violação que se traduz o facto ilícito que acarreta a responsabilidade civil do mesmo, sendo que, conforme decorre do supracitado art. 304.º-A, n.º 2, do CVM, a culpa presume-se.

XLVIII. Sendo uma presunção legal relativa, a mesma teria de ser ilidida mediante prova em contrário (art. 351.º, n.º 2, do CC), o que o Recorrido não logrou fazer.

XLIX. O Recorrido Banco não só não fez prova do cumprimento dos deveres de informação, como não logrou ilidir a presunção que não teve culpa pela violação dos deveres de informação, pelo que quanto ao facto ilícito causador da responsabilidade civil, dúvidas não subsistem quanto à sua existência.

L. A existência desse dano e a quantificação do mesmo são fáceis de aferir, porquanto o Recorrente despendeu € 100.000,00 na subscrição das notes, o que não teria feito se tivesse sido informado da existência de risco do produto.

LI. O valor do dano sofrido pelo Recorrente é o valor de € 100.000,00 deduzido do valor de € 15.296,26, restituindo-se, pois, o Recorrente à situação em que estaria se não tivesse adquirido qualquer produto.

LII. Dispõe o art. 562.º CC: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

LIII. O que ao nexo de causalidade respeita, o Recorrido Banco apenas se lhe refere de forma leve nas suas alegações de recurso em sede do Tribunal da Relação, remetendo para a alteração da matéria dada como provada.

LIV. Certo é que nenhuma censura merece a decisão proferida em primeira instância, porquanto ali se afirma: “é possível estabelecer o nexo causal entre o cumprimento “defeituoso” do contrato de intermediação financeira (receção e transmissão de ordens) e os danos sofridos em virtude do incumprimento do dever de prestação num (outro) contrato celebrado entre o cliente e o emitente do produto subscrito, na medida em que é possível afirmar que o Autor não teria feito a subscrição em causa se tivesse sido devidamente informado” (página 26).

LV. Incorreu assim, o Douto Tribunal a quo, num erro de interpretação e de aplicação da lei substantiva, quanto aos art. 251.º, 342.º, 347.º, 351.º, 352.º, 358.º, n.º 2, 376.º, n.º 1 e 2, 393.º, 394.º, 562.º, 798.º e 799.º do CC, da lei adjetiva, quanto aos art. 465.º, n.º 1, 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5 do CPC, e do CVM quanto aos art. 7.º, 289.º, n.º 1, alínea a), 290.º, n.º 1, alínea a) e b), 293.º, n.º 1, alínea a), 304.º, n.º 1, 304.º-A, 312.º, 312.º-A, 312.º-B, 312.º-E, 314.º, n.º 1 e 2 e ainda 324.º e ss, e consequente violação daqueles normativos legais.

Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Ex.as, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão proferido no tribunal a quo, assim se fazendo serena, sã e objetiva JUSTIÇA”

A ré ofereceu contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

E em face do teor das conclusões do recurso de vista, as questões que cumpre decidir são as seguintes:

A) Do erro na apreciação da impugnação da matéria de facto.

B) Da violação do dever de informação por parte do banco réu.

Antes, porém, importa deixar consignados os factos que foram dados como provados, após impugnação:

1. O Réu exerce a atividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária, entre outros, estando autorizado a exercê-la pelo Banco de Portugal.

2. Por documento, em que se encontra aposta, de forma manuscrita, a data de 19 de Março de 2014 bem como a assinatura do ora Autor, foi dada uma ordem de compra do produto financeiro com a designação comercial “EUR 5Y CLN Portugal Telecom International Finance BV”, com o ISIN ...75, no valor nominal de €100.000,00.

3. Este valor mobiliário é qualificado como um produto financeiro complexo (PFC), denominado Credit Linked Notes (CLN).

4. Este PFC tem como emitente o Espírito Santo Investment, PLC, com sede na Irlanda e como “entidade de referência” a PORTUGAL TELECOM INTERNATIONAL FINANCE, BV (PTIF).

5. Foi objeto de oferta pública em Portugal.

6. Os Autores são titulares de uma Conta de depósitos à Ordem sediada no Banco Réu, com o n.º ...09.

7. O Autor tem como habilitações literárias a 4.ª classe.

8. Em março de 2014, tinha 68 anos de idade.

9. Ao longo do relacionamento que teve com o Réu teve um gestor de conta que considerou como um profissional dotado das adequadas competências, qualificações e probidade, confiando nas informações que lhe prestava.

10. O Autor tinha, relativamente à subscrição das Notes, a preocupação da preservação do capital [após alteração – cf. III.1, k)]

11. O gestor de conta tinha conhecimento dessa sua vontade.

12. O Autor não tem nem tinha qualquer formação em mercado de capitais e investimentos.

13. O Autor foi qualificado como “investidor não qualificado” ou não profissional.

14. Não foi realizado “teste de adequação” ao Autor para identificar quais eram os instrumentos financeiros ou operações adequados ao seu perfil de risco nem solicitada informação sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimentos, para além do consta dos pontos 58 e 59 [após alteração – cfr. III.1., k)]

15. [Eliminado – cf III.1., k)]

16. [Eliminado – cf. III.1., l)]

17. O gestor de conta informou o Autor da taxa de juro do produto e a data da sua maturidade.

18. O Réu relacionou a aplicação com a “Portugal Telecom”, referindo que era uma “empresa segura”.

19. O Autor ignorava o que significava “entidade de referência”.

20. [Eliminado – cf. III.1., a)]

21. Consta na ordem de compra uma cruz no quadrado relativo a “Perfil de investimento: Sem teste” que não foi aposta pelo Autor.

22. Consta da ordem de compra: “Após a leitura das advertências supra, por favor manuscreva a seguinte frase: Tomei conhecimento das advertências”.

23. Consta a frase manuscrita “Tomei conhecimento das advertências” da autoria do Autor.

24. Consta ainda na última página do referido documento “Caso confirme, por favor manuscreva a seguinte frase: Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição”.

25. Consta também a frase manuscrita “Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição” da autoria do Autor.

26. [Eliminado – cfr. III.1, h)].

27. [Eliminado – cfr. III.1, f)].

28. [Eliminado – cfr. III.1, i)].

29. [Eliminado – cfr. III.1, g)].

30. A entidade emitente era uma subsidiária do “BESI”, atual “Haitong Bank, S.A.”.

31. O gestor de conta não disse ao Autor que a emitente era uma sociedade sediada na Irlanda, controlada pelo BESI, com o rating de “lixo”.

32. A “entidade de referência” “PTIF”, com sede na Holanda, era uma subsidiária da PORTUGAL TELECOM SGPS, S.A. (“PT”).

33. O Autor conhecia a “PT”, e o seu histórico, ainda que este conhecimento fosse sustentado na opinião geral, de “ouvir falar”, de um cidadão médio e não estranhou a informação de “retorno garantido” prestada pelo Réu.

34. [Eliminado – cfr. III.1, d)].

35. O gestor de conta não explicou a natureza e os riscos do produto financeiro, nomeadamente o impacto do efeito de alavancagem e do risco da perda do total do investimento, a volatilidade do preço dos instrumentos financeiros e eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado.

35.1. Antes da subscrição das Notes, Dr. CC, ... do BEST, explicou ao Autor os riscos inerentes ao investimento nas Notes, inclusivamente o risco de perder o capital investido [Aditado – cfr. III.1., j)]

36. [Eliminado – cfr. III.1, e)].

37. Em Março de 2014, era público - através da informação divulgada ao mercado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e notícias publicadas na comunicação social -, e o Réu sabia, que a Portugal Telecom International Finance era uma subsidiária da Portugal Telecom SGPS e que a Portugal Telecom SGPS e a empresa de telecomunicações brasileira Oi, S.A. se preparavam, no âmbito do acordo de combinação de negócios, para celebrar uma série de transações que levariam a que a Portugal Telecom SGPS efectuasse um aumento de capital na brasileira Oi, que lhe permitiria aumentar a sua participação social nesta sociedade. Para esse efeito, a Portugal Telecom SGPS realizaria um aumento de capital em espécie na Oi, entregando as acções da PT Portugal, que congregava diversas participações do Grupo Portugal Telecom no mercado nacional. De igual modo, e no mesmo momento, a Portugal Telecom International Finance também passaria a ser uma subsidiária da Oi, na medida em que as suas acções eram, à data do aumento de capital, integralmente detidas pela PT Portugal.

38. A Oi” foi forçada a recorrer a um processo judicial de reestruturação empresarial, para ele “arrastando” a sua subsidiária Portugal Telecom International Finance.

39. A 01 de julho de 2016, a ISDA CREDIT DERIVATIVES DETERMINATIONS COMMITTEE determinou que tinha ocorrido um evento de crédito de insolvência relativo à entidade de referência “PTIF”.

40. O Réu não informou o Autor das “alterações societárias” nem da antecipação da maturidade do produto, de 27 de julho de 2016 para 30 de junho de 2015 bem como do impacto que era para o cash flow da Oi a venda da PT PORTUGAL, do rating de lixo e da degradação geral económico-financeira da Oi e suas subsidiárias, inclusive, da PTIF.

41. O Autor não vendeu no mercado as CLN de que era titular, na sequência da monitorização do mesmo mercado que foi sendo feita, desde a altura da resolução do BES, por DD, filha do A., e por CC (do Banco Réu) [após alteração – cfr. III.1., m)].

42. O evento de crédito de insolvência da “PTIF” foi comunicado pelo Réu aos seus clientes semanas depois.

43. Por esse intermédio, foi acionado o swap, pelo que o Réu creditou na conta do Autor €15.269,26.

44. As Notes adquiridas pelo Autor não tinham qualquer “colateral” a garantir o seu pagamento.

45. Resulta do Documento Informativo que o emitente das Notes é uma sociedade denominada Espírito Santo Investment, p.l.c..

46. Ainda de acordo com o mesmo documento: “As Notes EUR 5Y CLN Portugal International Finance BV (“Notes”) são um produto financeiro complexo com maturidade até 4 anos, 11 meses e 23 dias cuja rentabilidade está associada ao risco de crédito da entidade de referência (a Portugal International Finance BV) e à não ocorrência de um Evento de Crédito em relação à entidade de referência e a cessação antecipada das Notes.”

47. Conforme referido no Documento Informativo disponibilizado ao Autor, as Notes pagavam uma remuneração fixa mensal (cupão mensal fixo) e, na data da sua maturidade, seria devolvido ao investidor a totalidade do capital investido.

48. Contudo, no Documento Informativo eram previstas situações em que se verificaria a cessação antecipada das Notes, dizendo-se: “Apenas haverá lugar à Cessação Antecipada devido à ocorrência de um Evento de Crédito (conforme definido supra) caso seja efetuada uma notificação irrevogável por parte do Agente de Cálculo aos detentores das Notes com a descrição desse Evento de Crédito. (…) Caso ocorra um Evento de Crédito relativamente à Entidade de Referência e a consequente Cessação Antecipada das Notes, o investimento das Notes cessa na respetiva data de Cessação Antecipada”.

49. Quanto à noção de Evento de Crédito, esclarece aquele documento que “entende-se como evento de crédito as situações contempladas pela ISDA (International Swaps and Derivatives Association, Inc.), conforme determinado pelo Agente de Cálculo, tendo em consideração as determinações da ISDA (informação disponível em http://www.isda.org/credit/), cabendo ao mesmo a notificação da sua ocorrência e o cálculo do valor de pagamento após a Cessação Antecipada das Notes: Falha no Pagamento (Failure to pay), Reestruturação dos termos originais contratualizados de obrigações, créditos ou empréstimos (Restructuring), Insolvência (Bankruptcy)”.

50. Ainda de acordo com aquele documento, compete ao agente de cálculo da emissão a determinação dos eventos que dá lugar ao reembolso antecipado do produto, assim como a notificação do evento e o cálculo do valor de pagamento após o reembolso antecipado.

51. Na primeira secção do Documento Informativo constam as “Advertências específicas ao investidor”, informando-se o seguinte:

Este produto financeiro complexo:

- Pode implicar a perda da totalidade do capital investido;

- Pode proporcionar rendimento nulo ou negativo;

- Proporciona uma taxa de rentabilidade inferior à exigida pelos investidores institucionais para níveis de risco idênticos;

- Pode cessar antecipadamente, pela verificação de um Evento de Crédito ou por decisão do Emitente na sequência de alterações fiscais relevantes;

- Está sujeito ao risco de crédito do Emitente, a Espírito Santo Investment p.l.c., e da Entidade de Referência, a Portugal Telecom International Finance BV;

- Implica que sejam suportados custos, comissões ou encargos;

- Implica ou pode vir a implicar que o investidor suporte custos de cobertura de risco do emitente ou outros;

- Está sujeito a potenciais conflitos de interesses na atuação do Agente de Cálculo, o Banco Espírito Santo de Investimento, S.A., do Emitente, Espírito Santo Investment p.l.c.,e da entidade colocadora, o Banco BEST”.

52. No referido Documento Informativo consta, sob a epígrafe “Principais fatores de risco”, o seguinte:

Risco de Mercado: Um investimento nas Notes comporta o risco de o seu valor de mercado variar por efeito de variação das taxas de juro, o que pode ter impacto na rentabilidade das Notes, bem como o risco de variação do valor de mercado das Obrigações Entregáveis da Entidade de Referência, nomeadamente por flutuações das taxas de juro, e tal ter impacto na rentabilidade do produto financeiro complexo e no montante de capital das Notes a pagar, em caso de ocorrência de um Evento de Crédito.

Risco de Capital: Um investimento nas Notes comporta o risco de o montante de capital a reembolsar poder ser inferior ao capital investido, podendo inclusive ser igual a zero, no caso de ocorrência da Cessação Antecipada das Notes. Por esta razão, o investidor deverá ser capaz de suportar uma perda total ou parcial do capital inicialmente investido.

Risco de Crédito: Um investimento nas Notes comporta o risco de crédito do Emitente, que poderá não ter condições para cumprir as suas obrigações de pagamento ao abrigo das Notes, nomeadamente em caso de insolvência. As Notes estão também sujeitas ao risco de crédito da Entidade de Referência.

Risco de Contraparte: Um investimento nas Notes comporta o risco de a contraparte no contrato de cobertura de risco não cumprir os compromissos assumidos nesse contrato, visto que o incumprimento do contrato de cobertura de risco poderá implicar perdas para o investidor, nomeadamente, devido a dedução dos eventuais custos de cancelamento do swap.

Risco de Taxa De Juro: Um investimento nas Notes comporta o risco de a taxa de juro poder variar e tal ter impacto na valorização das Notes. A subida do nível das taxas de juro em Euros tende a contribuir para a redução do preço de venda do Produto Financeiro Complexo e vice-versa, sendo este efeito mitigado à medida que o produto se aproxima da Data de Maturidade. A variação das taxas de juro influencia a determinação do valor de cancelamento do swap de taxa de juro contraído pelo Emitente, podendo a evolução das mesmas afectar negativamente o montante a receber pelo investidor em caso de Cessação Antecipada das Notes.

Risco de Liquidez: O investidor poderá alienar as Notes antes da Data de Maturidade. Nesse caso, o investidor sujeitar-se-á aos preços oferecidos no momento em causa. Além disso, um investimento das Notes comporta o risco de o investidor ter de esperar ou de incorrer em custos adicionais para transformar as Obrigações entregáveis em moeda, em caso de ocorrência de um Evento de Crédito.

Risco de Conflitos de Interesses: O Emitente é uma subsidiária do Agente de Cálculo e Pagador. O Banco BEST e o Agente de Cálculo são entidades pertencentes ao mesmo grupo bancário. O swap contraído pelo Emitente para efeitos de cobertura do risco de taxa de juro tem também como contraparte uma entidade pertencente ao mesmo grupo bancário, pelo que pode existir um potencial risco de conflitos de interesses.

Risco Jurídico e Fiscal: Alterações no regime aplicável às Notes, nomeadamente no regime fiscal, poderão ter impacto na rendibilidade do produto. Podem existir outros fatores de risco com impacto directo e relevante no capital e na rentabilidade deste Produto Financeiro Complexo”.

53. Eram também traçados os seguintes “Cenários e Probabilidades”:

Pior Resultado Possível: No pior resultado possível, o investidor não receberá qualquer remuneração e o reembolso de capital é de 0%, pelo que perde, neste caso, a totalidade do capital investido.

Melhor Resultado Possível: No melhor resultado possível, o investidor receberá os cupões mensais devidos, a uma taxa fixa de 4.90% ao ano, e o reembolso a 100% do capital investido na Data de Maturidade.

Cenário Pessimista: Este cenário assume um valor de recuperação das Obrigações Entregáveis de 40%, em que o investidor recebe a remuneração correspondente até à data de 20/04/2016, após a qual ocorre a Cessação Antecipada das Notes. A taxa interna de rentabilidade anual bruta seria de -30.77%. Estima-se em 10% a probabilidade de a taxa de rentabilidade vir a ser inferior à indicada. Neste caso, o investidor poderá suportar os custos do cancelamento do contrato de cobertura de risco.

Cenário central: Este cenário assume que não ocorre a Cessação Antecipada das Notes, pelo que o investidor recebe a remuneração correspondente até à Data de Maturidade (20/03/2019) e o reembolso a 100% do capital investido inicialmente. Neste caso, a taxa interna de rentabilidade anual bruta seria de 5.01%. Estima-se em 50% a probabilidade de a taxa de rentabilidade vir a ser inferior à indicada.

Cenário optimista: Este cenário assume que não ocorre a Cessação Antecipada das Notes, pelo que o investidor recebe a remuneração correspondente até à Data de Maturidade (20/03/2019) e o reembolso a 100% do capital investido inicialmente. Neste caso, a taxa interna de rentabilidade anual bruta seria de 5.01%. Estima-se em 90% a probabilidade de a taxa de rentabilidade vir a ser inferior à indicada.

Os cenários apresentados correspondem a simulações, não existindo a garantia da sua ocorrência”.

54. O documento identificava ainda o Central Bank of Ireland como autoridade de supervisão responsável pela aprovação do prospeto de base subjacente à oferta das Notes e pela supervisão do emitente Espírito Santo Investment, p.l.c., no âmbito da sua atividade financeira na Irlanda.

55. E esclarecia-se que poderiam ser apresentadas reclamações à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, enquanto entidade de supervisão da comercialização das Notes, e ao Banco BEST, enquanto entidade comercializadora.

56. O Documento Informativo acrescentava ainda o seguinte:

“Locais de consulta de outra documentação relevante: A documentação relevante adicional para esta emissão é a seguinte:

1. Os "Final Terms EUR 5Y CLN Portugal Telecom International Finance BV Notes due on 20th March 2019 (the "Notes") issued pursuant to the € 2,500,000,000 Euro Medium Term Note Programme", datados de 24 de janeiro de 2014;

2. A Offering Circular datada de 08 de Julho de 2013; O presente IFI encontra-se disponível em www.cmvm.pt. Os documentos referidos no parágrafo anterior poderão ser consultados em http://www.esinvestment.com e solicitados ao Banco BEST (a Entidade Colocadora) durante o horário de funcionamento bancário no Banco Espírito Santo de Investimento, S.A. em Rua ....

57. O Banco Best não presta serviços de aconselhamento para investimento fora do âmbito dos contratos de gestão de carteiras.

58. Em 2 de Agosto de 2013, data da abertura de conta, foi solicitado ao Autor que respondesse a um questionário para aferir o seu perfil de investidor.

59. O Autor declarou, nessa data, não pretender responder ao referido questionário.

60. Só em 21 de Maio de 2014 é que o Autor respondeu ao questionário de “perfil de investimento”.

61. Quando questionado quanto aos seus conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros, o Autor respondeu que tinha “alguma perceção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros”.

62. À pergunta sobre o tipo de investimentos que já tinha efetuado ou que conhecia, o Autor respondeu “Fundos Obrigações Taxa Fixa, Obrigações, Seg./PPR Unit Linked, produtos alternativos (Estruturados/FEI), de risco mais elevado”.

63. No que concerne à sua atitude em relação a investimentos, o Autor respondeu “preocupo-me com a preservação do capital, mas pretendo potenciar a valorização e nesse sentido permito flutuações”.

64. Do teste efectuado resultou a atribuição ao Autor de um perfil de investimento “moderado”, ou seja, o terceiro numa escala de quatro, em que o primeiro nível corresponde a investidores muito conservadores e o quarto nível corresponde a investidores dinâmicos.

65. Como à data da subscrição o Autor não existia informação sobre o perfil do cliente, o Banco fê-lo escrever pelo seu próprio punho no boletim de subscrição a seguinte declaração: “Declaro ter-me sido solicitada informação sobre os meus conhecimentos e experiência em matéria de investimento. Declaro ter sido avisado de que a minha recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impede a determinação do meu perfil de investidor.”.

66. O Autor, aquando do início da sua relação comercial com o Banco Réu aplicou €30.000,00 num depósito a prazo promocional, no entanto, após o vencimento deste investiu, em Novembro de 2013, €100.000,00 em “papel comercial” emitido pela Espírito Santo Internacional S.A, tendo, posteriormente, em Fevereiro de 2014, reinvestido o mesmo montante em papel comercial emitido pela “R...”.

67. A emitente das Notes é hoje denominada “H..., p.l.c”., e continua a exercer a sua atividade em diversos sectores, incluindo o levantamento de fundos em mercado de capitais.

68. A desvalorização da entidade de referência com impacto sobre o valor das Notes surgia reflectida nos extratos mensais que o Banco enviou ao Autor ao longo dos tempos.

69. No final de 2014, as Notes tinham um valor correspondente a 84% do seu valor nominal.

70. O valor manteve-se estabilizado até meados de 2015, quando as Notes registaram um valor de 83% do valor nominal.

71. Em Agosto de 2015, as Notes registaram uma queda na sua valorização e registaram valores de 71% do seu valor nominal.

72. Em Setembro de 2015, as Notes registaram um valor de 45% do seu valor nominal.

73. Nos dois meses seguintes, registaram um ligeiro aumento, situando-se nos 63% do valor nominal em novembro de 2015.

74. Ao longo do primeiro semestre de 2016 e até ao momento em que a Portugal Telecom International Finance iniciou o processo de reestruturação, o valor das Notes diminuiu significativamente, atingindo o valor de 11% do valor nominal em Maio de 2016. “

Por sua vez, foram dados como não provados os seguintes factos:

“a) o Autor falava com o seu gestor de conta quando queria esclarecimentos ou aconselhamento sobre como aplicar o seu dinheiro de forma segura e sem risco;

b) o gestor de conta sempre o aconselhou a tomar as decisões para aplicação do seu dinheiro;

c) as decisões de investimento que tomou foram sempre com base na informação e conselhos que o gestor de conta lhe facultava;

d) nunca aplicava o seu dinheiro sem primeiro se aconselhar com o gestor de conta;

e) não tem por hábito ler jornais ou estar a par das informações relacionadas com o mundo financeiro e empresarial;

f) não tem nem tinha capacidade para avaliar o risco associado a investimentos que são possíveis de realizar;

g) o gestor de conta falava com o Autor várias vezes por ano;

h) era o gestor que indicava ao Autor que aplicações deveria fazer;

i) o gestor leu ao Autor as advertências referidas na ordem de compra e teceu explicações sobre as mesmas;

j) e explicou todo o teor do documento informativo, nomeadamente do risco de perda da totalidade do investimento;

1) o Autor não tem qualquer tipo de conhecimento e de experiência necessários para compreender os riscos inerentes à compra deste PFC;

m) o Réu sabia que, muito provavelmente, a emitente nunca conseguiria reembolsar o ora Autor no prazo da maturidade;

n) o Réu sabia que a emitente e a PT não tinham a solidez e a segurança que permitiam tomar uma decisão isenta de risco;

o) o Autor nunca teria adquirido o produto se soubesse as características da emitente;

p) até julho de 2016, o Autor manteve-se sempre convencido que se relacionava com a "PT" sendo que só depois de verificar ter-lhe sido creditado na conta o valor do swap, tomou consciência que tinha perdido parte substancial do seu investimento.

q) o Autor teve conhecimento de um "Manual do Investidor".”

Foram, ainda, dados como não provados pelo tribunal da Relação (que os eliminou do enunciado da 1ª instância) os seguintes factos:

- O gestor disse ao Autor que não havia qualquer risco de não receber o capital que investia no termo do prazo (anterior facto nº 20 provado).

- As informações prestadas formaram a convicção do Autor que o grau de risco de perda do capital era inexistente e foram essenciais para que o Autor tivesse subscrito o produto em causa (anterior facto nº 34 provado).

- Se o Autor estivesse “esclarecido” quanto ao risco do produto que estava a contratar não o teria subscrito (anterior facto nº 36 provado).

- O Autor tomou conhecimento pela primeira vez do documento que consubstancia a ordem de compra no momento em que o assinou e manuscreveu a referida frase (anterior facto nº 27 provado).

- O Réu não facultou previamente ao Autor cópia do documento informativo do produto (anterior facto nº 29 provado).

- A “Declaração de responsabilidade” foi assinada pelo Autor sem que lhe tivesse sido lidas ou explicadas as ditas advertências ou o significado da declaração que assinava (anterior facto nº 26 provado).

- O Autor limitou-se a assinar os papéis que lhe colocaram à frente e a rubricar as respetivas folhas (anterior facto nº 28 provado).

- Previamente a subscrição deste PFC, o Réu não solicitou ao Autor informação sobre a sua situação financeira e sobre os seus objetivos de investimento, nomeadamente: que serviços já utilizou, que instrumentos financeiros conhece, que tipo de operações realizou no mercado de capitais, com que frequência investe, quanto costuma investir, quanto investiu, qual a sua atual e anterior profissão; qual a sua situação financeira, nomeadamente, a fonte e montante dos seus rendimentos, o seu património, o valor da sua habitação, os seus compromissos regulares com o crédito à habitação, o crédito ao consumo; quais os objetivos de investimento que pretende, nomeadamente o que pretende com o investimento, até quando o pretende manter e como reagiria se perdesse parte do capital investido (anterior facto nº 15 provado).

- Foi o gestor de conta que contacto o Autor e lhe aconselhou a subscrição deste PFC (anterior facto nº 16 provado).”

Do erro na apreciação da impugnação da matéria de facto:

Chegados aqui, lido e interpretado o recurso de revista, é de concluir que os recorrentes imputam ao Tribunal da Relação um erro na apreciação da matéria de facto, por considerarem, em suma, que a 1.ª instância procedeu a uma correcta e adequada ponderação da prova produzida nos autos, não vislumbrando, assim, motivos para a alteração levada a cabo pelo Tribunal da Relação.

Porém, como é sabido, a intervenção do STJ no âmbito da matéria de facto visa garantir, essencialmente, o cumprimento de normas de direito probatório material, sendo as decisões da Relação, tomadas a abrigo dos n.ºs 1 e 2, do art. 662º do CPC, em regra, irrecorríveis (cfr. art. 662º, nº 4, do CPC), sendo, no entanto, “admissível recurso de revista quando sejam suscitadas questões relacionadas com o modo como a Relação aplicou as normas de direito adjectivo conexas com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, maxime quando seja invocado pelo recorrente o incumprimento de deveres previstos no art. 662º” ou quando se trate de “sindicar a decisão da matéria de facto nas circunstâncias referidas no art. 674º, nº 3, e apreciar criticamente a suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada e não provada em conexão com a matéria de direito aplicável, nos termos do art. 682º, nº 3.” (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 358). Saliente-se, contudo, que o poder de apreciar o cumprimento das regras adjectivas atinentes à reapreciação da matéria de facto, não se confunde, em caso algum, com a sindicância do percurso probatório percorrido pelo Tribunal da Relação, nem tampouco com a consistência da argumentação levada a cabo pelo tribunal recorrido. De facto, “não cabe ao tribunal de revista intrometer-se na apreciação do mérito da análise probatória realizada nem tão pouco na aferição da sua consistência. (…) ao tribunal de revista não [compete] sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da livre e prudente convicção do julgador” (Ac. STJ de 30.11. 2021, proc. 212/15.2T8BRG-B.G1.S1).

Ora, no caso que nos ocupa, os recorrentes discordam da decisão do Tribunal da Relação relativamente à matéria de facto, invocando que a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância deveria ter sido mantida por ter ponderado, de forma irrepreensível, a prova produzida, o que não sucedeu com o Tribunal da Relação.

Os recorrentes limitaram-se, assim, a enaltecer o teor decisório da sentença da 1.ª instância, pugnando pela sua manutenção, não se vislumbrando na sua alegação a imputação ao Tribunal da Relação quer a violação das normas de direito adjectivas relativas à matéria de facto quer a violação de normas de direito probatório material, matéria que seria, em tese, sindicável por este STJ.

Ora, nenhuma violação de lei processual ou de normas substantivas foi assacada ao acórdão da Relação, sendo certo que o recurso de revista não visa a apreciação da bondade da sentença da 1.ª instância, mas antes a apreciação do acórdão do Tribunal da Relação.

Isto dito, lido o acórdão da Relação, deve salientar-se que não se vislumbram quaisquer razões para censurar a decisão ali tomada quanto à matéria de facto, que se mostra insindicável pelo STJ, não se vislumbrando também qualquer violação de normas de direito probatório material. Na verdade, como os próprios recorrentes reconhecem, os documentos juntos aos autos e reproduzidos no elenco de factos provados apenas provam, plenamente, que a pessoa a quem aquelas declarações foram atribuídas, in casu o autor/marido, as fez, nada querendo significar quanto à sua veracidade ou quanto à inexistência de vícios da vontade que a podem, em qualquer caso, inquinar. Como explica Luis Filipe Pires de Sousa, “a força probatória plena reporta-se tão-só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por meio de qualquer prova” – Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2ª edição, pág. 171 e ss. A prova plena de declarações exaradas em documento não obsta a que o seu autor demonstre que as mesmas não são verdadeiras ou que estão inquinadas por vícios da vontade, podendo tal demonstração fazer-se com recurso a qualquer meio de prova.

Foi exactamente isto que os recorrentes tentaram demonstrar e não conseguiram, pelo que não se descortina que a possibilidade de prova de vícios da vontade com recurso a qualquer meio de prova tenha sido obstaculizada pelo Tribunal da Relação, isto é, que este Tribunal tenha desconsiderado qualquer meio de prova disponível nos autos e mencionado pelos recorrentes.

De facto, quer o contexto, quer a convicção do autor marido, para efeitos de apreciação dos pressupostos do vício da vontade invocado, foram apreciados pelo Tribunal da Relação, com recurso aos meios de prova disponíveis nos autos, nomeadamente prova testemunhal, tendo o tribunal recorrido afirmado, entre outros aspectos, que não era verosímil que o autor não tivesse lido e compreendido as advertências constantes na IFI, que a indicação do risco inerente ao produto subscrito era facilmente verificável atenta a sua representação gráfica no documento, que não era, face aos elementos constantes dos autos, verosímil que o autor tivesse subscrito o produto convicto de que o mesmo não apresentava risco, que o autor foi informado do risco de perda do capital antes da subscrição do produto financeiro descrito nos autos e que, por esse motivo, não podia ter feito o investimento com a convicção de que o produto era seguro.

Todas as provas produzidas foram ponderadas pelo Tribunal da Relação, que não desconsiderou prova válida, nem considerou inadmissível qualquer prova.

Não se verifica, pois, como se disse inicialmente, qualquer afronta a normas de direito probatório material, ou formal, sendo que a valoração levada a cabo pelo Tribunal da Relação, no domínio da livre apreciação da prova, não é sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça.

Improcede, assim, a pretensão dos recorrentes.

Da violação do dever de informação por parte do Banco réu.

Por força da decisão proferida em sede de despacho saneador, prosseguiram os autos para a apreciação do pedido formulado na al. b), a saber, o pedido de condenação do réu no pagamento de indemnização por violação do dever de informação quer em momento prévio à ordem de aquisição do produto financeiro descrito nos autos, quer na pendência do contrato.

No caso, é incontroverso que o Banco réu actuou, perante os autores, na qualidade de intermediário financeiro, na medida em que comercializou um produto financeiro emitido por uma terceira entidade, com a necessária execução de ordem de subscrição. Não há, assim, dúvidas de que o Banco réu actuou na qualidade de intermediário financeiro, nos termos do disposto nos arts. 289º, nº 1, al. a), 290º, nº 1, al. b), e 293 º, nº 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13.11, na redacção em vigor no momento da subscrição do produto financeiro em causa nestes autos.

Assim sendo, ao caso é aplicável o Regime Geral das Instituições de Crédito e, bem assim, o Código de Valores Mobiliários, de acordo com a última versão introduzida pelo DL nº 63-A/2013 de 10.5.

Neste âmbito, rege o art. 77º, nºs 1 e 5, do RGICSF, em vigor à data da subscrição do produto, que dispõe que “as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”, determinando que “os contratos celebrados entre as instituições de crédito e os seus clientes devem conter toda a informação necessária e ser redigidos de forma clara e concisa.”.

Também o Código de Valores Mobiliários regula o dever de informação que impende sobre os intermediários financeiros, dispondo o seu art. 304º que:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de actividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.”

Dispõe o artigo 312 º (Deveres de informação):

“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

5 - Sempre que, na presente subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se:

a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e

b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.

6 - Presume-se que a prestação de informação através de comunicação electrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio electrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.

7 - A informação prevista nos artigos 312.º-C a 312.º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que:

a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor;

b) O investidor tenha sido notificado, por via electrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação;

c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar.”

O art. 312º do CVM dispõe, portanto, sobre o conteúdo e o âmbito do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, que deve prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada; sendo certo que a obrigação a prestar deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (cfr. art. 7º, nº 1, do CVM).

A violação do dever de informar gera, na esfera jurídica do intermediário, uma obrigação de indemnizar, sendo que a culpa do intermediário financeiro [se] presume quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (cfr. art. 304º-A do CVM).

O dever de informar emerge, como nos contratos em geral, do dever de agir em conformidade com a boa-fé, sendo evidente que a natureza dos investimentos, muitas vezes complexos e com elevados riscos associados, torna o cumprimento de tal dever essencial na economia dos contratos celebrados. Assim, não surpreende que o legislador considere que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.” (cfr. art. 312º, nº 2, do CVM).

Assim, o CVM densifica com particular cuidado o conteúdo do dever de informar sempre que o cliente seja considerado um investidor não qualificado (cfr. arts. 312º-A, 312º-B e 312º-C, todos do CVM), exigindo, outrossim, que o intermediário se inteire do tipo de cliente em causa através de questionários elaborados para o efeito (art. 314.º do CVM).

No que especificamente diz respeito à informação relativa aos instrumentos financeiros, dispõe o art. 312º-E do CVM que:

“1 - O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

2 - A descrição dos riscos deve incluir:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

3- A informação, prestada a um investidor não qualificado sobre um valor mobiliário objeto de uma oferta pública, deve incluir a informação sobre o local onde pode ser consultado o respetivo prospeto.”.

Como sintetizou o AUJ proferido pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça em 6.12.2021, no proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, disponível em www.dgsi.pt:

“Em conclusão, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.° do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.° do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”.

Aliás, a propósito dos ónus da prova dos pressupostos de responsabilidade civil emergente da violação de deveres contratuais de informação, importa ter presente o supramencionado AUJ, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:

1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°,nº 1l, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

A propósito da aplicação deste AUJ, sintetiza-se o Ac. STJ de 20.6.2023, proc. 15440/17.8T8LSB.L1.S1 tem o seguinte sumário:

“I - Relativamente às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, não se aplica diretamente o AUJ n.º 8/2022 que foi proferido ao abrigo do CVM na sua versão originária. Todavia, há que ter em conta as orientações nele expressas, desde que não impliquem soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no DL n.º 357-A/2007 quanto ao conteúdo do dever de informação.

II- Já quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova do incumprimento do dever de informação e do nexo causal, a orientação do AUJ é aplicável, pois não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova. (…)”

Esclarece o referido acórdão:

“Ora, quanto ao conteúdo do dever de informação, uma vez que a nova legislação o veio alargar, parece não ser de aplicar o AUJ n.º 8/2022 diretamente, mas apenas como um elemento auxiliar de interpretação, caso seja necessário e desde que não implique soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no diploma de 2007. Já quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova do incumprimento do dever de informação, a orientação do AUJ é aplicável, quanto às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL 357-A/2007, pois que, não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova.

No que diz respeito ao nexo causal, a legislação de 2007 também não trouxe qualquer alteração, continuando a ser aplicável a disposição do artigo 563.º do Código Civil, que deve ser interpretada nos mesmos termos em que o foi aquando da fixação de orientação jurisprudencial pelo AUJ n.º 8/2022. (…) “

Assim, no caso dos autos, seguindo a jurisprudência uniformizada, nos referidos termos, incumbe aos autores, enquanto investidores, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre essa violação e os danos sofridos.

Revertendo ao caso concreto, verifica-se que os autores assentam a sua pretensão indemnizatória na violação do dever de informação que, em seu entender, os determinou a subscrever o produto financeiro descrito nos autos e a não tomar conhecimento das opções ao seu dispor em momento posterior à celebração do contrato de forma a evitar a perda do capital investido.

No caso dos autos, o autor alegou, em suma, que não sabia que existia a possibilidade de perda da totalidade do capital investido por tal não lhe ter sido explicado pelo banco réu.

Sucede que da matéria de facto dada como provada resulta, precisamente, o contrário do alegado pelos autores. Com efeito, à data da subscrição, o autor declarou,: i) ter tomado conhecimento das advertências feitas no documento padronizado denominado “Informações Fundamentais ao Investidor” (factos provados nºs 21 e 22), ii) ter recebido um exemplar da IFI em momento prévio à aquisição (factos provados nºs 23, 24 e 25) e iii) ter-lhe sido solicitada informação sobre os seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento e ter sido avisado de que a sua recusa em fornecer informação necessária à realização do teste de adequação impedia a determinação do seu perfil de investidor (facto provado nº 65); sendo que o Banco réu descreveu, na informação padronizada disponibilizada ao autor, a identidade da entidade emitente, a natureza complexa do produto financeiro adquirido, o risco assumido pelo cliente aquando da subscrição e a possibilidade de perder a totalidade do capital investido (factos provados nºs 51 a 56).

Ou seja; e o autor declarou ter tomado conhecimento das advertências e declarou, ainda, que tais advertências lhe foram disponibilizadas em momento anterior à subscrição, não tendo logrado demonstrar, no plano fáctico, que tais declarações – confessórias porque desfavoráveis ao autor/declarante - não correspondiam à verdade ou que, de alguma forma, estivam inquinadas por vícios da vontade.

Resulta, assim, que tais declarações confessórias gozam de uma presunção de veracidade. Como explica Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ, de 16.3.1976, disponível na RLJ, Ano 110º, p. 85, “a regra do n.º 2 do artigo 376.º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de que quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros (…) o facto declarado no documento considera-se verdadeiro, embora não o seja, por aplicação das regras da confissão, podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação”.

No caso dos autos, o autor não logrou demonstrar quaisquer factos que permitissem afastar a força probatória plena das declarações que lhe foram atribuídas, presumindo-se, assim, as mesmas verdadeiras. E se assim é, há que considerar que o autor foi informado das advertências constantes da IFI, entre as quais a de que o produto subscrito poderia determinar a perda total do capital investido.

Mas a advertência que lhe foi feita não se ficou por aí: para além de lhe ter sido entregue documentação, onde era, perfeitamente, visível a advertência feita à possibilidade de perda da totalidade do capital, este risco foi-lhe, ainda, explicado, verbalmente, por funcionário do Banco réu em momento anterior à subscrição (facto provado nº 35.1).

Também quanto ao risco de insolvência diz respeito, ficou expresso que o Banco réu informou o autor da hipótese de insolvência (cfr. facto provado nº 49).

Sucede, porém, que, conforme se provou, o gestor de conta não disse ao Autor que a emitente era uma sociedade sediada na Irlanda, controlada pelo BESI com o rating de “lixo” (factos provados nºs 31,30 e 45).

Ora, esta informação mostrava-se relevante para uma tomada de decisão fundamentada e esclarecida do autor. Apesar de o autor ter sido advertido da possibilidade de perda de capital não lhe podia ser indiferente saber se a sociedade emitente era ou não controlada pelo BESI com o rating de lixo, O risco da perda de capital de uma sociedade emitente controlada por uma sociedade com o rating de lixo era, obviamente, maior.

Também a circunstância de o Banco réu ter relacionado o investimento com a PT, que era uma “empresa segura”, era uma informação errada susceptível de o induzir em erro. Nem a sociedade emitente nem a entidade de referência tinham a ver com a PT.

Em face dos factos dados como provados, afigura-se-nos, pois, que a informação prestada ao autor, que era um investidor não qualificado, se revelou incompleta e errónea (art. 7° do CVM).

Todavia, a pretensão dos recorrentes não pode deixar de soçobrar.

De facto, os autores não lograram demonstrar o nexo causal entre a violação do dever de informação e a realização do investimento em crise (Factos não provados: o) o Autor nunca teria adquirido o produto se soubesse as características da emitente; - Se o Autor estivesse “esclarecido” quanto ao risco do produto que estava a contratar não o teria subscrito (anterior facto nº 36 provado).

Nesta matéria, o AUJ acima citado, uniformizou a jurisprudência, quanto ao nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, no sentido de o “nexo de causalidade dever ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir”, sendo que “para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Ora, no caso dos autos, é manifesto que os recorrentes não lograram provar, como lhes competia, que a prestação de informação devida levaria o autor a não tomar a decisão de investir. Sempre seria, pois, de concluir que não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro, devendo improceder a pretensão dos recorrentes.

Perante a ausência de preenchimento dos pressupostos de que depende a afirmação da responsabilidade civil, fica, por isso, prejudicada a apreciação da excepção de prescrição que pressupunha a afirmação do direito dos autores.

Questão diversa é a que se coloca no plano da prestação de informação na pendência do contrato de execução de ordem de compra.

Efectivamente, resultou demonstrado que:

“38. A “Oi” foi forçada a recorrer a um processo judicial de reestruturação empresarial, para ele “arrastando” a sua subsidiária Portugal Telecom International Finance.

39. A 01 de julho de 2016, a ISDA CREDIT DERIVATIVES DETERMINATIONS COMMITTEE determinou que tinha ocorrido um evento de crédito de insolvência relativo à entidade de referência “PTIF”.

40. O Réu não informou o Autor das “alterações societárias” nem da antecipação da maturidade do produto, de 27 de julho de 2016 para 30 de junho de 2015 bem como do impacto que era para o cash flow da Oi a venda da PT PORTUGAL, do rating de lixo e da degradação geral económico-financeira da Oi e suas subsidiárias, inclusive, da PTIF.

41. O Autor não vendeu no mercado as CLN de que era titular, na sequência da monitorização do mesmo mercado que foi sendo feita, desde a altura da resolução do BES, por DD, filha do A., e por CC (do Banco Réu) [após alteração - cfr. III.l., m)].

42. O evento de crédito de insolvência da “PTIF” foi comunicado pelo Réu aos seus clientes semanas depois.

43. Por esse intermédio, foi acionado o swap, pelo que o Réu creditou na conta do Autor €15.269,26.”

Ora, aqui chegados, cumpre afirmar que nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao Banco réu por não ter comunicado, de imediato, o evento de crédito de insolvência da PTIF ou sequer da oscilação do valor de mercado da aplicação financeira em crise.

Efectivamente, o autor e o Banco Best celebraram apenas um contrato de execução de ordem de compra, razão pela qual não tinha o réu qualquer obrigação de comunicar qualquer previsão de desvalorização ou de aconselhar a venda dos títulos, ao contrário do que sucede na gestão de carteira de títulos ou serviço de consultoria.

De resto, resultou demonstrado que o Banco Best não presta serviços de aconselhamento para investimento fora do âmbito dos contratos de gestão de carteiras (facto nº 57 provado), o que significa que era ao autor que cabia o ónus de se informar acerca da actualização do risco do produto que adquiriu, o que sucedeu, pois foi sempre monitorizando o mercado (facto nº 41 provado).

Neste âmbito, não há, assim, qualquer responsabilidade que seja de imputar ao Banco.

Já no que diz respeito à violação do dever de informação por não ter informado da antecipação da maturidade do produto, de 27 de Julho de 2016 para 30 de Junho de 2015.

Como se deixou escrito no AUJ supramencionado, “Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, "(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312. ° Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.° e 39.° do Regulamento n.°12/2000). A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.° 1 do art 312° do Cód. VM e 39.° do Regulamento CMVM n.°12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária”.

Este dever de informação acompanha toda a execução do contrato, prevendo o art. 312.º-B, n.º 3, do CVM, que “o intermediário financeiro notifica o cliente, independentemente da natureza deste, com antecedência suficiente, de qualquer alteração significativa na informação prestada ao abrigo dos artigos 312.º-C a 312.º-G, através do mesmo suporte com que foi prestada inicialmente.”

Ora, na informação prestada não pode deixar de constar a data de maturidade do produto.

No caso, mostra-se provado que os recorrentes demonstraram que o Banco réu não os informou acerca da antecipação da maturidade do produto, de 27 de Julho de 2016 para 30 de Junho de 2015.

Assim, a não disponibilização de tal informação configura, um ilícito contratual, na medida em que, como faz notar Amadeu José Ferreira, ainda que a propósito das ordens de execução em bolsa, o dever de informação abrange quaisquer factos ou circunstâncias de que tomem conhecimento, não sujeitos a segredo profissional e susceptíveis de justificar a revisão, alteração ou revogação da ordem dada (Ordem em Bolsa, in revista da Ordem dos Advogados, Ano 52, Julho de 1992, pág. 484, disponível na internet).

O Banco réu tinha, assim, o dever de comunicar a alteração da data de maturidade do produto subscrito.

Sucede, porém, que, no caso que nos ocupa, os autores não só não alegaram qual o dano sofrido (que eventualmente poderia reconduzir-se a um determinado valor de venda na data da maturidade), como também não invocaram que, se tal informação – antecipação da maturidade - tivesse sido disponibilizada, os autores teriam vendido as Notes. Na verdade, os autores limitaram-se a alegar que a não disponibilização de informação os impediu de tomar conhecimento das opções ao seu dispor, o que não configura um dano em si mesmo (facto nº 226 da petição inicial), já que não se sabe que decisão tomariam os autores se soubessem e qual o respetivo retorno de tal decisão.

A ausência de alegação e de demonstração do dano concreto sofrido e do nexo causal entre a falta de prestação de informação e esse dano impede, assim, que se equacione o eventual direito a indemnização dos autores, por falta de preenchimento dos pressupostos de que depende a afirmação da responsabilidade civil do Banco réu.

Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


*


Lisboa, 16 de Novembro de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria Clara Sottomayor