Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA INSOLVÊNCIA PRESSUPOSTOS OPOSIÇÃO DE JULGADOS IDENTIDADE DE FACTOS QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO INADMISSIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO. | ||
Sumário : | I- A admissibilidade do recurso de revista, restrita e atípica, previsto no art. 14º, 1, do CIRE exige uma oposição de julgados em que as decisões em confronto se baseiam em situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em vista os específicos interesses das partes em conflito – são análogas ou equiparáveis, pressupondo a oposição jurisprudencial (frontal e expressa, por regra) uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, sendo que, nesse contexto, a questão fundamental de direito (ou questões fundamentais) em que assenta(m) a alegada divergência sobre a aplicação de determinada solução legal assume(m) um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso. II- Não há oposição relevante que justificasse resultados decisórios distintos numa e noutra das decisões alegadamente em colisão se, relativamente à questão fundamental de direito elencada, relativa a decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante dos devedores declarados insolventes, incidente sobre o requisito do prejuízo causado aos credores por força da abstenção do cumprimento tempestivo da apresentação à insolvência em face do conhecimento ou cognoscibilidade dessa situação de insolvência, constante da al. d) do art. 238º, 1, do CIRE: (i) não obstante dissonância parcial quanto à natureza do prejuízo, ambos os acórdãos coincidem, no essencial e decisivo, em equipará-lo ou identificá-lo num agravamento da situação de insolvência, proveniente do aumento do passivo/“contracção de dívidas”-“novas obrigações” após a concretização dessa situação e, em especial, do decurso do prazo para se apresentar o devedor insolvente à insolvência, daqui resultando oneração da situação dos credores com pretensão à satisfação dos seus créditos; (ii) as situações factuais de actuação dos devedores em face da insolvência relativamente a obrigações novas, tendo em conta o momento em que são contraídas e a relação com o montante de passivo existente (na proporção do aumento de passivo perante os créditos reconhecidos na insolvência), não são de todo comparáveis. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1/22.8T8LRA-F.C1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Coimbra, ... Secção Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO A) Uma vez requerida pela credora cedida «Ibéria – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado», foi proferida sentença em 7/2/2022 que declarou insolventes AA e cônjuge mulher BB, transitada em julgado. B) Os devedores insolventes requereram a concessão da exoneração do passivo restante. Após pronúncias nos autos do Administrador da Insolvência e de credores, assim como do contraditório dos requeridos, o Juiz ... do Juízo de Comércio ... proferiu despacho liminar, que, apreciando e aplicando a al. d) do art. 238º, 1, do CIRE, decidiu indeferir o pedido de exoneração do passivo restante (25/11/2022). Mais fixou o valor processual do incidente em € 30.000,01 (sem prejuízo do valor processual do processo de insolvência ter sido fixado na sentença em € 30.000,00), considerando os arts. 248º-A do CIRE e 303º, 1, do CPC. C) Inconformados, os Requerentes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que conduziu a ser proferido acórdão (14/3/2023) que julgou improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. D) Novamente sem se resignarem, os Requerentes interpuseram recurso de revista para o STJ, tendo por fundamento o art. 14º, 1, do CIRE e alegando oposição jurisprudencial com o Ac. do TRCoimbra de 7/9/2021 na interpretação de um dos requisitos de preenchimento do art. 238º, 1, d), do CIRE. Finalizaram as suas alegações com as seguintes Conclusões: “1. Os insolventes interpõem o presente recurso de revista, tendo por base o artigo 14º do CIRE. 2. O presente recurso deve ser admitido por a causa ter valor que o permite, os recorrentes terem ficado vencidos, havendo uma dupla decisão no mesmo sentido, proferida pela primeira instância e pelo Tribunal da Relação, que sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, confirmou a sentença proferida pela 1ª Instância que indeferiu liminarmente a exoneração do passivo restante. 3. O presente recurso versa sobre a existência de decisões opostas proferidas por Tribunais da Relação, nomeadamente entre o agora posto em crise e o proferido no Processo nº 3/21.1 T8CBR-B.C1, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, transitado em julgado em 28-09-2021 quanto à interpretação do artigo 238º, nº 1 alinea d) do CIRE. 4. O acórdão recorrido sufraga a posição de que o retardamento na apresentação à insolvência tem de causar prejuízos aos credores e que não necessitam de ser irreversíveis, mas apenas verificarem-se. 5. O acórdão fundamento sufraga a posição da exigência de um nexo de causalidade entre a não apresentação atempada à insolvência e o prejuízo para os credores que tem de ser irreversível e grave, e tem de ser tal que implique patente agravamento da situação dos credores. 6. O acórdão fundamento foi determinado [sic] não se poder verificar a existência de prejuízo para os credores, não devendo ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante do devedor que: i) começou por incumprir as suas obrigações em 2005, a mais volumosa das quais foi incumprida em Junho de 2006, terminando tais incumprimentos em Abril de 2010, apesar do que, em acto único, contraiu em 1 de Fevereiro de 2010 uma divida bancária de 12.694,73€, considerada incumprida em 28 desse mês; ii) apenas requereu a insolvência em 2021. 7. O acórdão recorrido manteve o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, por ter entendido que a não apresentação tempestiva à insolvência aumentou o passivo dos ora insolventes, que depois de terem caído em situação de insolvência, contraíram novas obrigações, nomeadamente perante: 1) Cofidis, Sucursal em Portugal, S,A., 2) Lisgarante-Sociedade de Garantia Mutua SA; 3) Hefesto STC, S.A; 4) Unicre-Instituição Financeira de Crédito S.A. 8. Nem do despacho de indeferimento liminar do passivo restante, nem do acórdão recorrido constam as datas em que os referidos créditos foram contraídos, e a data do crédito contraído junto da Cofidis, encontra-se errado, tratando-se apenas das datas em que as livranças foram preenchidas. 9. O crédito da Cofidis foi contraído no âmbito da atividade da X..., Ldª e muito antes da declaração de insolvência desta. 10. Com exceção do crédito no valor de 688,97€, resultante da utilização de cartão de crédito, e que não se encontrava em incumprimento à data da declaração de insolvência dos agora recorrentes, todos os demais foram contraídos pelas sociedades insolventes administradas pelos agora recorrentes, 11. Resulta da relação de créditos reconhecidos pelo Senhor Administrador de insolvência que o vencimento do crédito da Sandalgreens, Assets, SA, no montante de 11.663.337,63€, está errado, porque tal crédito resultou de um crédito concedido à R..., SA e avalizado pelos insolventes, conforme resulta da relação de créditos reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência. 12. Resulta da relação de créditos reconhecidos pelo Senhor Administrador de insolvência que o vencimento do crédito da credora Intrum, Portugal, Unipessoal, Ldª, se encontra errado, uma vez que foi considerado como vencido em 26/04/2021, e tal crédito decorre de aval prestado à sociedade X..., Ldª, que foi declarada insolvente em 20/10/2010. 13. Após a declaração de insolvência das sociedades administradas pelos insolventes, não foi contraído qualquer outro crédito em nome daquelas nem dos insolventes. 14. O crédito da Cofidis no montante total de € 732.153,29, não foi constituído em 26/09/2013 e vencido em 09/10/2013: - a referida data corresponde à data do preenchimento das livranças, - o crédito resulta de avais prestados pelos insolventes à sociedade insolvente X..., Ldª, - o crédito não foi constituido após a insolvência das sociedades nem se venceram em menos de 15 dias após a alegada data de constituição. 15. Após declaração de insolvência das sociedades administradas pelos agora insolventes, nem aquelas nem estes não contraíram novos créditos, sendo todos os existentes provenientes de avais a créditos contraídos aquelas sociedades insolventes. 16. Reconhecendo que a decisão de facto é da competência das instâncias, a causa em apreço importa a intervenção do STJ, uma vez que se verifica erro de direito, isto é, o aresto recorrido afronta uma disposição expressa de lei – artigo 238, nº1 alinea d) do CIRE – na medida em que põe em causa preceito que exige prova da data em que foram contraídos os créditos, para que se possam considerar como verificados os prejuízos dos credores. 17. A intervenção determinará sem sombra de dúvida que nos autos em apreço se verifica quer erro das datas de vencimento dos créditos em causa, quer quanto à data em que foi contraído o crédito da Cofidis. 18. Verifica-se também omissão das datas em que as responsabilidades junto da Lisgarante, da Hefesto e da Unicre foram contraídas, pelo que claro se torna que não se podia considerar como provado que os insolventes contraíram créditos após a sua situação factual de insolvência. 19. Da omissão dos insolventes à apresentação à insolvência, não decorreu qualquer prejuízo para os credores. 20. Mesmo que se verificasse qualquer prejuízo, a gravidade e irreversibilidade dos prejuízos sufragada como necessário no acórdão fundamento, e sempre invocada pelos insolventes, não aparece fundamentada nem demonstrada no acórdão recorrido. 21. Reconhecendo os insolventes que o seu passivo é elevado, o único crédito contraído após a insolvência das sociedades a que se faz referência nos autos, foi de apenas 688,97€ (junto da Unicre) vencido na data da declaração de insolvência dos recorrentes, por utilização de um cartão de crédito. 22. Atento o valor exíguo do crédito da Unicre, não é de molde a tornar os prejuízos dos credores, graves e irreversíveis. 23. Com exceção do crédito da Unicre, todos os demais créditos reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência, reportam-se a prestação de avais e fianças pelos insolventes a sociedades comerciais de que foram sócios/acionistas e gerentes/administradores, como a R..., SA, F..., Ldª, X..., Ldª, N..., SA, L..., Ldª e V... SA. 24. As dívidas em causa nos autos são contemporâneas da verificação da situação de insolvência e não posteriores, bastando uma leitura atenta à relação dos créditos reconhecidos pelo Senhor Administração de insolvência. 25. O crédito da Unicre reporta-se a um ato isolado pelo que, apenas com base nela indeferir-se liminarmente o pedido da exoneração do passivo restante, se nos afigura como desproporcionado e desadequado aos fins tidos em vista pelo legislador, em função do que não pode subsistir a decisão recorrida. 26. Mesmo que o crédito contraído junto da Cofidis tivesse sido contraído em 2013, que não foi, foi contraído no âmbito da atividade que os insolventes exerceram nas sociedades já identificadas nos autos. 27. E atento o volume do passivo dos insolventes, contraído por prestação de avais e fianças às sociedades que detinham, o crédito da Cofidis não é de molde a considerar verificada a irreversibilidade e gravidade dos prejuízos causados, alegadamente, pela omissão da apresentação à insolvência. 28. Os credores que se opuseram à admissão liminar do passivo restante não particularizaram qualquer facto concreto de onde se pudessem extrair prejuízos graves e irreversíveis resultantes da omissão do ónus da apresentação à insolvência, cujo ónus da prova dos requisitos descritos no artigo 238º, nº 1 do CIRE lhes incumbia. 29. O disposto no artigo 238º, nº 1 alinea d) do CIRE, só se verifica preenchido se o insolvente se tiver abstido da apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, que esse atraso tenha causado prejuízo aos credores e ainda não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica. 30. Nos autos em apreço verifica-se a falta de preenchimento da verificação de prejuizos graves e irreversíveis pelo atraso ou omissão à presentação à insolvência. 31. Não se pode dar como verificado o pressuposto da existência de prejuízos graves e irreversíveis para os credores, pelo que não deveria ter sido liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante dos devedores 32. Pelo que este deve este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, revogar o douto acórdão recorrido por violação do artigo 238º, nº1 alinea d) do CIRE, e substituí-lo por outro que admita liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos devedores, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos. 33. Uma vez que a gravidade e irreversibilidade dos prejuízos, alegadamente causados pela omissão na atempada apresentação à insolvência, tal como decidido no acórdão fundamento, não se encontra demonstrada.” E) Foi proferido despacho pelo aqui Relator nos termos e âmbito de aplicação do art. 655º, 1, ex vi art. 679º, do CPC e 17º, 1, do CIRE, uma vez verificado que, relativamente à interpretação do art. 238º, 1, d), do CIRE, não se vislumbraria oposição entre os acórdãos em confronto que permitisse o conhecimento do objecto do recurso à luz do exigido como condição de admissibilidade recursiva pelo art. 14º, 1, do CIRE. Apresentaram pronúncia os Recorrentes, reiterando a verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso e juntando certidão do acórdão fundamento com nota de trânsito em julgado. * Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir, tendo como ponto de partida a admissibilidade da revista à luz do regime do art. 14º, 1, do CIRE. II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS Questão prévia da admissibilidade da revista F) A revista dos Requerentes e aqui Recorrentes visa a revogação do acórdão recorrido, que inverta a decisão de não decretamento (indeferimento) do pedido de exoneração do passivo restante. Sendo esta decisão tramitada endogenamente nos próprios autos de insolvência, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, com aplicação restrita e, por isso, delimitadora da susceptibilidade do recurso de revista do acórdão recorrido. Determina esta norma do CIRE que: «No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme». Daqui resulta que o recorrente tem o ónus específico de demonstrar que a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos em confronto é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários, sob pena de não inadmissibilidade do recurso do acórdão recorrido e apreciação do seu mérito. Para existência da indispensável oposição jurisprudencial, as decisões entendem-se como divergentes se se baseiam em situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em vista os específicos interesses das partes – são análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, e que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso – como tem sido assinalado em várias oportunidades pelos arestos proferidos nesta 6.ª Secção. Assim, para que o STJ seja chamado a pronunciar-se, orientando a jurisprudência em tais tipos de processos, é necessário concluir, previamente, que existe uma oposição (frontal e expressa, por regra) de entendimentos nos acórdãos em confronto sobre a aplicação de determinada solução legal, sendo que – reitere-se – tal divergência se projecta decisivamente no modo como os casos foram decididos. G) Vistas as Conclusões precedentes, os Recorrentes alegam, incidindo sobre o preenchimento do art. 238º, 1, d), do CIRE, que, sobre a interpretação e aplicação do segundo requisito demandado nessa alínea – como questão fundamental de direito alegadamente julgada de modo divergente – para o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante – a saber: o prejuízo causado aos credores por força da abstenção do cumprimento tempestivo da apresentação à insolvência em face do conhecimento ou cognoscibilidade dessa situação de insolvência (art. 18º, 1 e 2, do CIRE) –, o acórdão recorrido estaria em oposição com o acórdão fundamento, em face da natureza do prejuízo demandado para o preenchimento desse facto complexo impeditivo da exoneração. Como? O acórdão fundamento exige um prejuízo irreversível e grave. O acórdão recorrido não exige um prejuízo irreversível. Porém, verifica-se que: (i) a essencial qualificação do prejuízo, adoptado por ambos os acórdãos, consiste em equipará-lo ou identificá-lo num agravamento da situação de insolvência após o momento da sua concretização e, em especial, do decurso do prazo para se apresentar o devedor insolvente à insolvência, que constitui a causa para indeferir a oportunidade que constitui para o insolvente a exoneração do passivo restante; (ii) tal agravamento da situação de insolvência, para ambos os acórdãos, provém do aumento do passivo/“contracção de dívidas”-“novas obrigações” após a situação de insolvência, daqui resultando oneração da situação dos credores com pretensão à satisfação dos seus créditos. Em face do que é comum e coincidente, não se retira que a irreversibilidade do prejuízo – único ponto de dissonância na questão fundamental de direito relativo à interpretação e aplicação do art. 238º, 1, d), do CIRE, base de admissão da revista nos termos do art. 14º, 1, do CIRE na perspectiva dos Recorrentes – seja decisiva para se retirar qualquer consequência para o resultado decisório distinto numa e noutra das decisões em confronto. Tanto mais que não se explicita nem se densifica no acórdão fundamento o que significa tal irreversibilidade para a verificação do prejuízo que a lei exige e para uma eventual qualificação adicional da gravidade do prejuízo em que ambos os acórdãos coincidem. H) Ademais – como requisito que não pode ser dispensado – verifica-se que as situações fáctico-materiais litigiosas não são de tal modo equiparáveis que proporcionem uma contraditória aplicação do regime legal a que tais factos se subsumem; antes foi a sua dissonância que justifica um desfecho oposto das lides. Referimo-nos à situação e aferição em concreto de obrigações existentes à data da concretização da situação de insolvência e do momento e do volume das obrigações novas contraídas durante ou após essa mesma concretização e tempo fixado para a subsequente apresentação à insolvência previsto na al. d) do art. 238º, 1, do CIRE: para este domínio de “aumento do passivo”, em face do montante de passivo existente nesse(s) momento(s) – tal como reconhecido nos “créditos reconhecidos” –, no contexto de actuação contemporânea ou posterior à situação de insolvência, as situações factuais não são de todo comparáveis para serem fundamento de oposição jurisprudencial. a) Na verdade, no acórdão recorrido (confirmação do indeferimento) salienta-se, uma vez enfatizado que “a lista dos créditos mostra a seguinte realidade: o passivo dos ora recorrentes é de cerca de trinta e dois milhões de euros”, sendo que “cerca de metade desse passivo venceu-se entre Fevereiro de 2005 e Outubro de 2010”: “A decisão considerou verificado este prejuízo dizendo que, entre a altura em que deviam apresentar-se à insolvência e aquele em que foram declarados em tal situação, os devedores prestaram novos avales e fianças a outras empresas de que foram sócios/accionistas e gerentes/administradores, bem como se constituíram devedores de outras obrigações. No entender da decisão, a constituição de novos débitos traduziu-se num prejuízo para o conjunto dos credores, apesar de um deles desistir da respectiva reclamação de créditos, sobretudo para os que primeiramente se constituíram como tal, pois reduziu ainda mais a possibilidade de estes obterem algum ressarcimento minimamente significativo dos seus créditos.”; “No caso, como bem entendeu a decisão sob recurso, a não apresentação tempestiva à insolvência aumentou o passivo dos ora insolventes. Com efeito, está provado que, depois de terem caído em situação de insolvência, contraíram novas obrigações, nomeadamente perante: 1) Cofidis, Sucursal em Portugal, S.A.[1], 2) Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua SA[2]; 3) Hefesto STC, S.A.[3]; 4) Unicre – Instituição Financeira de Crédito S.A.”[4]-[5]; O aumento do passivo é prejudicial tanto para os credores que existiam no momento em que os devedores caíram em situação de insolvência como para os “novos credores”. É prejudicial para aqueles porque o aumento do número de credores da insolvência diminui a parte que lhes cabe no produto da venda dos bens apreendidos e a diminuição do grau de satisfação dos credores é considerada pelo n.º 2 do artigo 120.º do CIRE como um prejuízo para os mesmos. E é prejudicial para os novos credores porque provavelmente não irão ver satisfeitos os seus créditos ou irão vê-los satisfeitos num grau muito reduzido, quando não teriam sofrido tal prejuízo se os devedores se tivessem apresentado tempestivamente à situação de insolvência. Por fim, há ainda um outro prejuízo que não pode ser desvalorizado, que é o do retardamento anormal da satisfação, ainda que muita reduzida, dos credores ou de alguns deles. Com efeito, os devedores foram declarados em situação de insolvência cerca de 10 anos depois de terem caído em tal situação, o que atrasou anormalmente a liquidação do activo e a distribuição do produto da venda pelos credores. De acordo com o n.º 2 do artigo 120.º do CIRE, consideram-se prejudiciais à massa os actos que retardem a satisfação dos credores da insolvência.”[6] b) Enquanto isso, no acórdão fundamento (revogação do indeferimento=admissão do pedido de exoneração do passivo restante), regista-se e salienta-se de forma decisiva e diversa: “Como resulta da factualidade provada – e só esta releva –[,] (…) do seu item 6.º, o devedor começou a incumprir as suas obrigações em 2005, sendo que a mais vultuosa, foi considerada incumprida em Junho de 2006. Terminando, tais incumprimentos em 30 de Abril de 2010. Sendo que não obstante isso, o recorrente em 01 de Fevereiro de 2010, contraiu mais uma dívida perante o Montepio, no montante de 12.694,73 €, considerada incumprida em 28 desse mês; ou seja, presume-se, nada cumpriu quanto a esta. Assim, tal como referido na decisão recorrida, pode considerar-se que o devedor estava em situação de insolvência, pelo menos em 2010 e, ainda assim, contraiu mais esta obrigação.”; “É indubitável que tal comportamento não revela comedimento por parte do devedor, atenta a situação em que já se encontrava. Todavia, ocorreu ainda no início do ano de 2010, considerado como aquele em que o devedor se encontrava em situação de insolvência e constitui acto único, na medida em que desde esta data e aquela em que se veio a apresentar à insolvência – mais de 10 anos volvidos – não assumiu novas dívidas. Por último, como resulta de fls. 193/4, os créditos reconhecidos ascendem ao montante de 222.810,27 €, pelo que a quantia relativa a este último crédito assume uma relevância diminuta face ao valor global. Mas mais decisivo do que isso é o facto de ter sido contraído ainda no ano de 2010, a que não se seguiu a contracção de novas dívidas; ou seja, tratou-se de acto isolado e ainda num tempo de indefinição acerca da situação de falência em que se encontrava o devedor.”; “Ora, salvo o devido respeito pelo expendido na decisão recorrida, o acto em apreço não é de tal modo grave que tenha acarretado um agravamento relevante da situação dos credores, atenta a proporção entre os valores dos créditos reconhecidos e o desta dívida em particular. Esta nova dívida é contemporânea da verificação da situação de insolvência e não posterior e trata-se de um acto isolado, pelo que, apenas com base, nela indeferir-se liminarmente o pedido da exoneração do passivo restante, se nos afigura como desproporcionado e desadequado aos fins tidos em vista pelo legislador, em função do que não pode subsistir a decisão recorrida.”[7] Note-se, para além da diferença quanto ao volume das obrigações contraídas, que o acórdão fundamento destacou que a única dívida contraída era “acto isolado” e “contemporânea da verificação da situação de insolvência e não posterior” – situação completamente diversa da tida em conta no acórdão recorrido. Concluiu-se, por isso, que não há similitude no núcleo do substracto factual que seja de equiparar para este efeito, antes subsiste uma dissemelhança significativa das situações de facto subjacentes às decisões em confronto, que justifica com razoabilidade a divergência quanto ao resultado obtido na interpretação de um dos requisitos do art. 238º, 1, d), do CIRE, disposição legal convocada no mesmo contexto normativo. I) Em suma: não se preenche o requisito da dissemelhança entre os resultados da interpretação das disposições legais relevantes – a saber, o art. 238º, 1, d), do CIRE –, tendo os acórdãos interpretado e aplicado com fundamentação essencialmente coincidente – e sem relevo na dissonância – a mesma normatividade legal, nem se preenche o requisito da semelhança das situações de facto. Resulta do analisado que, sem prejuízo do inconformismo dos Recorrentes quanto à solução do acórdão recorrido proferido pela Relação, não ocorre, como condição prévia para a admissibilidade do recurso, a oposição de julgados (pelo menos com este acórdão indicado como fundamento recursivo) indispensável para ser conhecida a revista no âmbito do art. 14º, 1, do CIRE. E sem esta condição estar verificada, não se pode aceitar uma reapreciação em último grau de jurisdição através de uma revista que deve ser admitida com particular exigência, no âmbito de um regime prima facie de irrecorribilidade. III. DECISÃO Em conformidade, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas da revista pelos Recorrentes. STJ/Lisboa, 28 de Junho de 2023 Ricardo Costa (Relator) Ana Resende Graça Amaral (em substituição: arts. 661º, 2, 679º, CPC) SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC). __________________________________________________
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