Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
212/18.0T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
VALOR DA AÇÃO
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

Não ocorrendo uma das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º do CPC e tendo sido fixado o valor da causa no despacho saneador em € 27.998,00, sendo assim inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação, não é admissível o recurso de revista.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 212/18.0T8FAR.E1.S1


Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


AA, Autor na presente ação em que é Ré Best Transfers 4U, Viagens e Turismo, reclamou para Sua Ex.ª o Presidente do STJ da decisão do Relator que não admitiu o seu recurso de revista.


Tal reclamação foi convolada em reclamação para a Conferência.


É o seguinte o teor da decisão do Relator que não admitiu o recurso:


“AA intentou ação declarativa comum contra Best Transfers 4U, Viagens e Turismo, S.A. peticionando a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 27.998,00 a título de comissões em dívida, acrescidas de juros vencidos e vincendos a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento.


O Autor pretende recorrer de revista do acórdão do Tribunal da Relação de 12.05.2022, que, confirmando a decisão singular de 29.03.2022, indeferiu a reclamação deduzida pelo Recorrente em relação à notificação para pagamento da guia datada de 31.01.2022 emitida nos termos do artigo 642.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.


Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso (artigo 629.º, n.º 2), a recorribilidade dos acórdãos do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça encontra-se regulada nos artigos 671.º, n.º 1 e 2 e 673.º do Código de Processo Civil.


De acordo com o disposto no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido sobre a decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.


Por seu turno, o n.º 2 estipula que “os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:


a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;


b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme


O acórdão recorrido não se debruçou sobre o mérito da causa, não absolveu a Ré da instância quanto a qualquer pedido ou reconvenção deduzida, nem pôs de outro modo termo ao processo, nos termos do n.º 1, do artigo 671.º, do Código de Processo Civil, pelo que o recurso não é admissível à luz do n.º 1 do artigo 671.º


Por outro lado, e quanto ao disposto no n.º 2 do artigo 671.º não estamos igualmente perante um caso em que o recurso é sempre admissível (artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil). Acresce que o n.º 2 do artigo 671.º apenas abrange os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1.ª instância, incidentes unicamente sobre a relação processual (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2015, proferido no processo n.º 210/12.8TBVNG.P1-A.S1, Relator Conselheiro Tomé Gomes), quando no caso vertente temos um acórdão interlocutório da própria Relação, cuja eventual admissibilidade se encontra prevista, antes, no artigo 673.º do CPC


Na verdade, estamos perante uma decisão interlocutória proferida sobre questão suscitada na pendência do processo no Tribunal da Relação e que não tem por objeto uma decisão da 1.ª instância.


No entanto, estando em causa decisão que, indeferindo a reclamação, considera ser devido o pagamento de uma multa, importa ter em consideração o disposto no artigo 27.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais.


Estabelece este preceito que “da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excecional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa”.


Sucede que, no caso vertente não está em causa uma condenação em multa, i. e uma decisão jurisdicional de aplicação de multa. Está em causa, outrossim, o não pagamento da taxa de justiça no prazo legal, permitindo o legislador à parte sanar essa falta, impedindo a consequência legal (desentranhamento das alegações), mediante o pagamento de uma multa. O presente recurso não tem por objeto a condenação no pagamento da multa, mas a decisão que considera que a taxa de justiça é devida. Ora, o artigo 26.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais não parece ser aplicável às decisões relativas a custas judiciais (cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal de 19/05/2016, proferido no processo n.º 100/15.2YRPRT.S1, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes).


Deste modo, não estando em causa um recurso nos termos do artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, também os autos não têm nem valor, nem sucumbência, que permita a admissibilidade deste recurso de Revista. Com efeito, no caso vertente, o valor da causa foi fixado no despacho saneador em € 27.998,00, sendo assim inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação (em matéria cível, nos termos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a alçada do tribunal da Relação é de € 30.000,00) e a sucumbência face à decisão de que se recorre no caso vertente, em que está em causa o pagamento pelo Autor da taxa de justiça pela interposição do recurso, no valor de € 255,00, acrescida de multa de igual valor, é assim de € 510,00.


Por outro lado, mesmo a admitir-se o recurso face ao disposto no artigo 671.º n.º 4 do CPC ou no artigo 673.º alínea a) do CPC, tal recurso deveria ter sido interposto no prazo de quinze dias, como resulta expressamente do artigo 671.º n.º 4 e do artigo 677.º do CPC.


O prazo para a interposição do recurso iniciou-se no dia 17.05.2022 e terminou no dia 31.05.2022. O recurso poderia ainda ser interposto, mediante o pagamento de multa, nos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 3.06.2022 – artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, mas o recurso foi apresentado a 15.06.2022, pelo que foi interposto fora do prazo legal”.


Na Reclamação agora apresentada vem o Reclamante afirmar o seguinte:

“Por decisão singular datada de 05-01-2023 não foi admitido o recurso de revista.

O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida em primeiro lugar porquanto o recurso apresentado é manifestamente tempestivo e foi apresentado dentro do prazo legal de 30 dias, não se aplicando o prazo de 15 dias atento a que não se trata de uma questão interlocutória.


O recurso em apreço não se trata de nenhuma das situações elencadas no artigo 673.º do Código de Processo Civil em que o prazo de 30 dias é reduzido para 15 dias.

Nem os presentes autos não têm natureza urgente.

Assim como não estamos perante nenhuma decisão que aprecie o impedimento do Juiz, não estamos perante nenhuma decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal, não estamos perante nenhuma decisão que decrete a suspensão da instância, não estamos perante nenhuma decisão que admite ou rejeite algum articulado ou meio de prova, não estamos perante nenhuma decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual, não estamos perante nenhuma decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo, não estamos perante nenhuma decisão proferida depois da decisão final, nem estamos perante nenhuma decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.


Aplicando-se ao presente caso concreto o prazo legal de 30 dias, tendo o recurso sido apresentado tempestivamente.


O despacho de que ora se reclama viola o disposto nos artigos 677.º e 673.º ambos do Código de processo Civil.


O encurtamento do prazo de recurso para 15 dias só pode ocorrer nos casos previstos nos supra mencionados preceitos legais, não sendo possível uma interpretação analógica ou extensiva que implique uma restrição de direitos, por violadora do princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça, na modalidade de direito ao recurso, ínsito no artigo 20.º da CRP.


Motivo pelo qual somos do entendimento de que o recurso apresentado é manifestamente tempestivo e como tal deverá ser admitido”.


Invoca, ainda, que a decisão individual, objeto da presente reclamação, viola o seu direito ao recurso e o já mencionado artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.


Apreciando dir-se-á, desde logo, que o argumento principal aduzido na decisão individual para a não admissão do recurso respeita ao valor e à sucumbência, regras que também se aplicam à revista excecional, argumento a que o Autor não se referiu na sua Reclamação. Reitera-se o que na decisão individual se afirmou a propósito: “no caso vertente, o valor da causa foi fixado no despacho saneador em € 27.998,00, sendo assim inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação (em matéria cível, nos termos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a alçada do tribunal da Relação é de € 30.000,00) e a sucumbência face à decisão de que se recorre no caso vertente, em que está em causa o pagamento pelo Autor da taxa de justiça pela interposição do recurso, no valor de € 255,00, acrescida de multa de igual valor, é assim de € 510,00”.


E tal é razão suficiente para não se admitir o recurso interposto pelo Autor.


Decisão: Acorda-se em indeferir a Reclamação.


Custas pelo Reclamante.


Lisboa, 11 de outubro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos José de Morais