Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1443/21.1T8AMT-B.P1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Apenso:
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Sejam quais forem os argumentos aduzidos pelo recorrente no recurso de revista, sejam eles de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidade alegadamente cometidas, ou de inconstitucionalidades, é vedada a admissibilidade daquele das decisões proferidas nos procedimentos cautelares nos termos do art. 370º nº 2 do CPC, segundo o qual “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, nos termos do art. 629º nº 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:
RECLAMAÇÃO (art. 643º do CPC) 1443/21.1T8AMT-B.P1.S1 – Conferência



AA e BB propuseram em 8/10/2021,

contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Terras do Sousa, Ave, Basto e Tâmega,

procedimento cautelar comum, pedindo:

a) se determine a anulação do processo eleitoral em curso na requerida,

b) se determine o início de um novo processo eleitoral, disponibilizando-se aos requerentes a informação relativa aos associados inscritos e no pleno gozo dos seus direitos: nome, morada, número de associado e contactos telefónicos e correio eletrónico,

c) se determine que o início de um novo processo eleitoral só se abra com a listagem dos associados no gozo pleno dos seus direitos atualizada.

Alegam, em suma, ser associados da requerida [uma cooperativa de crédito, de responsabilidade limitada, que tem funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos da atividade bancária nos termos da legislação aplicável (Regime Jurídico

do Crédito Agrícola Mútuo, Decreto Lei 24/91, de 11 de Janeiro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 16 de Junho) e ainda o exercício de Agente da Caixa Central] e que, na sequência do anúncio do início do processo eleitoral desta, divulgado em 02/08/2021, com prazo para apresentação de listas concorrentes às eleições dos órgãos sociais, não só lhes foi obstaculizado o acesso às listas de associados, como, quando facultadas, se verificou que continham diversas irregularidades não supridas até à data, o que os impediu de apresentar lista, ficando sem a possibilidade de se candidatar, o que constitui situação de grave e difícil reparação do seu direito estatutário.

Além de proporem outras provas, logo requereram fosse a requerida ‘notificada para juntar aos autos a listagem que diz atualizada dos associados no pleno gozo dos seus direitos.’

Deduzida oposição pela requerida, e prosseguindo os autos a sua tramitação com a designação de data para julgamento, os requerentes (em 21/09/2022 – estando a diligência agenda para 26/09/2022), alegando que tal se mostrava ‘absolutamente essencial para a produção da prova em julgamento’, solicitaram fosse a requerida notificada para juntar aos autos a listagem que diz actualizada dos seus associados, no pleno gozo dos seus direitos (como já oportunamente fora requerido).

Deferido o assim requerido (concedendo-se dois dias para tal), apresentou-se a requerida a alegar (em súmula) e solicitar:

- não pretenderem os requerentes uma decisão célere e urgente e, sobretudo, decisão que acautele provisoriamente os direitos que reclamam, antes pretendendo manter ‘artificialmente uma questão’, um ‘processo que os possa «manter vivos», ainda que isso custe danos irreparáveis na imagem e reputação da Caixa, enquanto instituição de crédito’,

- face à posição vertida pela requerida na oposição relativamente à ‘concreta questão da lista e da sua publicidade’, é ‘pérfido’ que os requerentes ‘venham insidiosamente, quase um ano depois de intentarem a providência, após algumas datas marcadas e desmarcadas’ para a produção de prova, insistir pela ‘junção aos autos da listagem que diz a requerida actualizada dos Associados no pleno gozo dos seus direitos…’, não concretizando, espácio-temporalmente, a que listagem se referem quando assinalam a ‘listagem que diz a requerida actualizada…’, além de que, em ‘vésperas de audiência, impossível obter, em tempo útil, o que quer que seja nesse domínio’, pois se trata de algo que não está na disponibilidade imediata da requerida, o que evidencia que a postura dos requerentes ‘visa clara e manifestamente «empurrar» e emperrar uma decisão que só em teoria reclamam de célere’,

- sem prejuízo do alegado na oposição e ‘depois da concretização do acto eleitoral há cerca de nove meses’, não se antevê o que os requerentes pretendem acautelar nem se vislumbram existir os ‘pressupostos que a lei faz depender para manter esta providência cautelar’, nomeadamente o periculum in mora, sendo que o tribunal, ‘perante esta postura, em que os requerentes se colocam numa posição em que eles próprios consideram afastada qualquer urgência numa decisão neste processo, só pode concluir, no mínimo, pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.’

- saberem os requerentes, por outro lado, que os elementos cuja junção aos autos pretendem contendem com o dever de sigilo e a obrigação de protecção de dados pessoais dos clientes, pois uma lista de associados/clientes da requerida, seja ela qual for, contém, naturalmente, ‘matéria confidencial e sujeita a sigilo, nomeadamente informações concretas sobre o nome, morada, número fiscal e outros elementos pessoais que importa salvaguardar, nos estrito cumprimento dos Estatutos, dos Regulamentos e da Lei’, não estando a revelação ode tais factos na disponibilidade do Conselho de Administração da requerida (art. 78º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL 298/92, de 31/12)’,

- em face do exposto e das razões aduzidas, requer:

a) seja declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, em face dos elementos dos autos e da postura dos requerentes, que claramente se colocam numa posição em que eles próprios consideram afastada qualquer urgência numa decisão neste processo,

b) se assim não for entendido, se notifiquem os requerentes para concretizarem, no espaço e no tempo, a que listagem se referem quando assinalam a ‘listagem que diz a requerida actualizada…

c) ponderando a invocação do dever sigilo (e mesmo a protecção de dados, de acordo com a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto) à luz da legislação que rege a actividade bancária, seja indeferido o requerido pelos requerentes (e, caso assim não seja entendido, requer a intervenção do tribunal superior para que aprecie se se justifica o pedido de quebra do sigilo, nos termos do nº 4 do art. 417º do CPC).

Conhecendo e apreciando do assim requerido, foi proferido despacho considerando ser de indeferir ‘a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide’ e bem assim, ‘por não se tratar de informação a coberto de segredo bancário’, de indeferir o demais requerido, determinando, em consequência, a notificação da requerida para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos listagem actualizada dos associados em pleno gozo de direitos à data da propositura dos presentes autos.

APELAÇÃO

Inconformada com tal despacho e pretendendo a sua revogação, a requerida Caixa de Crédito Agrícola interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, vindo a ser proferido Acórdão que julgou improcedente a apelação e confirmou o despacho recorrido.

Desta decisão veio a requerida suscitar nulidades, que por Acórdão de foram julgadas improcedentes, mantendo-se a decisão proferida.

Novamente inconformada, veio a requerida interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, sem especificar qual o acórdão censurado, concluindo assim as suas alegações:

1. A recorrente invocou escusa legitima logo no articulado de Oposição e depois em requerimentos diversos, pelo que perante tal escusa (legitima, porque está coberta pela Lei e pelos Estatutos), a quebra do dever de sigilo não caberia ser apreciada pelo Tribunal de Primeira Instância, mas sim com só com a intervenção do Tribunal Superior a ordenar a quebra do sigilo, como determina o nº 4 do artº 417º do CPC: “[D]eduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”

2 - Haverá, assim, que conjugar as disposições do art. 79º do RGICSF com as do art. 135º, nº 2 e 3 e ss. do Código Processo Penal, nas situações não expressamente previstas, na medida em que é o disposto na lei de processo penal que rege para aferir a verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa.

3 - Limitando-se o Acórdão a julgar improcedente a Apelação, sem mais, impõe-se seja ordenada a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância para cumprir a lei, pois desconsiderou o que a lei não permite, que a recusa é legitima (artºs nº 2 do artº 78º do RGICSF), para ouvir as parte sobre esta concreta questão e proceder às averiguações necessárias, nomeadamente junto do Banco de Portugal e depois, se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, suscitar o incidente de escusa, nos termos determinados pela parte final do nº 3 do citado artº 135º do Código de Processo Penal, uma vez que tal desiderato só pode ser suscitado pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4 - Não estamos perante uma recusa do dever de colaboração - até porque se desconhece qual o interesse processual, material ou substancial e, sobretudo, para a boa decisão na mera junção aos autos da tal listagem, assunto que cabe aos requerentes (e não à apelante) justificar e jamais o fizeram, pelo menos de molde a ser passível de contraditório e de apreciação pelo Tribunal.

5 - Pelo que ocorre aqui violação ou errada aplicação da lei de processo.

6 - Embora haja clientes que não são associados da Caixa apelante (por opção), não há dúvidas que todos os associados da Caixa são seus clientes (por opção), ou seja, os “associados no pleno gozo dos seus direitos” que constam da lista, são todos clientes da Caixa, instituição de crédito.

7 - Divulgar a lista – e é disso que estamos a falar, pois colocá-la no processo é torná-la pública, ao dispor de quem quer que seja, torná-la passível de ser impressa e esquecida numa mesa de café ou num banco de jardim – é divulgar pelo menos o nome de um cliente de uma instituição de crédito.

8 - O que a lei não permite e, portanto, não há dúvidas que a recusa é legitima (artºs nº 2 do artº 78º do RGICSF).

9 - Em tais casos, se dúvidas houvesse, manda a lei que “(…) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento” (sublinhado nosso).

10 - Ora, como decorre dos autos, o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da Relação, não procederam a qualquer averiguação. Aliás, actuaram e raciocinaram numa lógica eleitoral, como se para as eleições para o parlamento ou para as autarquias locais, por exemplo, também é comum e possível solicitar à CNE ao às Câmara Municipais os cadernos eleitorais, para um qualquer cidadão promover a formação de uma lista e passeá-los (os cadernos) debaixo do braço…

11 - Pelo que ocorre aqui uma clara violação da lei ou erro na interpretação e erro de aplicação da lei.

12 - Do mesmo modo, há uma clara e manifesta afronta à chamada Lei de Protecção de Dados pessoais.

13 - Como se disse, a apelante está obrigada ao cumprimento da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto), ou seja, à protecção de dados pessoais dos seus associados e clientes que naturalmente a lista integra.

14 - O Tribunal da Relação, para afastar essa obrigação, sustenta um entendimento cuja bondade nem encontra eco na realidade dos factos, nem na lei, nem nos Estatutos e regulamentos da Caixa.

15 - Divulgar uma lista e colocá-la no processo é torná-la pública, ao dispor de quem quer que seja, torná-la passível de ser impressa e esquecida numa mesa de café ou num banco de jardim, é divulgar pelo menos o nome de um cliente de uma instituição de crédito.

16 - No caso não podemos actuar e raciocinar numa lógica eleitoral, mas sim no âmbito do princípio da confiança, ínsito em qualquer relação banco/associado/cliente, como é o caso.

17 - Admitir a circulação de uma lista ou a partilha de dados de pessoas singulares, na definição dos artigos 2º, nº 1 e 4º, nº 2 do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, é precisamente violar aqueles preceitos.

18 - Quem adere à condição de associado (e, logo, de cliente da Caixa) fá-lo naturalmente de acordo com os Estatutos e os Regulamentos da Caixa, mormente ciente do disposto nos artigos 19º, nº3 (Estatutos) e da alínea e) do nº 3 do artº 2. Regulamento Eleitoral, aprovados, como é sabido e está documentado nos autos, em Assembleia Geral, pois foi assim que os associados votaram e deliberaram.

19 É a estas regras que os associados/clientes se submetem e livremente aceitam a não a outras que agora o “chico-espertismo” dos requerentes pretende adulterar, a pretexto de um procedimento eleitoral, cujos regulamentos contêm normas especificas para assegurar os direitos dos associados nesse campo.

20 O Acórdão da Relação viola, por isso, os artigos 2º, nº 1 e 4º, nº 2 do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/04/2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados).

21 - Estamos, assim, igualmente perante uma clara violação de lei substantiva, na medida em que se afrontam normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.

22 - No mais, entendimento diferente sempre brigaria com o direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada e familiar dos associados/clientes e por vezes de terceiros, tutelado como direito fundamental no art.º 26º, nºs 1 e 2 da CRP, bem como com o direito ao desenvolvimento da personalidade dos associados/clientes (artº 26º, nº 1 da CRP) e, subsidiariamente, com o direito geral de personalidade, previsto no art.º 70º, nº 1, CCiv e havido pelo menos como direito fundamental de natureza análoga (arts. 16º e 17º da mesma Constituição).

23 - E, por isso, tal entendimento, plasmado no Acórdão da Relação, sempre seria inconstitucional, à luz das normas acima referidas, devendo como tal ser declarado.

DESPACHO QUE NÃO ADMITIU A REVISTA

Foi proferido despacho pelo Senhor Desembargador relator, que não admitiu a revista, com o seguinte teor:

“Julgado improcedente o recurso que interpôs do despacho interlocutório proferido no âmbito de procedimento cautelar que considerara ser de indeferir ‘a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide’ e bem assim, ‘por não se tratar de informação a coberto de segredo bancário’, determinara a sua notificação para juntar aos autos listagem actualizada dos associados em pleno gozo de direitos à data da propositura dos presentes autos, apresentou-se a apelante a requerer fosse o acórdão proferido declarado nulo, ‘por violação da lei ou erro na interpretação e de aplicação da lei’ e, sem prescindir, seja o mesmo reformado, ‘igualmente por violação, erro na interpretação e erro na aplicação da lei’.

Proferido, em 2/05/2023, acórdão a considerar não se verificar invocada nulidade do acórdão proferido em 28/02/2023 que julgara improcedente a apelação nem se verificarem motivos que justifiquem a sua reforma, apresenta-se a apelante a interpor recurso de revista (sem especificar qual o acórdão censurado).

Manifesta a inadmissibilidade da revista (qualquer que seja o objecto dela – o acórdão de 28/02/2023 ou o acórdão de 2/05/2023).

Desde logo, quanto ao acórdão de 2/05/2023 que conheceu da arguida nulidade e da pretendia reforma, pois tais decisões não susceptíveis de recurso – as nulidades e a reforma devem ser suscitadas no âmbito do recurso, caso este seja admissível (art. 615º, nº 4 e 617º, nº 3 do CPC), e, não o sendo, devem ser interpostas perante o tribunal que proferiu a decisão, que decidirá em última instância.

Relativamente ao acórdão proferido em 28/02/2023, a intempestividade do recurso é manifesta, pois que o prazo para a sua interposição (caso fosse legalmente admissível) se mostrava decorrido muito antes da entrada do requerimento em que é interposta a revista.

Depois, não menos importante, porque, quanto a tal acórdão, tem de ponderar-se que a decisão apelada consubstancia despacho interlocutório proferido no âmbito de procedimento cautelar.

Vedada, pois, no caso, a admissibilidade do recurso, à luz do art. 370º, nº 2 do CPC – das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, sendo certo que a situação dos autos não quadra em hipótese na qual seja sempre admissível recurso (não é questionada no interposto recurso a violação das regras da competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia nem a ofensa de caso julgado - art. 629º, nº 2, a) do CPC -, não é impugnada decisão respeitante ao valor da causa - art. 629º, nº 2, b) do CPC) -, não se invoca que a decisão censurada seja proferida contra jurisprudência uniformizada - art. 629º, nº 2, c) do CPC -, nem que o acórdão esteja em oposição contradição com outra, desta ou doutra Relação ).

Inadmissibilidade da revista que também resulta do art. 671º, nº 1 e 2 do CPC – o acórdão proferido na Relação versa sobre decisão interlocutória e no caso o recurso não é sempre admissível (art. 672º, nº 2, a) do CPC) nem se invoca que o mesmo esteja em contradição com outro, transitado em julgado, proferido pelo STJ, no domínio da mesma questão de direito (art. 672º, nº 3, b) do CPC).

De chamativa fluorescência, pois, a inadmissibilidade do recurso.

Pelo exposto, não admito o recurso de revista interposto pela apelante.”

RECLAMAÇÃO (art. 643º do CPC)

Deste despacho vem a recorrente apresentar reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, perante este Supremo Tribunal de Justiça, culminando as correspondentes alegações nos termos seguintes:

“Estando em causa uma decisão que viola a lei, erra na interpretação e erra na aplicação da lei, por um lado, e, por outro, sustenta um entendimento com premissas que afrontam normas e princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais, desaguando na violação do direito constitucional à reserva de intimidade da vida privada e familiar, o recurso é admissível e, como tal, deveria ter sido recebido.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vª Exª doutamente suprirá, deve dar-se provimento à presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado, admitindo-se, a final, o recurso, como é de JUSTIÇA.

A recorrida pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da revista, com a manutenção do despacho reclamado que a não admitiu.

Pelo ora relator foi proferida a seguinte decisão sumária:

“Antes do mais recuperemos aqui o teor do despacho reclamado, que, tendo sido objecto de recurso de apelação, foi inteiramente confirmado pelo Acórdão da Relação agora sob recurso de revista:

Tal despacho indeferiu ‘a requerida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide’ e bem assim, ‘por não se tratar de informação a coberto de segredo bancário’, de indeferir o demais requerido, determinando, em consequência, a notificação da requerida para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos listagem actualizada dos associados em pleno gozo de direitos à data da propositura dos presentes autos.”

Num primeiro momento, considerando que a recorrente não explicita qual dos Acórdãos pretende submeter ao recurso de revista, importará desde já excluir de tal pretensão o Acórdão proferido em 2/05/2023, que negou à recorrente a arguida nulidade e reforma do Acórdão proferido em 28/02/2023, porquanto, como bem assinala o despacho sob reclamação, tal decisão não admite recurso, como decorre do art. 615º nº 4 e 617º nº 3 do CPC, que impõem que as nulidades e a reforma do Acórdão sejam suscitadas no âmbito do recurso, caso este seja admissível, e, não o sendo, dvem ser interpostas perante o tribunal que proferiu a decisão, que decidirá em última instância.

Assim, o Acórdão de 02/05/2023 foi proferido pela Relação em última instância, não podendo ser escrutinado pela via recursiva de revista por este Supremo tribunal.

Concomitantemente, também numa primeira linha de análise, importará ter presente que o despacho em causa foi proferido em autos de procedimento cautelar, estando desde logo vedada a admissibilidade da revista, face ao que dispõe o art. 370º nº 2 do CPC, segundo o qual “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.

Estatui o art. 370º nº 2 do CPC que, do Acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar não é admitido recurso de revista para o STJ, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, ou seja, os previstos no artigo 629º nº 2 do CPC.

Desta forma, no caso de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629º nº 2 do CPC (Cfr. Acórdãos do STJ de 09-12-2021, Revista n.º 2371/19.6TGDM-A.P1.S1, de 30-06-2021, Revista n.º 22121/20.3T8LSB.L1.S1, e de 14-09-2021, Revista n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1,).

Assim, no caso dos autos, face ao disposto naquele normativo, não sendo admissível a revista normal ou excecional, também não será aplicável o disposto no art. 672.º do mesmo Código.”

Novamente inconformada vem a reclamante apresentar reclamação para a conferência, requerendo que sobre aquela decisão singular recaia Acórdão, ao abrigo do art. 652º nº 3 do CPC, oferecendo as correspondentes alegações, assim concluindo:

Com a devida vénia, é manifesta a admissibilidade do Recurso de Revista oportunamente apresentado.

Estando em causa uma decisão que viola a lei, erra na interpretação e erra na aplicação da lei, por um lado, e, por outro, sustenta um entendimento com premissas que afrontam normas e princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de caráter substantivo, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais, desaguando na violação do direito constitucional à reserva de intimidade da vida privada e familiar, o recurso é admissível e, como tal, deveria ter sido recebido

Perante tão ostensivo afronto, de facto e de direito, não pode a reclamante aceitar a interpretação constante da decisão singular ora reclamada, sendo a mesma inconstitucional, dando-se por reproduzido tudo quanto alegado supra.

O possível entendimento por este Tribunal da não admissão do recurso, alicerçado na interpretação da verificação de uma situação de “dupla conforme” quando, manifestamente, não é o caso, estando os demais pressupostos de admissibilidade do recurso preenchidos, redundará na violação dos princípios constitucionais acima referidos - reserva de intimidade da vida privada e familiar – redundando ainda na violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, por violação do direito de defesa e de recurso da requerente, plasmados nos nºs 1 e 4 do artº 20º da CRP Viola se ainda o princípio da igualdade e de defesa (artº 13º da CRP) e ainda o disposto no artigo 202º da CRP, porquanto é colocada em causa a primordial função jurisdicional dos Tribunais, que devem assegurar, enquanto órgão de soberania, o direito aos cidadãos e às instituição de defender os seus interesses consagrados na lei e na Constituição.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vªs Exªs doutamente suprirão, deve aresente Reclamação ser aceite e, após ouvida a parte contrária, ser submetida à Conferência para que sobre a matéria da decisão proferida recaia um acórdão que, a final, admita a Revista oportunamente apresentada pela ora reclamante, como é de JUSTIÇA.

Viola se ainda o princípio da igualdade e de defesa (artº 13º da CRP) e ainda o disposto

no artigo 202º da CRP, porquanto é colocada em causa a primordial função jurisdicional dos Tribunais, que devem assegurar, enquanto órgão de soberania, o direito aos cidadãos e às instituições de defender os seus interesses consagrados na lei e na Constituição.

É o que se requer.

Nestes termos e nos mais que por certo Vªs Exªs doutamente suprirão, deve a presente Reclamação ser aceite e, após ouvida a parte contrária, ser submetida à Conferência para que sobre a matéria da decisão proferida recaia um acórdão que, a final, admita a Revista oportunamente apresentada pela ora reclamante, como é de JUSTIÇA.”

Os recorridos vieram pronunciar-se no sentido de a reclamação para a conferência se indeferida e a reclamante Caixa Agrícola ser condenada a titulo de má-fé numa multa e indemnização a favor da recorrida em, pelo menos, € 10.000,00.”

Cumprindo reavaliar colectivamente os termos do despacho proferido pelo ora relator, ante os argumentos aduzidos pela reclamante nas suas alegações, bem assim como nas respectivas conclusões, afigura-se-nos que, estando apenas em causa na presente reclamação a admissibilidade da revista interposta pela reclamante, serão de manter os termos em que a reclamação deduzida ao abrigo do art. 643º foi indeferida.

Com efeito, nenhum dos argumentos agora aduzidos pela reclamante, sejam eles de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidades várias apontadas, assim como de inconstitucionalidades, tem qualquer valia para que de alguma forma possa ser alterada aquele decisão que, baseada nas normas adjectivas que ali ficaram consignadas, impedem o acesso a um segundo grau de recurso para este Supremo tribunal de Justiça, pelo que se mantém a mesma.

Será oportuno, porém, dada a equivocidade do último parágrafo da nossa decisão singular, retirando-o do contexto decisório, porque ali terá ficado eventualmente por lapso de escrita de índole informática (lapso a que a reclamante nem fez alusão), que era nosso propósito culminar aquela decisão, na sequência do penúltimo parágrafo, que referiu que “no caso de decisões proferidas no âmbito de procedimentos cautelares, só é admissível revista nos casos previstos no art. 629º nº 2 do CPC (Cfr. Acórdãos do STJ de 09-12-2021, Revista n.º 2371/19.6TGDM-A.P1.S1, de 30-06-2021, Revista n.º 22121/20.3T8LSB.L1.S1, e de 14-09-2021, Revista n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1,)”, com um último parágrafo nos termos que ora se inscrevem em substituição daquele último parágrafo:

Assim, no caso dos autos, nem tendo a reclamante inscrito a pretensa revista nos termos daquele dispositivo, que sempre implicaria a sua admissibilidade, haverá que concluir pela inadmissibilidade da revista, assim se indeferindo a reclamação deduzida.

Custas pela reclamante.

Por fim, uma palavra apenas para o requerimento feito pelos reclamados no sentido de a reclamante ser condenada, “a titulo de má-fé numa multa e indemnização a favor da recorrida em, pelo menos, € 10.000,00.”

Sem necessidade de serem tecidos considerando a respeito do conceito “litigância de má fé”, afigura-se-nos que a postura processual, pelo menos nesta sede de reclamação nos termos do art. 643º do CPC em que nos movemos, muito embora possa considerar-se temerária ou arrojada, pugnando tenazmente pelo bom acolhimento dos seus argumentos, que radicam fundamentalmente em aspectos substantivos ou na questão do mérito, quando o que aqui esstá em causa é a questão adjetiva atinente à (in)admissibilidade da revista -, entende-se que não existem elementos para que possa considerar-se verificada a invocada litigância de má-fé por parte da reclamante, pelo que se indefere o requerido.

Sumário da responsabilidade do relator:

Sejam quais forem os argumentos aduzidos pelo recorrente no recurso de revista, sejam eles de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidade alegadamente cometidas, ou de inconstitucionalidades, é vedada a admissibilidade daquele das decisões proferidas nos procedimentos cautelares nos termos do art. 370º nº 2 do CPC, segundo o qual “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, nos termos do art. 629º nº 2 do CPC.


Relator: Nuno Ataíde das Neves

1º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Lino Oliveira

2º Juiz Adjunto: Senhor Conselheiro Ferreira Lopes