Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2106/21.3T8EVR.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL
SOCIEDADE COMERCIAL
EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A extinção de uma sociedade determina a inutilidade superveniente do processo especial de inquérito judicial a essa sociedade instaurada por um sócio.
Decisão Texto Integral:

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I - Relatório

O Requerente, em 25.11.2021, veio pedir que se procedesse a inquérito judicial à sociedade Requerida, ao abrigo do disposto no artigo 1048.º do Código de Processo Civil, instaurando a presente ação especial contra esta sociedade e os sócios gerentes AA e BB, alegando para o efeito e em síntese, que é sócio da Requerida e que, desde 18-08-2021, foi afastado dos assuntos relacionados com a actividade da sociedade em causa e impedido de aceder a informação sobre ela, uma vez que os sócios-gerentes Requeridos não permitem o acesso e a consulta pelo Requerente dos documentos da sociedade, nem lhe prestam os esclarecimentos que solicita.

A Requerida sociedade apresentou contestação em 09.12.2021.

Por requerimento apresentado em 07.01.2022, enquanto decorriam diligências para citar os demais Requeridos, o Requerente veio solicitar a adoção de medidas cautelares urgentes o que foi indeferido por despacho proferido em 01.02.2022.

O Requerente respondeu às exceções deduzidas pela sociedade Requerida na contestação, por requerimento apresentado em 24.03.2022.

Em 31.03.2022 foi proferido despacho no sentido de ser apurada a situação da dissolução da sociedade Requerida.

Em 08.06.2022 foi junta certidão comprovativa do registo do encerramento da dissolução/liquidação da sociedade requerida e cancelamento da sua matrícula.

Por despacho de 04.07.2022, foi determinada a notificação das Partes, ao abrigo disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 547.º e 590.º, todos do Código de Processo Civil, para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade da presente instância vir a ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, tendo o Requerente requerido o prosseguimento do processo e a sociedade Requerida emitido opinião no sentido da lide ser extinta.

Em 27.09.2022 foi proferida decisão que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

O Requerente interpôs recurso de revista, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, daquela decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

a) Eram sócios da sociedade comercial QUADRANTE D’INGREDIENTES LDA., o aqui Recorrente, os Recorridos e ainda, o Exmo. Senhor CC, conforme se constata com a certidão comercial já junta aos presentes autos.

b) E, o Autor, ora Recorrente, no ano de 2021, veio requerer que se procedesse a inquérito judicial à Recorrida QUADRANTE D’INGREDIENTES LDA., ao abrigo do disposto no artigo 1048.º do Código Processo Civil, tendo instaurado ainda, tal acção especial contra os Recorridos AA e BB pelos motivos que infra se irá expor.

No entanto, não foi proferido, durante a pendência da supra referida acção, qualquer Despacho por parte da Meritíssima Juiz, no sentido de impedir a conduta adoptada pelos restantes sócios, quando foi, documentalmente provada toda a factualidade alegada, estando ainda, fortemente indiciado que os Recorridos se encontravam a esvaziar, de património, a sociedade, com vista a procederam à extinção da mesma e, dessa forma se furtarem à prestação de informação ao Recorrente.

c) Com o devido respeito e, tendo em conta que o inquérito judicial foi requerido no ano de 2021, o Tribunal a quo podia, devia e tinha os meios e os fundamentos, para ter procedido, em tempo útil, ao inquérito judicial em apreço, ou para ter ordenado, as diligências que considerasse necessárias para impedir a extinção da sociedade, face aos fortes indícios alegados, pois,

d) Sabia que, com a extinção da sociedade em apreço, extinguiram-se também os direitos de sócio do aqui Recorrente, impossibilitando-o dessa forma de reagir no âmbito da acção em apreço.

e) Nesse sentido, cumpre voltar a referir que na pendência da acção, quando o Recorrente foi surpreendido com documentação que atestava que as contas da sociedade, poucos meses antes da sua extinção, se encontravam em contradição do que seria expectável (tendo em conta que a projeção de negócio dava lugar a lucro), apresentou diversos requerimentos com natureza urgente aos autos, como já explanado.

f) E, no seguimento do supra referido, o Recorrente viu-se numa posição de total desconhecimento do que se encontrava a suceder numa sociedade da qual, à data era sócio, por causa imputável aos aqui Recorridos, que mantiveram uma postura de recusa de prestação de informação a um dos sócios.

g) Sendo que, salvo o devido respeito, não se compreende como nenhuma postura foi tomada por parte do Tribunal a quo, a não ser uma postura de inércia que não deu “importância” ao que se encontrava a suceder, quando tinha os meios e os fundamentos para suspender a extinção da sociedade até apuramento dos factos.

h) Na verdade, o Recorrente, foi forçado a simplesmente ficar a assistir ao esvaziamento de uma sociedade da qual era sócio, sem que pudesse reagir por falta dessa mesma informação que lhe foi recusada, ainda que se tivesse socorrido de uma ação judicial para evitar que os seus direitos de sócio permanecessem a ser violados.

i) Pois, nessa altura, mesmo que o Recorrente quisesse mover qualquer acção contra os sócios, considerando que nenhuma documentação lhe era facultada, não poderia o mesmo ver salvaguardados os seus direitos através de outras ações, por não se encontrar munido da documentação necessária para o efeito, a qual estava retida, propositadamente, na posse dos Recorridos.

j) O que, levou a que os Recorridos, tivessem meios e tempo para, de uma forma legal, esvaziar uma sociedade, dissolverem-na, liquidarem-na e extinguirem-na bem como, para constituírem uma nova sociedade que prossegue atualmente o mesmo fim, com o mesmo objeto social e com os mesmos sócios, à exceção do aqui Recorrente, a qual, no início da sua actividade, chegou a utilizar bens móveis, clientela, contribuinte fiscal e outros meios da sociedade QUADRANTE D’INGREDIENTES, LDA. agora extinta, tendo tais factos sido, também comunicados aos autos.

k) Porquanto, tal como foi trazido aos autos, cumpre voltar a referir que os Recorridos entretanto utilizaram outras empresas para prosseguir a actividade da sociedade QUADRANTE D’INGREDIENTES, LDA., nomeadamente a D..., Unipessoal, Lda que pertence a um dos Recorridos (Exmo. Senhor DD) e constituíram a sociedade comercial a I..., LDA., que atualmente se encontra em plena laboração, a qual prossegue os mesmos fins da sociedade QUADRANTE D’INGREDIENTES, LDA. como referido no artigo antecedente.

l) Acresce que, a mercadoria chegou a ser adquirida em nome da QUADRANTE D’INGREDIENTES, LDA. e vendida através das sobreditas sociedades, conforme se pode verificar pelas faturas que também foram juntas aos autos, de molde a esvaziar a sociedade.

m) Ora, aquando da entrada do inquérito judicial, a sociedade QUADRANTE D’ INGREDIENTES, LDA. ainda se encontrava ativa e em exercício, sendo que, foi posteriormente, que se deu a dissolução, encerramento e liquidação da mesma.

n) Ademais, cumpre esclarecer que até à data em que o Recorrente foi notificado para se pronunciar sobre a eventual inutilidade superveniente da lide, o processo encontrava-se estagnado, sem qualquer movimentação processual por parte do Tribunal a quo, apesar dos vários requerimentos de natureza urgente apresentados pelo Recorrente como já referido.

o) Assim, nos termos do disposto no artigo n.º 1049° do Código Processo Civil "Haja ou não resposta dos requeridos, o juiz decide se há motivos para proceder ao inquérito, podendo determinar logo que a informação pretendida pelo requerente seja prestada, ou fixa prazo para apresentação de contas da sociedade".

p) E, o Tribunal a quo não decidiu se haveria ou não de se proceder a inquérito judicial, não determinou que a informação pretendida pelo Recorrente fosse prestada, nem tão pouco decretou qualquer diligência que impedisse a extinção da sociedade.

q) Ora, a ausência destes procedimentos permitiu e deu tempo aos Recorridos para dissolverem e liquidarem a sociedade QUADRANTE D’ INGREDIENTES, LDA., mesmo com as concretas evidências trazidas aos autos pelo Recorrente.

r) Sendo notório que o Tribunal a quo infringiu o dever de gestão processual imposto pelo artigo n.º 6° do Código Processo Civil.

s) Porquanto, desde a data da propositura do referido inquérito judicial que o processo se encontra sem qualquer movimentação, sendo que, nenhuma diligência foi ordenada pelo Tribunal a quo,

t) Assim, não pode aceitar o ora recorrente que o seu direito de acesso à informação consagrado no artigo n.º 67° n° 1 do Código das Sociedades Comerciais lhe seja negado por não ter sido proferida uma decisão em prazo razoável, o que foi o caso dos presentes autos.

u) Nesse sentido, dúvidas não poderão subsistir de que o direito do Recorrente foi afectado e violado uma vez que, não existiu a celeridade que o caso em apreço impunha, face ao decurso temporal decorrido, o qual permitiu que a sociedade comercial QUADRANTE D’ INGREDIENTES, LDA. se dissolvesse e liquidasse.

v) Sendo que, foi com o fundamento na dissolução e liquidação da sociedade em questão que o Tribunal a quo entendeu existir inutilidade superveniente da lide, como já referido.

x) No entanto, e salvo melhor entendimento, a dissolução e liquidação da sociedade QUADRANTE D’ INGREDIENTES, LDA. não implica o imediato desinteresse na apreciação da causa de pedir, tendo em conta que a intenção do requerente é obter informações relativas ao ano anterior.

z) Pelo que, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar em tempo útil sobre questões que, salvo o devido respeito, deveria ter apreciado, sendo por isso causa de nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615° n°1 al. d) do Código Processo Civil, considerando que o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido, o qual não podia deixar de conhecer.

aa) Pois, não assiste razão à sentença recorrida pelos motivos supra expostos, verificando-se violação do n°4 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa uma vez que não se verificou uma decisão por parte do Tribunal a quo, em tempo razoável através de um processo equitativo relativamente ao aqui Recorrente.

ab) Sempre se dirá que, o Tribunal a quo se absteve, de conhecer as questões que deveria ter apreciado, face aos vários requerimentos apresentados pelo Recorrente que visavam exatamente a suspensão da extinção da sociedade.

ac) Ora, as decisões devem ser proferidas em prazo razoável, ou seja, observando-se o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, sendo que,

ad) Não houve até hoje qualquer decisão por parte do Tribunal a quo, quanto aos factos alegados pelo Recorrente e quanto ao pedido requerido pelo mesmo em sede da acção que intentou,

ae) Tendo somente sido proferida a sentença em apreço, no qual, o Tribunal a quo, se absteve de conhecer as questões em sede de discussão, limitando-se a extinguir a instância pelo facto da sociedade se encontrar atualmente extinta (facto esse que lhe deve ser imputado).

af) Na verdade, só se poderia aceitar o desrespeito pelo princípio da razoabilidade temporal se estivéssemos perante um processo de particular dificuldade ou extensão, o que não trata do processo em apreço.

ag) Ora, nos casos de omissão de pronúncia quanto à apreciação da pretensão do autor, ora recorrente, é pacifica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas.

ah) Assim, é falta grave a falta de apreciação de questões relevantes para o resultado da lide.

ai) Uma vez que, o Recorrente apresentou devidamente a sua pretensão pelo que, o Tribunal a quo apenas deveria ter decidido se havia ou não motivos para proceder ao inquérito, determinar que a informação pretendida fosse prestada, ou determinar qualquer diligência que entendesse, como previsto no artigo 1049° do Código Processo Civil,

aj) Assim, estamos claramente, perante a violação do disposto no n°5 do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, não tendo sido assegurado ao cidadão, ora Recorrente, um procedimento judicial caracterizado pela celeridade e prioridade, de modo a que obtivesse tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações do seu direito.

ak) A falta de celeridade e prioridade que imperou no processo em apreço, poderá ser entendida como um beneficio ao infrator e uma verdadeira denegação à justiça, uma vez que, permitiu a extinção da sociedade, ficando o recorrente lesado no seu direito imposto pelo artigo 67° n°1 do Código das Sociedades, o qual até hoje, se encontra em total desconhecimento de tudo o que se passou, desde o dia 18 de Agosto de 2020 até ao momento da extinção da sociedade.

al) A falta da determinação de inquérito, não permitiu ao Autor, ora recorrente, lançar mão das medidas cautelares previstas no artigo 1050º do CPC, as quais de encontravam sobejamente indiciadas nos autos.

am) O princípio da equidade encontra-se consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

an) Pelo que, o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito, ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, o que no caso em apreço, não foi observado.

ao) Em face do exposto, dúvidas não subsistem de que o processo não andou de forma materialmente adequada, tendo sido violadas normas constitucionais, nomeadamente as consagradas no artigo 20. ° n.° 4 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, bem como, foram também violadas as disposições legais constantes nos artigos 65° n.° 1 e n.º 5 e 67.° ambos do Código das Sociedades Comerciais e ainda, os artigos 6.° e 1049.° n°1 ambos do Código Processo Civil.

ap) Termos em que deve a presente revista ser concedida, revogando-se a sentença recorrida.

aq) Termos em que deve o presente recurso ser concedido e revogada a sentença recorrida, devendo o mesmo subir diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, por se encontrarem preenchidos os requisitos do n.º 1 do artigo 678.º do Código Processo Civil.


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II – Do objeto do recurso

Estamos perante um recurso “per saltum”, estando verificados todos os pressupostos da sua admissibilidade enunciados no artigo 678.º do Código de Processo Civil.

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida cumpre decidir as seguintes questões:

- se a decisão recorrida é nula, por não ter conhecido de questão que estava obrigada a conhecer?

- se a ausência da prolação de uma decisão em tempo útil pelo Tribunal sobre o requerido pelo Autor impede que se profira a decisão recorrida?


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III – Factos provados

Neste processo, encontram-se provados os factos processuais que se encontram relatados no relatório.


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IV - O direito aplicável

1. Da nulidade da sentença

O Recorrente alega que a sentença recorrida é nula porque não apreciou em tempo útil de questão que lhe incumbia conhecer, tendo permitido que a sociedade a ser objeto de inquérito se extinguisse.

O artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil, considera nula a sentença quando não conhece de questão que estava obrigada a apreciar, existindo uma omissão de pronúncia.

Com a presente ação, com processo especial previsto e regulado nos artigos 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil, o Requerente pretendia que fosse efetuado um inquérito judicial à sociedade Requerida.

Quando a decisão recorrida foi proferida a sociedade já se encontrava extinta.

A decisão recorrida decretou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, atenta a extinção da sociedade Requerida, pelo que, na lógica do decidido, já não era possível apreciar o pedido formulado nesta ação, não existindo, por isso, face à reconhecida impossibilidade, uma omissão de pronúncia, sobre o mérito do pedido.

A questão que se alega não ter sido conhecida, não o podia ser, na lógica do decidido, pelo que não existia uma obrigação de a conhecer, não se verificando, pois, uma omissão de pronúncia.

2. Da inutilidade superveniente da lide

Pretendia a Autora, através da propositura desta ação que se realizasse um inquérito judicial à sociedade Requerida.

Antes que tivesse sido proferida qualquer decisão sobre a necessidade de realizar esse inquérito, encerrou-se o processo de dissolução/liquidação da sociedade Requerida, tendo esta se extinguido com o registo desse encerramento [1].

Dispõe o citado artigo 216, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, no capítulo dedicado às sociedades por quotas, que o sócio a quem tenha sido recusada a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

A realização do inquérito judicial nos termos dos artigos 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil, visa garantir e tornar efetivo o direito dos sócios à informação, plasmado no artigo 214.º do Código das Sociedades Comerciais, para as sociedades por quotas.

Como refere Raul Ventura,[2] o direito à informação é geralmente qualificado como um direito extra-patrimonial do sócio, instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais. E a ação especial prevista nos artigos 1048.º e seguintes do Código de Processo Civil é o meio adjetivo desse direito poder ser exercido em situações de obstaculização ao acesso de qualquer sócio a informações sobre a vida e situação societária.   

O exercício judicial desse direito por um sócio perante a sociedade, como é óbvio, pressupõe a existência da sociedade e a qualidade de sócio, pelo que, embora continue a ter alguma utilidade após a dissolução da sociedade e durante a respetiva liquidação [3], a extinção da sociedade determina a perda definitiva de utilidade no acesso à informação desejada, uma vez que já não pode haver lugar ao exercício de quaisquer direitos societários que estivesse dependente dessa informação.

Tendo a realização do inquérito judicial para acesso do sócio à informação uma função meramente instrumental do exercício de outros direitos societários, o fim da sociedade, com a consequente cessação da qualidade de sócio, retira qualquer utilidade à prossecução desse meio processual, pelo que se revela inevitável a extinção da respetiva instância que se havia iniciado ainda em vida da sociedade Requerida, como, aliás, reconhece o próprio Recorrente nas suas alegações e assim têm sido unanimemente decidido pelos Tribunais [4].

A Recorrente defende, contudo, a revogação da decisão recorrida, com fundamento em que a realização do inquérito não foi determinada pelo tribunal recorrido em tempo útil, tendo-se registado uma demora injustificada na tramitação processual.

Independentemente do juízo que se faça sobre a alegada demora na tramitação processual, a mesma, a existir, não têm influência sobre a correção da decisão proferida quando se constatou que a sociedade Requerida, entretanto, se havia extinguido.

Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), sendo este um direito fundamental dos cidadãos. No entanto, as consequências do incumprimento desta diretriz constitucional por uma instância judicial não são a reversão da decisão que. embora tomada para além desse prazo, se encontre de acordo com o ordenamento jurídico vigente, não sendo esta afetada pela demora ocorrida, o que também abrange as decisões que se limitem a reconhecer a inutilidade do prosseguimento da lide resultante da ocorrência de um facto superveniente que não teria chegado a verificar-se durante a pendência da ação se esta tivesse sido mais celeremente tramitada.

A inutilidade da lide resultante da demora processual não tem remédio, não sendo já possível restaurar a utilidade perdida. As demoras processuais injustificadas poderão ter outras consequências a um nível indemnizatório ou disciplinar, mas não têm a virtualidade de conferir utilidade a um processo cuja continuidade já não consegue assegurar o direito que se pretendia exercer com a sua dedução.

Por estas razões deve o recurso interposto ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.


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Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Requerente, confirmando-se a decisão recorrida.


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Custas pelo Requerente


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Notifique


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Lisboa, 22 de junho de 2023

                                  

                                                          

João Cura Mariano (Relator)

Rijo Ferreira

Catarina Serra


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[1] Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, p. 436, e MENEZES CORDEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3.ª ed., Almedina, p. 657.
[2] Em Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 282.
[3] Cfr. Raul Ventura, ob. cit., p. 288.
[4] V.g. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2009, Proc. 218/2000 (Rel. Sousa Leite), da Relação do Porto de 12.11.2008, Proc. 0834787 (Rel. Maria Catarina), da Relação de Lisboa, de 25.06.2015, Proc. 100/07 (Rel. Catarina Arêlo Manso), e da Relação de Guimarães, de 10.07.2018, Proc. 27/12 (Rel. Ana Cristina Duarte).