Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
90/23.8JAFAR-E.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LATAS
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO ILEGAL
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
DECISÃO INSTRUTÓRIA
Data do Acordão: 10/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I- Não obstante a literalidade do artigo 222º nº 2 a) CPP, o STJ tem entendido consensual e repetidamente que - justificando-se o acesso direto e expedito ao STJ através da providência, excecional, de habeas corpus pelo propósito de fazer cessar rapidamente estados ilegais de privação da liberdade nas hipóteses, taxativas e manifestas, previstas nas três alíneas do artigo n.º 222º CPP - o habeas corpus não constitui meio processual próprio para reapreciar de per si os fundamentos da decisão que determine a prisão preventiva, nem para impugnar outras decisões processuais ou arguir nulidades, ou irregularidades, substituindo-se àqueles meios legais.

II- No caso presente, os recorrentes pretendem, objetivamente, que o STJ, fora do regime legal de impugnação legalmente previsto, decida por cima e para além das decisões judiciais que já conheceram e decidiram, em 1º instância e por via de recurso, a questão jurídica que invocam, e que se antecipe ainda a tribunal de recurso que os recorrentes entendam convocar novamente. O que desborda claramente da razão de ser e do figurino legal da providência de habeas corpus, tal como o STJ tem repetidamente afirmado ao longo dos anos, conforme referido.

Decisão Texto Integral:

Processo: 90/23.8JAFAR-E.S1

Habeas Corpus

NUIPC 90/23.8JAFAR-E.S1

5ª Secção Habeas Corpus

ACÓRDÃO

Acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I RELATÓRIO

1. AA, BB, CC e

DD, arguidos presos à ordem dos presentes autos que correm termos no J. do Juízo Central Criminal de... - Tribunal Judicial da Comarca de Faro - e neles melhor identificados, vieram em 16.10.23, em petição conjunta subscrita pelo seu mandatário, requerer a concessão da providência de habeas corpus invocando o disposto no artigo 222.º do CPP, com os seguintes fundamentos, que se transcrevem integralmente:

« 1º - No dia 07/03/2023, pelas 20h25, nas coordenadas de latitude 35º 39' N e longitude 006º 36' W, a cerca de ... milhas náuticas a sul/ sueste do ... (cerca de 29 milhas náuticas de território marroquino - cidade de ...), foram os Arguidos detidos pela Polícia Marítima;

2º - Nenhum dos Arguidos tem Nacionalidade Portuguesa.

3º - As coordenadas 35º 39' N e longitude 006º 36' W, a cerca de ... milhas náuticas a sul/ sueste do ... (cerca de 29 milhas náuticas de território marroquino, situam-se em águas da Zona Económica Exclusiva do Reino de Marrocos (Vide docs.1 e 2).

4º - A Embarcação onde os Arguidos seguiam não tem bandeira Portuguesa, nem a mesma tinha como destino o Território nacional.

5º - As coordenadas 35º 39' N e longitude 006º 36' W, a cerca de ... milhas náuticas a sul/ sueste do ... (cerca de 29 milhas náuticas de território marroquino, não se situam em águas que se possam considerar Mar Territorial ou Zona Económica Exclusiva de Portugal (Vide docs.l e 2).

6º - Em 10 de dezembro de 1982 foi aprovada e assinada por Portugal a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, de ora em diante designada por C.N.U.D.M.;

7º - Estipula o artigo 4º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas:

1 - Cada Parte:

a) Adopta as medidas necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que tipificar de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, quando:

i) A infracção for cometida no seu território;

ii) A infracção for cometida a bordo de um navio arvorando o seu pavilhão ou de uma aeronave com matrícula conforme com a sua legislação no momento em que a infracção é cometida;

b) Pode adoptar as medidas necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que tipificar de acordo com o n.º 1 do artigo 3. º, quando:

i) A infracção for cometida por um nacional seu ou por pessoa com residência habitual no seu território;

ii) A infracção for cometida a bordo de um navio em relação ao qual essa Parte está autorizada a tomar medidas adequadas, nos termos do artigo 17.º, desde que essa competência seja exercida unicamente com base nos acordos ou protocolos previstos nos n. os 4 e 9 do mesmo artigo;

iii) Se trate de uma infracção estabelecida de acordo com a alínea c), iv), do n.º 1 do artigo 3, º e for cometida fora do seu território com vista à prática, no seu território, de uma infracção estabelecida de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º

2 - Cada Parte:

a) Adopta igualmente as medidas necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que tipificou de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, quando o presumível agente se encontre no seu território e a referida Parte o não extradite para o território de uma outra Parte com fundamento em que:

i) A infracção foi cometida no seu território ou a bordo de um navio arvorando o seu pavilhão ou de uma aeronave com matrícula conforme com a sua legislação no momento em que a infracção foi cometida; ou

ii) A infracção foi cometida por um nacional seu;

b) Pode igualmente adoptar as medidas necessárias para estabelecer a sua competência em relação às infracções que tipificou de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º, quando o presumível agente se encontre no seu território e a referida Parte o não extradite para o território de uma outra Parte.

3 - A presente Convenção não exclui o exercício de qualquer competência em matéria penal estabelecida por uma Parte de acordo com o seu direito interno."

8º - No caso Sub judice resulta à abundância que:

• A infracção não foi cometida no território nacional;

• A infracção não foi cometida a bordo de um navio arvorando o pavilhão português;

• A infracção não foi cometida por um nacional ou por pessoa com residência habitual em Portugal; • A infracção não foi cometida a bordo de um navio em relação ao qual o Estado Português está autorizado a tomar medidas adequadas, nos termos do artigo 17.º;

• Não se trata de uma infracção estabelecida de acordo com a alínea c), iv), do n.º 1 do artigo 3.º, cometida fora do território Português com vista à prática, em Portugal, de uma infracção estabelecida de acordo com o n.º 1 do artigo 3.º

9º - Resulta, portanto, que as Autoridades Portuguesas violaram de forma clara o artigo 4º da CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS.

Mas mais,

10º - O Senhor Procurador da República ex Coordenador do DIAP de Lisboa, Dr. Manuel Gonçalves, in coleção formação contínua, Direito penal e Processual Penal (2012-2015), Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2016, pág. 135, referiu:

"Na ausência de convenções bilaterais entre o Estado Costeiro e o Estado do pavilhão, impõe-se analisar o que decorre, a este respeito, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 3 de Abril, rectificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67- A/97, de 14/10:

Prescreve o art.º 2º da Parte II, Secção 1ª da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar que:

"A Soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das suas águas interiores e, no caso de Estado arquipelágico, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designado pelo nome de mar territorial,

Esta soberania estende-se ao espaço sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.

A soberania sobre o mar territorial é exercida de conformidade com a presente Convenção e as demais normas de direito internacional."

A largura do mar territorial foi fixada em 12 milhas marítimas.

Da análise da aludida Convenção resulta que apenas no art.º 27º, sobre o título Jurisdição penal a bordo de navio estrangeiro, se prevê que:

"A jurisdição penal do Estado costeiro não será exercida a bordo de navio estrangeiro que passe pelo mar territorial com o fim de deter qualquer pessoa ou de realizar qualquer investigação, com relação a infracção criminal cometida a bordo desse navio durante a sua passagem, salvo nos seguintes casos:

a) Se a infracção criminal tiver consequências para o Estado costeiro; (...)

d) Se estas medidas forem necessárias para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas.

2. As disposições precedentes não afectam o direito do Estado costeiro de tomar as medidas autorizadas peio seu direito interno, a fim de proceder a apresamento e investigações a bordo de navio estrangeiro que passe pelo seu mar territorial procedente de águas interiores.

3. Nos casos previstos nos números 1 e 2, o Estado costeiro deverá, a pedido do capitão, notificar o representante diplomático ou o funcionário consular do Estado de bandeira antes de tomar quaisquer medidas, e facilitar o contacto entre esse representante ou funcionário e a tripulação do navio. Em caso de urgência, essa notificação poderá ser feita enquanto as medidas estiverem sendo tomadas.

4. Ao considerar se devem ou não proceder a um apresamento e à forma de o executar, as autoridades locais devem ter em devida conta os interesses da navegação.

5. Salvo em caso de aplicação das disposições da parte XII ou de infracção às leis e regulamentos adoptados de conformidade com a parte V, o Estado costeiro não poderá tomar qualquer medida a bordo de um navio estrangeiro que passe pelo seu mar territorial, para a detenção de uma pessoa ou para proceder a investigações relacionadas com qualquer infracção de carácter penai que tenha sido cometida antes de o navio ter entrado no seu mar territorial, se esse navio, procedente de um porto estrangeiro, se encontrar só de passagem pelo mar territorial sem entrar nas águas interiores".

Tenha-se presente que as disposições da parte XII estão relacionadas com a protecção e preservação do meio marinho enquanto que a parte V está relacionada com a Zona Económica Exclusiva regulada pelos art.ºs 55º e ss, tutelando-se direitos de soberania relacionados com a exploração, aproveitamento, conservação e gestão de recursos naturais.

Trata-se de uma jurisdição específica, na qual não cabe, salvo no caso de existirem convenções bilaterais em contrário, a possibilidade de abordagem, no domínio do tráfico de drogas, ao invés do que sucede nos termos em que se encontra previsto no art.º 27º antes citado. "

11º - Mas para que não restem quaisquer dúvidas sobre a flagrante ilegalidade cometida nos presentes autos, continua o mesmo Autor:

Finalmente, a regulamentação das situações ocorridas no Alto Mar estão previstas nos artºs 86º e ss. da aludida Convenção.

A liberdade do alto mar está prevista no art.º 87º da Convenção antes citada.

É certo que no art.º 108º, sob a epígrafe "Tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas", se prevê o seguinte:

"1- Todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.

2- Todo o Estado que tenha motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas poderá solicitar a cooperação de outros Estados para pôr fim a tal tráfico".

No entanto, a verdade é que a aludida Convenção no art.º 110º referindo-se ao direito de visita estipula que:

Salvo nos casos em que os actos de ingerência são baseados em poderes conferidos por tratados, um navio de guerra que encontre no alto mar um navio estrangeiro que não goze de completa Imunidade de conformidade com os artigos 95º e 96º não terá o direito de visita, a menos que exista motivo razoável para suspeitar que:

a) O navio se dedica a pirataria;

b) O navio se dedica ao tráfico de escravos;

c) O navio é utilizado para efectuar transmissões não autorizadas e o Estado de bandeira do navio de guerra tem jurisdição nos termos do artº 109º;

….

Ou seja, no alto mar com excepção dos casos de tráfico de escravos, pirataria e da situação referida em c) vale a jurisdição do Estado do pavilhão da embarcação, não estando previsto, sequer, o direito de visita nos casos de suspeita de tráfico de estupefacientes.

(Negrito, Itálico e Sublinhado Nossos)

12º - "Podemos definir o mar territorial como uma estreita faixa de mar que se estende desde as linhas de base do Estado costeiro ou arquipélago em direção ao mar. O conceito de território de um Estado estende-se às águas interiores ao seu mar territorial, assim, como ao espaço aéreo sobre o seu território, que lhe estão imediatamente adjacentes. O território marítimo é um elemento essencial inseparável do território terrestre, sendo reconhecido o princípio geral de direito de que as águas dependentes do território do Estado lhe pertencem ipso facto, ou que a terra domina por intermédio das suas costas e litoral adjacente" Fátima Castro Moreira, in Comentários à Convenção Das nações Unidas Sobre o Direito do mar, Almedina, 2022, pág, 97.

13º - Conforme resulta do artigo 2o da CNUDM:

"1. A soberania do Estado costeiro estende-se além do seu território e das saus águas interiores e, no caso de Estado arquipélago, das suas águas arquipelágicas, a uma zona de mar adjacente designada pelo nome de mar territorial.

2. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e ao subsolo deste mar.

3. A soberania sobre o mar territorial é exercida em conformidade com a presente Convenção e as demais normas de direito internacional."

14º - Ao contrário dos poderes do Estado no domínio do mar territorial (vide, por exemplo, o art.º 27º, n.ºl, alínea d) da Convenção sobre o Direito do Mar, na Zona Económica Exclusiva (ZEE) apenas é permitido o exercício de direitos de soberania e jurisdição voltados essencialmente para a exploração, conservação, utilização e gestão dos recursos naturais (art.º 55º e sss. Da Convenção Sobre o Direito do mar, ou seja, "encontram-se em relação directa com os direitos de raiz económica que a comunicade internacional lhe reconhece." Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 17/08/1997, integralmente disponível em www.dgsi.pt sob o n.º convencional PGRP00000928. 15º - Por outro lado, no caso em apreço, nem se pode invocar um alegado "Direito de Visita" plasmado no artigo 110º da Convenção Sobre o Direito do Mar.

16º - Isto porque, o direito de visita não está previsto em matéria de combate e repressão ao tráfico de estupefacientes e foi este, e não outro, o fundamento de abordagem da embarcação.

17º - Ademais, muito embora o citado artigo 108º da Convenção estabeleça o princípio da cooperação entre os Estados "para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar em violação das convenções internacionais", não o faz estender às situações de que cura o direito de visita plasmado no artigo 110º, conforme se refere, aliás, no citado Parecer Consultivo da PGR:

"(…) o direito de visita, permitido no artigo 110º a qualquer navio de guerra no alto mar por suspeitas sérias de (...) navio (...) sem nacionalidade - não está consagrado para a luta contra o tráfico de estupefacientes. Conforme se escreveu na Informação - Parecer n.º 50/87, poderá mesmo dizer-se que muito pouco ou nada se acrescenta através daquele artigo 108º - para além de uma especial preocupação pelo tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas no alto mar - ao principio da bandeira ou pavilhão que, de um modo geral, é reconhecido aos Estados para punirem as infracções cometidas a bordo dos navios que arvorem o seu pavilhão, cometidas por nacionais ou estrangeiros, ainda que no alto mar (cfr. o artigo 4o, alínea b) do Código Penal)".

18º - Como referem Wladimir Brito e Fátima Castro Moreira, in "Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar", almedina, 2022, pág. 319, sobre o direito de visita:

"Os poderes reconhecidos ao navio ou aeronave de guerra estrangeiro são muito circunscritos e não permitem um adequado exercício de poderes de controlo e repressão de atividades que põem em causa interesses comuns."

19º - Resulta, portanto, de forma manifesta e clara, que o direito de visita não está pensado nem previsto para o combate ao tráfico de estupefacientes.

20º - Não estavam, portanto, no caso sub judice, reunidos os pressupostos para que as Autoridades Portuguesas pudessem abordar a embarcação onde se encontravam os Arguidos.

21º - No caso sub judice a Lei Penal Portuguesa não pode ser aplicada aos factos em apreciação nos presentes autos para julgar o presente processo;

22º - Estipula o artigo 4º que:

"Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:

a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou b) A bordo de navios ou aeronaves portuguesas."

23º - Ora, os factos ilícitos investigados não foram praticados em território português, nem a bordo de navio português;

24º - Por outro lado, o caso sub judice não se enquadra em nenhuma das exceções referidas no artigo 5º do C.P., não foi obtida a autorização ou o consentimento previsto no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas.

25º - Por outro lado, verte o artigo 49º do Decreto Lei n.º15/93, de 22 de janeiro que:

"Para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:

a) Quando praticados por estrangeiros, desde que o agente se encontre em Portugal e não seja extraditado;

b) Quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomaras medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988."

26º - Ora, no caso Sub Júdice, os Arguidos não se encontravam em Portugal à data da prática dos factos, nem tinham intenções de aqui entrar.

27º - Os Arguidos foram detidos e contra a sua vontade transportados para Portugal!!!

28º - Os Arguidos nunca tiveram como destino Portugal ou sequer as suas águas territoriais.

29º - Os factos ilícitos não foram praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico de Estupefacientes.

30º - Aliás, conforme resulta dos autos, os Arguidos não se encontravam a circular em qualquer "Navio", mas apenas numa embarcação semírrígida.

II - DO HABEAS CORPUS

31º - O direito à liberdade pessoal - liberdade ambulatória - é um direito fundamental da pessoa individual, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.

32º - A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ""considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça ..." no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

33º - Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

34º - No artigo XXIX (29º) admite-se que o direito à liberdade individual sofra as "limitações determinadas pela lei" visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

35º - O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra: "todo o individuo tem direito à liberdade" pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que "ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos".

36º - Estabelece também: "toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal".

37º - A Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no art. 5º reconhece que "toda a pessoa tem direito à liberdade". Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.

38º - Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

39º - O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos "enfatiza desde logo que o artigo 5º consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a "todos". As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. o Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163).

40º - Interpreta: "no que diz respeito à "legalidade" da detenção, a Convenção refere-se essencialmente à legislação nacional e estabelece a obrigação de observar as suas normas substantivas e processuais. Este termo exige, em primeiro lugar, que qualquer prisão ou detenção tenha uma base legal no direito interno".

41º - E que a "regularidade" exigida pela Convenção pressupõe o respeito não só do direito interno, mas também - o artigo 18.º confirma - da finalidade da privação de liberdade autorizada pelo artigo 5.º, n.º l, alínea a). (Bozano v. França , em 18 de dezembro de 1986, § 54, Série An º 111, e Semanas v. Reino Unido, 2 de Março de 1987 § 42, Série A n º114).

42º - Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal.

43º - A Constituição da República Portuguesa, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos,

44º - À semelhança da CEDH, a Constituição da República Portuguesa, no art.º 27º n.º2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições.

45º - Conforme referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, Coimbra Editora, pág. 480:

"Em qualquer caso, as medidas privativas da liberdade estão sujeitas a uma dupla reserva: reserva de lei e reserva de decisão judicial."

46º - Egrégios Conselheiros, no caso Sub Júdice entende a defesa dos Arguidos que os Tribunais Portugueses não têm competência para aplicar aos Arguidos qualquer medida de coação.

47º - Os Tribunais Portugueses são Internacionalmente Incompetentes para determinar a aplicação aos Arguidos de qualquer medida de coação.

48º - Pelo que, os Arguidos encontram-se presos ilegalmente desde março de 2023!!! 49º -Estipula o Artigo 222º do C.P.P. que:

"1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de :

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial."

Assim, em face do que ficou exposto resulta, claramente, que a prisão preventiva dos Recorrentes é manifestamente ilegal, pelo que se requer a V. Exa., o deferimento do presente pedido de Habeas Corpus, e em consequência que seja ordenada a imediata libertação dos Recorrentes AA, BB, CC e DD.»

2. No Juízo Central Criminal de ..., J., em 05.04.2023 foi lavrado o seguinte despacho

judicial de informação nos termos do art.º 223º n.º 1 do CPP, que se transcreve integralmente:

« Requerimento de Habeas Corpus apresentado pelos arguidos AA, BB, CC e DD:

A.

Vieram os arguidos requerer petição de habeas corpus com fundamento em prisão ilegal, nos termos do disposto no artigo 222.º, n.º 1 e 2, al.a) do Código de Processo Penal, por considerarem, em síntese, que as autoridades policiais portuguesas não tinham competência territorial para proceder à sua detenção.

Os arguidos foram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva por despacho proferido em 8 de março de 2023, no âmbito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por indícios fortes da prática, em coautoria, de factos suscetíveis de integrarem um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º da Lei 15/93, de 22 de janeiro e pela verificação de um concreto perigo de continuação da atividade criminosa, u concreto perigo de fuga e um concreto perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

Aquando do interrogatório judicial de arguidos detidos foi suscitada a questão da Lei aplicável e da competência jurisdicional e bem assim e da nulidade da detenção dos arguidos, tendo sido proferida decisão no sentido de que a lei portuguesa é a aplicável e de que a detenção dos arguidos por parte da Polícia Judiciária não enferma de qualquer nulidade – fls. 69 a 86.

Os arguidos interpuseram recurso do despacho que determinou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, suscitando, entre outras, a questão da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses – fls. 204 a 239.

O recurso foi admitido por despacho de 12 de abril de 2023 – fls. 244 – e o Ministério Público apresentou a respetiva resposta – fls. 273 a 291.

No dia 12 de julho de 2023 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora a negar provimento ao recurso do arguido AA – fls. 100 a 119 do apenso A.

No dia 12 de julho de 2023 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora a negar provimento ao recurso do arguido BB – fls. 88 a 103 do apenso B.

No dia 24 de julho de 2023 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora a negar provimento ao recurso do arguido CC – fls. 109 a 143 do apenso C.

No dia 12 de julho de 2023 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora a negar

provimento ao recurso do arguido DD – fls. 101 a 126 do apenso D.

Em todos os recursos foi apreciada a questão agora suscitada pelos requerentes de habeas corpus e em todos os recursos foi decidido no sentido da legalidade da detenção e da competência dos Tribunais Portugueses.

Por despacho de 6 de junho de 2023 foi realizado o reexame trimestral da medida de coação de prisão preventiva aplicada aos arguidos – fls. 335.

No dia 20 de junho de 2023 foi deduzida acusação contra os arguidos tendo-lhe sido

imputada a prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto

e punido pelo artigo 21.º do Decreto Lei 15/93, de 22 de janeiro – fls. 382 a 388.

Por despacho de 23 de junho de 2023 foi realizado o reexame da medida de coação de prisão preventiva aplicada aos arguidos em virtude da dedução de acusação – fls. 401.

No dia 20 de julho de 2023, os arguidos vieram requerer a abertura de instrução – fls. 537 a 583 dos autos.

A instrução foi declarada aberta por despacho de 26 de julho de 2023 – fls. 590 »

As diligências de instrução e debate instrutório foram realizados no dia 15 de setembro de 2023 – fls. 629 a 632.

Por despacho de 20 de setembro de 2023 foi realizado o reexame trimestral da medida de coação de prisão preventiva aplicada aos arguidos – fls. 645.

No dia 25 de setembro de 2023 foi proferida a decisão instrutória – fls. 664 a 678 – que pronunciou os arguidos pelos factos já constantes da acusação pública já deduzida e que consubstanciam a prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, remetendo os autos para julgamento perante Tribunal Coletivo.

Na mesma decisão foi efetuado novamente a revisão do estatuto coativo dos arguidos mantida a medida de coação de prisão preventiva.

Na referida decisão foi apreciada a questão da competência dos tribunais portugueses e da aplicação da lei portuguesa, da legalidade da intervenção da Polícia Marítima e da legitimidade da intervenção das autoridades policiais portuguesas.

A 26 de setembro de 2023 os arguidos vieram pedir a aclaração da decisão instrutória– fls.

704 a 706 – a qual veio a ser indeferida – fls. 725.

A 10 de outubro de 2023 os arguidos vieram pedir a correção da decisão instrutóriaj juntando documentos – fls. 735 a 744 – a qual veio a ser novamente indeferida – fls. 745.

Os autos foram remetidos para julgamento a 10 de outubro de 2023, tendo sido distribuídos a este juízo no dia 11 de outubro de 2023, não tendo, à data de hoje, sido ainda conclusos para proferir despacho nos termos do artigo 311.º e 311.º A do Código de Processo Penal.

No dia 16 de outubro de 2023 deu entrada o pedido de habeas corpus.

Atento o disposto no artigo 215.º, n.º 1 al.c) e n.º 2 do Código de Processo Penal, o prazo máximo de prisão preventiva é, nesta fase processual, de um ano e seis meses, e ocorrerá a 8 de setembro de 2024.(…)»

3. O presente procedimento de habeas corpus vem instruído do Tribunal Judicial da

Comarca de Faro com a petição de habeas corpus apresentada pelos arguidos, a informação judicial supra transcrita e certidão constituída pelos elementos documentais ali referenciados.

4.Convocada esta 5ª Secção Criminal e notificado o Ministério Público realizou-se audiência pública, com a presença do MP e do senhor advogado constituído - art.os 223º n.os 2 e 3 e 435.º do CPP -, após o que o tribunal deliberou.

II

FUNDAMENTAÇÃO

1. Os termos do presente habeas corpus

1.1. Os arguidos requerem a presente providência de habeas corpus nos termos do artigo 222º n2 al. a), alegando que se encontram presos ilegalmente (desde 7.3.202) por ter sido a sua prisão ordenada por entidade incompetente, dado que os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para determinar a aplicação aos Arguidos de qualquer medida de coação, pelas razões expostas no seu requerimento conjunto.

Vejamos.

1.2. Dos elementos documentais que instruem o processo, da informação a que se reporta o art.º 223º n.º 1 do CPP e dos termos do requerimento de Habeas Corpus, resulta o seguinte quadro factual e processual com relevância para a decisão:

a. – Após terem sido detidos pela Polícia Marítima portuguesa em 7 de março de 2023, os quatro arguidos ora requerentes foram sujeitos à medida de coação de prisão preventiva por despacho proferido em 8 de março de 2023, no âmbito de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por se considerar fortemente indiciada a prática, por todos eles, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º da Lei 15/93, de 22 de janeiro e pela verificação de um concreto perigo de continuação da atividade criminosa, um concreto perigo de fuga e um concreto perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas;

b. Os arguidos interpuseram recursos da decisão judicial que lhes aplicou aquela medida de coação, suscitando entre outras a questão da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses de que o despacho recorrido conhecera, julgando-a improcedente;

c. Por acórdãos de 12 de julho de 2023(3) e de 24 de julgo de 2023 (1), o Tribunal da Relação de Évora negou provimento aos recursos interpostos pelos quatro arguidos, tendo decidido em todos eles no sentido da legalidade da detenção e da competência internacional dos Tribunais Portugueses, conforme discriminado no despacho judicial de informação.

d. Por despachos de 6.6.23 e 23.6.23 foi reexaminada e mantida a prisão preventiva aplicada aos arguidos, tendo este último despacho sido proferido na sequência da dedução de acusação em 20.06.23.

e. Por despachos de 20.9.23 e 25.9.23 foi reexaminada e mantida a prisão preventiva aplicada aos arguidos, tendo este último despacho sido proferido na sequência da decisão instrutória que pronunciou os arguidos pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, e remeteu os autos para julgamento perante Tribunal Coletivo, tendo sido apreciado então a questão da competência dos tribunais portugueses, da aplicação da lei portuguesa, da legalidade da intervenção da Polícia Marítima e da legitimidade da intervenção das autoridades policiais portuguesas.

f. Os autos foram remetidos para julgamento a 10 de outubro de 2023, encontrando-se conclusos para proferir despacho nos termos do artigo 311.º e 311.º A do Código de Processo Penal, tendo o presente requerimento de habeas corpis dado entrada em 16.10.23, como referido.

2. O direito

O instituto do habeas corpus constitui garantia privilegiada do direito à liberdade física ou de locomoção reconhecido no art. 31º da CRP e regulado no CPP por referência às duas fontes de abuso de poder versadas no preceito constitucional: habeas corpus em virtude de detenção ilegal (artigos 220º e 221º, CPP) e habeas corpus em virtude de prisão ilegal (arts 222º e 223º, CPP).

2.1. No caso sub iudice, os arguidos ora requerentes, alegando que os tribunais portugueses

não são internacionalmente competentes para ordenar a sua prisão preventiva no caso presente, invocam o disposto nos nºs 1 e 2, al. a) do artigo 222º, segundo os quais «A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas (…) funda[ada] em ilegalidade da prisão proveniente de…) a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente.»

Porém, conforme se descreve no quadro factual e processual relevante, no caso presente (tal como se verifica em elevado número de habeas corpus requeridos ao STJ), os requerentes invocaram já a referida incompetência internacional dos tribunais portugueses através de recursos interpostos da decisão que inicialmente determinou a prisão preventiva dos arguidos, os quais foram admitidos por despacho de 12.04.23 e julgados improcedentes por acórdãos do TRE de 12.07.23 (3) e 24.07.23 (1), que conheceram da alegada incompetência dos tribunais portugueses.

Em 25 de setembro de 2023 foi proferida a decisão instrutória e na mesma decisão foi

efetuado novamente a revisão do estatuto coativo dos arguidos e mantida a medida de coação de prisão preventiva. No dia 16 de outubro de 2023 deu entrada o pedido de habeas corpus.

Significa isto que, tendo sido aplicada em 8.3.23 a prisão preventiva, os requerentes tiveram

oportunidade de suscitar a questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses perante o tribunal que aplicou as medidas de coação e de recorrer com fundamento na violação das aludidas regras de competência (o que efetivamente fizeram), tal como terão agora oportunidade de recorrer do despacho de pronúncia que voltou a conhecer e decidir da competência dos tribunais portugueses, da aplicação da lei portuguesa, da legalidade da intervenção da Polícia Marítima e da legitimidade da intervenção das autoridades policiais portuguesas.

2.2. Ora, não obstante a literalidade do artigo 222º nº 2 a) CPP, o STJ tem entendido consensual e repetidamente que - justificando-se o acesso direto e expedito ao STJ através da providência, excecional, de habeas corpus pelo propósito de fazer cessar rapidamente estados ilegais de privação da liberdade nas hipóteses, taxativas e manifestas, previstas nas três alíneas do artigo n.º 222º CPP - o habeas corpus não constitui meio processual próprio para reapreciar de per si os fundamentos da decisão que determine a prisão preventiva, nem para impugnar outras decisões processuais ou arguir nulidades, ou irregularidades, substituindo-se àqueles meios legais.

Como pode ler-se, entre muitos, no ac STJ de 16.12.2003 (rel Rodrigues da Costa), « A providência de habeas corpus não é um recurso de decisões judiciais, nem sequer um meio alternativo de recurso, não estando vocacionada para nela ou por meio dela se porem em causa decisões judiciais, com as quais se não concorda.

2 - Sendo um meio compatível com a possibilidade de interposição de recurso pela via

ordinária, isto é, podendo ser usado sem prévio esgotamento dos recursos que caibam de decisões que ofendam o direito à liberdade dos cidadãos, o habeas corpus não é meio adequado para se discutirem decisões judiciais com as quais o requerente se incompatibilize, por ter uma óptica diferente quanto aos pressupostos em que assentou a determinação da prisão preventiva, a sua manutenção ou a prorrogação dos respectivos prazos, a não ser que ocorra erro grosseiro ou erro grave na aplicação do direito.

3 - Ora, o caso de que tratam os autos, dizendo respeito a várias decisões judiciais tomadas ao longo do processo (incluindo o despacho de pronúncia), não preenche aqueles requisitos (…).»

2.3. No caso presente, os recorrentes pretendem, objetivamente, que o STJ, fora do regime legal de impugnação legalmente previsto, decida por cima e para além das decisões judiciais que já conheceram e decidiram, em 1º instância e por via de recurso, a questão jurídica que invocam, e que se antecipe ainda a tribunal de recurso que os recorrentes entendam convocar novamente.

O que desborda claramente da razão de ser e do figurino legal da providência de habeas corpus , tal como o STJ tem repetidamente afirmado ao longo dos anos, conforme referimos antes, de harmonia com a disciplina constitucional e ordinária do habeas corpus.

Assim e considerando ainda que não se mostram excedidos os prazos máximos de prisão preventiva, que apenas será atingidos em 2024, nem se verifica qualquer outro fundamento para a sua concessão, não restam dúvidas sobre a falta de fundamento da presente providência de habeas corpus.

2.4. Pelo exposto, julga-se manifestamente improcedente a requerida providência de habeas

corpus, condenando-se cada um dos requerentes em 8 UCs de multa, nos termos do artigo 223º n.º 6 do CPP.

Vão ainda os requerentes condenados em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs por cada um deles.(art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).

Supremo Tribunal de Justiça, 19 de outubro de 2023

Juízes Conselheiros,

António Latas (Juiz Relator)

Albertina Pereira (Juíza Adjunta)

Vasques Osório (Juiz Adjunto)

Helena Moniz (Presidente da Secção)