Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5756/17.9T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PROVA VINCULADA
OBJETO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
LEI PROCESSUAL
RENOVAÇÃO DA PROVA
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Não se discutindo a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa, o Supremo Tribunal de Justiça encontra-se impedido, nos termos do disposto nos arts. 662.º/4 e 674.º/3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, de sindicar o acerto da decisão tomada por parte do tribunal “a quo” a respeito da impugnação da matéria de facto suscitada em sede de apelação.

II. Sendo irrefutável que o STJ pode censurar o não uso pela Relação do poder de ordenar a renovação de prova, a verdade é que tal renovação só se justificará quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA


ENTRE

AA

(aqui patrocinada por ..., adv.)

Autora / Apelada / Recorrente

CONTRA

J. DELGADO, Ldª

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Ré / Apelante / Recorrida



I – Relatório

A Autora intentou a presente acção pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais, e €210.736,22, a título de danos patrimoniais.

Para tanto alega, em síntese:

A A. adquiriu à Ré, em 30/03/2012, um “grupo ordenha flaco 300 lts a óleo c/ reservatório valvo e chapa c/ valvómetro e regulador de vácuo e motor monofásico de 1,5 cv”, pelo preço de €2.260,00, e nesse mesmo dia adquiriu também à Ré “três pontos de ordenha em silicone de linha baixa. tetina 1250”.

Nessa data a máquina foi montada pelos funcionários da Ré.

As soldaduras foram efetuadas por esses funcionários da Ré de forma deficiente, o que levou a que houvesse, nessas soldaduras, uma deficiente higienização, levando ao aparecimento de uma levedura no leite que se encontra disseminada por toda a queijaria da A., impedindo a A. de produzir queijo e de exercer a sua atividade profissional.

Que em Novembro de 2015 a dita máquina começou com avarias e a funcionar de forma deficiente, o que comunicou à Ré.

A A. sente-se agora, com o fim da produção, profundamente amargurada, pode deixar de contactar com alguns, talvez para sempre, dos seus clientes, fornecedores e amigos.

Sem conhecerem os motivos que conduziram ao encerramento da queijaria, alguns clientes da A. e até outras pessoas têm levantado duvidas sobre a seriedade profissional da A.

A situação de total improdutividade presente e futura dos investimentos feitos pela A. na previsão de continuidade na produção, por muitos mais anos, causou à A. um prejuízo não inferior a €100.000.00.

Adquiriu diversos produtos para erradicar a levedura a várias empresas, gastando na sua compra a quanta de €138,05.

De tal forma fortes eram esses produtos com que tentava erradicar a levedura que levou que A. danificasse até a própria câmara frigorífica, tendo que pagar €299,51 no seu arranjo.

Receberia a A. a quantia de €22.200,00, que deixou de receber, pois todo esse queijo foi destruído, por não estar próprio para consumo, em consequência da montagem defeituosa da referida máquina pela Ré.

Viu-se a A.   com dificuldades financeiras, tendo em 05.09.2016 que pedir €5.000,00 emprestados ao seu pai.

Contando a A. gastar a quantia de €71.798,66, acrescido de IVA, na construção de uma nova queijaria e a quantia de €6.300,00, acrescido de IVA, para a aquisição de uma nova câmara de cura de queijo.

O seu volume de vendas caiu a “pique”, pelo que a Ré tem de pagar à A. a quantia de €10.000,00 a título de prejuízo de clientela.

A Ré contestou excecionando a caducidade dos direitos invocados pela Autora.

Mais alega que os pedidos formulados pela A., para além de serem ininteligíveis, também não deixam qualquer possibilidade de os interpretar no sentido de estes serem enquadrados em quaisquer dos direitos que são reconhecidos à A, enquanto compradora da máquina - que, pretensamente, sofre de vícios - sendo portanto, os pedidos manifestamente improcedentes.

Impugna, no essencial, a factualidade invocada pela Autora.

Alega ainda que os pedidos formulados pela A., porque ultrapassam em mais de 80 vezes o preço da máquina em causa, constituem um manifesto abuso de direito e consubstanciam litigância de má-fé por parte da mesma.

Pede condenação da A. como litigante de má-fé e a sua condenação em multa e em indemnização a favor da R., a fixar nos termos do artigo 542º e segs do CPC.

Conclui que deverão ser consideradas procedentes, por provadas, as exceções invocadas, e a ação dever ser considerada improcedente, por não provada.

Replicando, a Autora alega que a R. sempre reconheceu os vícios de que padecia a máquina em causa, tanto mais que foi tentando eliminá-los, e pugna pela improcedência da exceção de caducidade invocada pela Ré na sua contestação.

A final foi proferida sentença que, considerando não advirem os danos invocados de defeito/vício da coisa vendida mas antes da falta de zelo na falta de zelo na instalação da mesma devendo o aspecto jurídico da causa ser perspectivado sob o prisma da responsabilidade civil aquiliana e não contratual, julgou improcedente a excepção de caducidade (prescrição) e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e de €138,05 a título de indemnização por danos patrimoniais e ainda nas quantias a liquidar em execução de sentença como indemnização pelos prejuízos pela mesma demandante sofridos em consequência dos factos referidos nos pontos 57 (com o limite de €100.000,00) e 67 e 68 (com o limite de €78.098,66), absolvendo-se a Ré do mais peticionado.

Inconformada apelou a Ré tendo a Relação, depois de considerar a sentença nula por excesso de pronúncia, ambiguidade e ininteligibilidade ao apreciar a questão sob o prisma da responsabilidade civil aquiliana, alterado a matéria de facto e, em consequência, uma vez indemonstrada a causa de pedir, revogado a sentença e absolvido a Ré do pedido. Dando por prejudicada a questão da caducidade

Agora irresignada intentou a Autora recurso de revista concluindo, em síntese, pela não nulidade da sentença, pelo por mau uso pela Relação dos poderes de reapreciação da matéria de facto e por erro de julgamento.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido e se ampliou o objecto do recurso requerendo a apreciação da invocada excepção de caducidade.


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

           

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.

           


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Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

E a este propósito logo se levanta a problemática da relevância da questão da nulidade da sentença para a apreciação das questões que constituem o objecto do recurso e do mérito da causa. É que tendo-se a Relação, não obstante a declaração de nulidade da sentença por excesso de pronúncia e ininteligibilidade, substituído ao tribunal recorrido, nos termos do artigo 665º do CPC, e conhecido do objecto da apelação, surge como inócua, porque sem qualquer consequência para o desfecho da causa, a apreciação do acerto da decisão quanto à nulidade da sentença e, consequentemente destituída de qualquer utilidade.

A apreciação de tal questão redundaria em acto inútil, de interesse meramente académico e sem qualquer repercussão na apreciação do objecto do recurso, sendo que a prática de tais actos é tida por ilícita, nos termos do artigo 130º do CPC.

Daí que se entenda não tomar conhecimento do objecto do recurso nessa parte.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

- do mau uso dos poderes pela Relação;

- do erro de julgamento;

- da caducidade.


III – Os factos

A Relação fixou a seguinte factualidade:

           

FACTOS PROVADOS

1.    A. dedica-se á produção de queijo e seus derivados [art1PI].

2.    Na queijaria de que é proprietária, em ..., ... [art2PI].

3.     No dia 30.03.2012 a A. adquiriu à Ré um “grupo ordenha flaco 300 lts a óleo c/ reservatório valvo e chapa c/ valvómetro e regulador de vácuo e motor monofásico de 1,5 cv”[art3PI]

4.   Pelo preço de €2.260,00 (cfr. doc. nº1 e 2) [art4PI].

5.   A máquina foi entregue pela ré na mesma data [art4contestação].

6.     N esse mesmo dia adquiriu, também, “três pontos de ordenha em silicone de linha baixa. tetina 1250, cfr. doc. nº 3 que se dá por integralmente reproduzido [art5PI].

7.   Nessa data a máquina foi montada pelos funcionários da Ré [art6PI].

8. Nessa data a A. ainda não tinha luz elétrica nas suas instalações [art7PI].

9.  E faltava concluir algumas obras [art8PI].

10.  O que só veio a acontecer em Outubro de 2015 [art9PI].

11.   Antes dessa data, e com a ajuda de um gerador, a A. tentou que a máquina funcionasse [art10PI].

12.   Um técnico eletricista, de nome BB, informou a A. que não era possível a máquina funcionar, pois a entrada de corrente no motor da ordenha encontrava-se invertida [art11PI].

13.   O que levava a que, fosse com que gerador fosse, a máquina não funcionava [art14PI].

14.  O eletricista da A. (BB) inverteu a entrada de corrente do motor e o mesmo começou a funcionar [art18PI].

15.  Nem A. nem Ré fizeram qualquer intervenção no motor [art15PI].

16.  A seu pedido deslocou-se às instalações da autora, em outubro de 2015, um técnico comercial da Ré, o Sr. CC [art16PI].

17. Motivado pelo pedido da A., em Março de 2016 a Ré enviou novo funcionário (sr. DD) [art25PI].

18.   Nessa data o funcionário da Ré realizou as seguintes operações [art26PIe12resposta]:

c)   Colocou válvula de drenagem;

d)  Colocou vacuómetro 0 80 mm, entrada ½ regulável;

e)  Colocou tubo 13,5x24,7 borracha (20m) - Leite e vácuo (3,00);

f)   Colocou chave de rin, de plástico, 16 mm;

g)  Colocou tomada recta completa de 16mm (40-60) (3 un);

h) Colocou tampão reduzido 38-40 a 16 mm;

i) Colocou consola para instalação ½ (3 un);

j) colocou tubo 16x27 borracha 820 m) - Leite e vácuo (2 un) (cfr. doc. nº 4)

19.  A ré emitiu a fatura nº 64, cuja cópia consta de fls. 12, nela referindo “ARTIGOS PARA GARANTIA” [art27PI].

20.   Sem referência a qualquer valor [art28PI].

21.    A A., de tanto material e alterações, apercebeu-se que a ordenha não poderia (como não estava) estar a funcionar nas corretas condições [art29PI] - eliminado acima.

22.    Em Maio de 2016 a A. enviou uma carta à Ré cuja cópia constitui o doc. nº 5 de fls. 13 cujo teor se dá por reproduzido [art39PI].

24.   A que responde a Ré em 24.Maio.2016 (cfr. doc. nº6) [art40PI]

25.    A A. é associada da Associação Nacional de Criadores de Ovinos da Serra da Estrela (cfr. doc. nº 34) [art41PI]

26.    Nessa qualidade, e porque lhe incumbe pugnar pela qualidade do queijo produzido pelos seus associados, a ANCOSE, no dia 16.06.2016, enviou uma carta à Ré, cuja cópia constitui o doc. 7 de fls. 15 cujo teor se dá por reproduzido [art42PI].

27.   Não obtendo qualquer resposta [art43PI].

28.    Também o mandatário da A. em 18.08.2016 enviou uma carta à Ré, com vista à resolução extrajudicial do assunto. (cfr. doc. nº10 de fls. 18) [art44PI].

29.   Também não obteve qualquer reposta [art45PI].

30.    O sistema de ordenha foi montado sem válvula de retenção [art30e46PIePIcorrigida a fls. 92/93] - este ponto foi dado como não provado acima.

31.   Tal falta provocou o enchimento do circuito de vazio com leite [art30e46PIePIcorrigida a fls. 92/93] - este ponto foi dado como não provado acima.

32.   Os tubos de má qualidade permitiram o aparecimento e acumulação de sujidade [art30e46PIePIcorrigida a fls. 92/93] - este ponto foi dado como não provado acima.

33.  Havia pontos mortos no sistema de ordenha [art30e46PIePIcorrigida a fls. 92/93]este ponto foi dado como não provado acima.

34. Levando ao aparecimento de uma levedura [art30e46PIePIcorrigida a fls. 92/93] - este ponto foi dado como não provado acima.

35.  Levedura essa denominada de “yarrowia lipolytica” [art47PI] - este ponto foi dado como não provado acima.

36.  Que se encontra disseminada por toda a queijaria da A. [art49PI] - este facto foi dado como não provado acima.

37.   Impedindo a A. de produzir queijo certificado e com aceitação comercial [art50PI] - este facto foi dado como não provado acima.

38.  E exercer a sua atividade profissional [art51PI] - este facto foi dado como não provado acima.

39.  Que é o seu único “ganha-pão” [art52PI].

40.   A A. há mais de 20 anos que trabalha no setor [art53PI].

41.  Sempre com grande qualidade [art54PI].

42.   Com os seus produtos certificados e reconhecidos [art55PI].

43.       A A. colocou expetativa na produção de queijo e seus derivados [art57PI].

44.   Quis fazer da sua queijaria o seu modo de vida [art58PI].

45.   Custa, e muito, à A. ter que abandonar os seus sonhos e tanto esforço para começar com a sua produção [art60PI].

46.   A A. tem 45 anos de idade, receia e teme pela sua situação profissional futura - cfr. doc nº 13 [art61PI].

47.   Os factos descritos provocaram na A. “Perturbação da Adaptação com estado misto de ansiedade e humor depressivo (F 43.22 - CID 10). (cfr. doc. nº14) [art62PI] - este facto foi dado como não provado acima.

48.   Sem obter, até à data, quaisquer melhoras [art63PI] - este facto foi dado como não provado acima.

49.    Continua com apoio médico psiquiátrico (cfr. doc. nº 15 e 16) [art64PI]- este facto foi dado como não provado acima.

50.   Encontrando-se a ser medicada [art65PI] - este facto foi dado como não provado acima.

52.    Contactava, diariamente, com clientes, fornecedores e amigos [art67PI].

53.    A A. sente-se, agora, com o fim da produção, amargurada [art68PI].

54.  A A. investiu na construção da sua queijaria quantia não apurada [art71PI] - este facto foi dado como não provado acima.

55.    Não tendo, nesta data, atenta a impossibilidade de descontaminação, o efeito útil pretendido para aquele investimento [art72PI]- este facto foi dado como não provado acima.

56.    Não proporcionando à A. qualquer tipo de rendimento [art73PI] - este facto foi dado como não provado acima.

57.   Tal situação de total improdutividade presente e futura dos investimentos feitos pela A. na previsão de continuidade na produção, por muitos mais anos, causou à A. um prejuízo não apurado [art74PI]- este facto foi dado como não provado acima.

58.   Desde a data em que parou com fabrico a A. tem tentado erradicar a levedura [art75PI] - este facto foi dado como não provado acima.

59.    Adquirindo a várias empresas diversos produtos [art76PI] - este facto foi dado como não provado acima.

60.    Gastando na sua compra a quantia de €138,05. (cfr. does. n°s. 17 a 22) [art77PI] - este facto foi dado como não provado acima

61.    Sem qualquer sucesso [art78PI]- este facto foi dado como não provado acima.

62.   Não existe no mercado nem é conhecido pela ciência qualquer forma de erradicar eficazmente tal levedura [art79PI].

63.   A autora entregou ao E..., SA. (cfr. docs. nºs 25 a 28) 5180 kg de materiais impróprios para consumo ou processamento [art88PI].

64.       Nos anos de 2015 e 2016 a A. adquiriu a dois produtores de leite, a EE a quantidade de 4.185 litros, e a FF a quantidade de 4.695 litros. (cfr. doc. 35 a 41) no total de 8800 litros [art89/90PI].

65.   O leite é transformado em queijo à média de 5 litros de leite para 1 kg de queijo [art91PI].

66.   O queijo tem preço médio de €15,00 kg [art92PI].

67.  Não resta outra solução técnica à A. senão construir de novo a queijaria e repor a maquinaria [art97PI]- este ponto foi dado como não provado acima.

68.  Contando a A. gastar quantia não apurada [art98PI]- este ponto foi dado como não provado acima.

69.   A A. tinha muitos clientes [art101PI] - este ponto foi dado como não provado acima.

70.   A quem vendia a totalidade do queijo produzido [art102PI] - este ponto foi dado como não provado acima.

71.    Tendo conseguido essa carteira de clientes e o volume de negócios à custa da qualidade superior do queijo e ao árduo trabalho desenvolvido pela A. [art103PI]- este ponto foi dado como não provado acima.

72.  O volume de vendas caiu [art104PI] - este ponto foi dado como não provado acima.

73.    Em valor não apurado [art105PI] - este ponto foi dado como não provado acima.

74  - O técnico da Ré explicou à A., de forma verbal, como fazer a manutenção e a limpeza da máquina de ordenha, na ocasião referida nos pontos 17 e 18 (Março de 2016) - facto aditado supra.

75  - Em Março de 2012 a A. exercia a atividade profissional de indústria do leite e seus derivados, bem como de produção animal, enquanto empresária em nome individual - facto aditado supra.

76  - Nem a máquina de ordenha, nem os seus componentes, acessórios e pontos de ordenha foram sujeitos ou neles foi efetuada pela Ré qualquer soldadura - facto aditado supra.

77 - As operações efetuadas pela Ré em Março de 2016 e a que se reporta o ponto 18 incidiu na deslocação do sistema de vácuo (máquina ou motor) do local onde fora antes colocado para um novo local, indicado pelo marido da A., para tal efeito - facto aditado supra.

FACTOS NÃO PROVADOS

Da petição inicial:

10.  … apenas como teste…

11.  E em três tentativas, nunca obteve sucesso.

12.   A A. comunicou tal facto à Ré que prontamente, enviou técnico eletricista

16. … que solicitou à A. que, a fim de por a ordenha a funcionar, lhe arranjasse um gerador.

17.   A A. arranjou três geradores diferentes.

18.   O técnico da Ré (o Sr. CC) inverteu a entrada de corrente do motor.

19.   O técnico da Ré comprometeu-se, junto da A., em voltar a passar a fim de explicar à A. o sistema de funcionamento e o circuito de manutenção e limpeza.

20.  Certo é que nunca mais apareceu.

21.  Esclareça-se, também, que a R. nunca forneceu à A. qualquer livro de instruções ou qualquer manual da ordenha.

22.  Nem prestou qualquer orientação técnica.

24. Tendo a A. comunicado telefonicamente com a Ré:

a)   O leite estava com má qualidade;

b)  O leite apresentava-se com leveduras e fermentos;

c)    No vácuo existia retenção de levedura, quando nada ali devia existir.

26.

a)  eliminou pontos críticos de soldadura rugosa que já existiam e que retinham algumas partículas de leite;

b)   eliminou tubagem em excesso;

k) alterou a disposição dos tubos, alterando, também, o esquema de montagem da máquina.

32.  O que nunca tinha sido feito.

33.  mais: voltou a não deixar qualquer manual de instruções e manutenções.

34.       Em Abril/Maio desse ano, o representante legal da Ré, telefonou à A. dizendo- lhe que se iria deslocar ás instalações da A. para aí se inteirar dos prejuízos causados e poder repará-los.

35.  O que, até à data, não sucedeu.

36.  Surgindo à A. cada vez mais problemas, no funcionamento da queijaria.

37.  E acrescentando prejuízos.

38.  Até que a A. se decidiu, em Maio/Junho 2016 em parar definitivamente a máquina e a produção de queijo e requeijão.

59. Pretendia ali passar o resto dos seus dias laborais.

69. Por outro lado, sem conhecerem dos motivos que conduziram ao encerramento da queijaria, alguns clientes e até outras pessoas, têm levantado duvidas sobre a seriedade profissional da A., pondo em causa a sua honra e o seu bom nome profissional.

82.  De tal forma fortes eram os produtos com que tentava erradicar a levedura, que levou que A. danificasse até a própria câmara frigorífica.

83.   Tendo que pagar €299,51 no seu arranjo.

84.  Quase todo o queijo produzido após a montagem da máquina da Ré, foi destruído.

85.  Enterrando-o;

86.   Dando-o aos animais;

87.   Distribuindo-o pelos contendores do lixo da localidade.

93. Que deixou de receber pois todo esse queijo foi destruído, por não estar próprio para consumo, em consequência da montagem da máquina da Ré.

96. Para além disso, viu-se a A. com dificuldades financeiras, tendo em 05.09.2016 que pedir €5.000,00 emprestados ao seu pai.

99. E a quantia de €6.300,00 acrescido de IVA para a aquisição de uma nova câmara de cura de queijo. (cfr. doc nº 33).

Da contestação:

44. Os elementos constantes da fatura em causa não se reportam a qualquer intervenção para correção de quaisquer defeitos na máquina, mas sim a uma alteração na localização do grupo de vácuo dentro das instalações da A., pelo facto da R ter sido sensível ao facto da A. apenas em Outubro de 2015 ter concluído as obras nas suas instalações, tendo esses serviços sido efetuados a título gracioso pela R, por esse motivo e atento o bom relacionamento mantido com a A..


IV – O direito

A recorrente coloca em causa a decisão proferida pela Relação quanto à impugnação da matéria de facto, imputando-lhe a violação dos poderes-deveres que, em substância, se reconduzem às alíneas a), b) e d) do n.º 2 do art. 662.º do CPC. Segundo o que afirma, “na reapreciação da prova feita pela Tribunal recorrido, o Tribunal da Relação, não deveria ter procurado obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido.”

O tribunal “a quo”, neste conspecto, decidiu: eliminar o ponto 21 da matéria de facto provada; considerar os pontos 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38, 47, 48, 49 e 50 como não provados; excluir da matéria de facto provada os pontos 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60 e 61.

Decidiu, por outro lado, o acórdão recorrido aditar à matéria de facto provada os seguintes factos, por sobre os mesmos ter recaído acordo das partes - 74 – O técnico da Ré explicou à A., de forma verbal, como fazer a manutenção e a limpeza da máquina de ordenha, na ocasião referida nos pontos 17 e 18 (Março de 2016); 75 – Em Março de 2012 a A. exercia a atividade profissional de indústria do leite e seus derivados, bem como de produção animal, enquanto empresária em nome individual; assim como a seguinte facticidade, por resultar da produção da prova testemunhal: 76 – Nem a máquina de ordenha, nem os seus componentes, acessórios e pontos de ordenha foram sujeitos ou neles foi efetuada pela Ré qualquer soldadura (por resultar da produção de prova testemunhal); 77 – As operações efetuadas pela Ré em Março de 2016 e a que se reporta o ponto 18 incidiu na deslocação do sistema de vácuo (máquina ou motor) do local onde fora antes colocado para um novo local, indicado pelo marido da A., para tal efeito.

Constitui jurisprudência consolidada a de que “ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-11-2021, Processo n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1). No mesmo sentido se pronunciaram, a título exemplificativo, os acórdãos de 19-09-2017, Processo número 3805/04.0TBSXL.L1.S1, e de 30-05-2019, Processo número 156/16.0T8BCL.G1.S1.

Como sublinha Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 332), o atual art. 662.º do Código de Processo Civil (através dos seus n.os 1 e 2/a)/b)) representa uma clara evolução no sentido de que a Relação dispõe de autonomia decisória, “competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos em discórdia.” Segundo o mesmo autor “está afastada, em definitivo, a defesa de que a modificação na decisão da matéria de facto apenas deve operar em casos de «erros manifestos» de reapreciação (…).”

Também Teixeira de Sousa (“Prova, Poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, Cadernos de Direito Provado, n.º 44, p. 34) sublinha que “o atual 662.º aumenta os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto, pelo que o standard que o Supremo Tribunal de Justiça passará a dever utilizar para controlar esse julgamento é o da aplicação pela Relação de todos os poderes que agora lhe são legalmente concedidos.”

Cumpre, assim, apreciar o modo como a decisão recorrida exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, aquilatando se existiu, por parte da mesma, ao alterar a decisão proferida pela primeira instância, uma aplicação errada da lei de processo (art. 674.º/1/b) do Código de Processo Civil).

Invoca a recorrente que a Relação deveria ter ordenado a renovação da prova ou ordenado a produção de novos meios de prova, nos termos permitidos pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 662.º do CPC, aduzindo que “havendo uma convicção diferente quanto à prova produzida, mas não uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o tribunal da Relação, actuando como instância, terá que conceder na existência de dúvida séria e renovar a prova ou produzir novos meios de prova, já que o legislador, ciente de que a imediação, a oralidade e a completude estão bem mais presentes na primeira instância do que na segunda, lho impõe.”

Sendo irrefutável que o STJ pode censurar o não uso pela Relação do poder de ordenar a renovação de prova (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Prova, Poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, Cadernos de Direito Provado, n.º 44, p. 34), a verdade é que tal renovação só se justificará quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento (Abrantes Geraldes, ob. cit, p. 341). Do mesmo modo, a possibilidade de a Relação ordenar a produção de novos meios de prova opera em casos de fundada dúvida sobre a prova realizada, sendo que, como se deixou escrito no acórdão do STJ de 16-12-2020, Processo n.º 277/12.9TBALJ-B.G1.S1, “dúvida séria ou fundada é aquela que, por um lado, surge da incerteza quanto ao preenchimento do adequado estalão probatório, e que, por outro lado, se apresenta como susceptível de, segundo padrões de praticabilidade, ser resolvida. Não há dúvida séria/fundada se se tem por adquirido o preenchimento ou não preenchimento do adequado estalão probatório, nem se, apesar da incerteza, não se descortina modo útil e efectivo de a afastar.”

No que se refere ao ponto 21, foi a sua exclusão do âmbito da factualidade assente decidida por se reconduzir a matéria conclusiva e não fáctica, traduzindo uma mera opinião da autora.

No que respeita ao ponto 30, foi pela Relação adotado um estalão probatório mais exigente do que o da primeira instância que a levou a adquirir uma convicção probatória negativa a respeito da factualidade em causa, tendo em conta o lapso temporal decorrido entre a data de montagem da máquina (2012) e data em que as duas testemunhas GG e Engº HH - que relataram não existir a mencionada válvula – se deslocaram às instalações da autora.

Quanto aos pontos 32 a 38, entendeu a Relação não ter sido produzida prova bastante da sua ocorrência, dando por não preenchido o estalão probatório considerado adequado, idêntica conclusão valendo para a facticidade expressa nos pontos 47, 48, 49 e 50.

Quanto à factualidade expressa nos pontos 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60 e 61, concluiu o tribunal “a quo” pela sua irrelevância em face do objeto do litígio, considerando que a queijaria ardeu nos incêndios ocorridos em outubro de 2017.

Relativamente aos factos constantes dos pontos 67, 68, 69, 70, 71, 72 e 73, considerou o Tribunal da Relação de Coimbra serem, em parte, irrelevantes, assim como não se encontrar preenchido o estalão probatório tido por adequado para a demonstração da sua realidade.

Em suma, da leitura da convicção da fundamentação da Relação não se extrai que a mesma tenha tido qualquer dúvida séria sobre a credibilidade de um depoimento testemunhal ou sobre o seu sentido ou mesmo que tenha surgido uma situação de incerteza quanto à prova realizada.

Cremos assim, não se verificar na atuação do tribunal recorrido qualquer incumprimento dos poderes-deveres a que se reportam as alíneas a) , b) e d) do n.º 2 do art. 662.º do CPC.

Por outro lado, há que sublinhar que a decisão impugnada, para concluir pela reconfiguração da matéria de facto assente, procedeu a uma apreciação da prova testemunhal (auditando os depoimentos das testemunhas relevantes) examinando, de forma crítica ainda que sintética, tais meios de prova e formando uma convicção própria sem se refugiar em critérios imprecisos de análise. O Tribunal da Relação de Coimbra exteriorizou o seu percurso de convencimento em termos racionais e coerentes, sem deixar de considerar o acervo fáctico na sua globalidade. Não se descortina, pois, qualquer violação do art. 662.º/1 do Código de Processo Civil, ao contrário do que pretende a recorrente.

Por outra banda, não se vislumbra qualquer violação da disciplina processual contida no n.º 5 do art. 607.º do CPC, tendo em conta que o tribunal “a quo” indicou os meios de prova concretos que esteiraram a sua convicção a propósito da materialidade probanda, explicitando as razões que o levaram a adotar um determinado sentido decisório relativamente a cada um dos factos impugnados pelo aí apelante, não se detetando qualquer transposição dos limites legalmente estabelecidos à livre apreciação.

Não é demais salientar, a este propósito, que, não se discutindo “in casu” a violação pela decisão recorrida das regras atinentes a prova vinculada ou prova com força legalmente vinculativa, o Supremo Tribunal de Justiça se encontra impedido, nos termos do disposto nos arts. 662.º/4 e 674.º/3, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, de sindicar o acerto da decisão tomada por parte do tribunal “a quo” a respeito da impugnação da matéria de facto suscitada em sede de apelação (cfr., entre outros, os acórdãos STJ de 16-06-2020, Processo n.º 6791/18.5T8PRT.P1.S1, de 14-01-2020, Processo n.º 154/17.7T8VRL.G1.S2, de 14-01-2021, Processo n.º 2342/15.1T8CBR.C1.S1 e de 29-09-2022, Processo n.º 499/17.6T8STB.E1.S1.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso nessa parte.

Invoca, ainda, a recorrente que a factualidade julgada provada no acórdão recorrido suporta conclusão jurídica diversa daquela que foi tirada pelos seus subscritores, pugnando pela responsabilização da ré pela montagem deficiente da máquina de ordenha a esta adquirida que propiciou uma deficiente higienização nas suas soldaduras, levando ao aparecimento de uma levedura no leite que se disseminou por toda a queijaria da autora.

O enquadramento jurídico do processo empreendido pelas instâncias divergiu em termos essenciais: enquanto que a primeira instância enquadrou a pretensão da autora no âmbito da responsabilidade extracontratual, por os danos invocados pela recorrente não consubstanciarem danos na coisa vendida, assumindo a natureza de danos “extra rem”, toda a fundamentação do tribunal da Relação aponta para o enquadramento do objeto processual no âmbito da responsabilidade contratual (ainda que a referência expressa a esta fonte das obrigações tenha sido omitida), tendo o tribunal “a quo” considerado não ter a autora logrado demonstrar os factos integrantes da causa de pedir alegada, isto é, que tivesse tido origem nos componentes da máquina de ordenha uma alegada ocorrência infestante da queijaria ou que o sistema montado pela ré em 2012 sofresse de algum defeito, (designadamente da falta de válvulas) ou mesmo que o aparecimento de uma levedura nos queijos se tenha ficado a dever a um deficiente funcionamento do sistema de ordenha em causa.

Independentemente da natureza da responsabilidade em causa, ante a modificação operada em sede de matéria de facto adquirida (em concreto, a circunstância de os factos constantes dos pontos 30 a 38 terem transitado para a matéria de facto não provada) não se pode imputar à ré uma atuação ilícita violadora de um direito subjetivo da autora (na perspetiva da responsabilidade extracontratual) ou desconforme com o programa contratual gizado entre as partes (sob a ótica da responsabilidade contratual) suscetível de imputar à recorrida a produção de danos que a recorrente igualmente não logrou provar, como lhe incumbia (artigo 342.º/1 do CC).

Do que resulta, inelutavelmente, que também nessa parte o presente recurso deverá ser julgado improcedente, com a confirmação da decisão recorrida, resultando prejudicada a apreciação da ampliação do âmbito do mesmo apresentada pela ré.


V – Decisão

Termos em que se decide:

- não tomar conhecimento do objecto do recurso relativo à declaração de nulidade da sentença da 1ª instância;

- no mais, negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas, aqui e nas instâncias, pela Recorrente.

                                                                     

Lisboa, 22JUN2023

Rijo Ferreira (relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista