Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3707/09.3TDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IRRECORRIBILIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO SUMÁRIA
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - A rejeição integral do recurso pode ser decidida em decisão sumária pelo relator dos autos, dela cabendo reclamação para a conferência (cf. art. 417.º, n.º 6, al. b), do CPP); não estando nós, no presente caso, perante uma decisão de rejeição integral do recurso apresentado, não ocorre qualquer irregularidade ou nulidade dado que a decisão sumária, em caso de rejeição, apenas ocorre quando o relator conclui pela rejeição integral do recurso.
II - No presente caso, a relatora considerou que, quanto à questão penal, não havia como decidir, dado o trânsito em julgado de decisão que havia rejeitado a interposição do recurso, pelo que não conheceu do recurso - não por rejeição do recurso por inadmissibilidade, mas por não ser competente para apreciar o despacho que decidiu da admissibilidade do recurso, não só porque daquele despacho, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, caberia reclamação a decidir pelo Senhor Presidente do STJ, como também por o referido despacho não ter sido reclamado nos termos previstos; assim sendo, o despacho transitou em julgado, pelo que sobre aquela decisão já não poderia haver pronúncia.
III - Entende-se que não há qualquer irregularidade pelo facto de se ter decidido em conferência, dado que a decisão deste STJ não foi uma decisão integral de rejeição, antes se impunha conhecer em momento prévio do raciocínio, se este STJ podia ou não admitir o recurso dado o despacho (transitado em julgado) existente nos autos.
IV - Quanto à rejeição do recurso na parte civil, esta decisão baseou-se na jurisprudência corrente deste STJ que, por força do disposto no art. 400, n.º 3, do CPP, aplica as regras de admissibilidade do recurso na parte civil e, de forma unânime e sem decisões divergentes, aplica o disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, por via do art. 4.º, do CPP; a aplicação das regras do processo civil decorre do disposto no art. 400.º, n.º 3, do CPP e apenas se aplicam as regras processuais civis quanto à admissibilidade do recurso, sendo que relativamente a tudo o resto o regime dos recursos em processo penal é autossuficiente.
V - A não fundamentação de um despacho não impede o seu trânsito em julgado; se o recorrente entende que o despacho padece de falta de fundamentação deveria ter arguido a sua nulidade nos prazos legais e não o fez; pelo que agora há muito que o prazo para arguir a invalidade do despacho foi ultrapassado ; não é também passível de recurso para o STJ, dado que não se trata de uma decisão final (cf. art. 400.º, n.º 1, al. a) , do CPP. O recorrente podia ter reagido contra o despacho arguindo a sua nulidade por falta de fundamentação, o que não fez; podia ter reclamado do despacho, o que também não fez.
VI - Não houve qualquer interpretação no sentido de considerar que o despacho de não admissão do recurso é admissível ainda que não fundamente legalmente a decisão, pois este STJ não apreciou a legalidade daquele despacho — não só porque não era recorrível para este STJ por não se tratar de decisão final que conheça a final do objeto do processo (art. 400, n.º 1, al. c), do CPP), como porque já tinha transitado em julgado. E por isto mesmo não se pode concluir existir omissão de pronúncia no acórdão agora reclamado, dado que, não sendo recorrível o despacho, não podia este STJ pronunciar-se sobre a nulidade (ou não) daquele.
VII - Em parte alguma, refere que quer apresentar o recurso com base no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), última parte, do CPC, e em parte alguma do recurso alega que tal recurso é admissível, ainda que tal regra não esteja prevista nas regras processuais penais relativas aos recursos penais, tendo em conta uma certa interpretação da admissibilidade do recurso quando esteja em causa uma violação de um princípio constitucional como o da proibição de violação do ne bis in idem. Não se integrando tal argumentação no âmbito do recurso apresentado, e sabendo que o âmbito do recurso é delimitado pela peça recursória apresentada, não pode depois, através do exercício da faculdade consagrada no art. 417.º, n.º 2, do CPP, alargar o âmbito daquele recurso.
VIII - Tendo apresentado aquelas invalidades processuais no tribunal da Relação e tendo delas decidido aquele Tribunal apenas poderia recorrer do primeiro acórdão juntamente com o recurso a interpor do segundo acórdão (que decidiu a arguição de irregularidades e nulidades), uma vez que não é admissível recurso de uma decisão que ainda pode ser alterada pelo tribunal que a proferiu; deve considerar-se que o recurso da decisão apenas pode ocorrer quando o tribunal recorrido já não pode em mais nenhum momento alterar o decidido; ora, no caso, por força das invalidades processuais alegadas, o tribunal da Relação ainda poderia modificar aquele acórdão, pelo que o recurso interposto da decisão de 22-06-2022 antes da decisão, do tribunal da Relação, sobre as invalidades processuais mostra-se interposto em momento anterior ao que é admissível.
IX - A não fundamentação de um despacho não impede o seu trânsito em julgado; se o recorrente entende que o despacho padece de falta de fundamentação deveria ter arguido a sua nulidade nos prazos legais e não o fez; pelo que agora há muito que o prazo para arguir a invalidade do despacho foi ultrapassado; não é também passível de recurso para o STJ dado que não se trata de uma decisão final (cf. art. 400.º, n.º 1, al. a), do CPP. Pelo que o STJ não se pronunciou, oficiosamente, sobre a alegada falta de fundamentação, porque não só não era esse o despacho que estavam em recurso, como desse despacho não era admissível o recurso para o STJ, pelo que estava impedido de conhecer qualquer invalidade de que o mesmo padecesse.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 3707/09.3TDLSB.L1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, mediante acórdão proferido em 29.09.2021 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Central Criminal ... – Juiz ..., foi o arguido AA condenado, como coautor material, pela prática de um crime de burla qualificada, nos termos dos arts.  202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal (doravante CP), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva, bem como condenados os demandados a pagar ao demandante/assistente BB as seguintes quantias:

- € 225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% devidos desde a data de notificação do pedido de indemnização cível até integral pagamento; e,

- € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.

2. Inconformado, o arguido AA, entre outros, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22.06.2022, negou provimento ao recurso interposto, mantendo integralmente a decisão recorrida.

3. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos “artigos 399.º, 400.º, n.º 1 “a contrario”, 2 e 3, 401.º, n.º 1, al. b), 403.º, n.º 3, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º, n.º 1, 432.º, n.º 1, al. b) todos do Código de Processo Penal (adiante CPP)”, que por acórdão de 09.06.2023 decidiu “em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2022, quanto à parte da decisão referente à matéria civil, e não tomar conhecimento do recurso do mesmo acórdão quanto à parte da decisão relativa à matéria penal, dado o trânsito em julgado do despacho de 27.11.2022, que não foi objeto de reclamação.”

4. Após a prolação do acórdão, vem agora o arguido apresentar “reclamação”, alegando (transcreve-se sem sublinhados, negritos ou itálicos):

«AA, Arguido e Recorrente nos autos à margem melhor identificados, notificado do douto Acórdão, datado de 9 de Junho de 2023, que decidiu em Conferência rejeitar o recurso interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2022, quanto à parte da decisão referente à matéria civil, e não tomar conhecimento do recurso do mesmo acórdão quanto à parte da decisão relativa à matéria penal, com fundamento no trânsito em julgado do despacho de 27.11.2022, que não foi objeto de reclamação, vem arguir as seguintes NULIDADES e IRREGULARIDADES que nele considera terem sido praticadas, o que faz com os seguintes fundamentos:

I – DA IRREGULARIDADE PROCESSUAL DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 417.º, N.º 6, DO CPP

1. Conforme consta dos autos, a decisão, respectivamente, de não conhecimento e de rejeição do recurso foi proferida através de Acórdão tirado directamente em Conferência, quando, no entendimento do Recorrente, ora Arguente, deveria ter sido previamente proferida uma decisão singular por parte da Exm.ª Senhora Juíza Relatora;

2.         O que ocorreu em clara violação do disposto nos artigos 417.º, n.º 6, al. b), e n.º 8 e 419.º, n.º 3, al. a), ambos do CPP, face à Lei n.º 48/2007, de 29/09, que atribuiu poderes de decisão sumária sobre o recurso ao relator, aí se incluindo o conhecimento dos fundamentos de rejeição do recurso [(al. b), do n.º 6, do citado artigo 417.º (nos termos previstos no n.º 1, do artigo 420.º)], decorrendo do n.º 8, que dessa decisão sumária do Relator é que cabe reclamação para a Conferência.

3.         Tal violação constitui irregularidade processual que se deixa arguida e deve ser declarada nos termos dos artigos 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP.

4.         O Arguido, ora Arguente, não ignora a posição assumida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Pereira Madeira[1] quanto a esta temática, pela qual vem justificar a possibilidade de incumprimento do novo regime processual estabelecido pelo legislador a partir de 2007 (Lei n.º 48/2007 de 29/09).

5.         Em síntese, é defendido por aquele Ilustre Juiz Conselheiro que, não obstante o novo regime instituído pela Lei 48/2007 de 29/09 no artº. 417º nº 6 C.P.P., pelo qual se veio a atribuir poderes decisórios ao relator individualmente considerado, o que sai reforçado ante o teor do imediato nº 7, que mostra preferência por esta forma abreviada de decisão como resulta da fórmula «quando o recurso não puder ser julgado por decisão sumária», bem como do artigo 419º, n.º 3 a), que parece sugerir que se impõe sempre prévia decisão sumária, entende este Autor que não antecipa consequência alguma para o caso de assim não ser, “e a tratar-se de mera irregularidade, não parece que alguma vez afectasse o valor do acto praticado, afinal com mais garantia de acerto por ser tomada por um tribunal colectivo”.

6.         Na esteira do citado e Ilustre Juiz Conselheiro, também não se desconhece o entendimento sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça (a título meramente exemplificativo, nos Acórdãos de 18.01.2017 e de 9.12.2021, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

7.         Porém, não obstante isso, considera o Recorrente que, salvo melhor opinião, tal entendimento não deverá ser aceite por diversas razões, a primeira das quais se afigura bastante simples: o cumprimento do regime processual penal estribado na Lei não é opcional para ninguém, nem para o STJ.

8.         Assim, se o legislador decidiu alterar o regime processual penal que previa a possibilidade de rejeição dos recursos em conferência (e a decisão de não conhecer do mesmo quanto à parte penal, constitui materialmente uma rejeição), e passou a consagrar expressamente dever passar a existir uma decisão judicial singular prévia, passível de discordância pelo recorrente através de reclamação para a conferência, não é oponível a essa legítima opção legislativa nem o argumento da celeridade processual, nem o argumento de, na conferência, haver um acréscimo de garantias de defesa do recorrente.

9.         A procedência desse argumento implica considerar-se – em violação do princípio da separação dos poderes do Estado – que o legislador legislou mal, no sentido da excessiva morosidade processual, o que seria uma conclusão aberrante e ilegítima.

10.       Aberrante porque não pode o intérprete aplicador assumir que o legislador consagrou soluções sem sentido ou com erradas ponderações de valores (art.º 9.º n.º 3 do Código Civil). E ilegítima, porque os Tribunais devem obediência à Lei e ao legislador democraticamente eleito, a quem cabe legislar e fazer as ponderações de valores subjacentes às leis.

11.       A segunda ordem de razão prende-se com a manifesta violação do princípio da legalidade ínsito no artigo 118.º, n.º 2, do CPP, do qual decorre que a inobservância das disposições da lei do processo penal, quando não cominadas como nulidade, determinam a irregularidade do acto praticado.

12.       É evidente que, à luz da lei vigente, a prolação de decisão de rejeição do recurso em conferência, mediante Acórdão, não consubstancia nulidade, mas sim irregularidade (tal como admitido pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18.05.2011, disponível em www.dgsi.pt), nos termos do artigo 118º, n.º 2, do CPP, o que, sem mais, determina a invalidade do acto em causa, desde que tal irregularidade haja sido legítima e tempestivamente arguida, tal como decorre do artigo 123º, n.º 1, do CPP.

13.       Cumpre referir que o legislador, neste n.º 1 do artigo 123º do CPP, apenas faz depender a automática invalidade do acto irregular da sua legítima e tempestiva arguição pelo interessado, não admitindo nesta norma qualquer adicional apreciação pelo aplicador sobre se o desrespeito pelas normas legais vigentes afecta – muito ou pouco – o valor do acto praticado.

14.       Tal apreciação (sobre a afectação do valor do acto praticado) está apenas consagrada, de acordo com o n.º 2 do artigo 123º do CPP, para as situações em que, não tendo a irregularidade sido legítima e tempestivamente arguida por um interessado (o que em princípio conduziria à sua sanação), ela possa ainda assim ser oficiosamente reparada, em qualquer momento em que da mesma se tome conhecimento, quando – aí sim – se faça o juízo adicional de que a irregularidade em causa, além de existir, possa afectar o valor do acto praticado, caso em que deverá declarar-se a existência da irregularidade e invalidar-se o acto irregular, para que este não inquine os termos subsequentes do processo.

15.       Mas, ao já exposto (e tal seria suficiente) acrescem outras razões (desta feita, de índole material atinentes à efectividade dos direitos de defesa do Arguido) para que, desde logo, seja declarada a irregularidade processual e se proceda à anulação do douto Acórdão proferido em clara violação dos artigos acima indicados.

16.       Efectivamente, no caso dos autos, o Tribunal de recurso, por via do Acórdão prolatado directamente em Conferência, veio a rejeitar e a não conhecer do recurso do Arguente com base em razões de direito nunca antes invocadas pelo MP e ou pelo Assistente, e que, por isso, foram inovadora e oficiosamente adoptadas pelo STJ;

17.       O que tem evidente influência na possibilidade (rectius, na impossibilidade) de exercício do direito ao contraditório por parte do Arguido quanto à possibilidade de rejeição do recurso pelo STJ.

18.       Na verdade, não tendo o Assistente na resposta ao recurso e ou o MP (fosse em que ocasião fosse) suscitado a questão da rejeição do recurso quanto à parte civil e da não admissão do mesmo quanto à parte penal, com fundamento na agora invocado, respectivamente, com fundamento na aplicabilidade das regras do CPC e na circunstância de alegadamente o Tribunal “a quo” não o ter, desde logo, admitido, sem que o Arguido reclamasse de tal decisão, não se poderá sequer sustentar a tese de que ir diretamente para a Conferência constitui um acréscimo de garantias de defesa, ou que o contraditório poderia ter ocorrido em resposta ao parecer do MP (que não pugnou pela inadmissibilidade do recurso nessas partes).

19.       Na verdade, cumprindo a lei, em caso de decisão sumária por Juiz singular o Recorrente, ora Arguente, teria direito a dela reclamar para a Conferência, pronunciando-se sobre a posição que só agora se sabe ser a oficiosamente acolhida pelo Tribunal;

20.       Reclamação através da qual lhe é/seria/será legalmente conferida a possibilidade de aduzir (pela primeira vez) razões para contrariar aquelas que vieram a ditar a rejeição e o não conhecimento do recurso por si apresentado, culminando com uma decisão proferida por um Colectivo de Juízes.

21.       Não se cumprindo a lei, como não cumpriu, por via da prolação da douta decisão reclamada, o Arguido é (como foi) totalmente surpreendido com uma decisão, directamente proferida em Conferência, rejeitando e não conhecendo do seu recurso, sendo-lhe coartado o direito de, por via de uma única oportunidade de contraditório e dos argumentos aí aduzidos, poder ver o seu recurso apreciado!

22.       Pelo exposto, impõe-se o reconhecimento da irregularidade de que padece o douto Acórdão reclamado, decorrente da violação dos artigos 417.º, n.º 6, al. b) e n.º 8 e 419.º n.º 3, al. a), todos do CPP, e, por a mesma ter sido legítima e tempestivamente arguida pelo interessado e conflituar materialmente do o efectivo exercício do direito ao contraditório do Arguido, a determinação da sua invalidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.° 2 e 123.º, n.° 1, ambos do CPP, devendo, consequentemente, dar-se sem efeito o douto Acórdão desse STJ, datado de 09.06.2023, e remeter-se os autos à Colenda Juíza Conselheira Relatora para que profira decisão sumária, nos termos do artigo 417.º, n.° 6, do CPP, o que se requer.

23.       Sendo que, os artigos 118.º, n.° 2, 123.º, n.° 1, 417.º, n.° 6, al. b) e n.° 8 e 419.º, n.° 3, al. a), 414.º, n.° 2 e 420.º, n.° 1, al. b), todos do CPP, interpretados no sentido de não constituir irregularidade processual que deva ser declarada, quando arguida pelo interessado no prazo legal de três dias, a rejeição e ou o não conhecimento do recurso Tribunal “ad quem”, em conferência, por via de Acórdão, sem que o mesmo seja precedido de decisão sumária proferida pelo(a) Relator(a) (a que alude o artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP), em casos em que tal decisão adopte oficiosamente fundamento em relação ao qual não tenha existido prévio contraditório ao Arguido, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.° 2 e 32.º, n.°s 1 e 5, ambos da CRP.

24.       Sendo que, os artigos 118.º, n.° 2, 122.º, n.°s 1, 2 e 3, 123.º, n.° 1, 417.º, n.° 6, al. b) e n.° 8 e 419., n.° 3, al. a), 414.º, n.° 2 e 420.º, n.° 1, al. b), todos do CPP, interpretados no sentido de a decisão rejeição e ou do não conhecimento do recurso do Arguido pelo Tribunal “ad quem” poder ocorrer, em conferência, por via de Acórdão, sem que o mesmo seja precedido de decisão sumária proferida pelo(a) Relator(a) (a que alude o artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP), não tendo, por isso, comoconsequência a sua anulação na sequência da arguição de irregularidade, quando tal decisão adopte oficiosamente fundamento em relação ao qual não tenha existido prévio contraditório ao Arguido, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 32.º, n.ºs 1 e 5, e ainda por violação do artigo 20.º, n.º 5, da CRP.

25.       E isto porque, na modelação dos institutos jurídicos está o legislador obrigado a assegurar que “5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”, o que manifestamente é denegado pela última norma em causa.

26.       Tal solução interpretativa padecerá, pelos mesmos motivos, da mesma inconstitucionalidade normativa mesmo que, aos acima referidos artigos o Tribunal venha a subtrair e ou aditar outro(s), pelo que, não sendo tal aditamento e ou subtração desde já previsível, se requer que, se assim se vier a verificar, o STJ se pronuncie de forma expressa sobre tal inconstitucionalidade (nesse caso com base na base normativa de onde a venha a extrair), considerando a manutenção do sentido interpretativo em causa, acima enunciado e assinalado a “negrito”.

27.       Pelo que, desde já, se requer ao STJ a rejeição da interpretação normativa em causa nos termos do artigo 204.º da CRP.

II – DA IRREGULARIDADE PROCESSUAL DECORRENTE DA VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO QUANTO À POSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO

28.       Como resulta do douto Acórdão datado de 9 de Junho de 2023, o STJ nele decidiu não conhecer do Recurso do Arguido no que diz respeito à parte penal, e rejeitar o mesmo no que diz respeito à parte civil;

29.       Para tal, veio o Supremo Tribunal a aduzir a seguinte fundamentação, que, com a devida vénia, se passa a citar:

A – Quanto à parte penal:

“2. Como se percebe pelo recurso interposto, o arguido pretende recorrer do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.20224, quer quanto à parte penal, quer quanto à parte civil. E analisando este recurso interposto, a Senhora Juíza Desembargadora prolatou despacho a 27.11.2022 nos seguintes termos:

«Recebe-se o recurso tempestivamente apresentado e interposto para o Colendo Tribunal, por quem para tanto tem legitimidade.

Existe na verdade uma decisão sobre a condenação em indemnização cível pedida, sobre a qual este Tribunal não se pronunciou.

Ordena-se assim, oportunamente, a subida o Colendo Tribunal havendo em nosso entender Dupla Conforme quanto à matéria crime.»

Ou seja, não admitiu o recurso em matéria penal dada a existência de dupla conforme e, quanto à parte civil, apesar de ter referido expressamente que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre o pedido de indemnização civil, ainda assim determinou a subida a este Supremo Tribunal de Justiça.

2.1. Dada a rejeição do recurso da decisão quanto à parte penal por “dupla conforme”, tal como se decidiu no despacho referido, implicitamente parece que constituiu fundamento da rejeição do recurso o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, sendo que a situação dos presentes autos se poderia igualmente subsumir ao disposto no art. 400.º, n. 1, al. e), do CPP.

Todavia, certo é que o recurso foi considerado inadmissível quanto à parte penal da decisão, e deste despacho de novembro de 2022 não apresentou o arguido qualquer reclamação. Pelo que, transitou em julgado nesta parte.

Aliás, o arguido implicitamente concordou com tal despacho, porque não só não reclamou dele, como, em momento anterior (a 30.06.2022), apresentou a arguição de diversas nulidades e irregularidades do acórdão aqui recorrido (algumas das quais coincidentes com as questões aqui levantadas neste recurso, nomeadamente, no que respeita à violação o princípio da proibição do ne bis in idem), assim demonstrando que seguia a jurisprudência dominante que entende que não sendo admissível o recurso da decisão as nulidades e irregularidades devem ser arguidas no próprio Tribunal [cf. art. 379.º, n.º 2, do CPP, a contrario, e art. 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi art. 4.º, do CPP] no prazo de 10 dias nos termos do art. 105.º/ 1, do CPP5 (acórdão de 22.06.2023 foi notificado ao arguido, por via eletrónica a 22.06.2022 e a arguição das nulidades e irregularidades apresenta a 30.06.2022).

Ou seja, o recurso da parte penal da decisão não foi admitido por despacho que transitou em julgado não só porque o arguido dele não reclamou, como também porque apresentou requerimento a arguir nulidades e irregularidades na parte penal do acórdão agora recorrido, tal como se deve fazer quando o recurso não é admissível, assim admitindo implicitamente a irrecorribilidade do acórdão. E quanto a esta arguição de nulidades e irregularidades houve novo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, prolatado em dezembro de 2022, que foi igualmente objeto de recurso por parte do aqui recorrente (sem que aquando da interposição deste recurso tivesse apresentado qualquer reclamação do despacho -– de não admissão do primeiro recurso interposto e que aqui está sob análise -– anteriormente prolatado), recurso este que não é o que agora está sob análise, pois nem sequer ainda subiu a este Supremo Tribunal para decisão.

Assim sendo, tendo o despacho quanto à inadmissibilidade do recurso da decisão no tocante à parte penal transitado em julgado nada mais este Supremo Tribunal de Justiça pode decidir, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer questões relativas à parte penal e com esta conexas.” (“Negrito” e sublinhado nosso)

B – Quanto à parte civil:

“2.2. Mas o arguido recorre ainda da parte civil da decisão. E quanto à indemnização civil, o acórdão agora recorrido de junho de 2022 decidiu que:

“Assim, mantendo-se a matéria de facto que fundou a apreciação jurídica do ilícito, realizada pelo tribunal “a quo”, inalterada, soçobram os pedidos de absolvição, quer crime quer cível, formulados pelo recorrente, que assentavam no esperado procedimento da alteração factual objeto do recurso.”

O que aliás o próprio recorrente reconhece, dado que no ponto 5 da motivação do recurso agora apresentado refere que:

“No tocante ao pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente nos autos o Acórdão condenatório do TRL, ora recorrido, manteve na íntegra a decisão tomada em 1.ª Instância, condenando o Recorrente, solidariamente com os demais co-Arguidos, a pagar ao demandante/assistente BB as seguintes quantias: - € 225.000,00 (duzentos e vinte cinco mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% devidos desde a data de notificação do pedido de indemnização cível até integral pagamento; e - € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.

No entendimento do Recorrente o douto Acórdão recorrido enferma de erro na aplicação do direito no que tange ao artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.”

[sublinhado nosso; aliás, o recorrente repete o 1.º parágrafo aqui transcrito)

Nos termos do artigo 400.º, n.º 3, do CPP, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. Sendo que, nos termos do n.º 2 desta norma, o recurso apenas é “admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

Ora, em relação à regra da alçada e da sucumbência nada a apontar. Considerando o montante da indemnização, esta ultrapassa largamente a alçada do Tribunal da Relação (30.000€, cf. artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ) e o valor da sucumbência é superior a € 15 000,00 (cf. artigo 400.º, n.º 2, do CPP e, bem assim, no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP, e artigo 44.º, da LOSJ).

Contudo, conforme é pacífico neste Supremo Tribunal de Justiça, para aferir da admissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão em matéria civil deverão convocar-se as regras processuais civis e verificar se a decisão será passível de recurso segundo aquelas regras, de modo que o demandado civil no âmbito do processo penal tenha as mesmas possibilidades recursórias que teria caso a ação fosse julgada em separado. Ora, assim sendo, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível o recurso de acórdão da Relação uma vez verificada a dupla conforme das decisões nos estritos limites em que é ali referido” (“Negrito” e sublinhado nosso)

30.       Ou seja, quanto à parte criminal não se verificou uma rejeição formal do recurso, antes foi adoptado o entendimento de que o mesmo não foi, na parte penal, admitido pelo Tribunal recorrido, por decisão datada de 27.11.22 já transitada em julgado;

31.       E, quanto à parte civil entendeu o STJ não ser a decisão recorrível, com base na aplicabilidade do regime processual civil e, concretamente, do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, tendo, por isso, implicitamente aplicado

O artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, entendendo estar verificada a hipótese de “se verifique[car] causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º;”.

32.       E isto porque, tal alínea, é a única que dá guarida à decisão ora reclamada:

“Artigo 420.º Rejeição do recurso

1          - O recurso é rejeitado sempre que:

a)     For manifesta a sua improcedência;

b)         Se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou

c)         O recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º

2          - Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão.

3          - Se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre 3 UC e 10 UC.”;

33.       Por sua vez, estatui o artigo 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, o seguinte:

“Artigo 414.º Admissão do recurso

(…)

2          - O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não reunir as condições necessárias para recorrer, quando faltar a motivação ou, faltando as conclusões, quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo.

3          - A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior.

(…)”

34.       Ora, face ao teor literal do despacho de 27.11.22 (onde nunca se refere qualquer não admissão e ou artigo que a fundamente ou possa revelar), não tendo o Assistente ou o MP invocado:

-           quanto à parte penal, a existência de decisão de não admissão do mesmo transitada em julgado[2]; ou

-           quanto à parte civil, a aplicação ao caso do disposto do regime processual civil e, concretamente, do artigo 671.º, n.º 3, do CPC “ex vi” do artigo 4.º do CPP, e, consequentemente, ser caso de rejeição do recurso, com base no artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, deveria o STJ, no entendimento do Recorrente, ora Arguente, ter dado o contraditório ao Arguido/Recorrente para se pronunciar sobre tal hipótese de rejeição.

Na verdade,

35. O princípio do contraditório – com assento constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da CRP – impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte;

36.       O que, quanto ao Arguido, veio a ser expressamente previsto na lei processual penal no artigo 61.º, n.º 1, al. b), do CPP, resultando ainda de normas de tratados internacionais que preveem tal direito, como seja, o artigo 6.º § 1.º da CEDH;

37.       Mas, esse mesmo princípio, bem como, o correspondente dever de actuação por parte do Tribunal, veio a ser também previsto nos artigos 3.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1, do CPC, artigos que, por directa exigência constitucional (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP) se deverão considerar aplicáveis ao processo penal, “ex vi” artigo 4.º do CPP, sobretudo e até, porquanto o Tribunal no que tange à rejeição da parte civil, veio a invocar (apenas e só) o regime do CPC e, concretamente, no artigo 671.º, n.º 3, do CPC;

38.       Não fazendo, quanto a este segmento decisório, sentido, que contra o Recorrente, se convoque o regime processual civil para fundamentar a decisão de rejeição, e se considere depois que, no âmbito da execução do procedimento para determinar tal rejeição, já não se aplica a favor do Recorrente o CPC (e, assim, os artigos 3.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1, do CPC).

39.       Acresce que, também no processo penal se deverá considerar, aliás, por redobradas razões (face à hierarquia dos valores em jogo num e noutro processo) que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

40.       E, no caso de rejeição de recurso, dever-se-á sempre, em processo penal, aplicar o artigo 655.º, n.º 1, do CPC, “ex vi” artigo 4 do CPP, ou seja:

“1 - Se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.”

41.       Norma que, por redobradas razões, se deverá igualmente aplicar caso o Tribunal decida – em violação da tramitação processualmente prevista – não proferir decisão sumária pelo Relator e rejeitar directamente o recurso em Conferência.

42.       Sendo de salientar que, conforme se decidiu no douto Ac. do STJ, datado de 22.02.2017, relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Chambel Mourisco:

“1. O incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC é suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um ato que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório.

2. A intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada.

3. Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade.”[3]

43.       A construção da verdadeira autonomia substancial do princípio do contraditório leva a que seja concebido e integrado como princípio ou direito de audiência, dando «oportunidade a todo o participante processual de influir através da sua audição pelo tribunal no decurso do processo» (Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., 2002, pág. 153).

44.       A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6.º, § 1.º da CEDH (v.d. Ac. STJ, datado de 7.11.2007, relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Henriques Gaspar).

45.       Conforme se constata na decisão do TEDH no caso 4687/11[4]:

“verificou-se já a condenação do Estado Português pelo TEDH, por violação do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia (direito a um processo equitativo). Na queixa foram suscitadas cinco questões, todas no âmbito do direito a um processo equitativo: (…) Considerou, porém, violado o artigo 6.º, n.º 1, (…) na parte referente a não notificação prévia das partes para se poderem pronunciar acerca do fundamento jurídico que o STJ pretendia acolher oficiosamente (uma inconstitucionalidade orgânica que não estava especificamente suscitada, embora estivesse suscitada a inconstitucionalidade), o que considerou constituir uma decisão surpresa.”

46.       Sendo o direito ao recurso um direito de defesa constitucionalmente previsto (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), a decisão da sua rejeição ou outra que importe o não conhecimento do recurso tem, necessariamente, de ser precedida, de contraditório prévio ao Arguido/Recorrente que lhe permita pronunciar-se sobre tal hipótese, sob pena de se formar uma “decisão surpresa”;

47.       Solução que se impõe seja por aplicação do artigo 61.º, n.º 1, al. b), do CPP, interpretado “conforme à Constituição”, seja por aplicação subsidiária do disposto no artigos 3.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1, do CPC, “ex vi” do artigo 4.º do CPP, e isto por imperativo das garantias de defesa do Arguido em processo penal e do princípio do contraditório (artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP), directamente aplicável (artigo 18.º, n.º 1, da CRP).

48.       O que se torna indiscutível em casos em que o Tribunal de recurso não se limite a aderir a causa de rejeição ou de não conhecimento do mesmo já suscitada pelo MP e ou Assistente e venha a decidir de forma oficiosamente pela aplicabilidade de tal causa de rejeição.

49.       Ao omitir tal contraditório e ao, simultaneamente, optar por deixar de proferir decisão sumária através da Exm.ª Senhora Juíza Conselheira Relatora, postergou-se, por via da prolação do douto Acórdão reclamado, o direito ao contraditório quanto à existência de uma putativa decisão de não admissão do recurso (já transitada) quanto à   parte   penal   e  à   admissibilidade   do   recurso   da   parte   civil, transformando-se, a decisão reclamada numa desnecessária “decisão surpresa”, contrária a todas as exigências de um processo equitativo e justo.

50. Sendo que, o escasso ganho em termos de celeridade processual – face ao “atraso” processual que decorreria do simples cumprimento de um prazo de contraditório de 10 dias – faz com que a solução interpretativa de sentido contrário não resista, em termos de verificação da sua constitucionalidade (e face o crivo que claramente se extrai do artigo 18.º, n.º 2, da CRP), ao teste da necessidade em sentido estrito;

51. Não tem, assim, qualquer razão constitucionalmente atendível a jurisprudência que defenda (ainda hoje, leia-se, após a condenação do Estado Português pelo TEDH com base em idêntica situação) que a violação do contraditório, nestes casos, não viola o princípio do contraditório e ou o artigo 6.º § 1.º da CEDH, e persista na afirmação de que se trata de uma das excepções consagradas na lei ao direito de que o Arguido goza de ser ouvido pelo tribunal quando este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, conforme prevê o artigo 61.º, n.º 1, al. b), do CPP[5];

52. Esquecendo, assim, a directa aplicabilidade artigo 6.º do § 1.º da CEDH, “ex vi” artigo 8.º, n.º 2, da CRP, na interpretação já afirmada pelo TEDH.

53. No caso dos autos, a aplicação de tal solução normativa assume (como acima referido) uma especial gravidade por não estar sequer em causa uma decisão sumária do Relator, mas, outrossim, de um Acórdão (decisão “surpresa”) directamente proferido em Conferência, o que priva o Arguido/Recorrente de qualquer hipótese de expor perante o Tribunal “ad quem” as razões pelas quais, no seu entender, o recurso deverá ser admitido.

54. Pelo que, no entendimento do Arguido, ora Arguente, os artigos 61.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2 e 3 e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, quando interpretados no sentido de o Tribunal “ad quem”, em conferência, por via de Acórdão e sem que o mesmo seja precedido de decisão sumária proferida pelo Relator a que alude o artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP, poder proferir decisão que decida não conhecer do recurso na parte penal, sem conceder contraditório prévio ao Arguido/Recorrente sobre tal hipótese, com fundamento que não tenha sido anteriormente suscitado pelo MP e ou pelo Assistente, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.° 2 e 32.º, n.° 1 e 5, ambos do CRP, interpretados de forma conforme ao artigo 6.° § 1.° da CEDH, aplicável “ex vi” artigo 8.°, n.° 2, da CRP.

55.       De igual forma, no entendimento do Arguido, ora Arguente, os artigos 61.°, n.° 1, al. b), 414.º, n.° 2 e 3 e 420.º, n.° 1, al. b), do CPP, e os artigos 3.º, n.° 3 e 655.º, n.° 1, do CPC, “ex vi” artigo 4.º do CPP, quando interpretados no sentido de os artigos 3.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1, do CPC, não serem para efeitos de rejeição da parte civil do recurso, aplicáveis ao processo penal por via do artigo 4.º do CPP, podendo o Tribunal “ad quem”, em conferência, por via de Acórdão e sem que o mesmo seja precedido de decisão sumária a que alude o artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP, oficiosamente proferir decisão de rejeição do recurso, após o tribunal recorrido o ter admitido, sem conceder contraditório prévio ao Arguido/Recorrente sobre a hipótese da sua rejeição com fundamento que não tenha anteriormente sido suscitado pelo MP e ou pelo Assistente, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.° 2 e 32.º, n.° 1 e 5, ambos do CRP, interpretados de forma conforme ao artigo 6.° da CEDH, aplicável “ex vi” artigo 8.°, n.° 2, da CRP.

56.       As acima enunciadas soluções interpretativas padecerão, pelos mesmos motivos, da mesma inconstitucionalidade normativa mesmo que aos acima referidos artigos o Tribunal venha a subtrair e ou aditar outro(s), pelo que, não sendo tal aditamento e ou substração desde já previsível, se requer que, se assim se vier a verificar, o STJ se pronuncie de forma expressa sobre tal inconstitucionalidade (nesse caso, com base na base normativa de onde a venha a extrair), considerando a manutenção do sentido interpretativo em causa, acima enunciado e assinalado a “negrito”.

57.       Pelo que, desde já, se requer ao STJ a rejeição das interpretações normativas em causa nos termos do artigo 204.º da CRP.

58.       Devendo, por todo o exposto, ser declarada, nos termos do artigo 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP, a irregularidade processual que se deixa arguida e decorre da violação dos artigos 61.º, n.º 1, al. b), do CPP e dos artigos 3.º, n.º 3 e 655.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 4.º do CPP, bem como, do princípio do contraditório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP e artigo 6.º da CEDH).

59.       Dela resultando a necessária anulação do douto Acórdão, datado de 9 de Junho de 2023, o que se requer.

Mas, além do já exposto e arguido, verifica-se ainda

III – A INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DECISÃO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO NA PARTE PENAL POR PARTE EXTRAÍVEL DO DESPACHO DATADO DE 27 DE NOVEMBRO DE 2022 / A IMPOSSIBILIDADE LEGAL E CONSTITUCIONAL DE EXISTÊNCIA DE DECISÕES DE NÃO ADMISSÃO DE RECURSO PENAL DE CONTEÚDO MERAMENTE IMPLÍCITO E, SIMULTANEAMENTE, SEM QUALQUER INDICAÇÃO DA RESPECTIVA BASE LEGAL / A NULIDADE DO ACÓRDÃO RECLAMADO POR VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO FORMAL EXTRAÍVEL DO DESPACHO DE 27 DE NOVEMBRO DE 2022

 60.      Salvo o devido respeito, que é muito, considera o Recorrente que o entendimento expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça consubstancia violação de lei, bem como, a adopção de interpretações normativas não conformes à Constituição e a normas e princípios internacionais a que o Estado Português está obrigado (e que, como tal, deverão ver a sua aplicação recusada – artigo 204.º da CRP), pelos motivos que, separadamente, quanto à parte civil e quanto à parte penal se passam a explicitar.

A – Quanto à parte penal:

61.       Conforme consta dos autos, no que concerne ao recurso da parte penal interposto pelo Arguido nenhum sujeito processual havia invocado, em nenhuma peça processual anterior, qualquer causa de rejeição ou de não conhecimento do mesmo que passasse pelo entendimento de que:

-           o despacho proferido pelo TRL, datado de 27.11.2022, não admitiu o recurso interposto do Acórdão condenatório no tocante à parte penal e, consequentemente, o mesmo terá transitado em julgado por não ter sido objecto de reclamação; e

-           o arguido implicitamente concordou com tal despacho, porque não só não reclamou dele, como, em momento anterior (a 30.06.2022), apresentou a arguição de diversas nulidades e irregularidades do acórdão aqui recorrido (algumas das quais coincidentes com as questões aqui levantadas neste recurso, nomeadamente, no que respeita à violação o princípio    da    proibição    do    ne    bis    in    idem),    assim demonstrando que seguia a jurisprudência dominante que entende que não sendo admissível o recurso da decisão as nulidades e irregularidades devem ser arguidas no próprio Tribunal [cf. art. 379.º, n.º 2, do CPP, a contrario, e art. 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi art. 4.º, do CPP] no prazo de 10 dias nos termos do art. 105.º/ 1, do CPP5 (acórdão de 22.06.2023 foi notificado ao arguido, por via eletrónica a 22.06.2022 e a arguição das nulidades e irregularidades apresenta a 30.06.2022).

62.       Salvo o devido respeito, jamais um despacho com o conteúdo idêntico e ou aproximado ao do despacho proferido pelo TRL, datado de 27.11.2022, pode ser considerado como constituindo uma decisão de não admissão do recurso no que diz respeito à parte penal do mesmo, conforme se passa a expor.

63.       Ao mandar subir o recurso ao Tribunal superior em lado algum refere o TRL que não admite o recurso e ou que o rejeita, seja com referência a que segmento decisório for, como não indica sequer qualquer base legal de onde se possa extrair uma tal decisão de rejeição.

64.       Sendo que, a manifestação do entendimento de que se verifica “dupla conforme” não passa, no caso dos autos ou em outro qualquer, disso mesmo: uma manifestação de um entendimento, de onde o Tribunal recorrido não retirou, em termos decisórios, qualquer consequência jurídica manifestada numa decisão.

65.       Sendo ainda de referir que, atenta a douta posição pública da Exm.ª Senhora Juíza Conselheira Relatora do Acórdão ora reclamado, mesmo que houvesse “dupla conforme” quanto parte penal, sempre o recurso seria admissível no que diz respeito à questão central do recurso

(por ser certamente a que é juridicamente mais relevante) da violação do “ne bis in idem”/caso julgado!

66.       Já que, se esta questão for procedente, todas as demais deixam de ser conhecidas, extinguindo-se o procedimento criminal.

67.       Assim sendo, também a mera declaração do entendimento de que se verifica “dupla conforme” (ao menos à luz da posição da Exm.ª Senhora Juíza Conselheira Relatora, a que o Arguido não pode deixar de aderir, como aderiu na resposta ao parecer do MP junto do STJ) não afasta a recorribilidade da decisão quanto à questão do “ne bis in idem”/violação do caso julgado, que inequivocamente faz parte do recurso penal.

68.       Dito isto, passemos então a delimitar o conteúdo e alcance do caso julgado efectivamente formado pelo despacho proferido pelo TRL, datado de 27.11.2022.

69.       No entendimento vertido no douto Acórdão reclamado, do conteúdo e alcance do caso julgado formado pelo despacho proferido pelo TRL, datado de 27.11.2022, resulta que: o TRL não admitiu/rejeitou o recurso da decisão no tocante à parte penal (e, consequentemente, o mesmo teria transitado em julgado por não ter sido objecto de reclamação), sendo a alegada decisão de não admissão extraível implicitamente da menção constante daquela decisão à existência de “dupla conforme”;

70.       Porém, no firme entendimento do Recorrente, do despacho de 27.11.22 apenas resulta que: o TRL admitiu o recurso, quer quanto à parte penal, quer quanto à parte civil, mandando-o subir ao Tribunal superior, ainda que manifestando o entendimento de que, quanto à parte penal, existia “dupla conforme” e que, quanto à parte civil, “Existe na verdade uma decisão sobre a condenação em indemnização cível pedida, sobre a qual este Tribunal não se pronunciou.”).

71.       Chegamos assim à questão fulcral que visa determinar se há, ou não, caso julgado formal, e, na afirmativa, qual o sentido e alcance do mesmo.

72.       Sobre o caso julgado formal e material decidiu-se já no douto Acórdão datado de 20.10.2010, relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Santos Cabral, o seguinte:

“III - Com os conceitos de caso julgado formal e material descrevem-se os diferentes efeitos da sentença. Com o conceito de caso julgado formal refere-se a inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo (efeito conclusivo) e converge com o efeito da exequibilidade da sentença (efeito executivo). Por seu turno, o caso julgado material tem por efeito que o objecto da decisão não possa ser objecto de outro procedimento. O direito de perseguir criminalmente o facto ilícito está esgotado.

IV        - No que concerne à extensão do caso julgado pode distinguir-se entre caso julgado em sentido absoluto e relativo: no primeiro caso a decisão não pode ser impugnada em nenhuma das suas partes. O caso julgado relativo é objectivamente relativo quando só uma parte da decisão se fixou e será subjectivamente relativo quando só pode ser impugnada por um dos sujeitos processuais.

V         - Há caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.

VI - Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo –, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.”

73.       A lei distingue nos artigos 620.º, n.º 1 e 621.º, do novo Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa.

74.       Sabendo-se que não existe uma verdadeira identidade entre a figura do caso julgado material em processo civil e em processo penal[6], no que diz respeito ao caso julgado formal relativo a questões processuais antes apreciadas (“rectius”, a questões “que recaiam unicamente sobre a relação processual” e que apenas “têm força obrigatória dentro do processo.”) não existem razões válidas para que não se afirme a identidade entre o conceito civil e penal de caso julgado formal, e daí que, por exemplo, o STJ não hesite em aplicar o artigo 625.º, n.º 2, do CPC ao processo penal, “ex vi” artigo 4.º do CPP[7].

75.       Assim, no que respeita ao alcance do caso julgado formal também em processo penal se deverá entender que: “a decisão constitui caso julgado nos limites e termos em que julga”, conforme dispõe o art.º 673.º do CPC.

76.       Ora, regressando ao texto do despacho datado de 27.11.2022 nele se pode ler que:

«Recebe-se   o   recurso   tempestivamente   apresentado   e interposto para o Colendo Tribunal, por quem para tanto tem legitimidade.

Existe na verdade uma decisão sobre a condenação em indemnização cível pedida, sobre a qual este Tribunal não se pronunciou.

Ordena-se   assim,   oportunamente,   a   subida   o   Colendo Tribunal  havendo  em  nosso  entender  Dupla  Conforme quanto à matéria crime.»

77.       Ou seja, no despacho em causa, o Tribunal “a quo” declara objectivamente receber o recurso interposto, por ser tempestivo e interposto por quem tem legitimidade e ordena a subida do mesmo ao tribunal superior;

78.       Limitando-se no mais a manifestar o seu entendimento quanto ao conteúdo da decisão recorrida, quer quanto à parte civil, quer quanto à parte penal, sem que de tal manifestação retire qualquer decisão que expresse qualquer não admissão do recurso.

79.       Na verdade, a decisão não tem nenhum dispositivo que não seja “Recebe-se o recurso tempestivamente apresentado e interposto para o Colendo Tribunal, por quem para tanto tem legitimidade.” e Ordena-se assim, oportunamente, a subida o Colendo Tribunal”.

80.       Acresce que, no despacho em causa o Tribunal “a quo” não fundamenta de direito nem a decisão de admissão, nem qualquer putativa decisão de rejeição do recurso, o que, na parte que fosse considerada de rejeição, constituindo decisão desfavorável ao Arguido, lhe seria claramente exigível atento o disposto no artigo 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5, do CPP.

81.       Aqui chegados, atenta a protecção constitucional de que goza o direito ao recurso (artigo 32.º, n.º 1, da CRP e artigo 13.º da CEDH[8]) e o direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 5, da CRP) parece evidente que a interpretação de qualquer decisão no sentido de esta constituir uma decisão de rejeição de um recurso interposto por Arguido em processo penal se deve rodear de um mínimo (“rectius” do máximo) de cautelas, impondo-se, neste campo, que se afastem soluções interpretativas que autorizem a incerteza sobre se um recurso foi, ou não, admitido e ou rejeitado pelo Tribunal recorrido, como seja, decisões que só implicitamente possam ser consideradas de não admissão;

82.       Interpretações estas que, naturalmente, podem comprometer uma tempestiva reacção do Recorrente a uma decisão que venha (como veio a ser o caso) a ser entendida pelo Recorrente como de admissão vindo mais tarde, pelo Tribunal de recurso, a ser considerada como de sentido inverso.

83.       Dentro dessa linha, que é a que garante o efectivo exercício do direito ao recurso, em caso de dúvida sobre o sentido e alcance de uma decisão e, designadamente, sobre se a mesma admite e ou rejeita o recurso, ou uma parte dele, sempre restaria aplicar o princípio “favorabilia amplianda, odiosa restringenda”.

84.       Tal princípio é, desde há várias décadas, aceite pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, conforme, por exemplo, se verifica no douto Acórdão do STJ, relatado pelo Exm.º Sr. Juiz Conselheiro, Henriques Gaspar, datado de 03.03.2004 [9] [10]:

“II - A modelação (pressupostos; prazos; conformação estritamente processual ou procedimental) supõe regras, e mesmo porventura regras estritas e objectivas, para o exercício do direito; mas também, por outro lado, as dúvidas de interpretação sobre os pressupostos devem ser sempre consideradas em favor do direito (e da garantia de defesa) e não contra o titular do direito. No domínio dos direitos e garantias é a regra do favor reo e o princípio favorabilia amplianda, odiosa restringenda.

III         - O princípio do processo equitativo - essencial, fundador e conformador do processo penal - na dimensão de 'justo processo' ('fair trial'; 'due process'), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz.

IV        - A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.”

85. Assim, mesmo que se considere que o Tribunal “a quo”, através da prolação do despacho do TRL, datado de 27.11.2022, terá mandado subir o recurso, preconizando que o mesmo deveria ser rejeitado pelo Tribunal de recurso quanto à parte penal do mesmo, por nela se ter referido que, no entender do Tribunal recorrido, existia “dupla conforme” quanto a essa parte, tal não consubstancia uma decisão de não admissão, nem assim pode ser entendida, sob pena de violação do artigos 20.º, n.º 4 e 5 e 32.º, n.º 1, do CRP, mas de igual forma, o artigo 20.º, n.º 5, da CRP e do artigo 6.º, § 1.º e 13.º da CEDH.

86.       Nestes casos, como noutros, o processo justo e leal e a confiança como elementos do princípio do processo equitativo (artigo 6.º § 1.º da CEDH) não permitem admitir outra solução que não seja a de que o interessado, que razoavelmente e sem culpa tenha confiado na admissão do recurso pelo Tribunal recorrido, adquiriu o direito processual à admissão em primeira instância daquele seu recurso, admissão esta que, como é sabido, não vincula o Tribunal recorrido.

87.       Mas, refira-se, não foi apenas o Recorrente que interpretou o despacho no sentido da admissão do recurso do Arguido, quer quanto à parte penal, quer quanto à parte civil.

88.       A este respeito, cumpre, antes de mais, assinalar que nem o MP (que sempre defendeu a irrecorribilidade da decisão) alguma vez defendeu (“rectius”, compreendeu) que o despacho de 27.11.2022 tinha (ou podia ter) o sentido e alcance agora vislumbrado pelo STJ: o da não admissão da parte penal do recurso;

89.       Sentido e alcance este que se baseia na improvável e mais que insegura interpretação assumida pelo Acórdão reclamado, revelada, em particular, pela frase em que os Exm.ºs Senhores Juízes Conselheiros se dedicam à adivinhação do fundamento da mesma, afirmando que “implicitamente parece que constituiu fundamento da rejeição do recurso o disposto no art. art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP”.

90.       Ora, em todos os casos em que o Tribunal “a quo” não afirme, no texto do despacho que manda subir o mesmo, qualquer rejeição ou não admissão do recurso do Arguido, nem indique qualquer base legal para a mesma, tal rejeição não pode ser presumida e ou implicitamente assumida em prejuízo da posição processual do Arguido.

91.       Sendo certo que, estando-se, como se está, perante uma decisão totalmente omissa no que tange a uma qualquer fundamentação de direito, tal total ausência de fundamentação de direito configura uma frontal violação do disposto no artigo 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5, do CPP, que obrigava o Tribunal recorrido a expressar de forma expressa e fundamentar a decisão de admissão e ou de rejeição do recurso, circunstância esta que não pode ser revertida contra o Arguido, quando se verifique que o mesmo nela confiou à luz de um sentido que esta claramente consente.

92.       Também neste sentido aponta decisivamente a disciplina constante do artigo 161.º, n.º 6, do CPC: Na verdade, se os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial (por exemplo a errada indicação de um prazo para praticar um acto processual) não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, por maioria de razão, em processo penal, quando esteja em causa uma garantia de defesa, o mesmo princípio terá de se aplicar a uma errada ou equívoca actuação do Tribunal;

93.       Ou seja, também no caso de omissão de qualquer decisão expressa que importe a rejeição de um recurso interposto por Arguido em processo penal e de total omissão de qualquer fundamentação de direito nesse sentido, se deverá concluir que tais omissões não podem afectar o Arguido no exercício dos seus direitos de defesa;

94.       Pois só uma expressa decisão de rejeição parcial e ou, no mínimo  e sem conceder, a referência à sua fundamentação legal seria de molde a gerar um ónus de reacção a tal decisão.

Acresce que:

95.       Salvo o devido respeito, se tivesse sido, na verdade, esse o sentido e alcance daquele despacho do TRL ou se o mesmo fosse sequer um sentido provável do mesmo, certamente, desde logo, o MP junto do STJ – “rectius”, o representante do promotor da acção penal - não teria tido a necessidade de responder ao recurso do Arguido quanto à parte penal defendendo que deveria pelo STJ ser prolatada decisão de rejeição;

96.       Nem em tal resposta ao recurso do Arguido teria o MP textualmente afirmado que no despacho de 27.11.22 o Tribunal “a quo” preconizou a rejeição do recurso, por nele aludir à existência de “dupla conforme”.

97.       Efectivamente, se houvesse decisão de não admissão, teria o MP apenas e só no seu parecer junto do STJ afirmado que o recurso quanto à parte penal estava definitivamente rejeitado, por ter transitado em julgado o despacho que não o admitiu.

98.       Ou, no mínimo, teria defendido a irrecorribilidade da decisão da parte penal, frisando que, no seu entender, o despacho de 27.11.2022 consubstanciava uma não admissão do recurso, já transitada em julgado.

99.       Nada disso ocorreu na verdade nos presentes autos.

100.     Conforme consta dos autos o MP junto do STJ apresentou parecer suscitando apenas a questão da inadmissibilidade legal do recurso apresentado pelo Arguido, ora Recorrente, para o efeito aduzindo as seguintes razões:

“1 – Por acórdão de 22 de Junho de 2022 do V. Tribunal da Relação de Lisboa, sob referência Citius n.º ...99, o arguido / recorrente AA foi condenado, como co-autor material, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, sendo certo que, quanto ao pedido de indemnização cível, aquele Tribunal ainda não se pronunciou – cfr. o teor do Despacho datado de 27.11.2022, sob referência Citius nº ...03.

2.         Esta decisão condenatória confirmou integralmente a parte dispositiva do douto acórdão condenatório emanado do Juízo (J...) Central Criminal ..., datado de 28.09.2021, nos termos do qual o arguido / recorrente havia sido condenado, justamente, em co-autoria material, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 202.º, al. b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

3.         Certo é que, inconformado com o acórdão condenatório proferido nos autos pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa, vem o arguido / recorrente dele interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pelos fundamentos de facto e de direito insertos na sua motivação de recurso reproduzida sob referência Citius n.º ...34, em resultado do qual incidiu o despacho proferido pela Mmª Juíza Desembargadora relatora, datado de 27.11.2022 (sob referência Citius n.º ...03), no qual se preconiza a rejeição daquele recurso, por irrecorribilidade da decisão colocada em crise.

4.         Em confluência com o que se mostra preconizado no douto Despacho de 27.11.2022, sob referência Citius n.º ...03, e nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelos Tribunais de Relação proferidas em recurso que não sejam irrecorríveis nos termos do artigo 400º do mesmo diploma legal.

5.         Releva neste caso o disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 400.º, que estatui que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

6.         Donde:

-           O primeiro requisito consiste na confirmação, pelo Tribunal da Relação, da decisão recorrida, ou seja, na existência de uma “dupla conforme”.

-           E o segundo requisito traduz-se na aplicação de uma pena de prisão não superior a 8 anos.

7.         Quanto ao primeiro dos requisitos, o acórdão recorrido proferido pela V. Tribunal da Relação de Lisboa manteve inalterada a matéria de facto, confirmando integralmente o quantum da pena fixada ao arguido / recorrente no âmbito da decisão impugnada provinda da 1ª instância, ou seja: 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão efectiva.

8.         Da interpretação, praticamente pacifica na jurisprudência, a alínea f) do artigo 400.º do CPP, a “dupla conforme” aí prevista inclui, quer os casos de confirmação total quer os casos de confirmação parcial (confirmação in mellius) - louvamo-nos, entre outros, no Ac. de 11/04/2012 proferido no âmbito do processo n.º 1042/07.OPAVNG.P1.S1 e no Ac. STJ de 24/03/2011, CJ (STJ), T1 pág. 208, onde se lê:

“A confirmação duma decisão da 1ª instância pela Relação ainda que apenas parcial deverá ser compreendida na noção de dupla conforme”

O segundo requisito traduz-se na aplicação de uma pena de prisão não superior a 8 anos. Requisito que, in casu, também se tem por preenchido, na medida em que o arguido foi condenado, pelo Acórdão proferido pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa na pena 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

Neste contexto, verificada uma situação de “dupla conforme” e sendo a pena única aplicada não superior a 8 anos de prisão, forçoso é concluir que não se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso em referência exigidos pelos artigos 400.º al. f) e 432.º, n.º 1 alínea b), ambos do Código de Processo Penal. Impunha-se, pois, a rejeição do recurso interposto pelo arguido / recorrente AA do acórdão condenatório proferido nos autos pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa.

Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de dever ser rejeitado o recurso interposto pelo arguido / recorrente AA do acórdão condenatório proferido nos autos pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa, por irrecorribilidade desta decisão colocada em crise, posto que não se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso em referência exigidos pelos artigos 400.º al. f) e 432.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.” (“Negrito” e sublinhado nosso)

101.     Assim, pugnado o MP (detentor da acção penal) pela inadmissibilidade da decisão “não se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso em referência exigidos pelos artigos 400.º al. f) e 432.0, n.° 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal”, mal se compreende que venha agora o Tribunal de recurso defender que o despacho que admitiu o recuso e ordenou a subida dos autos tem (ou pode ter) o sentido e alcance que lhe veio a ser atribuído, ou seja, um despacho que houvesse rejeitado a parte penal do recurso, e não, como bem refere o MP, apenas preconizado a sua rejeição pelo Tribunal superior.

102.     Pelo que acima de defendeu, e crê ter demonstrado, cumpre, em síntese, concluir que:

a)         a delimitação do sentido e alcance do caso julgado formal de qualquer despacho que colida com direitos, liberdades e garantias deve ser efectuada de forma cautelosa e afastando qualquer interpretação da qual resulte incerteza jurídica e ou preclusão de direitos de defesa com ela relacionada, em obediência ao princípio do processo justo e equitativo e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, no sentido também extraível do brocado latino “favorabilia amplianda, odiosa restringenda”.;

b)         a formação de caso julgado formal sobre a não admissão parcial do recurso por parte do tribunal recorrido, aquando da prolação do despacho a que alude o artigo 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, importa que o Tribunal recorrido, quando mande subir o recurso ao Tribunal superior, mas pretenda rejeitar parte do mesmo, inclua na sua decisão uma qualquer menção e ou dispositivo onde declare expressamente essa decisão de não admissão, de forma a alertar o Arguido de que, discordando da mesma, dela deverá reclamar nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CPP;

c)         não é constitucionalmente admissível a interpretação normativa (por exigência constitucional atinente a razões de segurança e certeza jurídica) que o Tribunal de recurso considere formado caso julgado formal sobre uma alegada não admissão do recurso do Arguido, quanto à parte penal, com base em decisão que considere poder extrair implicitamente do despacho a que alude o artigo 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, não sendo, por isso, admissível a formação de tal caso julgado formal no sentido da não admissão, quando o Tribunal recorrido deixe, simultaneamente, de incluir nesse despacho (i) qualquer parte dispositiva ou menção onde declare expressamente a não admissão da parte penal do recurso e (ii) a indicação de qualquer norma que fundamente ou diga respeito à não admissão, de forma a alertar o Arguido de que, discordando dela, deverá dela reclamar nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CPP;

d)         no caso concreto, não só o sentido que o Recorrente atribuiu ao sentido e alcance do despacho de 27.11.2022 proferido pelo TRL não foi o da não admissão do seu recurso quanto à parte penal, como foi esse mesmo o sentido que objectivamente foi atribuído a tal despacho pelo MP junto do STJ, que, no seu parecer, veio pugnar pela rejeição do recurso com base no disposto no artigo 400.º, al. f), do CPP;

e)         a decisão reclamada ao erradamente atribuir um sentido e alcance ao (alegado) caso julgado que entendeu (“implicitamente”) formado pelo despacho proferido pelo TRL, datado de 27.11.2022, violou o caso julgado que dele decorre;

f) incorrendo em nulidade e violação de lei, mas, de igual forma,  adoptando interpretações normativas ostensivamente inconstitucionais.

103.     Donde, ao julgar como julgou, violou o douto Acórdão reclamado os artigos 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5, 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, conjugados com os artigos 620.º, n.º 1 e 621.º, do CPC, aplicados “ex vi” artigo 4.º do CPP, incorrendo na consequente irregularidade processual, que se deixa arguida e requer que seja declarada, incorrendo ainda na nulidade decorrente da violação do caso julgado efectivamente formado pelo despacho do TRL, datado de 27.11.23, considerando o sentido e alcance que dele pode ser extraído (o que, em termos materiais, consubstancia questão de que o STJ não podia conhecer – artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP).

104.     Tendo ainda atribuído aos artigos acima indicados, de forma totalmente inesperada (inclusive à luz da resposta do parecer do MP junto do STJ ao qual o Arguido respondeu) a interpretação materialmente inconstitucional que se passa a enunciar e se deixa arguida:

- os artigos 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5 e 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, conjugados com os artigos 620.º, n.º 1 e 621.º, do CPC, aplicados “ex vi” artigo 4.º do CPP, interpretados no sentido de que o despacho a que alude o artigo 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP, pode formar julgado formal no sentido da não admissão da parte penal de recurso interposto pelo Arguido da decisão condenatória, quando nele o Tribunal recorrido, ordenando a subida dos autos ao Tribunal superior, não inclua qualquer menção ou parte dispositiva onde declare, de forma expressa, a não admissão dessa parte do recurso ou qualquer norma que a fundamente, podendo o caso julgado, com esse sentido e alcance, ser implicitamente extraído pelo Tribunal de recurso daquela decisão, são materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP e da interpretação conforme à CEDH extraível dos artigos 6.º e 13 da mesma, aplicáveis “ex vi” do artigo 8.º, n.º 2, da CRP.

105.     Devendo, pelo exposto, o douto Acórdão reclamado ser anulado e substituído por outro que deixe de assumir a existência de caso julgado formal decorrente do despacho de 27.11.22, no sentido de dele decorrer a não admissão do recurso do Arguido quanto à parte penal e o consequente invocado trânsito em julgado do mesmo.

IV – DA INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA TÁCÍTA DO DIREITO AO RECURSO POR PARTE DO RECORRENTE MANIFESTADA OU EXTRAÍVEL DA MERA APRESENTAÇÃO DE REQUERIMENTO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADES E  IRREGULARIDADES RELATIVAMENTE AO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO / DA IMPOSSIBILIDADE LEGAL E INADMISSIBILIDADE    CONSTITUCIONAL       DA INTERPRETAÇÃO NORMATIVA ADOPTADA

106.     Conforme acima se referiu, veio o STJ a adoptar um segundo fundamento para sustentar a decisão de não apreciação do recurso do Arguido quanto à parte penal.

107.     Vejamos a passagem onde tal argumento é adoptado: “o arguido implicitamente concordou com tal despacho, porque não só não reclamou dele, como, em momento anterior (a 30.06.2022), apresentou a arguição de diversas nulidades e irregularidades do acórdão aqui recorrido  (algumas  das  quais  coincidentes  com  as  questões  aqui levantadas neste recurso, nomeadamente, no que respeita à violação o princípio da proibição do ne bis in idem), assim demonstrando que seguia a jurisprudência dominante que entende que não sendo admissível o recurso da decisão as nulidades e irregularidades devem ser arguidas no próprio Tribunal [cf. art. 379.º, n.º 2, do CPP, a contrario, e art. 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (doravante CPC) ex vi art. 4.º, do CPP] no prazo de 10 dias nos termos do art. 105.º/ 1, do CPP5 (acórdão de 22.06.2023 foi notificado ao arguido, por via eletrónica a 22.06.2022 e a arguição das nulidades e irregularidades apresenta a 30.06.2022).

Ou seja, o recurso da parte penal da decisão não foi admitido [pelo TRL] por despacho que transitou em julgado não só porque o arguido dele não reclamou, como também porque apresentou requerimento a arguir nulidades e irregularidades na parte penal do acórdão agora recorrido, tal como se deve fazer quando o recurso não é admissível, assim admitindo implicitamente a irrecorribilidade do acórdão”.

108.     Face a tal entendimento verifica-se, neste trecho, uma manifesta incongruência lógica do silogismo ali plasmado no segundo parágrafo, que se deverá certamente a lapso, já que o TRL não poderá ter decidido a não admissão do recurso por a decisão que iria proferir já ter transitado em julgado.

109.     Efectivamente, primeiro o TRL teria de ter decidido no sentido de não admitir o recurso e só após o ter feito (e de ter decorrido o prazo a que alude o artigo 405.º, n.º 1, do CPP) se poderia ter formado o putativo trânsito de tal decisão, com esse sentido e alcance que o douto Acórdão lhe veio a atribuir. Logo, não seria nunca por ter transitado o despacho com a alegada não admissão (que o TRL não teria ainda proferido) que o Tribunal recorrido não teria admitido o recurso.

110.     Sendo que, analisado o despacho de 27.11.22 não consta do mesmo qualquer referência a um tal entendimento por parte do TRL, sendo que a única referência que ali é feita constar é: “Ordena-se assim, oportunamente, a subida ao Colendo Tribunal havendo em nosso entender Dupla Conforme quanto à matéria crime.»”

111.     Pelo que, resta (como único sentido lógico que remanesce) considerar a hipótese de os Exm.ºs Senhores Juízes Conselheiros terem entendido que o exercício por parte do Arguido do direito à reclamação relativamente à decisão penal condenatória tem como efeito a admissão implícita da irrecorribilidade do acórdão, ou, em palavras com consequências mais práticas, o efeito de prejudicar o conhecimento do recurso interposto, por ter ocorrido renúncia tácita ao exercício do direito ao recurso.

112.     Aqui chegados, desde logo, se verifica que um tal entendimento terá, necessariamente, de radicar no disposto no artigo 632.º, n.º 3, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.º do CPP.

113.     Tal norma apresenta a seguinte previsão:

“Artigo 632.º Perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso

1          - É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.

2          - Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.

3          - A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.

4          - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao Ministério Público.

5          - O recorrente pode, por simples requerimento, desistir do recurso interposto até à prolação da decisão.”

114.     Conforme se decidiu no douto Ac. do TCAS, datado de 16.04.2016: “Importa, para que se possa formar um juízo a tal respeito, i) atentar no dispositivo da sentença, ii) considerar o regime do recurso a que a mesma está sujeita e iii) perceber a natureza do comportamento assumido pela parte.”[11]

115.     Porém, no entendimento do Recorrente a mera apresentação de reclamação da decisão condenatória não traduz, nem pode ser entendida, como a “prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.”

116.     Sobretudo quanto se sabe que todos os vícios que não sejam qualificados pelo Tribunal Superior como nulidade têm, sob pena de se sanarem, de ser arguidos pelo interessado no prazo de três dias, existindo inúmeras decisões de recursos que se baseiam no não cumprimento de tal prazo para deixar de conhecer das questões subjacentes.

117.     Exemplo de tal abundante jurisprudência é o douto Ac. do STJ, datado de 27.01.22, relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Eduardo Loureiro, mas também assinado pela Exm.a Senhora Juíza Conselheira, Dr. a Helena Moniz, onde se pode ler:

“I - De acordo com o princípio da tipicidade consagrado no art. 118.º, nº 1, do CPP, a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que - n.º 2 da norma -, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.

II          - As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido. Não podem porém ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.

III         - A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição.

IV        - Tais prazos, quanto às nulidades, são o geral de 10 dias previsto no art. 105º, n.º 1 e os específicos previstos nos arts. 120.º, n.º 3. Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no art.º 121º.

V         - As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» - art. 123º nº 1.

Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento. Desde que ainda não sanada, sob risco de, a admitir-se reparação de irregularidades já sanadas, se introduzir grave entorse no sistema qual seja a de, relativamente ao menos solene dos vícios formais se admitir, afinal, um regime de reparação não só mais permissivo do que o das nulidades relativas, como equiparável, até, ao das nulidades insanáveis.”

118.     Mas, tal conclusão sobre a “prática [pelo Recorrente] de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” é ainda inelutavelmente afastada pelo próprio Acórdão reclamado já que no mesmo se assume expressamente a existência, quanto à questão da recorribilidade da decisão condenatória, de “jurisprudência maioritária” e, consequentemente, não unânime, conhecendo-se, inclusivamente, a posição recentemente publicada pela Exm.ª Senhor Juíza Conselheira Relatora, claramente a favor da recorribilidade para o STJ da decisão penal condenatória com fundamento na violação do princípio “ne bis in idem”/caso julgado.

119.     Evidenciando bem que a jurisprudência do STJ não é unânime quanto à recorribilidade da decisão quando o recurso se funde na violação do princípio “ne bis in idem”/caso julgado, carecendo, por isso, de oportuna uniformização, veja-se o Acórdão da 3.ª Secção desse STJ, datado de 16.03.2022, relatado pela Exm.ª Senhora Juíza Conselheira Ana Barata Brito (proc.º n.º 266/07.5TATNV-D.S1), onde se admitiu recurso para uniformização de jurisprudência (aliás, em termos bem mais latos do que o presente recurso convoca, já que no mesmo se discute uma tal violação praticada pelo Acórdão do TRL e, assim, a necessidade de um único grau de recurso), aí se frisando que:

“(…) nos dois casos, a Relação confirmou uma decisão proferida na primeira instância, no sentido da inexistência de violação de caso julgado, o que, na perspectiva dos arguidos recorrentes para o Supremo, identicamente consubstanciaria nova violação de caso julgado material. E do(s) acórdão(s)s da Relação recorreram então para o STJ, tendo sido dada, por este, resposta dissonante sobre a (in)admissibilidade do recurso. Ou seja, sobre a admissibilidade de recurso de acórdão do tribunal da Relação que confirma decisão da 1.ª instância que julga não verificada a existência do caso julgado em matéria penal. O acórdão recorrido e o acórdão fundamento pronunciaram-se sobre uma mesma questão de direito, fazendo-o em sentido dissonante.”[12]

120. Ou seja, como bem referiu o MP junto do STJ no parecer que emitiu naquele processo: “À questão de saber se do acórdão do Tribunal da Relação, confirmativo de decisão da 1ª instância que julgou não verificada a existência de caso julgado, é, ou não, admissível recurso, com esse mesmo fundamento, para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto na norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do C.P.C., ex vi do artigo 4.º do C.P.P., o acórdão recorrido entendeu não ser admissível recurso, por não ser aplicável aos recursos em matéria penal o regime estabelecido nesse artigo 629.º, n.º 2, alínea) a), do CPC.

Já o acórdão fundamento, por seu turno, respondeu à mesma questão no sentido de que tal recurso é admissível, por aplicação subsidiária ao processo penal da norma do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do C.P.C., ex vi do artigo 4.º do CPP.”

121.     Não sendo discutível a recorribilidade da decisão recorrida, ou de parte dela, legítima se torna a decisão de dela reclamar, e, simultaneamente, de dela recorrer, não se podendo face à contradição de jurisprudência existente e inexistência de Acórdão de fixação da mesma, prejudicar o Arguido pela incerteza do quadro legal.

122.     Dito isto, torna-se evidente que a apresentação de reclamação da decisão penal condenatória não poderá ser considerada como “prática [pelo Recorrente] de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer”, até porque tal solução obrigaria o Recorrente ou a abdicar do recurso ou, alternativamente, a abdicar da reclamação.

123.     Sendo que, caso o Arguido se entregasse à sorte de apenas interpor recurso ficaria dependente de o recurso ser admitido e ainda de o mesmo vir a ser distribuído a um Tribunal Colectivo onde se formasse quórum favorável à recorribilidade, sendo que a não admissão do seu recurso e ou a sua posterior rejeição no STJ, não repristinam o direito do Arguido reclamar da decisão que o condenou, vendo-se o mesmo, nesse caso, sem qualquer meio processual de reacção, inclusive, contra irregularidades e ou nulidades que considere praticadas no mesmo.

124.     Conforme se decidiu no douto Ac. n.º 172/2021, relatado pelo Exm.º Senhor Juiz Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro: “(…) na formulação de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira: “A garantia constitucional do recurso impede a isenção contenciosa de certos atos, ou partes de atos, ou a exclusão do conhecimento de certos vícios, de modo a conferir direito à impugnação contenciosa de todos os atos em todos os aspetos juridicamente vinculados” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, p. 938).”

125.     Pelo que, no entendimento do Recorrente, ora Arguente:

- Os artigos 632.º, n.º 3, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.º do CPP, e 379.º, n.º 2, “a contrario”, do CPP, interpretados no sentido de, quando se verifique divergência de jurisprudência sobre a recorribilidade ordinária da decisão penal condenatória, a apresentação pelo Arguido de reclamação da mesma, através da qual sejam arguidas nulidades e irregularidades, constituir a prática de facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer, dele se extraindo a existência de renúncia ao direito ao recurso, são materialmente inconstitucionais por violação do artigo 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.º 1, da CRP;

126.     E isto porque uma tal interpretação normativa sacrifica, de forma desnecessária e não proporcional à tutela que qualquer outro bem jurídico constitucional.

127.     Tal solução interpretativa padecerá, pelos mesmos motivos, da mesma inconstitucionalidade normativa mesmo que, aos acima referidos artigos o Tribunal venha a subtrair e ou aditar outro(s), pelo que, não sendo tal aditamento e ou subtração desde já previsível, se requer que, se assim se vier a verificar, o STJ se pronuncie de forma expressa sobre tal inconstitucionalidade (nesse caso com base na base normativa de onde a venha a extrair), considerando a manutenção do sentido interpretativo em causa, acima enunciado e assinalado a “negrito”.

128.     Logo, ao contrário do que se veio a considerar no douto Acórdão reclamado, a apresentação de reclamação pelo Arguido quanto à decisão penal condenatória não constitui a “prática [pelo Recorrente] de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” da mesma, o que se constitui a violação do artigo 632.0, n.° 3, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.0 do CPP, na sua interpretação “conforme à Constituição”, traduzindo-se esta violação em irregularidade processual que se deixa arguida e deve ser declarada nos termos do artigo 118.0, n.° 2, e 123.0, n.° 1, do CPP.

V - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA DECORRENTE DE O TRIBUNAL, FACE AO TEOR DO DESPACHO DE 27.11.2023 E AO SENTIDO E ALCANCE QUE LHE VEIO A ATRIBUIR, TER DEIXADO DE DECLARAR A NULIDADE    DO MESMO POR         FALTA  DE DECISÃO/DISPOSITIVO E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, EM MANIFESTA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 97.º, N.ºS 1, AL. B) E 5, DO CPP E DO ARTIGO 205.º, N.º 1, DA CRP

129. Dispõe o artigo 379.0 do CPP que:

“Artigo 379° Nulidade da sentença 1 - É nula a sentença:

a.         Que não contiver as menções referidas no n° 2 e na alínea b) do n.° 3 do artigo 374° ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.°i do artigo 389-°-A e 39i-°-F;

b.         Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.° e 359.°;

c. Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

130.     No entendimento do Recorrente, deveria o STJ ter, face ao teor literal do despacho de 27.11.22 e ao sentido e alcance que o STJ lhe veio a atribuir, ter oficiosamente declarado a nulidade de tal despacho, desde logo, por o mesmo não conter qualquer menção ou parte dispositiva quanto à (alegada) decisão de não admissão e, ainda, por não a fundamentar de direito, de forma a que o Recorrente ou o MP a assumisse e ou percepcionasse como tal e a que, na sequência disso, pudesse o Arguido, discordando da mesma, dela reclamar nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CPP.

131.     Na verdade, em todos os casos em que o Tribunal “a quo” não afirme, no texto do despacho que manda subir o mesmo, qualquer não admissão parcial do recurso do Arguido, nem indique qualquer base legal para a mesma, caso o Tribunal de recurso considere que foi isso que o Tribunal recorrido pretendeu decidir, sem que o Recorrente ou o MP tivessem assumido um tal sentido decisório, deverá, ao invés de assumir como decisão transitada em julgado, declarar a nulidade da decisão em causa com fundamento na absoluta falta de fundamentação e de decisão, por violação do disposto no artigo 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5 no artigo 414.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP.

132.     Normas que obrigavam o Tribunal recorrido, em caso de não admissão, a enunciar de forma expressa esse segmento decisório e a fundamentar o mesmo, circunstância esta que não pode ser revertida contra o Arguido.

133.     Sendo que, ao omitir a apreciação de tal questão e a consequente decisão que declarasse a nulidade do despacho de 27.11.22, com o sentido e alcance que o STJ lhe veio a atribuir, incorreu o douto Acórdão reclamado em omissão de pronúncia quanto a questão que deveria oficiosamente ter apreciado e decidido, o que constitui nulidade do mesmo, que se deixa arguida e deve ser declarada nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;

134.     Devendo, consequentemente, a manter-se o sentido e alcance que o STJ veio a atribuir ao despacho de 27.11.22, ser anulado o douto Acórdão reclamado e substituído por outro que declare a nulidade do despacho, datado de 27.11.22, ordenando a baixa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para proceder à sua reparação, através da prolação de novo despacho venha a explicitar a decisão de (eventual) não admissão parcial do recurso interposto pelo Arguido e onde proceda à fundamentação da mesma, notificando-se o Arguido de tal decisão para, querendo, dela reclamar nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CP.

Termos em que, requer a V.ªs Ex.ªs que, em Conferência, sejam declaradas as nulidades e irregularidades acima arguidas.

Devendo, consequentemente, em razão dos vícios que acima se arguiram, ser anulado o douto Acórdão, datado de 9 de Junho de 2023, com as legais consequências.»

5. Perante esta reclamação, o Senhor Procuradora-Geral Adjunto considerou que a reclamação deve ser indeferida porquanto:

« O arguido veio arguir nulidades / irregularidades do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça proferido, em conferência, nos autos, da-tado de 9.06.2023.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 9.06.2023decidiu rejeitar o recurso interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.06.2022, quanto à parte da decisão referente à matéria civil, e, concomitantemente, não tomou conhecimento do recurso do mesmo acórdão quanto à parte da decisão relativa à matéria penal, dado o trânsito em julgado do despacho, datado de 27.11.2022, que não admitiu o recurso interposto daquela decisão, o qual não foi objeto de reclamação.

Resulta explicitado na fundamentação do acórdão em referência que, “tendo o despacho quanto à inadmissibilidade do recurso da decisão no tocante à parte penal transitado, nada mais este Supremo Tribunal de Justiça pode decidir, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer questões relativas à parte penal com esta conexas.”

E, na verdade, por acórdão de 22 de Junho de 2022 do V. Tribunal da Relação de Lisboa, sob referência Citius n.º ...99, o arguido AA foi condenado, em co-autoria material, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 202.º, al. b), 217.º, nº 1 e 218.º, nº 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, sendo certo que, quanto ao pedido de indemnização cível, aquele Tribunal ainda não se pronunciou – cfr.. o teor do Despacho datado de 27.11.2022, sob referência Citius nº ...03.

Esta decisão condenatória, na parte penal, conformou integralmente a parte dispositiva do douto acórdão condenatório emanado do Juízo (J...) Central Criminal ..., datado de 28.09.2021, nos termos do qual o arguido havia sido condenado, em co-autoria material, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. nos artigos 202.º, al. b), 217.º, nº 1 e 218.º, nº 2, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva, pelo que nos termos do artigo 400.º, nº 1, al. f), do Código de Processo Penal, face à existência de dupla conforme e condenação não superior a 8 anos de prisão, o recurso interposto para o STJ não foi admitido, por despacho que não foi objecto de reclamação.

Em confluência com o exposto, e perante a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de não tomar conhecimento do recurso interposto do acórdão do V. Tribunal da Relação de Lisboa datado de 22.06.2022, na par-te penal, esta decisão transitou em julgado em consequência directa do trânsito em julgado do mencionado despacho de 27.11.2020, que não foi objecto de reclamação.

Pelo exposto, pronunciamo-nos pela improcedência da arguida nulidade do acórdão.»

6. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

1. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP (aplicável a acórdãos deste tribunal por força do n.º 3 do mesmo artigo e do n.º 4 do art. 425.º, do CPP) cabe ao tribunal corrigir a sentença, oficiosamente ou a requerimento, quando “contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”. Comecemos por salientar que com o acórdão final, prolatado a 09.06.2023, ficou esgotado o poder jurisdicional deste coletivo, pelo que, e nos termos do art. 380.º, do CPP, apenas se pode esclarecer ou corrigir lapsos, não podendo aquela decisão ser substancialmente alterada.

O arguido reclama considerando, em súmula apertada, que a decisão padece de irregularidade por não ter sido precedida de decisão sumária, prolatada pelo relator, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 6, al. b), do CPP, e consequentemente houve violação do direito ao contraditório, considerando que não havia uma decisão prévia de rejeição do recurso quanto à parte penal e que não houve qualquer renúncia implícita do arguido à interposição e recurso; e requerendo no final que seja declarada a nulidade do despacho de 27.11.2022, prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Vejamos.

I – Da irregularidade processual decorrente da violação do artigo 417.º, n.º 6 do CPP

            O arguido arguiu a irregularidade processual por violação do disposto nos artigos 417.º, n.ºs 6, al. b) e 8 e 419.º, n.º 3, al. a), 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, todos do CPP, por a decisão de rejeição e não conhecimento do recurso proferida pelo STJ, em 09.06.2023, ter sido proferida em conferência, ao invés de ter sido proferida decisão singular pela Senhora Juíza Relatora.

            Cumpre apreciar e decidir,

            A rejeição integral do recurso pode ser decidida em decisão sumária pelo relator dos autos, dela cabendo reclamação para a conferência. Esta regra, estabelecida no artigo 417.º, n.º 6, al. b) do CPP, pretendeu simplificar e agilizar o processamento do recurso.

Porém, não estando nós, no presente caso, perante uma decisão de rejeição integral do recurso apresentado, não ocorre qualquer irregularidade ou nulidade dado que a decisão sumária, em caso de rejeição, apenas ocorre quando o relator conclui pela rejeição integral do recurso — tal como refere Paulo Pinto de Albuquerque “formuladas várias pretensões no recurso, podem algumas delas rejeitar-se, em conferência, prosseguido o recurso quanto às demais”[13].

Foi o que sucedeu:

no presente caso, a relatora considerou que, quanto à questão penal, não havia como decidir, dado o trânsito em julgado de decisão que havia rejeitado a interposição do recurso, pelo que não conheceu do recurso — não por rejeição do recurso por inadmissibilidade, mas por não ser competente para apreciar o despacho que decidiu da admissibilidade do recurso, não só porque daquele despacho, nos termos do disposto no artigo 405.º do CPP, caberia reclamação a decidir pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, como também por o referido despacho não ter sido reclamado nos termos previstos; assim sendo, o despacho transitou em julgado, pelo que sobre aquela decisão já não poderia haver pronúncia; ou seja, não houve uma decisão de rejeição do recurso quanto à parte penal, mas uma decisão a analisar se ainda poderia este Supremo Tribunal de Justiça decidir ou não pela rejeição, tendo concluído que já não podia ter apreciado aquela questão (de rejeição ou não do recurso), dado o trânsito em julgado daquela decisão.

Nem se diga que estaríamos perante um caso em que se impunha a decisão sumária por se tratar de questão que obstasse ao conhecimento do objeto do recurso, pois aquele despacho não impediu que se conhecesse do objeto do recurso, impediu sim, que, num momento anterior do raciocínio, se pudesse considerar se era ou não admissível o recurso  — ou seja, nesta parte nunca poderia ter havido decisão sumária.

Concluindo, entende-se que não há qualquer irregularidade pelo facto de se ter decidido em conferência, dado que a decisão deste Supremo Tribunal de Justiça não foi uma decisão integral de rejeição (entendimento este que não constitui surpresa para o recorrente, dado que no ponto 30 da reclamação agora apresentada refere expressamente que “quanto à parte criminal não se verificou uma rejeição formal do recurso, antes foi adoptado o entendimento de que o mesmo não foi, na parte penal, admitido pelo Tribunal recorrido, por decisão datada de 27.11.22 já transitado em julgado”), antes se impunha conhecer em momento prévio do raciocínio, se este Supremo Tribunal de Justiça podia ou não admitir o recurso dado o despacho existente nos autos, tendo-se concluído que não podia tomar qualquer posição quanto à rejeição ou não do recurso por ter aquele despacho transitado em julgado; não se tratando de uma decisão de rejeição, não era admissível a decisão sumária nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 6, al. b) d CPP. Ou seja, foi cumprido o expressamente referido pela lei, por isso fica prejudicado o conhecimento das inconstitucionalidades apresentadas, uma vez que não foi entendido que a não apresentação prévia de decisão sumária não constitui irregularidade quando se verifica o disposto no art. 417.º, n.º 6, al. b) do CPP, pois se entendeu que não era uma situação subsumível a este dispositivo.

Segundo a lei, apenas deveria ter havido prévia decisão sumária em caso de rejeição total do recurso, o que não sucedeu quanto à parte penal; tendo transitado em julgado a decisão sobre este ponto, já não competia a este Supremo Tribunal de Justiça sobre aquele decidir, uma vez que não só não estava em causa um recurso daquela decisão, como aquela decisão não era recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça (apenas poderia ter sido objeto de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça); e não sendo recorrível, não compete agora ao Supremo Tribunal de Justiça, ainda que por absurdo se considerasse que padecia de nulidade por falta de fundamentação, como alega o recorrente, suprir tal nulidade, ainda que se considerasse que não tinha transitado em julgado.

Por outro lado, “o não cumprimento do estatuído no artigo 417.º, n.º 6 do CPP nunca importaria numa nulidade da decisão recorrida, porquanto no nosso processo penal vigora o princípio da tipicidade em matéria de nulidades, sendo certo que nenhum preceito comina com a nulidade a rejeição de um recurso em conferência, que não (previamente) em decisão sumária” — cf. ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.12.2021, Proc. n.º 125/13.2TELSB.L1.S1- 3.ª Secção, Relator Sénio Alves.

E não se pode considerar que haja qualquer surpresa quanto a entender que aquela decisão de novembro de 2022 constituiu uma decisão de rejeição, dado que isso mesmo é referido no parecer do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça (parecer este que foi notificado ao recorrente nos termos do disposto no artigo 417, n.º 2, do CPP) e onde se refere expressamente (ponto 3, p. 2), em relação ao despacho, de 27.11.2022:  “no qual se preconiza a rejeição daquele recurso por irrecorribilidade da decisão colocada em crise” (note-se que o MP apenas se pronuncia sobre a recorribilidade da parte penal da decisão).

Mas ainda que por absurdo se entenda que não houve contraditório quanto à questão do trânsito em julgado da decisão de 27.11.2022, certo é que este contraditório é agora assegurado através da arguição apresentada contra o acórdão de 09.06.2023, e que se conhecerá infra, pelo que fica prejudicado o conhecimento de qualquer questão relativa a interpretação inconstitucional, por se entender que não deva ser dado contraditório ao recorrente, uma vez que este se encontra assegurado  pela análise que se realizará infra. E não se diga que não pode agora o Tribunal apreciar porque está esgotado o poder jurisdicional. Tal interpretação poderia no limite levar a uma invalidação da decisão por força de entendimento pelo Tribunal Constitucional ou pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no sentido de que devia ser assegurado aquele contraditório. Evitando esse efeito nefasto ao Estado de Direito, opta-se por conhecer desta questão, tendo em conta os argumentos agora apresentados pelo recorrente.

Deve ainda salientar-se que a pretendida invalidade do acórdão agora reclamado, “redundaria em evidente prática de actos inúteis, proibidos, pelo art. 130.º do CPC – O Processo reverteria à fase do exame preliminar; o Relator proferiria decisão sumária, no sentido da rejeição desses segmentos do recurso; o arguido reclamaria para a conferência que confirmaria a rejeição; isto é, a decisão atingida por essa via de rejeição, como a que foi proferida por uma formação mais colegial-com intolerável arrastamento do Processo por mais alguns meses. Em suma, a irregularidade arguida, (...) acautelou as prementes exigências de celeridade e economia processuais” (ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2017, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1 – 3:º Secção, Relator Sousa Fonte)

Em face do exposto, improcede, nesta parte, a invocada irregularidade processual decorrente da violação do artigo 417.º, n.º 6 do CPP, e demais questões a esta associadas, ficando prejudicado o conhecimento das interpretações inconstitucionais alegadas.

            II – Da irregularidade processual decorrente da violação do contraditório quanto à possibilidade de rejeição do recurso interposto pelo arguido

            O recorrente arguiu a violação do contraditório pelo facto de, simultaneamente, o Supremo Tribunal de Justiça, com o acórdão proferido em 09.06.2023, ter deixado de proferir decisão sumária, e com isto ter limitado, por via da prolação do acórdão ora reclamado, o direito ao contraditório quanto à existência de uma putativa decisão de não admissão do recurso (já transitada) quanto à parte penal e à admissibilidade do recurso da parte civil, transformando-se, a decisão reclamada numa desnecessária “decisão surpresa”, contrária a todas as exigências de um processo equitativo e justo.

Cumpre apreciar e decidir,

            No que respeita à violação do contraditório através da prolação do acórdão de 09.062023 que, por não ter sido precedido de decisão sumária limitou, segundo o recorrente, o exercício do direito ao contraditório na parte em que se decidiu que o despacho de não admissão do recurso, quanto à parte penal, havia transitado em julgado considerando o recorrente tratar-se de uma “decisão-surpresa”, remete-se para a argumentação supra expendida na análise do ponto I), a qual damos por reproduzida para todos os efeitos legais, por uma questão de economia e celeridade processual.

Quanto à rejeição do recurso na parte civil, esta decisão baseou-se na jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal de Justiça que, por força do disposto no artigo 400, n.º 3, do CPP, aplica as regras de admissibilidade do recurso na parte civil e, de forma unânime e sem decisões divergentes, aplica o disposto no artigo  671.º, n.º 3, do CPC, por via do artigo 4.º, do CPP; a aplicação das regras do processo civil decorre do disposto no artigo 400.º, n.º 3, do  CPP e apenas se aplicam as regras processuais civis quanto à admissibilidade do recurso, sendo que relativamente a tudo o resto o regime dos recursos em processo penal é autossuficiente.

Trata-se de um entendimento unânime neste Supremo Tribunal de Justiça e que não constitui de modo algum um entendimento surpresa. São várias as decisões neste sentido —cf. Acórdão do STJ, de 02-12-2021, Proc. n.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, Relator Conselheiro Lopes da Mota[14]; de 15-10-2020, Proc. n.º 382/18.8JAFAR.E1.S1 – 5.ª Secção, Relatora Conselheira Helena Moniz[15]; de 07-09-2016, Proc. n.º 256/10.0GARMR.E1.S1 - 3.ª Secção, Relator Conselheiro Pires da Graça[16]; de 30-10-2013, Proc. n.º 150/06.0TACDR.P1.S1, Relator Conselheiro Sousa Fonte[17] — e até mesmo do TC que tem considerado o entendimento como conforme à CRP — neste sentido o Acórdão do TC n.º 442/2012, de 26-09-2012[18], não julgou inconstitucional a convocação da dupla conforme como causa impeditiva do recurso da parte cível enxertada no processo penal, assinalando que “o direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) não abrange o direito a um duplo grau de recurso”.

Sabendo, pois, que não se trata de uma decisão surpresa, não se diga que não se cumpre o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no acórdão proclamado na queixa n.º 4687/11 (citado pelo recorrente) uma vez que aqui se refere expressamente que esta necessidade de contraditório decorre de se estar perante uma decisão com base em um fundamento “surpresa” — “o Tribunal recorda que o elemento determinante é a questão de saber se a Requerente foi “apanhada de surpresa” pelo facto de o tribunal ter baseado a sua decisão num fundamento relevado oficiosamente (…) Impõe-se ao tribunal uma diligência particular quando o litígio segue um caminho inesperado, tanto mais quando se trata de uma questão deixada à sua discrição. O princípio do contraditório impõe que os tribunais não fundamentem as suas decisões em elementos de facto ou de direito que não tenham sido debatidos durante o processo e que confiram ao litígio uma direção que mesmo uma parte diligente não estaria em condição de antecipar”.

Ora, no presente caso, era perfeitamente previsível antecipar o argumento apresentado dado que tem sido jurisprudência unânime e constante deste Supremo Tribunal de Justiça a rejeição do recurso quanto à parte civil quando verificados os pressupostos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

Pelo que improcede, nesta parte, a invocada irregularidade processual decorrente da violação do contraditório quanto à possibilidade de rejeição do recurso interposto pelo arguido, e demais questões a esta associadas, ficando prejudicado o conhecimento das interpretações inconstitucionais alegadas.

III – A Inexistência de qualquer decisão de não admissão do recurso na parte penal por parte extraível do despacho datado de 27-11-2022

A impossibilidade legal e constitucional de existência de decisões de não admissão de recurso penal de conteúdo meramente implícito e, simultaneamente, sem qualquer indicação da respetiva base legal

A nulidade do acórdão reclamado por violação do caso julgado formal extraível do despacho de 27-11-2022

Veio o arguido arguir que o despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 27.11.2022, não pode ser considerado como constituindo uma decisão de não admissão do recurso no que diz respeito à parte penal, não sendo indicada sequer qualquer base legal de onde se possa extrair uma tal decisão de rejeição. A manifestação do entendimento no referido despacho de que se verifica “dupla conforme” configura um entendimento de onde o tribunal recorrido não retirou, em termos decisórios, qualquer consequência jurídica manifestada numa decisão.

Cumpre apreciar e decidir,

O recorrente considera que o despacho de 27.11.2022 não tem uma decisão de rejeição do recurso interposto, não indicando qualquer base legal que permita entender que se estava perante uma rejeição. Se é certo que o despacho se mostra bastante lacunoso, a ponto de se poder considerar que existe falta de fundamentação, certo é que não cabia a este Supremo Tribunal de Justiça conhecer da validade (ou não) do despacho.

Mas deve acentuar-se que o entendimento de que o despacho contém uma decisão de rejeição do recurso não constitui qualquer entendimento surpresa.

Na verdade, como já se referiu supra, o Ministério Público aceita isso mesmo no parecer que apresentou e que foi notificado ao recorrente tendo este exercido o direito de o contraditar.

Além disto, não se pode esquecer que, no momento em que o recorrente responde, após a notificação do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, sabia já ser este o entendimento daquele despacho, dado que, nos autos, consta o despacho proclamado pelo tribunal recorrido, em 31.01.2023, e onde se refere expressamente que:

“ (…)

            Neste Tribunal já foi recebido recurso da decisão final para o STJ no que à parte cível diz respeito tendo em conta o valor e a dupla conforme quanto à parte crime a que se fez referência.

Ou seja, foi confirmada a decisão proferida em 1ª Instância no que respeita ao crime cometido, o que nos remete para a figura da dupla conforme uma vez que se manteve a decisão recorrida na totalidade- art. 400.º, n.º 3, CPP.

De acordo com o disposto no artigo 400.º, n.º 1, al f) do CPP, não é possível recurso para o STJ de acórdão da Relação, que confirme decisão da 1ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos.

Nos termos da b) do art. 432.º do CPP, admitem recurso para o STJ, as decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do art. 400.º.

            (…)

Ora no caso dos autos vem o requerente apontar ou /e nulidades apenas á condenação para além de arguir o que já arguiu neste Tribunal da Relação contra a decisão da 1 instância e contra a decisão deste Tribunal que, já se pronunciou sobre todas.

A decisão da Relação confirma nos seus exatos termos a decisão recorrida havendo dupla conforme

Toda a Jurisprudência do Colendo Tribunal se inclina para esta posição que por isso e por com ela concordarmos, foi aqui seguida.

Assim entendemos que recurso para o STJ, que não é admissível, por força da figura da dupla conforme e também não o é pela via atípica ou especial, pois não foi invocada (nem ocorre) qualquer situação em que o recurso é sempre admissível.

Assim sendo nos termos legais supra invocados rejeita-se o recurso interposto para o Colendo Tribunal conforme pretendido pelo recorrente que esqueceu certamente o recurso já interposto e o despacho sobre o mesmo já proferido.

Rejeita-se, pois, o recurso agora interposto. – art. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, CPP.”

Ou seja, o arguido/recorrente quando responde àquele parecer, e dado o que o Ministério Público expressamente referiu que o recurso havia sido rejeitado[19], poderia aí ter exercido o seu direito ao contraditório.

A não fundamentação de um despacho não impede o seu trânsito em julgado; se o recorrente entende que o despacho padece de falta de fundamentação deveria ter arguido a sua nulidade nos prazos legais e não o fez; pelo que agora há muito que o prazo para arguir a invalidade do despacho foi ultrapassado[20]; não é também passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dado que não se trata de uma decisão final (cf. art. 400.º, n.º 1, al. a) , do CPP — vide neste sentido Acórdão do STJ, de 15.03.2023, Proc. n.º 1642/19.6JAPRT.P1.S , Relatora Conselheira Ana Barata Brito[21]).

O recorrente podia ter reagido contra o despacho arguindo a sua nulidade por falta de fundamentação, o que não fez; podia ter reclamado do despacho, o que também não fez.

E nem se afirme que esta decisão constitui uma decisão surpresa; é do conhecimento do recorrente, a partir do despacho proferido pelo tribunal recorrido em 31-01-2023,  e a partir do parecer do Ministério Público (que lhe foi notificado para exercer o direito de resposta), que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa tinha sido no sentido da rejeição do recurso, tal como expressamente se refere naquele despacho; ou seja, quando responde ao parecer do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, já sabia que o Tribunal da Relação de Lisboa tinha considerado que o recurso era inadmissível, assim como já sabia que o Ministério Público tinha considerado ter havido uma rejeição do recurso. A surpresa, que afinal não foi surpresa, estaria no facto de agora o Supremo Tribunal de Justiça ter vindo considerar que haveria trânsito em julgado do despacho, sem que tivesse sido dado contraditório a este argumento; mas este contraditório poderia ter sido exercido após a notificação do parecer do Ministério Público, dado o expressamente referido no ponto 3 daquele.

Ora, o Código de Processo Penal, sendo autossuficiente, em parte alguma impõe que perante um determinado recurso o Supremo Tribunal de Justiça esteja vinculado aos argumentos apresentados quer pelo recorrente, quer pelo MP. Mas admitindo, por absurdo, que o legislador não pretendeu uma autonomia das regras processuais penais relativamente às regras processuais civis, e que se deveria ter dado a possibilidade de contraditório quanto a este argumento, em ordem a assegurar este princípio, ir-se-á responder aos argumentos agora apresentados quanto à fundamentação do acórdão reclamado na parte em que considerou transitado em julgado o despacho de não admissibilidade do recurso.

Mas, o mesmo não se pode considerar, isto é, não se pode considerar que tenha sido surpresa o entendimento de que aquele despacho integrava uma decisão de não admissibilidade do recurso, dado que isso é expressamente referido pelo Ministério Público no seu parecer, e foi dada possibilidade ao recorrente de apresentar os seus argumentos contra este entendimento, salientamos mais uma vez, para que dúvidas não restem. E por isto nem se pode compreender que agora o recorrente defenda que tinha dúvidas quanto ao sentido daquela decisão, pois se dúvidas tivesse tido, certo é que com o parecer do Ministério Público estas dúvidas dissiparam-se.

Por fim, cumpre referir que o âmbito do caso julgado abrange toda a decisão contida naquele despacho. E quanto a isto foi claro para nós, assim como para o Ministério Público, assim como para o recorrente, que a decisão não admitia os recursos interpostos — quanto à parte penal por “dupla conforme” e quanto à parte civil por entender que não tinha decidido nada sobre aquela.

Porém, bem ou mal, não cumpre aqui e agora apreciar porque ainda assim se determinou a subida ao Supremo Tribunal de Justiça. Resta apenas referir que assim se fez, porque numa primeira parte do despacho apresentado começou por mencionar que “Existe na verdade uma decisão sobre a condenação em indemnização cível pedida, sobre a qual este Tribunal não se pronunciou” — ou seja, quanto à parte civil não profere uma decisão de admissão ou não admissão do recurso, e por isso este STJ se viu na necessidade de decidir pela rejeição do recurso apresentado. Mas, porque não se pronunciou sobre a admissibilidade (ou não) do recurso quanto à parte civil, determinou-se: “Ordena-se assim, oportunamente, a subida ao Colendo Tribunal”. E de seguida profere a decisão quanto à parte penal “havendo em nosso entender Dupla Conforme quanto à matéria crime”.

Ainda que a fundamentação seja manifestamente lacunosa, sabe o recorrente que “dupla conforme” determina a inadmissibilidade do recurso quanto à parte penal.  E nesta parte transitou em julgado.

E apenas relativamente à não admissibilidade do recurso quanto à parte penal se considerou haver trânsito em julgado, pois quanto ao recurso da parte civil decidiu este Supremo Tribunal de Justiça pela sua rejeição, nos termos das disposições conjugadas dos arts 400.º, n.º 3 do CPP e 671.º, n.º 3, do CPC, por via do artigo 4.º, do CPP.

Assim sendo, o trânsito em julgado circunscreveu-se aos termos em que assim foi julgado — a não admissibilidade do recurso penal. Entende o recorrente que aquela decisão apenas constituía uma decisão implícita de rejeição. Não podemos assim entender dado que é expressa quanto à afirmação da “dupla conforme”, cujo entendimento corrente é no sentido de que o recurso não é admissível. Poder-se-ia considerar que o arguido não sendo jurista não saberia o que significa, mas por isso mesmo se impõe que o arguido em sede de recurso o apresenta através de  defensor (art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP), sem que se possa considerar que o defensor não conhece o significado das expressões correntes em matéria processual penal.

A lealdade processual impõe que o recorrente aceite que sabia perfeitamente o que significa considerar que, quanto à parte penal, existe “dupla conforme”. Invocar o princípio da confiança para afirmar que havia dúvida quanto à interpretação do despacho quando, se o arguido tinha dúvidas decorrentes nomeadamente de um despacho sem fundamentação, poderia em tempo ter arguido a sua nulidade e não o fez, constitui uma utilização abusiva daquele princípio (neste sentido vide Acórdão do STJ, de 03.03.2004, Proc. n.º 03P4421, Relator Conselheiro Henriques Gaspar[22]).

Se dúvidas tinha, porque não usou os meios que tinha à sua disposição para pedir ou um esclarecimento do despacho ou uma arguição de nulidade do despacho? Porque não reagiu no momento legal admissível querendo agora apresentar um argumento que antes poderia ter apresentado? Porque não pediu uma aclaração do despacho, pretendendo agora que não se dê relevo ao despacho porque não era claro, quando antes o poderia ter alegado e não o fez por pura estratégia processual? Se o despacho produziu efeitos sem que o recorrente pudesse ter um conhecimento preciso do que significava, deve-se apenas ao recorrente que não utilizou os meios processuais adequados para esclarecer ou corrigir o despacho.

Deve ainda referir-se que não se procedeu a qualquer “adivinhação do fundamento” (ponto 89 da reclamação agora apresentada) do despacho — apenas se esclareceu, o que o recorrente devia ter pedido em momento anterior sobre o que significa no âmbito do processo penal “dupla conforme”, assim se remetendo para o disposto no artigo 400, n.º 1, al. f), do CPP, como é entendimento comum, unânime e sedimentado na jurisprudência dos tribunais ordinários e do Tribunal Constitucional e na doutrina.

Do exposto resulta que não se considerou que a decisão de não admissão do recurso na parte penal fosse implícita, pois é bem explícita ao afirmar a dupla conforme; o que se disse é que a expressão” dupla conforme” apelava implicitamente ao disposto no artigo 400, n.º 1, al. f), do CPP.  Não houve, pois, uma interpretação inconstitucional no sentido de considerar que o despacho de não admissão do recurso poderia ser um despacho com uma decisão de não admissão implícita, pois no despacho em questão a não admissão do recurso quanto à parte penal é explícita quando se refere à “dupla conforme”. Nem se considerou que teria havido um trânsito em julgado do despacho implícito. O trânsito em julgado resulta explicitamente de o recorrente não ter arguido a sua nulidade, não ter suscitado qualquer aclaração, e não ter reclamado do despacho.

Além disto, não houve qualquer interpretação no sentido de considerar que o despacho de não admissão do recurso é admissível ainda que não fundamente legalmente a decisão, pois este STJ não apreciou a legalidade daquele despacho — não só porque não era recorrível para este Supremo Tribunal de Justiça por não se tratar de decisão final que conheça a final do objeto do processo (artigo 400, n.º 1, al. c), do CPP), como porque já tinha transitado em julgado. E por isto mesmo não se pode concluir existir omissão de pronúncia no acórdão agora reclamado, dado que, não sendo recorrível o despacho, não podia este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a nulidade (ou não) daquele.

Deve ainda salientar-se que o recurso interposto quanto à parte penal apenas é interposto ”nos termos dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1 “a contrario”, 2 e 3, 401.º, n.º 1, al. b), 403.º, n.º 3, 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º, n.º 1, 432.º, n.º 1, al. b) todos do Código de Processo Penal (adiante CPP)” (cf. peça recursória apresentada). Ou seja, em parte alguma, refere que quer apresentar o recurso com base no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), última parte, do CPC, e em parte alguma do recurso alega que tal recurso é admissível, ainda que tal regra não esteja prevista nas regras processuais penais relativas aos recursos penais, tendo em conta uma certa interpretação da admissibilidade do recurso quando esteja em causa uma violação de um princípio constitucional como o da proibição de violação do ne bis in idem.

Não se integrando tal argumentação no âmbito do recurso apresentado, e sabendo que o âmbito do recurso é delimitado pela peça recursória apresentada, não pode depois, através do exercício da faculdade consagrada no art. 417.º, n.º 2, do CPP, alargar o âmbito daquele recurso.

Pelo que improcede, nesta parte, a invocada inexistência (no despacho datado de 27.11.2022) de qualquer decisão de não admissão do recurso da parte penal, e demais questões a esta associadas, ficando prejudicado o conhecimento das interpretações inconstitucionais alegadas.

IV – Da Inexistência de renúncia tácita do direito ao recurso por parte do recorrente manifestada ou extraível da mera apresentação de requerimento de arguição de nulidades e irregularidades relativamente ao acórdão condenatório

Da impossibilidade legal e inadmissibilidade constitucional da interpretação normativa adotada

O arguido arguiu que foi entendimento do acórdão agora reclamado que o exercício por parte do arguido do direito à reclamação relativamente à decisão penal condenatória tem como efeito a admissão implícita da irrecorribilidade do acórdão, ou o efeito de prejudicar o conhecimento do recurso interposto, por ter ocorrido renúncia tácita ao exercício do direito ao recurso.

Cumpre apreciar e decidir,

O recorrente veio arguir nulidades e irregularidades do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22.06.2022, e apresentando os mesmos fundamentos (e outros) interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Como se poderia admitir agora o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando o Tribunal da Relação de Lisboa acabou por apreciar as questões colocadas em decisão posterior?

Na verdade, o recorrente, quando apresenta o recurso depois de em momento anterior ter apresentado a arguição de nulidade e irregularidades do acórdão do qual agora recorre, não pode pretender que este Supremo Tribunal sobre aquelas decida quando há uma decisão posterior ao recurso interposto ao qual caberia e coube apreciar as mesmas questões — qual seria a eficácia de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça a declarar a nulidade do acórdão de 22.06.2022 quanto a uma qualquer nulidade ou irregularidade apresentada no requerimento prévio à interposição deste recurso sabendo que posteriormente aquele Tribunal de Relação de Lisboa se pronunciou sobre aquelas mesmas questões?

A eventual conclusão, por este Supremo Tribunal, de que existiria nulidade ou irregularidade do acórdão de 22.06.2022 determinaria a simultânea revogação do acórdão de dezembro de 2022 na parte em que se tivesse pronunciado sobre as mesmas questões quando não é esse o acórdão que agora está em apreciação?

Na verdade, a estratégia processual do recorrente, “disparando” para todos os lados, e todas as direções, mostrou-se ser-lhe prejudicial. O recorrente deveria ter arguido como fez as nulidade e irregularidades que entendia padecer o acórdão de 22.06.2022, deveria ter aguardado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa decidindo o que havia alegado, e depois deveria ter recorrido de ambos os acórdãos (o de junho e o de dezembro de 2022) para este Supremo Tribunal de Justiça; na verdade, tendo arguido as nulidade e irregularidades do acórdão de 22.06.2022, automaticamente estava a impedir o trânsito em julgado daquele acórdão, pelo que após o acórdão de dezembro de 2022 deveria ter recorrido de ambos. Ou seja, qualquer apreciação agora do acórdão de 22.06.2022 mostra-se prejudicada por eventual recurso que venha a ser interposto conjuntamente de ambos os acórdãos. Mas isto terá necessariamente que ficar para apreciação do segundo recurso interposto que não é o que agora está sob análise, pelo que nada podemos analisar.

Entende o recorrente que, ao ter apresentado o requerimento alegando nulidade e irregularidades do acórdão recorrido, não renunciou implicitamente ao recurso interposto.

Deve desde já salientar-se que, no acórdão reclamado, não se considerou que o arguido tivesse implicitamente renunciado à interposição do recurso. O que se disse foi que “admitiu implicitamente a irrecorribilidade do acórdão”, o que não significa que tenha renunciado ao recurso. É claro dos autos que não renunciou, pois o recurso foi apresentado e sobre ele estamos a decidir. Se tivesse renunciado ao recurso não se teria prolatado qualquer decisão.

O que se quis dizer, quando se afirmou que o arguido admitiu implicitamente que o acórdão não era recorrível, foi acentuar que sabemos ser do conhecimento do recorrente que, nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, as nulidades do acórdão devem ser arguidas em recurso (só assim não sendo quando não é admissível o recurso — neste sentido Acórdão do STJ, de 17.05.2023, Proc. n.º 333/14.9TELSB.L1.S1, Relator Conselheiro Pedro Branquinho Dias[23]).

Sabendo desta regra, como o recorrente sabia, apenas se compreende que tenha arguido em separado por considerar que o recurso não seria admissível. Por isso se entendeu que, no momento em que veio apresentar a alegação de nulidade e irregularidades para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentou-as ao abrigo do disposto no art. 379.º, n.º 2, a contrario, do CPP.

Aliás, só assim se compreende que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha prolatado acórdão a responder a tais arguições. Pois, se o recurso fosse admissível quem se tinha de pronunciar sobre aquelas seria o Tribunal de recurso. Estranhamente, o recorrente nunca alegou a incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa para delas conhecer. Se entendesse, como pretende agora fazer crer, que o recurso seria admissível, porque interpôs aquelas alegações para o Tribunal da Relação, e porque não suscitou a incompetência do Tribunal da Relação para delas conhecer?

Porém, após a interposição para o Tribunal da Relação de Lisboa da peça alegando nulidade e irregularidades processuais veio apresentar o recurso em análise. Dir-se-á que o fez apenas à cautela, caso o Tribunal da relação viesse considerar que o recurso seria admissível e dissesse que não conheceria daquelas invalidades processuais. E por isto se considerou que o recorrente concordou com o entendimento de que apenas arguiu as invalidades processuais para o tribunal a quo quando o recurso não é admissível. Mas nunca se poderia sequer ter concluído, como não se concluiu, que renunciou ao recurso, pois não só este se encontrava nos autos, como se analisou a peça e se decidiu; se tivéssemos considerado que teria renunciado ao recurso não se tinha sequer decidido como se decidiu.

Nesta senda, não foi, pois, realizada qualquer interpretação no sentido de sufragar que a alegação de invalidades processuais do acórdão recorrido em momento anterior à apresentação de recurso do mesmo acórdão constitui uma renúncia implícita à interposição de recurso; apenas se expôs que, implicitamente, o recorrente considerou que o recurso não era admissível, mas apesar de tudo dele não renunciou tendo apresentado o recurso que foi apreciado por este Supremo Tribunal de Justiça.

Certo é que, tendo apresentado aquelas invalidades processuais e tendo delas decidido o Tribunal da relação apenas poderia recorrer do acórdão de 22.06.2022 juntamente com o recurso a interpor do segundo acórdão, uma vez que não é admissível recurso de uma decisão que ainda pode ser alterada pelo tribunal que a proferiu. Aceitando, como pretende o recorrente, que não houve uma renúncia implícita ao recurso do acórdão de junho de 2022, deve então considerar-se que o recurso da decisão apenas pode ocorrer quando o tribunal recorrido já não pode em mais nenhum momento alterar o decidido; ora, no caso, por força das invalidades processuais alegadas, o Tribunal da Relação ainda poderia modificar aquele acórdão, pelo que o recurso interposto da decisão de 22.06.2022 antes da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre as invalidadas processuais mostra-se interposto em momento anterior ao que é admissível.

Pelo que improcede, nesta parte, a invocada interpretação no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 09.06.2023, de renúncia tácita ao exercício do direito ao recurso, e demais questões a esta associadas, ficando prejudicado o conhecimento das interpretações inconstitucionais alegadas.

V- Da nulidade por omissão de pronúncia decorrente de o tribunal, face ao teor do despacho de 27-11-2023, ter deixado de declarar a nulidade do mesmo por falta de decisão/dispositivo e falta de fundamentação, em manifesta violação do disposto no artigo 97.º, n.ºs 1, al. b) e 5, do CPP, e do artigo 205.º, n.º 1 da CRP

Veio o arguido arguir que o Supremo Tribunal de Justiça deveria oficiosamente ter declarado a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27.11.2023, por o mesmo não conter qualquer menção ou parte dispositiva quanto à decisão de não admissão e, ainda, por não a fundamentar de direito, incorrendo em omissão de pronúncia, requerendo a nulidade do despacho, datado de 27.11.2022, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal a quo para proceder à sua reparação.

Cumpre apreciar e decidir,

Tal como já supra mencionado no ponto III), a não fundamentação de um despacho não impede o seu trânsito em julgado; se o recorrente entende que o despacho padece de falta de fundamentação deveria ter arguido a sua nulidade nos prazos legais e não o fez; pelo que agora há muito que o prazo para arguir a invalidade do despacho foi ultrapassado[24]; não é também passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça dado que não se trata de uma decisão final (cf. art. 400.º, n.º 1, al. a), do CPP; cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-03-2023, Proc. n.º 1642/19.6JAPRT.P1.S , Relatora Conselheira Ana Barata Brito[25]).

O recorrente podia ter reagido contra o despacho arguindo a sua nulidade por falta de fundamentação, o que não fez; podia ter reclamado do despacho o que também não fez.

Pelo que o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou, oficiosamente, sobre a alegada falta de fundamentação, porque não só não era esse o despacho que estavam em recurso, como desse despacho não era admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que estava impedido de conhecer qualquer invalidade de que o mesmo padecesse.

Pelo que improcede, também nesta parte, a invocada nulidade por omissão de pronúncia do acórdão reclamado.

Por tudo o exposto, indefere-se a reclamação requerida.

III

Conclusão

Nos termos expostos acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação apresentada, confirmando o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de junho de 2023.

Custas pelo reclamante, com 3 UC de taxa de justiça, de harmonia com o disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 2 do CPP e no RCJ (tabela III).

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de junho de 2023

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Leonor Furtado

Agostinho Torres

______________________________________________

[1] Código de Processo Penal Comentado”, Edições Almedina, Coimbra, 3ª edição revista, página 1333.

[2] V.d. o douto Parecer do MP junto do STJ onde o Exm.º Senhor Procurador Geral Adjunto se limita a referir que o Tribunal “a quo” no despacho de 27.11.22 “preconiza” a decisão de rejeição, ou seja, “sugere”, “indica”, “alvitra”, “recomenda” ou “aconselha” a decisão de rejeição, mas não a decide, realidade que jamais invoca: “3. Certo é que, inconformado com o acórdão condenatório proferido nos autos pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa, vem o arguido / recorrente dele interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pelos fundamentos de facto e de direito insertos na sua motivação de recurso reproduzida sob referência Citius n.º ...34, em resultado do qual incidiu o despacho proferido pela Mmª Juíza Desembargadora relatora, datado de 27.11.2022 (sob referência Citius n.º ...03), no qual se preconiza a rejeição daquele recurso, por irrecorribilidade da decisão colocada em crise.

4. Em confluência com o que se mostra preconizado no douto Despacho de 27.11.2022, sob referência Citius n.º ...03, e nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas pelos Tribunais de Relação proferidas em recurso que não sejam irrecorríveis nos termos do artigo 400º do mesmo diploma legal.”

[3] Disponível em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6577425a12338875802580cf005b3190?Op enDocument

[4] Sumariado e disponível no site

https://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/1479136131_4687queixa.pdf

[5] Nesse sentido, veja-se o Ac. do STJ, datado de 22.05.2003, onde (mal e fazendo o Estado Português incorrer na violação do artigo 6.º da CEDH) se decidiu:

“(…) a lei processual não estabelece a subordinação do despacho do relator resultante do exame preliminar ao princípio do contraditório.

Pelo contrário, se o relator entender que é de rejeitar o recurso, elabora projecto de acórdão o processo vai a visto dos juízes adjuntos, acompanhado daquele projecto, e depois à conferência para ser julgado o recurso, que será rejeitado se se verificar algum dos casos referidos no n. 1 do artº 420º do C.P.P.. Tratando-se do procedimento determinado pelos arts. 417º, nos. 3, al. c) e 4, al. b), 418º, nº1 e 419º, nº4, al. a), do mesmo código, dos quais não consta a imposição da notificação aos sujeitos processuais - nomeadamente, o recorrente e o recorrido - do despacho do relator resultante do exame preliminar do processo, mesmo no caso de aí se entender que é de rejeitar o recurso.

Daqui só há que concluir que estamos perante uma das excepções consagradas na lei ao direito de que o arguido goza de ser ouvido pelo tribunal quando este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, conforme prevê o artº 61º, nº1, al. b), do C.P.P..

De resto, quando a lei processual entender, num caso ou noutro, impor o respeito pelo princípio do contraditório, fê-lo expressamente - v. nomeadamente, os nos. 2 e 5 do artº 417º do C.P.P. (vista inicial, em que o Ministério Público não se limita a apor o seu visto e requerimento de alegações escritas apresentado por algum dos recorrentes) - mas, como vimos, tal imposição não foi estabelecida em relação ao despacho do relator resultante do exame preliminar do processo, ainda que o mesmo se oriente no sentido da rejeição do recurso.

Claramente no sentido do que acaba de ser exposto, vejam-se os acórdãos deste Supremo tribunal de Justiça, de 8-7-1993 (procº nº 44350), citado por Simas Santos e Leal Henriques, in "Código de Processo Penal Anotado" II (2º ed.) 849, de 23-09-1999 (procº nº 1303/98 - 3ª Secção) de 14-03-2003 (proc. nº 4216/01 - 5ª Secção) estes dois citados por Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal", 13ª ed., 833 e 834 de 20-03-2003 (processos nos. 154/03 e 172/03 - 5ª Secção) - os três últimos com o mesmo relator do presente processo. A este respeito, cabe ainda dizer que nem Maia Gonçalves nem Simas Santos/Leal Henriques se referem à necessidade de dar cumprimento ao princípio do contraditório no que concerne às questões suscitadas pelo relator no exame preliminar do processo - v. quanto ao primeiro autor, obra citada, 832 e 833, e, quanto aos outros dois autores, obra referida, 842 e segs.”

Chegados a este ponto, há que concluir que, tendo havido pronúncia expressa do Ministério Público - na vista inicial do processo - e do relator - no despacho resultante do exame preliminar do processo - no sentido da rejeição do recurso, só há que atender ao despacho do relator, que, obviamente, prevalece sobre o parecer do Ministério Público, particularmente num caso, como o presente, em que aquele despacho foi mais amplo -como se vê do próprio acórdão - que o referido parecer na medida em que a rejeição do recurso de fundou só na al. f) do nº1 do artº 400º do C.P.P., como propôs o Ministério Público, mas também na al. e) do n.1 do mesmo art.

Num caso como o presente, tudo se passa como se o Ministério Público nada tivesse dito sobre a rejeição do recurso.

Efectivamente, não se entenderia que, prevalecendo sempre o despacho do relator sobre as promoções ou parecer do Ministério público, aquele pudesse levar o processo à conferência se entendesse que o recurso deveria ser rejeitado, mas já não o pudesse fazer com o mesmo entendimento, porventura até divergente do parecer do Ministério Público, se este se tivesse igualmente pronunciado por tal rejeição. Não houve, pois, "in casu", violação do principio do contraditório. Por conseguinte não se verifica qualquer nulidade ou irregularidade processual do acórdão ora impugnado.”



[6] Nesse sentido, v.d. Ac. TC n.º 298/2021, onde se pode ler: “Apesar de o princípio ne bis in idem constituir o «substrato dinamizador» tanto da exceção de litispendência como da exceção de caso julgado (Agostinho S. Torres, “O princípio ne bis in idem funcionalidade e valoração na evolução para a transnacionalidade e a sua expressividade na jurisprudência internacional, em especial na do TJ da União Europeia”, Revista Julgar, n.º 14, 2011, Coimbra, Coimbra Editora, p. 84), estas não se relacionam com aquele em termos integralmente equiparáveis.”

[7] Nesse sentido, entre muitos outros, v.d. o Ac. STJ, datado de 24-09-2015:

“Uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido, assim violando o caso julgado formal (art.º 620.º, n.º 1, 625.º e 628.º do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP) e não podendo, por isso, esse acórdão subsistir.” Disponível em: https://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/1475854925_Ac._STJ_de_24-09-2015.pdf

[8] “ARTIGO 13°

Direito a um recurso efectivo

Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuem no exercício das suas funções oficiais.”

[9] https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=17239&codarea=2

[10] No mesmo sentido, v.d. Ac. do STJ datado de 8.11.1989, onde se pode ler que:

“O acesso aos recursos deve ser favorecido e não limitado "favorabilia amplianda, odiosa restringenda".”, disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/61B3C65FE3754778802568FC003945E9

[11] Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/7fed1f5a0b51e03e80257e3000300528

[12] Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b9cb377764626d6d8025880d005f3b6a
[13] Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: UCE, 4.º ed., 2011, art. 417.º/ nm. 11, p. 1156.
[14] “VIII - Por força da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, modificando o n.º 3 ao art. 400.º do CPP, a recorribilidade da decisão relativa ao pedido de indemnização enxertado em processo penal deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da decisão quanto à parte criminal do acórdão recorrido, passando o acesso ao STJ a dever obediência também ao regime do recurso de revista previsto no CPC, por aplicação subsidiária.
IX - Concluindo-se que, sem fundamentação essencialmente diversa e sem voto de vencido, o tribunal da Relação confirmou a condenação da 1.ª instância, verificando-se uma situação de «dupla conforme», nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, que obsta à admissão, é rejeitado o recurso nesta parte (420.º, n.º 1, al. b), do CPP).” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fbe24029de76b8a0802587a1005b9814?OpenDocument&Highlight=0,dupla,conforme,recurso,civil,enxertado,penal
[15]Quanto ao pedido de indemnização civil, o acórdão do Tribunal da Relação só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos de revista excecional previstos pelo art. 672.º do CPC, quando, em casos de dupla conforme, não exista unanimidade por parte dos Senhores Juízes Desembargadores e a decisão recorrida apresente uma fundamentação essencialmente divergente da sufragada pela decisão (sentença ou acórdão) do tribunal de 1.ª instância.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3afa5345294bcb9b8025863400695e0b?OpenDocument
[16] “II - O legislador ao aditar a norma do n.º 3 do art. 400.º do CPP, no sentido de que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, não exclui os pressupostos processuais de admissibilidade do recurso relativa à indemnização civil, que vêm condicionados por regras processuais de natureza cível, como é o caso do n.º 2 do art. 400.º do CPP, que faz depender essa admissibilidade de recurso, da interligação entre o valor da alçada e o valor da sucumbência.
III - A dupla conforme do regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP, como que o reverso em termos cíveis, da al. f) do n.º 1 deste artigo em termos penais.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/63fe68851bdcbf35802580f00050cfe6?OpenDocument
[17] “VII - Acresce que o n.º 3 do art. 400.º do CPP, com a Reforma de 2007, veio estabelecer, contrariando o AFJ 1/2002, que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
VIII - Como se pretendeu alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, deve ter-se em conta, por força do art. 4.º do CPC, as normas do CPC que regem a sua admissibilidade, particularmente o n.º 3 do art. 721.º, que estabelece que não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que com diferente fundamento, a decisão da 1.ª instância.
IX - Como o Tribunal da Relação confirmou integralmente, por unanimidade, a decisão da 1.ª instância, não é admissível recurso do acórdão impugnado quanto à questão cível.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/127f1897870b9adb80257c2b003eeced?OpenDocument
[18] Processo n.º 618/11 - 3.ª Secção, Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120442.html

[19] Por comodidade transcreve-se, novamente, o referido no ponto 3 do parecer do Ministério Público:
Certo é que, inconformado com o acórdão condenatório proferido nos autos pelo V. Tribunal da Relação de Lisboa, vem o arguido / recorrente dele interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, pelos fundamentos de facto e de direito insertos na sua motivação de recurso reproduzida sob referência Citius n.º ...34, em resultado do qual incidiu o despacho proferido pela Mmª Juíza Desembargadora relatora, datado de 27.11.2022 (sob referência Citius n.º ...03), no qual se preconiza a rejeição daquele recurso, por irrecorribilidade da decisão colocada em crise. (sublinhado nosso)
[20] Neste sentido, cf.  Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13.06.2016, Proc. n.º 459/13.6GAAMR.G1, Relator Alcina Ribeiro, in https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/504141/
“I - Existem, assim, duas formas processuais que visam a reapreciação/reparação da sentença impugnada: o recurso e a reclamação (cf. artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal).
III - A fase de recurso, cuja tramitação está prevista nos artigos 399º e seguintes do Código de Processo Penal, inclui, no artigo 405º, um procedimento, designado por «reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso».

III - A reclamação contra o despacho que não admitir o recurso ou que o retiver constitui parte integrante da fase de recurso (artigo 628º, primeira parte, do CPC), não se confundindo, nem quanto âmbito, nem quanto à natureza ou finalidade, com a fase da reclamação a que alude o artigo 628º, do CPC, in fine.”
[21]“ I -    A reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige é o meio processual próprio de reacção ao despacho que não admite o recurso (art. 405.º, n.º 1, do CPP), não cabendo reclamação para a conferência de um despacho de não admissão de recurso, pois não se trata de nenhuma das situações previstas nos n.os 6 e 7 do art. 417.º do CPP.
II -   Mostrando-se o despacho de não admissão do recurso de acórdão da Relação acertadamente proferido, e inexistindo reacção processual adequada à impugnação dessa decisão de não admissão, na lógica da lei e na harmonia da sua aplicação na concreta coerência de todos actos processuais praticados, nada permite abrir novas frentes de recorribilidade, designadamente pela via encetada pelo recorrente
III - Não sendo o acórdão da Relação que decidiu o recurso impugnável por via de (novo) recurso, carece totalmente de sentido a via de impugnação ora encetada, de recurso, não já do acórdão, mas do despacho posterior do senhor Desembargador relator que não admitiu a reclamação para a conferência do despacho que não admitira o recurso.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ffc7a7cd04e048b68025897400342478?OpenDocument&Highlight=0,recurso,STJ,despacho,expediente
[22] “1º - O despacho que no processo e na interpretação que faz das disposições pertinentes, fixou os termos em que deve ser contado o prazo para a apresentação da motivação do recurso, fez o interessado adquirir o direito a apresentar a sua motivação nos termos estabelecidos.
2º - O processo justo, a boa-fé, a confiança e a lealdade processual impõem que os interessados devem poder confiar nas condições de exercício de um direito processual estabelecido em despacho do juiz, sem que possa haver posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que confiaram no rigor e na regularidade legal do acto do juiz.
3º - Deste modo, decidida no tribunal a quo que a motivação poderia ser apresentada em determinado, prazo, não pode o tribunal superior, invocando o artº 414º, nº 3, do CPP, rejeitar o recurso por extemporaneidade, fundamentada em interpretação diversa do decidido no tribunal recorrido.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f698323356c1037280256f69006a21a4?OpenDocument

[23] “O acórdão do Tribunal da Relação que indeferiu nulidades ao arguido é uma decisão que não conhece do objeto do processo, tratando-se de uma decisão incidental, sem autonomia, do acórdão proferido pelo mesmo tribunal que confirmou integralmente o acórdão do tribunal coletivo da primeira instância, que o havia condenado na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.
II. Havendo, assim, dupla conformidade, não é admissível recurso para STJ do acórdão do Tribunal da Relação que indeferiu as nulidades do arguido, sob pena de estarmos ilegitimamente a contornar a lei processual sobre a (in) admissibilidade de recursos penais para o STJ.” - in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a38f50ffc5718c32802589b2005907b4?OpenDocument&Highlight=0,argui%C3%A7%C3%A3o,nulidades

[24] Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13-06-2016, Proc. n.º 459/13.6GAAMR.G1, Relator Alcina Ribeiro, in https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/504141/
“I - Existem, assim, duas formas processuais que visam a reapreciação/reparação da sentença impugnada: o recurso e a reclamação (cf. artigo 628º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4º, do Código de Processo Penal).
III - A fase de recurso, cuja tramitação está prevista nos artigos 399º e seguintes do Código de Processo Penal, inclui, no artigo 405º, um procedimento, designado por «reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso».
III - A reclamação contra o despacho que não admitir o recurso ou que o retiver constitui parte integrante da fase de recurso (artigo 628º, primeira parte, do CPC), não se confundindo, nem quanto âmbito, nem quanto à natureza ou finalidade, com a fase da reclamação a que alude o artigo 628º, do CPC,
in fine.”
[25]“ I -    A reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige é o meio processual próprio de reacção ao despacho que não admite o recurso (art. 405.º, n.º 1, do CPP), não cabendo reclamação para a conferência de um despacho de não admissão de recurso, pois não se trata de nenhuma das situações previstas nos n.os 6 e 7 do art. 417.º do CPP.
II -   Mostrando-se o despacho de não admissão do recurso de acórdão da Relação acertadamente proferido, e inexistindo reacção processual adequada à impugnação dessa decisão de não admissão, na lógica da lei e na harmonia da sua aplicação na concreta coerência de todos actos processuais praticados, nada permite abrir novas frentes de recorribilidade, designadamente pela via encetada pelo recorrente
III - Não sendo o acórdão da Relação que decidiu o recurso impugnável por via de (novo) recurso, carece totalmente de sentido a via de impugnação ora encetada, de recurso, não já do acórdão, mas do despacho posterior do senhor Desembargador relator que não admitiu a reclamação para a conferência do despacho que não admitira o recurso.” – in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ffc7a7cd04e048b68025897400342478?OpenDocument&Highlight=0,recurso,STJ,despacho,expediente