Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1023/13.5YYPRT-C.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OFENSA DO CASO JULGADO
AÇÃO EXECUTIVA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário :
Indefere-se a impugnação, confirmando-se a decisão impugnada.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. Foi proferida decisão da relatora do seguinte teor:

«1. Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa instaurados por Alliance Healthcare, S.A. contra AA, BB, CC, DD, EE e FF, veio a executada AA interpor recurso de revista do acórdão da Relação que, julgando o recurso de apelação improcedente, confirmou a decisão da 1ª instância de 24.03.2016 (decisão interlocutória de fls. 170 a 220 e 746 a 756 só recorrível com a decisão final) com o seguinte teor:

«Conforme consta do título executivo, a executada AA foi condenada a pagar à exequente a quantia de €400.586,05, acrescida de juros de mora, devendo o pagamento ser feito através do valor do estabelecimento comercial que lhe foi adjudicado e, na sua insuficiência, pelos demais bens que constituem a herança aberta por óbito de GG. Assim, na decisão exequenda, transitada em julgado, encontram-se já determinados os bens que respondem pela quantia exequenda – o valor do estabelecimento comercial e, na sua insuficiência, os demais bens que constituem a herança.

Ora, atendendo a que, à data em que foi proferida aquela decisão, a executada havia já trespassado aquele estabelecimento comercial, tendo recebido a quantia de €1.300.000,00 – o que consta dos factos provados nessa mesma decisão –, terá, forçosamente, de considerar-se que a executada responde pela quantia exequenda com todos os bens que forem encontrados no seu património, até ao limite daquela quantia de €1.300.000,00 que recebeu, já que é esse o valor do estabelecimento comercial, não havendo que proceder a qualquer levantamento das penhoras efetuadas.

Notifique».

2. Como fundamento de admissibilidade invoca a recorrente que o acórdão recorrido se encontra em contradição de julgados com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2000, proferido no Processo n.º 986/2000, de que junta cópia simples (a partir da respectiva publicação na Colectânea de Jurisprudência, Vol. IV de ano que não surge identificado), requerendo que seja «revogado o Acórdão Recorrido e ordenado o levantamento das penhoras efetuadas, com restituição dos valores já entregues à Recorrida».

A este respeito, formula a recorrente as seguintes conclusões:

«I – Os Acórdãos Recorrido e Fundamento têm por base as mesmas questões de facto, ou seja:

a) responsabilidade dos bens de herdeiro por dividas da herança recebida e

b) oposição à penhora desses bens, através de requerimento, nos termos do artigo 744º do C.P.C.

II – O Acórdão Recorrido entendeu que o herdeiro responde com todos os seus bens pessoais pelas dívidas da herança.

III – O Acórdão Fundamento entendeu que o herdeiro só responde por tais dividas pelas forças dos bens herdados.

IV – O Acórdão Recorrido entendeu que a Recorrente não podia opor-se a essa penhora por requerimento, nos termos do artigo 744º do C.P.C.

V – O Acórdão Fundamento entendeu que o executado podia opor-se à penhora, nos termos do artigo 827º do C.P.C. (atual 744º, com a mesma redação do anterior), ou seja, por requerimento.

VI – Ocorre contradição clara entre estes dois Acórdãos da Relação do Porto, nestas duas questões.

VII – Não existe nestas matérias acórdão de uniformização de jurisprudência.

VIII – O Acórdão recorrido decidiu com fundamentação substancialmente diferente da decisão de 1ª instância.

IX – Estão, assim, reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso de revista, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do C.P.C.

X – Ou e se assim não se entender de revista excecional, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 672º do C.P.C.

Deve, pois, o presente recurso ser admitido nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do C.P.C.

Ou, se assim não se entender, deve ser admitido em ordem à verificação, nos termos do nº 3 do artigo 672º do C.P.C. dos pressupostos da revista excecional e posterior decisão de mérito»

Ao impugnar o acórdão recorrido, alega ainda a Recorrente, reiterando o invocado em sede de recurso de apelação, que o despacho da 1ª instância de 24.03.2016, supra reproduzido, incorreu em ofensa de caso julgado formado com a sentença condenatória dada à execução, concluindo nos termos seguintes:

«I – A Recorrente foi condenada a pagar a quantia de 400.586,05 euros e juros, devendo o pagamento ser feito através do valor do estabelecimento comercial e, na sua insuficiência, pelos demais bens que constituem a herança.

II – A penhora efetuada pela Srª Agente de Execução incidiu sobre bens não integrantes da herança.

III – Pelo que a Recorrente, por requerimento apresentado nos termos do artigo 827º do C.P.C. (actual 744º do C.P.C.) requereu o seu levantamento.

IV – A Srª Agente de Execução submeteu tal questão ao Sr. Juiz de Execução.

V – O Sr. Juiz de Execução proferiu despacho, dizendo que respondiam pela divida todos os bens da Recorrente, mesmo os que não integravam a herança.

VI – O despacho do Sr. Juiz de Execução alterou desse modo o teor da sentença dada à execução.

VII – Violando, assim, o caso julgado e as disposições dos artigos 621º e 675º do C.P.C.

VIII – O Acórdão Recorrido ao confirmar tal decisão incorreu no mesmo erro, em violação não só do teor da sentença dada à execução e do caso julgado, mas também do disposto nos artigos 2068º e 2071º do Código Civil.

IX – A Recorrente podia opor-se a tal penhora através de requerimento, nos termos do artigo 744º do C.P.C.

X - Ao não aceitar tal meio de oposição, o Acórdão Recorrido violou, por erro de interpretação tal normativo.».

4. A recorrida contra-alegou formulando extensas e prolixas conclusões, pugnando a final pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente pela sua improcedência.

5. Nos termos previstos no art. 652.º, n.º 1, alínea b), do CPC, cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do presente recurso com fundamento em contradição de julgados.

São diversos os obstáculos à admissibilidade a considerar, tanto em função da natureza da acção como da natureza e conteúdo da decisão do acórdão recorrido.

5.1. Tratando-se de acção executiva, é aplicável o regime do art. 854.º do CPC que restringe o recurso de revista nos seguintes termos:

«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.».

Não estando em causa qualquer das situações previstas na segunda parte desta norma, o recurso apenas será admissível se corresponder a algum dos «casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

Esclareça-se também que, sendo o recurso de revista unitário, como, em termos gerais, não é admissível revista por via normal, também não é admissível revista por via excepcional.

5.2. Além do mais, incide o acórdão recorrido sobre decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual. Ora, nos termos do art. 671.º, n.º 2, do CPC, as decisões que revestem esta natureza só podem ser objecto de revista em duas situações:

• Nos casos em que o recurso é sempre admissível, isto é, quando as questões processuais aí tratadas possam ser subsumíveis em alguma das previsões constantes do art. 629.º, n.º 2, do CPC (cfr. alínea a) do n.º 2 do art. 671.º);

• Quando estejam em contradição com outro acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme (cfr. alínea b) do n.º 2 do art. 671).

No caso, o recorrente apresenta como acórdão-fundamento o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2000, proferido no Processo n.º 986/2000.

Suscita-se a questão prévia de saber se uma contradição de julgados entre o acórdão recorrido e um acórdão invocado como acórdão-fundamento só será relevante na hipótese prevista na alínea b) do n.º 2 do art. 671.º do CPC, isto é, quando este segundo acórdão seja um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; ou se, diversamente, é também aplicável a previsão da alínea d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, por remissão da alínea a) do n.º 2 do art. 671.º do mesmo Código, regime no qual se atribui relevância à contradição de julgados entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação, tal como invocado no caso dos autos.

Não se ignorando que ambos os sentidos interpretativos têm tido acolhimento na jurisprudência deste Supremo Tribunal, assinala-se que o segundo sentido tem prevalecido na jurisprudência da presente Secção do Tribunal. Cfr., entre outros, o acórdão de 12-09-2019 (proc. n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A. S1), disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma:

«O Acórdão sob recurso incide sobre uma decisão interlocutória de natureza processual e, por isso, é enquadrável no artigo 671.º, n.º 2, do CPC. A admissibilidade da revista fica, pois, dependente da verificação dos pressupostos definidos nessa disposição, a saber: ser um dos casos em que é sempre admissível o recurso [al. a)] ou existir contradição do Acórdão recorrido com Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [al. b)].

Sendo o Acórdão recorrido um acórdão do qual não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal e alegando o recorrente que ele está em contradição com outro Acórdão da Relação, há que pôr a hipótese de este ser um dos casos é que é sempre admissível recurso ao abrigo do disposto na al. d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.».

5.3. Por fim, esclareça-se ainda que, caso se conclua pela contradição de julgados, a existência de dupla conforme entre as decisões das instâncias não obsta à admissibilidade do recurso, atendendo à ressalva prevista na primeira para do n.º 3 do art. 671.º do CPC («Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte».).

5.4. Aqui chegados, e sem necessidade de se determinar a junção de cópia certificada do acórdão junto como acórdão-fundamento, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.2000 (processo n.º 986/2000), não pode senão concluir-se pela inexistência de contradição. Com efeito, a decisão aí proferida de ordenar o levantamento da penhora que incidiu sobre o vencimento do executado, assentou no regime substantivo que regula a responsabilidade pelas dívidas do de cujus da herança não partilhada e dos herdeiros de herança não partilhada (arts. 2068.º e 2071.º do Código Civil). Enquanto a decisão do acórdão recorrido que manteve a decisão da 1.ª instância de não levantamento da penhora por «considerar[-se] que a executada responde pela quantia exequenda com todos os bens que forem encontrados no seu património, até ao limite daquela quantia de €1.300.000,00 que recebeu» assentou no regime da responsabilidade pelas dívidas do de cujus dos herdeiros de herança partilhada (art. 2098.º do Código Civil). Não se encontra assim preenchido qualquer dos pressupostos da contradição de julgados previstos no art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade do recurso com fundamento em contradição de julgados.

6. Ainda que a recorrente tenha invocado a ofensa de caso julgado como questão de mérito e não como fundamento de admissibilidade do recurso, ao abrigo dos princípios ínsitos nos arts. 5.º n.º 3, e 193.º, n.º 3, do CPC, e atendendo a que a possibilidade de ofensa de caso julgado constitui um dos casos em que o recurso é sempre admissível (cfr. alínea a) do n.º 2 do art. 629.º, do CPC, ressalvada, nos termos supra expostos no ponto 5 do presente acórdão, pelo regime dos arts. 854.º e 671.º, n.ºs 2, alínea a), e n.º 3, do CPC), cumpre admitir o recurso circunscrito à apreciação da verificação de tal ofensa.

6.1. A este respeito, e dada a simplicidade da questão, acompanha-se integralmente a apreciação da questão realizada pelo acórdão recorrido:

«[V]erificamos que consta da decisão proferida na sentença exequenda: “Pelo exposto julga-se a presente ação parcialmente procedente, em consequência do que se condena a co-ré AA a pagar à autora a quantia de €400.586,05 (€368.127,89 + €32.458,16), acrescida de juros de mora à taxa legal a que alude o proémio do artigo 102.º, parágrafo 3.º, do C. Comercial, já vencidos no valor de €25.512,51, e dos vencidos e vincendos desde 28.03.2009 até efetivo e integral pagamento, condenando-se outrossim o co-réu BB e os chamados, na proporção das respetivas quotas hereditárias, no pagamento do aludido quantitativo caso a autora não consiga obter tal pagamento pelos valores do estabelecimento comercial.”

Nessa sentença julgou-se, além do mais, provado que:

17 – No dia 14 de agosto de 2008 a 1.ª ré transmitiu a referida farmácia para a sociedade atrás identificada pelo preço de € 1.300.000,00.

53 – Provado que em 1.08.2008 a 1.ª ré tomou conhecimento, através da autora, dos valores que a Farmácia ... devia à autora e que esta reclama nesta ação.

*

Como é evidente a sentença exequenda teve em consideração, como não podia deixar de ter, que a ré, ora executada/apelante, já havia trespassado o estabelecimento comercial – Farmácia ... - tendo recebido por tal negócio a quantia de €1.300.000,00. Pelo que é mera conclusão lógica que é todo o património da mesma, ora executada, que, até ao valor de €1.300.000,00, responde pelo pagamento coercivo da dívida exequenda, e não apenas os bens inventariados, nem os bens que a executada/apelante tenha adquirido com o preço obtido por tal negócio, como a mesma vem defender agora, respondendo mesmo os bens de que era já proprietária à data dessa partilha e os que venha a adquirir mesmo em data posterior à realização do dito trespasse, contrariamente ao que a mesma vem defender.

Pois que, como também se considerou, além do mais, na sentença exequenda: “(…) Tendo pelo exposto o estabelecimento “Farmácia ...” sido licitado com todo o seu ativo e passivo, decorre que o responsável pelo pagamento da dívida passou a ser aquele, entre os herdeiros, a quem foi adjudicado o bem (estabelecimento comercial), no sentido sustentado de que o estabelecimento comercial representa uma unidade patrimonial, um conjunto de meios, direitos e deveres indissociáveis, em suma, uma universalidade de facto (…) “no caso dos autos, tal posição não é beliscada pela circunstância de ter ficado demonstrado que na data das licitações a 1.ª ré não conhecia os valores dos fornecimentos feitos pela autora a partir de 17.02.2006 – resposta quesitos 41.º e 42.º - e que na data das licitações a 1.ª ré não estava informada sobre o modo como o 2.º réu administrava a herança e a farmácia após 17.02.2006.resposta quesito 43.º( itens 48.º e 49.º dos Factos Provados), porquanto, tais factos apenas são suscetíveis de relevar no domínio das relações internas entre os co-herdeiros que não no âmbito das relações externas destes com a autora enquanto credora da herança.”

Ou seja, e em suma, tudo o que a executada/apelante pretende ver discutido por via do presente recurso foi objeto da decisão proferida na ação de condenação ora exequenda, mormente porque a dívida da ora exequente, além do mais, fazia parte da universalidade que era o referido estabelecimento comercial - um complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, integrados numa organização dinâmica destinada ao exercício de uma atividade económica comercial, configurável como universalidade de direito -, pelo que ao ter sido o mesmo adjudicado em partilha à executada, ficou esta, por ser a titular do mesmo, como a principal responsável perante a ora exequente pelas dívidas que faziam parte dessa universalidade e, posteriormente tendo procedido ao seu trespasse a terceiro, é inegavelmente pelo produto que obteve com esse negócio e que integrou no seu património que responde perante a exequente.

Não se vislumbrando, pois, na decisão recorrida qualquer beliscadura à força do caso julgado decorrente da sentença exequenda.». [negritos nossos]

6.2. Subscrevendo-se na íntegra a apreciação do acórdão recorrido, conclui-se pela não verificação da invocada ofensa do caso julgado, nada mais havendo a apreciar, uma vez que o recurso foi admitido com o respectivo objecto circunscrito à apreciação desta questão (cfr. art. 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC).

7. Pelo exposto, e por ser manifestamente infundada a invocação de ofensa de caso julgado, ao abrigo da previsão do art. 656.º do CPC, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente».

II. Desta decisão vem a Recorrente impugnar para a conferência, alegando nos termos seguintes:

«Na verdade, não se pode concordar com a decisão, porquanto não há dúvida nenhuma sobre dois factos, a saber:

1º - A dívida era da herança e, por isso, foi intentada ação contra todos os herdeiros e

2º - Os bens penhorados à Recorrente não lhe advieram dessa herança.

Introduzir um terceiro elemento na questão, ou seja, estar ou não já partilhada a herança, constitui um claro desvio de interpretação do disposto no artigo 744°, n° 1 do C.P.C., que o mesmo não comporta.

Acresce que ocorre ofensa de caso julgado.».

Em resposta, pugna a Recorrida pela manutenção da decisão recorrida.

Vejamos.

A primeira alegação da recorrente, ora reclamante, segundo a qual o regime do art. 744.º do CPC foi erradamente interpretado e aplicado, só faria sentido se o recurso tivesse sido admitido com fundamento na invocada contradição de julgados com o acórdão apresentado como acórdão-fundamento.

Ora, tendo a decisão da relatora apreciado da verificação de tal contradição, concluindo pela sua inexistência – conclusão que a recorrente não vem pôr em causa –, não cabe pronunciar-nos sobre a referida alegação.

Insiste ainda a recorrente na alegação de que o acórdão recorrido incorre em ofensa do caso julgado formado com a sentença condenatória dada à execução.

Carece inteiramente de razão.

Como se afirma na decisão impugnada, subscrevem-se os termos em que a Relação apreciou tal questão:

«Como é evidente a sentença exequenda teve em consideração, como não podia deixar de ter, que a ré, ora executada/apelante, já havia trespassado o estabelecimento comercial – Farmácia ... - tendo recebido por tal negócio a quantia de €1.300.000,00. Pelo que é mera conclusão lógica que é todo o património da mesma, ora executada, que, até ao valor de €1.300.000,00, responde pelo pagamento coercivo da dívida exequenda, e não apenas os bens inventariados, nem os bens que a executada/apelante tenha adquirido com o preço obtido por tal negócio, como a mesma vem defender agora, respondendo mesmo os bens de que era já proprietária à data dessa partilha e os que venha a adquirir mesmo em data posterior à realização do dito trespasse, contrariamente ao que a mesma vem defender.

(...)

Ou seja, e em suma, tudo o que a executada/apelante pretende ver discutido por via do presente recurso foi objeto da decisão proferida na ação de condenação ora exequenda, mormente porque a dívida da ora exequente, além do mais, fazia parte da universalidade que era o referido estabelecimento comercial - um complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, integrados numa organização dinâmica destinada ao exercício de uma atividade económica comercial, configurável como universalidade de direito -, pelo que ao ter sido o mesmo adjudicado em partilha à executada, ficou esta, por ser a titular do mesmo, como a principal responsável perante a ora exequente pelas dívidas que faziam parte dessa universalidade e, posteriormente tendo procedido ao seu trespasse a terceiro, é inegavelmente pelo produto que obteve com esse negócio e que integrou no seu património que responde perante a exequente.

Não se vislumbrando, pois, na decisão recorrida qualquer beliscadura à força do caso julgado decorrente da sentença exequenda.». [negritos nossos]

Temos, pois, que, não apenas não se verifica a invocada ofensa do caso julgado formado com a sentença condenatória, como, tal como resulta da fundamentação do acórdão recorrido, fica demonstrado que a decisão das instâncias assenta no caso julgado formado pela mesma.

III. Pelo exposto, indefere-se a impugnação, confirmando-se a decisão impugnada.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Maria da Graça Trigo (relatora)

Isabel Salgado

Fernando Baptista