Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4197/18.5T8VNF-E.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPISTA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
EXEQUENTE
CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O erro de julgamento (error in judicando) consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma; já o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador.

II. A invocação da excepção de não cumprimento prevista no art.º 428.º do C. Civil pressupõe os seguintes requisitos: a) a existência de prazos idênticos para ambas as prestações; b) o não cumprimento de uma delas ou a não oferta de cumprimento. É uma excepção que não legitima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas, tão-só, que lhe consente o cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

III. Do disposto no artº 715º do CPC resulta que as partes estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo.

IV. É o exequente que, para se subtrair aos efeitos da excepção de não cumprimento do contrato, tem o ónus de provar que já cumpriu pela sua parte ou ofereceu o cumprimento perfeito, pois é ao devedor que compete provar que cumpriu, e não ao credor provar que a obrigação não foi cumprida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

AA, BB, CC e DD, deduziram Oposição, por Embargos de Executado, à Execução para Entrega de Coisa Certa, que lhes movem EE e FF.

Para fundamentar a oposição, alegam, desde logo, a ilegitimidade dos executados CC e CC, uma vez que os mesmos não constam do título executivo como devedores.

Invocam ainda a excepção do não cumprimento, pois, contrariamente ao referido no requerimento executivo, os embargados não cumpriram a obrigação a que se encontram obrigados – de liquidar aos embargantes a quantia de €24.000,00 -, nem tampouco ofereceram simultaneamente a prestação, sendo certo que os embargantes aceitam cumprir a sua obrigação de entrega dos bens quando for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação dos embargados/exequentes, pois as obrigações constantes do título devem ser cumpridas de forma simultânea.

Dizem, por último, que os embargados não têm legitimidade para pedir a entrega dos bens, porquanto, como decorre da sentença exequenda, os mesmos são propriedade da sociedade N..., Lda.

Concluem peticionando a procedência das exceções invocadas e dos presentes embargos, com todas as legais consequências.

Foi proferido despacho liminar de admissão da presente oposição à execução [cf. ref.ª.......26].

Cumprido o disposto no artigo 732.º, n.º2, do Cód. Proc. Civil, os embargados/exequentes apresentaram contestação, pugnando, desde logo, pela legitimidade dos embargantes.

Mais referem que, tal como alegado no requerimento executivo, sempre procuraram que a entrega dos bens fosse simultânea com a restituição do dinheiro, o que não conseguiram.

Finalizam peticionando a improcedência dos presentes embargos e a condenação dos embargantes como litigantes de má-fé.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se fixou o valor da causa em €48.000,00 (quarenta oito mil euros), se saneou os autos, julgando-se procedente a expceção de ilegitimidade passiva dos embargantes/executados DD e CC, se procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, se admitiu a prova indicada pelas partes, se ordenou a gravação da audiência final e, por fim, se diligenciou pela programação da audiência final [cf. ref.ª.......75].

Realizou-se a audiência final, com observância das formalidades legais que a respectiva acta documenta, vindo a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

- “Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente a presente oposição à execução, por embargos, deduzida pelos embargantes/executados AA e BB contra os embargados/exequentes EE e FF e, em consequência, declarar extinta a instância executiva de que os presentes autos constituem apenso.”,


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Inconformados com a sentença, dela vieram, recorrer os embargados/exequentes, tendo a Relação de Guimarães, em acórdão, julgado procedente a apelação e, em consequência, revogado a sentença recorrida.

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Por sua vez inconformados, vieram os Embargantes/Executados AA e BB “interpor recursopara o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 854.º do Código de Processo Civil, bem como no artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do mesmo Código e por remissão do artigo 852.º do Código de Processo Civil”, apresentando alegações que rematam com as seguintes

CONCLUSÕES1

1. Atentos os fundamentos de direito e o regime aplicado na sentença proferida nestes autos, dúvidas não podem restar que a 1.ª instância considerou que in casu o título executivo dado à execução imputou obrigações dependentes a ambas as partes, pelo que entendeu serem as mesmas sinalagmáticas.

2. Nesse propósito, e uma vez que os Exequentes não provaram o cumprimento e/ou o oferecimento da obrigação que lhes incumbe nos termos da sentença oferecida à execução (nos termos do artigo 715.º do Código de Processo Civil), concluiu o Tribunal pela inexigibilidade e, consequentemente, inexequibilidade da obrigação/prestação exequenda, dando assim procedência à oposição apresentada pelos ora recorrentes, com base na exceção de não cumprimento (artigo 428.º e ss do Código Civil) alegada pelos mesmos e determinou a extinção da execução.

3. Sucede que, o Acórdão sob recurso fez uma interpretação do direito, aplicável ao caso, totalmente contrária ao defendido pela sentença proferida.

4. O douto Acórdão considerou, sem margem para dúvidas, que “(...)no caso não estamos perante quaisquer prestações recíprocas ou interdependentes (...) daí ter refutado a aplicação do artigo 428.º e ss do Código Civil “Assim e quanto a possibilidade de aplicação ao caso do regime previsto no referido art.º 428°, do Cód. Civil, é fundamental não esquecer que tal norma se destina a disciplinar os contratos bilaterais, impondo-se a todos os casos em que existam obrigações sinalagmáticas.”.

5. Sucede que, na mui humilde opinião dos ora recorrentes, ao decidir como decidiu o Acórdão em causa proferiu uma decisão surpresa, violando dessa forma o direito ao contraditório dos ora recorrentes, porquanto, violou o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, motivo pelo qual o Acórdão em causa apresenta um vício.

6. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia, dado que conhece de matéria que, perante a omissão da audição das partes, não podia conhecer [artigos 615.º, n.º 1, al. d) e 666.º, n.º 1 Código de Processo Civil].

7. Os ora recorrentes aceitam e consentem que o Tribunal da Relação, concretamente o Acórdão em apreciação, não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, aplicáveis ao caso concreto.

8. Porém, os artigos 3.º, n.º 3 e 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil, devem ser cuidadosamente distinguidos. Este último preceito, delimita a extensão dos poderes do juiz; o primeiro, visa definir a atitude processual que o juiz deve adotar quando cumpra o dever de observar ele mesmo o contraditório. Ou dito de outro modo, o artigo 3.º, n.º 3 do preceito legal citado, constitui, em princípio, um limite externo ao princípio iura novit curia.

9. Ademais, também não é menos verdade que, no caso trazido a este Tribunal Superior, a solução jurídica alcançada pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães, os ora recorrentes não tinham obrigação de prever, não tendo assim forma de contar com tal acórdão!

10. Na verdade, os presentes autos já foram alvo de dois acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, os quais tinham como objeto do recurso a análise e concretização dos requisitos e direitos inerentes das obrigações decorrentes da sentença dada à execução.

11. Tais acórdãos estatuíram, inquestionavelmente, que, no caso concreto, estamos perante obrigações recíprocas e sinalagmáticas, pelo que, dentro desse enquadramento jurídico, decidiram as questões levadas a recurso.

12. Concretamente os acórdãos:

13. Acórdão doTribunal da Relação deGuimarães, proferido em17/12/2019,noapensoA destesautos (4197/18.5T8VNF-A.G1), que teve como relatora a Ex.ma Juiz Desembargadora GG.

14. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 15/06/2022, também no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G3), que teve como relatora a Ex.ma Juiz Desembargadora acima referida.

15. Posto isto, e tendo em conta que, nos presentes autos, o douto Tribunal da Relação de Guimarães já se tinha pronunciado, por duas vezes, quanto à qualificação das obrigações em apreço considerando-as sinalagmáticas), duvidas não podem haver de que, o acórdão recorrido foi uma total surpresa para os ora recorrentes que, sem terem tido a oportunidade de ser pronunciarem, tomaram conhecimento de uma solução jurídica, nunca antes trazida, aos autos, pelas partes, bem como, totalmente contrária aos acórdãos proferidos nessa mesma Relação.

16. A verdade é que o acórdão sob censura, representa uma decisão-surpresa (vicio), porquanto, omitiu a audição prévia dos ora recorrentes, motivo pelo qual se afigura nulo por excesso de pronuncia [artigos 615.º, n.º 1, al. d) e 666.º, n.º 1 Código de Processo Civil].

17. Sem prescindir,

18. Determinou o douto Acórdão que a norma do artigo 428.º do Código Civil, bem como que o artigo 715.º do Código de Processo Civil, não têm aplicação ao caso concreto, porquanto, tais normas aplicam-se a disciplinar os contratos bilaterais, impondo-se a todos os casos em que existam obrigações sinalagmáticas, o que no acórdão recorrido não se verifica.

19. Sucede que, na mui humilde opinião dos ora recorridos, o douto acórdão efetuou uma errada aplicação da lei ao processo.

20. Acórdão doTribunal da Relação deGuimarães, proferido em17/12/2019,noapensoA destesautos (4197/18.5T8VNF-A.G1), refere que:

“(...)

Logo, quando a obrigação que se exige esteja dependente da realização (ou simultânea realização) de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, «incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que (...) ofereceu a prestação», oferecendo de imediato outras provas, caso a documental não lhe esteja acessível (art. 715.º, n.º 1 e n.º 2 e 724º, n.º 1, al. h), ambos do CPC); ou, naturalmente, que a efectuou.


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4.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, executando-se nos autos principais uma sentença que declarou a nulidade de um contrato de compra e venda, por força da mesma (e aplicando o art. 289.º n.º 1 do CC), as respectivas partes ficaram obrigadas à recíproca restituição das prestações que haviam realizado.

Com efeito, lê-se expressamente no seu dispositivo que se decide: «a) julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver os Réus do pedido; b) julgar procedente a reconvenção e, em consequência: - declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8º dos factos provados e ordenar a restituição pelos AA aos 1º e 2º RR da quantia de €24.000,00 e pelos 1º e 2º RR aos Autores dos bens móveis objecto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados».

Ora, sendo as ditas obrigações de restituição absolutamente recíprocas (quer por força sentença proferida, quer da lei que a mesma aplica), assiste razão aos Embargantes/Executados (EE e FF) quando os mesmos afirmam que a exequibilidade de uma e outra está dependente do seu cumprimento simultâneo, ou da prévia oferta - ou realização - da contrária à que seja depois judicialmente exigida.(...)”

21.Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 15/06/2022, também no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G3), refere que:

“(...)

5.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)

5.2.1. Vício inicial do requerimento executivo

Concretizando, verifica-se que, executando-se nos autos principais uma sentença que declarou a nulidade de um contrato de compra e venda, por força dessa decisão (e aplicando o art. 289.º, n.º 1, do CC), as respectivas partes ficaram obrigadas à recíproca restituição das prestações que haviam realizado.

Com efeito, lê-se expressamente no dispositivo da dita sentença que se decide: «a) julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver os Réus do pedido; b) julgar procedente a reconvenção e, em consequência: - declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8o dos factos provados e ordenar a restituição pelos Autores aos e Réus da quantia de 24.000,00 e pelos e Réus aos Autores dos bens móveis objecto do mesmo identificados também no ponto 8o dos factos provados».

Ora, sendo as ditas obrigações de restituição absolutamente recíprocas (quer por força sentença proferida, quer da lei que a mesma aplica), a exequibilidade de uma e outra está dependente do seu cumprimento simultâneo, ou da prévia oferta - ou realização - da contrária à que seja depois judicialmente exigida.”

22. Os ora recorrentes concordam inteiramente com a aplicação do direito ao caso concreto efetuada nos Acórdãos acima mencionados.

23. Motivo pelo qual, deve este Tribunal superior usar dos seus poderes de censurar e considerar que o acórdão em crise efectuou uma errada aplicação da lei ao processo em causa e assim, determinar que o título executivo dado à execução, obrigou as partes à reciprocidade de restituição das prestações que haviam realizado.

24. Ainda, sem prescindir,

25. Entendem ainda os ora recorrentes que o acórdão sob recurso, se encontra em clara contradição com outros dois, já transitados me julgado, proferidos pela Relação de Guimarães.

26. Conforme acima se referiu o douto acórdão sob censura considerou “Ora, no caso não estamos perante quaisquer prestações recíprocas ou independentes (...)” “A ser assim, resulta evidente que não estamos perante nenhuma obrigação condicional ou dependente de qualquer prestação a efetuar pelos exequentes, razão pela qual se mostra óbvia a não aplicação ao caso do regime previsto no art. 715.º do CPC.”

27. Por sua vez o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 17/12/2019, no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G1), conforme acima se transcreveu considerou as obrigações em causa nos presentes autos reciprocas e defendeu a aplicabilidade do artigo 715.º CPC.

28. Acresce que o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 15/06/2022, também no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G3), para além de ter o mesmo entendimento do acima mencionado acórdão, decidiu igual situação à tratada no acórdão em recurso.

29. Vejamos,

30. O acórdão em crise, versou sob sentença que considerou os embargos de executado procedentes, porquanto, concluiu pela inexigibilidade e, consequentemente, inexequibilidade da obrigação/prestação exequenda, uma vez que os embargados/exequentes não provaram o cumprimento e/ou o oferecimento da obrigação que lhes incumbia nos termos da sentença oferecida à execução. Sucede que o douto acórdão recorrido teve interpretação totalmente contrária e considerou a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida.

31. Sucede, que o acórdão proferido em 15/06/2022, no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G3), tratou e decidiu igual situação, apenas com inversão de posições.

32. No caso em apreço os ora recorrentes figuram como executados/embargantes, porém, no acórdão referido (datado de 15/06/2022), os ora recorrentes, eram exequentes/embargados, mas o título executivo é o mesmo e a questão de direito idêntica.

33. O acórdão proferido em 15/06/2022, apreciou a sentença que considerou os embargos de executado procedentes, porquanto, concluiu que “Não demonstraram, pois, os embargados/exequentes o cumprimento ou o oferecimento da obrigação que lhes incumbia nos termos da sentença oferecida à execução.(...) “A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento deoposição a execução e, e, caso deprocedência,determinaaextinção da execução ea caducidade de todos os efeitos nela produzidos, como, por exemplo, a penhora.”

34. Perante o recurso apresentado embargados/exequentes, ora recorrentes, o acórdão de 15/06/2022, considerou o mesmo improcedente, com base inexequibilidade da obrigação/prestação exequenda, in caso, porque, no requerimento executivo não afirmaram já terem oferecido a sua prestação, o que represente requisito obrigatório para as obrigações sinalagmáticas.

35. Ou seja, tanto o acórdão recorrido, como o acórdão de 15/06/2022, se pronunciaram sobre a mesma questão de direito (exigibilidade/inexigibilidade da prestação exequenda), relativa às mesmas obrigações.

36. Porém, o acórdão da Relação de Guimarães de 15/06/2022, por considerar as obrigações oriundas do título executivo sinalagmáticas, determinou inexequibilidade da obrigação/prestação exequenda.

37. Por seu lado o acórdão recorrido, apreciando o mesmo título executivo e as mesmas obrigações que dele derivam, considera que tais prestações como não recíprocas e que, por via disso, não se pode decidir pela inexigibilidade da obrigação exequenda.

38. Assim, certo é que o acórdão em recurso se encontra em total contradição com o acórdão da mesma Relação de Guimarães proferido em 15/06/2022, no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G3).

39. Aliás, no que à determinação das prestações/obrigações inerentes à sentença dada à execução, o acórdão sob recurso encontra-se também em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 17/12/2019, no apenso A destes autos (4197/18.5T8VNF-A.G1).

40. No caso, entendem os recorrentes que, s.m.o., entre os acórdãos citados existe identidade da questão de direito (obrigações decorrentes do título executivo são recíprocas e a sua exigibilidade) e completa igualdade dos respetivos pressupostos de facto (mesmo título executivo, mesmos sujeitos processuais).

41. Aliás, a oposição entre os acórdãos é total (para o mesmo título executivo, os acórdãos em causa, qualificam de forma diferente as prestações/obrigações resultantes, dando origem a diferentes aplicações do direito ao caso concreto).

42. Além disso, os acórdãos em contradição para a mesma situação, e fruto da diferente qualificação das prestações, tomam decisões sem sentidos, totalmente contrárias.

43. Pelo exposto, facilmente se verifica que a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que conforme se verifica, a situação a manter-se gera graves injustiças e incerteza na justiça.

44. Conforme acima se expos, a mesma matéria factual gerou dois acórdãos distintos, sendo que o acórdão recorrido considerou procedente o recurso apresentado pelos exequentes/embargados (porque considerou que do título dado à execução não resultavam obrigações sinalagmáticas),

45. quando por seu lado, os ora recorrentes, viram o seu recurso ser improcedente (o acórdão de 15/06/2022), exatamente porque tal decisão considerou as prestações adstritas à sentença dada à execução como sinalagmáticas, pois as razões da sua improcedência, apenas se ficaram a dever aos requisitos de exequibilidade das obrigações sinalagmáticas, que o tribunal entendeu não estarem verificadas.

46. Situação que é inaceitável quando estamos a tratar do mesmo título executivo e a Relação de Guimarães tem diferentes entendimentos quanto ao tipo de obrigações/prestações que se encontram inerentes ao título dado à execução.

47. Os ora recorrentes encontram-se gravemente prejudicados pela contradição existente nos acórdãos referidos, aliás, apendem de total incerteza quando ao direito a aplicar a sua situação, o que poderá inviabilizar a recebimento do seu crédito junto dos ora exequentes.

48. Assim sendo, na opinião dos ora recorrentes os interesses em apreço são de particular relevância social.

49. Pelo exposto, deve este Tribunal Superior decidir a questão controvertida e em contradição nos acórdãos citados, de forma a estabelecer a estabilidade e segurança jurídica quanto ao direito a aplicar.

NESTES TERMOS, dando-se provimento ao presente recurso, farão V.as Ex. as, Senhores Conselheiros, como sempre a habitual e esperada JUSTIÇA!


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Responderam os Embargados/Recorridos, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

A situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Ora, como ressalta do introito da peça recursiva, a revista é interposta como revista excepcional – assim, aliás, foi entendida pela Relação, como se fez constar da decisão colectiva que conheceu da arguida nulidade por excesso de pronúncia.

Efectivamente, para além de referência aos arts 852º e 854º do CPC, os Recorrentes sustentam a sua revista no artigo 672º, nº1, al. c) do Cód. de Proc Civil – ou seja, na contradição de acórdãos a que se reporta tal alínea, invocando dois acórdãos da Relação de Guimarães que, incidindo sobre a mesma matéria, decidiram em sentido contrário ao do acórdão recorrido.

Sendo certo, ainda, que os Recorrentes, para além de invocarem a contradição de julgados, embora não façam referência expressa às alíneas a) e b) do mesmo artº 672º do CPC, acabam ainda por fundamentar a revista excepcional interposta no estatuído nessas mesmas alíneas e na al. c) – atente-se, v.g., nas conclusões 43. a 48., onde, expressamente, invocam a relevância jurídica e, outrossim, a particular relevância social, como fundamento da interposta revista excepcional.

Ora bem, é certo que a parte é que tem o ónus de escolher o meio pelo qual quer aceder ao Supremo – ónus puro e simples, e não condicional ou condicionado2. Ou seja, se a parte entende que tem direito ao recurso, por não haver dupla conformidade, é esse direito que deve exercer, interpondo a revista; se entende que a dupla conformidade se verifica, e que não tem o direito de recorrer, o que deve é invocar a faculdade de pedir a reapreciação no quadro da revista excepcional3.

Os recorrentes, como vimos, recorreram ao mecanismo da revista excepcional, com sustento nas alíneas do nº 1 do artº 672º do CPC – com particular enfoque na al. c) (contradição de julgados).

Porém, como é sabido, a revista excepcional pressupõe que a revista normal não seja admissível por verificação de uma situação de dupla conformidade decisória – pois se a revista normal for inadmissível por verificação do qualquer dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, é claro que a revista excepcional nunca pode ter lugar.

Ora, é mais que evidente que aquela dupla conforme está aqui de todo arredada, como emerge da redacção do nº 3 do artº 672º do CPC. O acórdão recorrido revogou a sentença, pelo que nada impedia fosse interposto recurso ordinário de revista, ao abrigo do estatuído no artº 671º, nº 1 do CPC – já não, porém, com sustento na al. d) do artº 629º do CPC, ex vi do artº 679º do mesmo código, dado não estarmos perante apreciação pela Relação de decisão interlocutória da 1ª instância que tenha recaído sobre a relação processual, sendo certo, porém, que este artº 629º não vem invocado para fundamentar a revista interposta.

Assim, não obstante a interposição de revista ecepcional, verificados que estão os pressupostos da revista normal, para esta se convola.


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Como questões a apreciar e decidir, temos:

I. Da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia;

II. Se o título executivo (a sentença) impôs às partes obrigações recíprocas e sinalagmáticas (a restituição das prestações que haviam realizado) e, como tal, se é aqui aplicável o artº 428º do CPC (excepção do não cumprimento). E se a obrigação/prestação exequenda é exigível e, consequentemente, exequível (se os Embargados/Exequentes provaram o cumprimento e/ou o oferecimento da obrigação que lhes incumbia nos termos da sentença exequenda).

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

Matéria de facto julgada provada na sentença:

1. Em ... .11.2019, EE e FF intentaram ação executiva, de que estes autos são apenso, contra AA, BB, CC E DD, para entrega dos bens móveis identificados no requerimento executivo, apresentando como título executivo a sentença proferida na ação declarativa comum n.º3799/16.9..., que correu termos no Tribunal da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Braga – Juiz 3, devidamente transitada em julgado - cf. requerimento executivo do apenso D.

2. Nessa ação, por sentença proferida a ... .03.2018, foi decidido: «Por tudo o exposto, decide-se: (a) julgar totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolver os Réus do pedido; (b) julgar procedente a reconvenção e, em consequência: julgar procedente a reconvenção e, em consequência: declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8º dos factos provados e ordenar a restituição pelos Autores [ora exequentes FF e EE] aos 1º e 2º Réus [ora executados AA e BB] da quantia de €24.000,00 e pelos 1º e 2º Réus aos Autores dos bens móveis objeto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados» - cf. certidão da sentença junta ao apenso D sob a ref.ª.......89, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

3. Sob o ponto 8 dos “Factos Provados” dessa sentença consta o seguinte:

«8. Nesse mesmo dia ... de outubro de 2013, Autores e Réus celebraram entre si um contrato de compra e venda com reserva de propriedade nos termos do qual os Autores venderam aos primeiro e segundo Réus, pelo preço de € 48.000,00, os bens móveis que constavam do documento denominado Anexo 1, junto a esse contrato, que se encontra a fls. 50 do processo físico, em concreto: 30 steps, 1 máquina supino inclinado de placas, 1 máquina supino horizontal discos, 1 máquina puxada peito placas, 1 máquina prensa inclinada discos, 1 máquina press ombros, 1 máquina press ombros discos, 1 conjunto de 2 halteres, 1 máquina supino vertical discos, 1 banco Scott, 1 máquina bíceps, 1 máquina dips, material de pilates, conjunto de 30 pump, 4 sistemas de som, 2 saunas, 2 banhos turcos, 50 caneleiras, 1 caldeira mural, 40 colchões azuis, 90 cacifos, material diverso de fisioterapia, mobiliário de escritório e apoio e 1 frigorífico» -cf. certidão da sentença junta ao apenso D sob a ref.ª.......89, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

[Oposição à Execução]

4. Mostra-se junto à execução de que estes autos são apenso um “Auto de Entrega”, de ... .12.2019, elaborado pela Sra. AE, com o seguinte teor: «(…) Chegada ao local fui recebida pelo Executado AA, que informou que os bens objeto da entrega na presente execução e que constam do ponto 8 da sentença, já não existem neste local, tendo sido vendidos. Os exequentes confirmaram que neste local não existem os referidos bens. Assim não foi possível proceder à entrega dos mesmos e cumprir o ordenado na douta sentença proferida» - cf.auto de entrega junto ao apenso D sob a ref.ª9509899, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5. O embargante/executado AA não assinou tal auto.

6. Sob o ponto 7 dos “Factos Provados” da sentença proferida na identificada ação n.º3799/16.9... consta o seguinte:

«7. No dia ... de outubro de 2013, a sociedade comercial “N..., Lda.”, representada pelos Autores, vendeu à sociedade comercial “O..., Lda.”, representada pelos 1º e 2º Réus, com reserva de propriedade, os bens descritos no anexo 1 a esse contrato, declarando que representavam todo o seu imobilizado, pelo preço de € 22.000,00» - cf. certidão da sentença junta ao apenso D sob a ref.ª.......89, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

7. Sob o ponto 16 dos “Factos Provados” da sentença proferida na identificada ação n.º3799/16.9... consta o seguinte:

«16. Os bens referidos em 8º faziam parte do recheio do estabelecimento comercial “K....... .......” e haviam sido trespassados, juntamente com este, pela “L..., Unipessoal, Lda.” à “N..., Lda.”, através do contrato referido em 1º» - cf. certidão da sentença junta ao apenso D sob a ref.ª.......89, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

Factos julgado não provados na sentença:

[Requerimento executivo]

a) Os embargantes/executados têm recusado a entrega dos referidos bens.

b) Os exequentes comprometeram-se a, contra a entrega dos sobreditos bens móveis, procederem à entrega aos embargantes/executados do valor por eles recebido.

c) Os embargantes/executados procuram vender os bens em causa.

[Oposição à Execução]

d) Os embargantes/executados disponibilizaram-se para proceder à entrega desses bens aos embargados/exequentes quando for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação dos embargantes/exequentes (o pagamento da quantia de €24.000,00).


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Da nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia.

Dizem os recorrentes que a decisão proferida é nula por excesso de pronúncia – até porque (dizem) é uma decisão surpresa.

Não se vislumbra a apontada nulidade.

A 1ª instância entendeu que as obrigações imputadas a ambas as partes eram sinalagmáticas e que não tendo os Exequentes provado o cumprimento e/ou o oferecimento da obrigação que lhes incumbe nos termos que emergem da sentença exequenda, a consequência era a inexigibilidade e, como tal, inexequibilidade da obrigação/prestação exequenda, dessa forma procedendo a oposição à execução deduzida pelos Embargantes, com sustento na excepção de não cumprimento do contrato, tal como fora pelos mesmos alegada.

Já a Relação entendeu de forma diferente: que não estávamos perante prestações recíprocas ou independentes, donde, sem mais, ter afastado a aplicação do artº 428º do CPC, dessa forma concluindo pela procedência do recurso de apelação, revogando a sentença e não conhecendo da impu8gnaçaõ da matéria de facto.

Pergunta-se: onde está a decisão surpresa? Os Recorrentes/Embargantes sabem, naturalmente, que o tribunal, em matéria de direito, não está sujeito à alegação das partes alegam, no que tange à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, devendo sempre contar que o entendimento do tribunal pode ser – como foi – contrário àquele que defendem.

Assim, portanto, o tribunal recorrido, sustentando que não era aplicável a excepção de não cumprimento do contrato, lavrou sempre no âmbito da matéria de direito que havia sido alegada e tratada na sentença, ut artsº 715º, nº1 e 729º do CPC (exigibilidade da prestação).

Decorre da conjugação dos art.° 666° e 615°, ambos do Código de Processo Civil que o acórdão é nulo quando, designadamente, a fundamentação esteja em oposição com a decisão, ou a Relação conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Resulta do art.° 608° do Código de Processo Civil (aplicável ao recurso de apelação por força do disposto no art.° 663°, n° 2, do Código de Processo Civil) que no acórdão devem ser resolvidas todas as questões que o apelante tenha submetido à apreciação da Relação, não podendo ocupar-se senão dessas questões, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.

Ou seja, sem embargo de o cumprimento do ónus de alegação a que respeitam os art.° 639° e 640° do Código de Processo Civil representar a delimitação das questões submetidas à apreciação da Relação, no que respeita às que estão abrangidas pelo princípio do dispositivo, sempre que impere o princípio da oficiosidade relativamente a qualquer questão não alegada, tem a Relação o dever de conhecer da mesma em sede do recurso de apelação. O que significa que o vício que pode ser assacado à decisão assim proferida não corresponde à nulidade da mesma, por excesso de pronúncia, mas a um eventual erro de julgamento quanto ao decidido (vr, v.g., o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/9/20104, referindo que não "há que confundir erro de julgamento na matéria de facto com o excesso de pronúncia a que se refere o artigo 668° n° 1 alínea d) do Código de Processo Civil!

O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.

O excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece, isto é, aprecia e toma posição (emite pronúncia) sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.

Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma, o excesso de pronúncia consiste numa apreciação ou decisão sobre questão que ultrapassa o quanto é submetido pelas partes ou imposto por lei à consideração do julgador'").

Assim se vê, portanto, que não ocorre a apontada nulidade por excesso de pronúncia, pois a Relação, na apreciação ou decisão sobre a aludida questão, não ultrapassou o que as partes lhe submeteram, nos autos, para apreciação.


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Se o título executivo (a sentença) impôs às partes obrigações recíprocas e sinalagmáticas (a restituição das prestações que haviam realizado) e, como tal, se é aplicável o artº 428º do CPC (excepção do não cumprimento). E se a obrigação/prestação exequenda é exigível e, consequentemente, exequível.

Quanto às obrigações impostas na sentença, a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

O título dado à execução é uma sentença, onde, no seu dispositivo, se decidiu:

«.. (b) julgar procedente a reconvenção e, em consequência: declarar nulo o negócio jurídico de compra e venda identificado no ponto 8º dos factos provados e ordenar a restituição pelos Autores» - os ora exequentes FF e EE – aos 1º e 2º Réus» - ora executados AA e BB – «da quantia de €24.000,00 e pelos 1º e 2º Réus aos Autores dos bens móveis objeto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados».

Como tal, não são precisas grandes cogitações para se concluir que a sentença impôs às partes obrigações mútuas, sinalagmáticas: aos executados/Embargantes, a entrega/devolução dos bens móveis objecto do aludido contrato; aos exequentes/Embargados, a restituição daquela quantia de €24.000,00.

Da aplicação da excepção do não cumprimento (artº 428º do CC)

Não vislumbramos qualquer impedimento.

Exequentes e executados são credores mútuos de restituição, com créditos recíprocos que, nada sendo dito em contrário, devem ser satisfeitos e extintos em simultâneo. É esse o regime dos arts. 289º e 290º do C. Civil e 715º do CPC.

Ou seja, na actual execução, para poderem cobrar dos recorrentes/embargantes, têm os exequentes/recorridos de provar o cumprimento da prestação por si devida. Não se vendo obstáculo a que os embargantes/recorrentes venham, com tal fundamento, fazer uso da excepção de não cumprimento.

Isso mesmo reza o referido art. 715º: 1. Quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor incumbe-lhe alegar e provar que efetuou ou ofereceu a prestação. 5 - A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução.

Ou seja, deste normativo resulta que as partes estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo. E não havendo por parte dos Exequentes (vendedores) cumprimento em simultâneo da sua prestação de restituição da referida quantia de €24.000,00, é lícito aos Executados (compradores) exigir a restituição daquela quantia em simultâneo com a sua obrigação de entrega dos bens, a fim de se reporem as partes na situação anterior à celebração do contrato.

É, portanto, assim, precisamente, nesta oposição à execução que tal exceptio non adimpleti contractus (excepção de contrato não cumprido) pode ser suscitada pelos embargantes/executados.

A excepção de não cumprimento do contrato é uma exceção dilatória de direito material que se destina a permitir que, nos contratos bilaterais com obrigações, reciprocamente, interligadas por um sinalagma genético-funcional, em que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o contraente fiel não cumpra enquanto o contraente faltoso não cumprir, também.

Trata-se de uma excepção que não legitima o incumprimento definitivo do contrato pelo contraente fiel, mas, tão-só, que lhe consente o cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.

Como tal, estando, também, os exequentes vinculados ao cumprimento de uma contra-prestação (restituição da quantia de €24.000,00), arguida a excepção, aqueles estão obrigados a satisfazê-la como devedores, para obviar os efeitos substantivos da aludida excepção, porquanto só poderão afastá-la provando que já cumpriram ou que os executados devem cumprir, em primeiro lugar.

Efectivamente, o contraente, a quem se exige o cumprimento, não deve ser obrigado a provar que se verificam os requisitos da «exceptio non adimpleti contratus», dado que o direito a esta é uma consequência do contrato bilateral, sendo antes o exequente que, para se subtrair aos efeitos da excepção, terá de fazer a prova que já cumpriu pela sua parte ou ofereceu o cumprimento perfeito, pois é ao devedor que compete provar que cumpriu, e não ao credor que a obrigação não foi cumprida5.

É certo que, como bem diz RODRIGUES BASTOS6, “esta exceção é uma consequência natural do caráter bilateral ou sinalagmático do contrato. Nestes contratos, cada uma das partes assume obrigações tendo em vista as obrigações da outra, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se acaso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem por seu lado ter cumprido ou se prestar a cumprir”.

Mas tal não significa que a excepção em causa seja inaplicável ao caso concreto.

Com efeito, o que a lei exige para fundamentar a invocação da exceptio non adimpleti contractus é que exista interdependência de prestação e contraprestação, pois “desde que não haja prazos diferentes para o cumprimento das prestações, a qualquer dos contraentes é lícito recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo7.

Assim, a exceptio non adimpleti contractus supõe que um dos contraentes não esteja obrigado a cumprir a sua obrigação antes do outro; se não estiver – como ocorre no caso sub judice, pois a sentença exequenda apenas ordenou a restituição pelos Autores (ora exequentes) aos 1º e 2º Réus (ora executados) da quantia de €24.000,00 e pelos 1º e 2º Réus aos Autores dos bens móveis objeto do mesmo identificados também no ponto 8º dos factos provados – , pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação ou não lhe for oferecido o cumprimento simultâneo desta.

Como acentua MENEZES CORDEIRO8, a invocação da excepção de não cumprimento prevista no art.º 428.º do C. Civil pressupõe os seguintes requisitos: a) a existência de prazos idênticos para ambas as prestações; b) o não cumprimento de uma delas ou a não oferta de cumprimento9.

Percute-se que nos presentes autos está em causa a execução de uma sentença que ordenou restituições por ambas as partes (a uma, de bens; a outra, dinheiro). Portanto, prestações recíprocas ou interdependentes (nada permitindo dizer que assim não seja – ou que é outro o sentido desse dispositivo).

Donde ser aplicável o disposto no art.º 428.º do C. Civil.

Entendimento que não é afastado – pelo contrário – pelo facto de a excepção de não cumprimento do contrato ser privativa dos contratos bilaterais. É que, na verdade, os exequentes deram à execução uma sentença condenatória, da qual flui expressamente a condenação dos executados/embargantes a restituir determinados bens em consequência da declaração de nulidade do negócio jurídico de compra e venda dos mesmos bens entre ambos celebrada.

Ou seja, afinal, a fonte das obrigações plasmadas no dispositivo da sentença é um contrato bilateral ou sinalagmático; melhor, tal fonte decorre de uma sentença condenatória …de ambas as partes.

Como quer que se entenda (isto é, independentemente de possível controvérsia acerca da aplicabilidade da excepção de não cumprimento do contrato no âmbito da acção executiva – a suscitar em sede de oposição à execução), a verdade é que existe, perante o teor da sentença condenatória, uma óbvia interdependência, ou sinalagma funcional, entre a obrigação de entrega dos bens pelos embargantes às exequentes e o pagamento da quantia em que os exequentes foram condenados a pagar aos executados/embargantes.

É a obrigação/prestação exequenda exigível e, consequentemente, exequível?

A decisão desta questão crucial está, naturalmente, dependente da apreciação da impugnação da matéria de facto suscitada na apelação.

Efectivamente, os Embargados/Exequentes pretendiam que fosse levado aos factos provados que Os exequentes, por várias vezes, instaram os executados a entregarem, contra o pagamento do valor da contraprestação, os bens móveis referidos na sentença, tendo-se estes sempre recusado a entregá-los” (destaque nosso).

Ora, a decisão a dessa impugnação de facto é crucial para o mérito ou demérito da demanda: o desfecho desta dependerá, efectivamente, da prova (ou não prova) do cumprimento, pelos Exequentes, da obrigação que lhes incumbe nos termos da sentença dada à execução, daí dependendo, portanto, o preenchimento do requisito da exigibilidade – e, consequentemente, da exequibilidade – da obrigação/prestação exequenda.


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Nesta senda, os autos deverão baixar à Relação, a fim de decidir a suscitada questão da impugnação da decisão da matéria de facto (oferecimento, pelos exequentes, da sua prestação), prolatando, após, nova decisão de mérito no recurso, em conformidade com a resposta que for dada a essa impugnação.

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IV. DECISÃO

Face ao exposto, no procedimento parcial da revista, acorda-se em determinar a baixa dos autos à Relação para decisão da matéria da impugnação da matéria de factonos sobreditos termos –, após o que a mesma instância decidirá do mérito do recurso.

Custas a fixar a final.

Lisboa, 2 de novembro de 2023

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira – 1ª Adjunto)

Afonso Henriques (Juiz Conselheiro – 2º Adjunto)

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1. Que, a bem dizer, são quase uma réplica das alegações, dessa forma não dando satisfação à sintetização aludida no artº 639º, nº1, do CPC. E só não formulamos convite à sua sintetização para não atrasar mais o desfecho da demanda.

2. Não pode a parte pedir a revista normal e a revista excepcional, em termos cumulativos, alternativos ou subsidiários. Tal postura é inidónea e logicamente contraditória!

3. Na dúvida, deve optar (apenas) pela revista excepcional, por ser o mecanismo mais abrangente na garantia de acesso ao Supremo.

4. Álvaro Rodrigues e disponível em www.dgsi.pt

5. Ac. da Rel. de Coimbra de 27-2-2007 (Hélder Roque) www.dgsi.pt.

6. Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 95/96.

7. Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 318; No mesmo sentido, PIRES DE LIMA e ANNTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pág. 405/406.

8. Obrigações”, 1980, 2.º, 460.

9. Acresce que a invocação da exceptio non adimpleti contractus pode justificar-se por um incumprimento total ou um incumprimento ligado à violação dos princípios da pontualidade e da integralidade (cumprimento defeituoso e incumprimento parcial) – cf. BRANDÃO PROENÇA, in Lições de Cumprimento e Não Cumprimento Das Obrigações, Coimbra Editora, pág. 144.