Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3868/20.0T8PRT-A.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
DIREITO DE CRÉDITO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. — O art. 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária tem como corolário lógico a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência.

II. — Os árbitros são os primeiros juízes da sua própria competência — e, em consequência, antes de o tribunal arbitral se pronunciar, os tribunais estaduais devem abster-se de intervir.

III. — O critério relevante para determinar se a cláusula compromissória é, ou não, em concreto relevante encontra-se ou deve encontrar-se na plausibilidade de que o direito de crédito invocado esteja ainda relacionado com o contrato contendo a cláusula compromissória.

IV. — Em caso de dúvida, deve considerar-se plausível que o actual litígio corresponda ainda a um litígio relacionado com o contrato — logo, em caso de dúvida, deve julgar-se procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição do tribunal arbitral.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA




I. — RELATÓRIO


1. Hejamara- Comércio e Serviços de Equipamentos Industriais, Lda., instaurou, no Juízo Central Cível do Tribunal da Comarca do Porto, procedimento europeu de injunção para pagamento contra Trumpf - Werkzeugemaschinen Gmbh + Co.KG, exigindo o pagamento da quantia de 2.060.283,25 euros.


2. No dia 12 de Junho de 2020 o Tribunal da Comarca do Porto proferiu despacho com o seguinte teor:

Foi apresentado o formulário normalizado F constante do anexo VI (oposição à injunção europeia) conforme previsto no artº 16º do Regulamento (CE) nº1896/2006 de 12 de Dezembro.

A declaração de oposição põe termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implica a remessa para os tribunais competentes para o processo civil nacional ou comunitário adequado, a quem compete determinar a forma processual civil adequada ao prosseguimento da demanda (artº 17º nº1 do citado Regulamento).

Pelo exposto, julga-se este tribunal territorialmente incompetente para os ulteriores termos do processo, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal judicial da Comarca de Sintra.


3. No dia 17 de Setembro de 2020, o Tribunal da Comarca de Sintra proferiu despacho com o seguinte teor:

Tendo presente o disposto no art.º 17º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, os presentes autos seguem a forma do processo declarativo comum, atenta a dedução de oposição.

Assim, proceda-se desde já à correcção da distribuição e da autuação – art. 210.º, al. b), do CPCivil.


4. No dia 5 de Novembro de 2020 o Tribunal da Comarca de Sintra proferiu despacho com o seguinte teor:

Nos termos do disposto no art. 17º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, os presentes autos seguem a forma do processo declarativo comum, atenta a dedução de oposição.

Consequentemente, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, determino a notificação da Ré para, em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua oposição.


5. A Ré Trumpf Werkzeugemaschinen Gmbh + Co.KG defendeu-se, invocando a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral.


6. A Autora Hejamara — Comércio e Serviços de Equipamentos Industriaias, Lda, respondeu à excepção dilatória invocada pela Ré Trumpf Werkzeugemaschinen Gmbh + Co.KG, pugnando pela sua improcedência.


7. No dia 15 de Abril de 2021, o Tribunal da Comarca de Sintra proferiu despacho com o seguinte teor:

Preparando-me para me pronunciar sobre a excepção invocada, verifico que, por despacho de 05-11-2020, apenas foi dirigido convite à Ré para, nos termos do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, e em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua oposição, não tendo sido tal convite dirigido à Autora, do que me penitencio.

Assim, ao abrigo do disposto nos arts. 6º, 547º e 590º, todos do CPCivil, determino a notificação da Autora para, em 10 dias, apresentar articulado, elencando, de forma breve, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua posição.


8. A Autora correspondeu ao convite, apresentando articulado, e a Ré respondeu ao articulado apresentado, invocando a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral.


9. No dia 1 de Junho de 2022, o Tribunal da Comarca de Sintra proferiu despacho saneador, em que julgou improcedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral.


10. O despacho saneador fundamenta a decisão sobre a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral nos seguintes termos:

Da incompetência do tribunal por preterição de tribunal arbitral

Vem a R. “TRUMPF Werkzeugmaschinen Gmbh+Co.Kg” invocar a excepção dilatória de incompetência do tribunal por preterição de tribunal arbitral, alegando que a única relação jurídica que se estabeleceu entre as partes adveio da celebração de um contrato misto de agência e de distribuição (concessão comercial), assinado em 12 de Junho de 2008 que cessou por resolução por justa causa a iniciativa da R., sendo que na cláusula contratual constante do Art. 14.2 resulta que as partes acordaram que “Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (…) sem recurso aos tribunais de direitos comuns.”.

Notificada para se pronunciar quanto a tal excepção veio a A. pugnar pela sua improcedência dizendo que fundamenta o peticionado em acordos verbais que celebrou com a R. após cessação daquela relação contratual, admitindo até a justa causa da mesma cessação (cf. ponto 5. da PI).

Cumpre apreciar:

Como resulta do contrato junto aos autos, que nenhuma das partes põe em causa, as mesmas celebraram uma convenção de arbitragem (cláusula compromissória, já que se refere a litígios eventuais, potenciais ou futuros), tendente a solucionar os “Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade”, sendo os mesmos “resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (…) sem recurso aos tribunais de direitos comuns.”. Ou seja, voluntariamente, as partes decidiram cometer a resolução de conflitos a surgir na vigência do contrato acima referenciado a um tribunal arbitral.

A convenção de arbitragem abrange toda a conflitualidade prática e jurídica decorrente do contrato.

Pela presente acção pretende a A. seja a R. condenada no pagamento de diversas quantias que alega serem-lhe devidas em cumprimento de acordos que celebrou verbalmente com a R. após a cessação da relação contratual e fora do seu âmbito.

Estaremos, portanto, fora do âmbito do contrato que inclui tal cláusula compromissória.

Tal implica a improcedência da excepção deduzida, posto que é pelo modo como a A. formula a causa de pedir que há-de aferir-se da competência do tribunal.

Termos em que, julgo improcedente a deduzida excepção de preterição de tribunal arbitral.


11. Inconformada, a Ré Trumpf Werkzeugemaschinen Gmbh + Co.KG interpôs recurso de apelação.


12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. No Despacho Saneador, de que ora se recorre, o Tribunal a quo considerou improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral.

B. Resulta por demais evidente que a Recorrida conjecturou um enquadramento fantasioso, com o intuito de integrar uma relação diversa daquela que resulta do Contrato.

C. Ainda que esse enquadramento fosse minimamente verosímil (o que jamais se aceita), sempre se diga que o Tribunal não procedeu à correcta aplicação do Direito.

D. Esta é a terceira vez que a Recorrida vem a juízo peticionar por uma indemnização por alegados danos sofridos, decorrentes da cessação do Contrato.

E. A Recorrida foi alterando a qualificação jurídica da causa de pedir conforme as suas conveniências: num primeiro momento, por procedimento de injunção onde a sua pretensão assentava num vínculo emergente de contrato; de seguida, por acção declarativa, onde a sua pretensão decorrida de responsabilidade civil extracontratual; e agora nos presentes autos, onde a sua pretensão assenta em relações contratuais estabelecidas após a cessação do Contrato.

F. A Recorrida pretende apenas furtar-se à competência exclusiva de um tribunal arbitral constituído nos termos das “DIS Arbitration Rules”.

G. A partes celebraram a 12 de Julho de 2008 o Contrato, que veio cessar a 4 de Maio de 2015, por justa causa.

H. Em tal contrato, as partes introduziram a seguinte cláusula compromissória: “All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V. (DIS)) without  recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract parties agree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding effect on the validity of this arbitration agreement.”

Ou, traduzido para a língua portuguesa:

“Todos os litígios emergentes relacionados com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e. V. (DIS)) sem recurso aos tribunais de direitos comuns. O local de arbitragem é em Stuttgart e o tribunal arbitral é composto por três árbitros, salvo se as partes contratuais concordarem um outro local de julgamento. A linguagem do julgamento é o Alemão. A decisão pronunciada pelo tribunal de arbitragem será final e vinculativa para as partes contratuais e serão obrigados a agir de boa fé de acordo com a decisão judicial. O tribunal de arbitragem também pode decidir, com efeitos vinculativos, sobre a validade do acordo de arbitragem.” – tradução apresentada pela Recorrida.

I. Da análise da documentação junta pela Recorrida, facilmente se compreende que os valores peticionados apenas podem decorrer deste mesmo Contrato.

J. Na verdade, não faria qualquer sentido que a Recorrente pretendesse estabelecer com a Recorrida uma qualquer nova relação contratual, já que a Recorrente resolveu com justa causa o Contrato, por diversos incumprimentos contratuais, que conduziram a uma quebra definitiva da confiança que havia sido depositada na Recorrida.

K. Pelo que a invocação de uma qualquer nova relação não é mais do que um estratagema mal congeminado, uma vez que, nas anteriores acções intentadas,  já se aludia aos negócios cujas comissões agora são reclamadas, assim como os custos do armazenamento, bem como a supostos problemas resultantes de defeitos nas relações com os clientes S. Roque, Caradonna e outros.

L. Mas, ainda que fosse verdade que Recorrente e Recorrida celebraram novo contrato verbal – o que jamais se aceita – sempre se diga que o Tribunal a quo não aplicou adequadamente as regras relativas à aferição da competência dos tribunais judiciais.

M. O Tribunal a quo considerou que os valores peticionados não se encontravam abrangidos pelo contrato que inclui a cláusula compromissória, sem que, para tanto, tenham sido apresentados quaisquer fundamentos para que tal cláusula seja considerada manifestamente nula, ou que se tenha tornado ineficaz ou inexequível.

N. In casu estamos perante uma cláusula compromissória válida, que teremos de enquadrar face à hipotética celebração verbal de um novo contrato entre as mesmas partes.

O. Segundo a tese da Recorrida, as partes acordaram manter uma relação comercial em regime de prestação de serviços, na qual a Recorrida continuava a comercializar as máquinas da Recorrente, mediante pagamento de comissão, de acordo com o preço final negociado com o cliente.

P. Com efeito, a Recorrida menciona ter sido celebrado um novo contrato verbal, onde o objecto se manteve essencialmente o mesmo.

Q. Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, o princípio “Kompetenz-Kompetenz” implica, na sua vertente positiva, que: “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.

R. Na sua vertente negativa, o princípio “Kompetenz-Kompetenz”, veja-se o artigo 5.º, n.º 1: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.” (destaque nosso).

S. Pelo exposto, claro se torna que, sendo os árbitros os primeiros juízes sobre a sua própria competência, o Tribunal a quo apenas poderia julgar improcedente, caso a convenção de arbitragem fosse manifestamente nula.

T. No caso sub judice verifica-se que o Tribunal a quo veio a considerar que, por se tratar de diferentes contratos, que apenas o primeiro estaria abrangido pelo âmbito da cláusula compromissória arbitral.

U. Contudo, o facto da (suposta) nova relação comercial ter sido estabelecida: (i) entre as mesmas partes e (ii) ter um conteúdo essencialmente semelhante à relação regulada pelo anterior Contrato, deveria ter sido suficiente para o Tribunal a quo confirmar a existência de uma relação muitíssimo estreita com a execução e/ou cessação do anterior Contrato.

V. Acresce que, saber se o presente litígio é abrangido pela mencionada cláusula compromissória é uma questão que se resolve, precipuamente, em face à lei alemã, já que foi escolhida pelas partes para reger o contrato.

W. De acordo com o entendimento prevalecente no direito alemão, as cláusulas compromissórias devem ser interpretadas de uma forma tão ampla quanto o seu âmbito de aplicação, devendo, em caso de dúvida, abranger todos os litígios entre as partes contratantes.

X. E mesmo que assim não se entenda, sempre se diga que a Recorrente, tal como acima exposto, indicou factos suficientes para criar a dúvida relativamente à extensão da cláusula arbitral

Y. Existindo dúvida, caberia ao Tribunal a quo decidir pela procedência da excepção de incompetência absoluta invocada pela Recorrente, deixando tal decisão para ser apreciada, antes de mais, por um tribunal arbitral.

Z. Não restará outra alternativa ao Tribunal ad quem senão concluir que os tribunais judiciais são absolutamente incompetentes para conhecer o litígio em causa nos presentes autos, devendo a decisão recorrida ser substituída por uma outra que considere procedente a excepção dilatória invocada, absolvendo a Recorrente da instância, nos termos do disposto no art. 278.º, n.º 1, a), do CPC e art. 5.º, n.º 1 da LAV.

Nestes termos se requer a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso procedente, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que declare procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, por preterição de tribunal arbitral.


13. A Autora Hejamara- Comércio e Serviços de Equipamentos Industriais, Lda , não contra-alegou.


14. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou o recurso procedente, revogando a sentença recorrida.


15. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integra a ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, por provada, em consequência do que:

4.1 - Revogam a decisão recorrida;

4.2 – Julgam procedente a exceção dilatória consistente na incompetência absoluta do tribunal por preterição do tribunal;

4.3 – Absolvem a ré da instância.

Custas da apelação pela embargante/apelada, na vertente de custas de parte – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.


16. Inconformada, a Hejamara- Comércio e Serviços de Equipamentos Industriais, Lda , interpôs recurso de revista.


17. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) Em sede de despacho saneador, conheceu o douto Tribunal de 1ª Instância, da exceção dilatória da incompetência absoluta dos Tribunais Judiciais Portugueses, suscitada pela Ré (aqui Recorrida), com base em cláusula compromissória constante de contrato de distribuição que havia sido celebrado em 2012, e resolvido por justa causa em 2015, determinando a improcedência da mesma, prosseguindo os autos normais termos, por entender que os valores reclamados pela Autora (aqui Recorrente), não se incluíam no âmbito de tal contrato e respetiva convenção, decisão da qual a Recorrida interpôs recurso de apelação.

b) O douto Tribunal A QUO propalou acórdão nos termos do qual julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, determinando a sua substituição por outra que julgue procedente a exceção de preterição de tribunal arbitral em crise, invocada pela Recorrida, e determinando a sua consequente absolvição da instância.

c) A Recorrente se não pode conformar com o teor do douto acórdão recorrido, uma vez que o mesmo comporta uma inidónea aplicação e interpretação do direito, dando aso a uma solução juridicamente incomportável, atento as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente do disposto nos artigos 5º e 18º da lei da arbitragem voluntária (LAV).

d) Em sede de 1ª Instância veio a Recorrente reclamar judicialmente o pagamento de diversas faturas, correspondente a serviços prestados pela Recorrente à Recorrida, no período compreendido entre Maio de 2015 e Dezembro de 2016, serviços esses prestados numa altura em que o contrato de distribuição e assistência no qual havia sido aposta  cláusula compromissória, havia já  sido unilateralmente resolvido pela Recorrida, não vigorando portanto a mesma.

e) A Recorrente, em sede de petição inicial aperfeiçoada expressamente impugnou da aplicação de qualquer cláusula compromissória ao caso concreto, cfr havia sido esgrimido pela Recorrida, uma vez que a relação comercial subjacente aos presentes autos, isto é, o pedido e a causa de pedir formulados em sede de petição inicial em nada se confunde, nem nada tem a ver, com qualquer relação jurídica emergente de qualquer contrato de distribuição e assistência que tenha existido entre as partes.

f) Tratando-se antes de relações comerciais novas e autónomas da que havia vigorado por força do contrato de distribuição e assistência, jamais se podem inserir no âmbito de aplicação da cláusula compromissória referida em epígrafe e defendida pela Recorrida.

g) O contrato misto de agencia e distribuição, que havia sido celebrado pelas partes, e resolvido unilateralmente por justa causa, pela Recorrida em 4 Maio de 2015, continha uma cláusula compromissória [cláusula 14.2 – All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution fur Schiedsgerichsbarkeit e.V. (DIS)) without recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract partiesagree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding Effect on the validity of this arbitration agreement.], bem como i uma estipulação de escolha de lei competente, submetendo tal contrato e os negócios celebrados em sua execução à aplicação exclusiva da lei da Republica Federal da Alemanha (cláusula 14.1).

h) tal contrato existiu, tendo vigorado até 04 de maio 2015, altura em que foi unilateralmente resolvido pela recorrida, no mesmo foi aposto a mencionada cláusula compromissória, o mesmo foi resolvido pela recorrida, resolução aceite pela recorrente, nada disso se discute, nem se encontra controvertido , contudo, os valores peticionados pela recorrente, não caem no âmbito do tal contrato, não estando com ele relacionados, não sendo dele emergentes, não sendo devidos por força do sua existência e/ou do seu termo, tal como foi arguido, e também documentalmente demonstrado pela autora, aqui recorrente.

i) Face ao caso concreto que lhe foi apresentado, a decisão do douto Tribunal de 1ª Instância em declarar improcedente a exceção de preterição de Tribunal Arbitral é irrepreensível, correspondendo a uma exímia aplicação do direito aos factos.

j) Face ao  principio consagrado no artigo 18º,  N.º 1, da LAV, incumbe prioritariamente        ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litigio da convenção de arbitragem-, os tribunais judiciais só devem rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, QUANDO SEJA MANIFESTO E INCONTROVERSO QUE A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA INVOCADA É INVÁLIDA, INEFICAZ OU INEXEQUÍVEL OU QUE O LITIGIO, DE FORMA OSTENSIVA, SE NÃO SITUA NO RESPETIVO ÂMBITO DE APLICAÇÃO. (destacado nosso

k) Apenas nos casos em que for manifesta a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, pode o Juiz do tribunal judicial declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a exceção, como bem fez em sede de 1ª Instância, razão pela qual se não conforma a Recorrente com o resultado da apelação.

l) A manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente, inexequibilidade e inaplicabilidade ( o litigio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação da convenção de arbitragem) é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada.

m) É inequívoco que o contrato de distribuição e assistência no qual constava a clausula compromissória, nos termos da qual as partes se comprometeram a resolver conflitos relacionados com o contrato celebrado ou com a sua validade foi unilateralmente resolvido pela Recorrida a 04 de maio de 2015, resolução essa aceite pela Recorrente;

n) É manifesto que as faturas reclamadas pela Autora, aqui Recorrente, foram por ela emitidas e remetidas à Recorrida numa altura em que o contrato de distribuição e assistência se encontrava já cessado, não havendo qualquer coincidência temporal entre aquelas e este;

o) É evidente que  os valores peticionados resultam de nova relação contratual, não se confundindo com o que pudesse ser devido no âmbito do contrato resolvido, ao qual foi aposto cláusula compromissória, não sendo as facturas coercivamente cobradas emergentes da relação jurídica resultante do contrato de distribuição e assistência.

p) No âmbito destas novas relações comerciais, não acordaram as partes na aplicação de qualquer cláusula compromissória, ou na repristinação de qualquer outra que pudesse ter existido.

q) Logo, ao decidiu como decidiu o douto Tribunal A Quo, procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 18º da LAV ao caso concreto que lhe foi apresentado.

r) Nos termos do disposto no artigo 5º, N.º 1 da LAV, a competência dos tribunais estaduais para verificar a inaplicabilidade da convenção de arbitragem restringe-se aos casos em que a sua nulidade, ineficácia ou inexequibilidade é manifesta cabendo à parte interessada o ónus de alegar e provar os pertinentes factos, ou seja, incumbe ao tribunal estadual a verificação da inaplicabilidade da convenção de arbitragem.

s) A parte interessada na verificação de tal exceção não fez prova dos factos que levariam e justificariam a aplicação de clausula compromissória a relação comercial não abrangida pela mesma, razão pela qual nunca poderia a mesma ter sido declarada como verificada pelo douto Tribunal  Ad Quem

t) É da competência do tribunal estadual a verificação da inaplicabilidade da convenção de arbitragem, se for manifesta (óbvia, evidente) a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabiidade da convenção de arbitragem, nos termos do disposto no artigo 12º, Nº 5 da LAV, como agora acontece, sob pena de promover a absolvição do demandado da instância, não obstante a questão colocada se não encontrar abrangida por uma convenção de arbitragem, como veio a acontecer.

u) Pese embora o disposto no artigo 18º, N.º 1 da LAV, nunca deveria a douto Tribunal A quo ter alterado o teor do despacho saneador proferido em sede de 1ª instancia, pois os tribunais judiciais não só podem, como devem, rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto que a convenção invocada é nula ou ineficaz, ou que o litigio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação (inaplicabilidade).

v) A convenção arbitral  estabelecida no contrato de  distribuição e assistência resolvido vale apenas e tão só para este contrato e as relações jurídicas estabelecidas no âmbito do mesmo, excluindo-se de convenção tudo o demais, razão pela qual, atenta a divergência de entendimento entre as partes, o fundamento e a causa de pedir invocadas, teria sempre de sucumbir a exceção de preterição de tribunal arbitral,

w) O douto Tribunal a quo não atendeu aos fundamentos e causa de pedir invocadas – relações comerciais nova, a jusante do contrato de distribuição e assistência no qual havia sido aposta convenção arbitral, encetadas após o términus do mesmo, incorrendo assim em violação da lei substantiva, que se reconduz um erro de interpretação e subsequente determinação das normas da LAV aplicáveis, designadamente dos artigos 5º, 12º e 18º.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE O TRIBUNAL AD QUEM DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, CONFIRMANDO-SE A DECISà DE 1ª INSTÂNCIA QUE JULGANDO IMPROCEDENTE A EXCEÇÃO DILATÓRIA DE PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, DETERMINOU O TRIBUNAL JUDICIAL PORTUGUÊS PARA CONHECER E JULGAR OS PRESENTES AUTOS,

ASSIM FAZENDO OS ILUSTRES JUÍZES CONSELHEIROS A HABITUAL JUSTIÇA!


18. A Ré Trumpf Werkzeugemaschinen Gmbh + Co.KG contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


19. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

A. O Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão recorrida, considerou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral, decisão que não merece qualquer censura.

B. Resulta por demais evidente que a Recorrente conjecturou um enquadramento fantasioso, com o intuito de fazer crer a existência de uma relação contratual diversa daquela que resulta do Contrato misto de agência e de distribuição celebrado entre as partes (doravante, o Contrato).

C. Essa tentativa da Recorrente deve ser rejeitada por constituir caso evidente de fraude à lei, procurando contornar a imposição da jurisdição arbitral mediante artifícios processuais anómalos.

D. Descartando a dimensão material dos interesses e direitos em causa que claramente têm o seu âmbito definido e protegido pela cláusula arbitral, traindo, assim, esses mesmos interesses e direitos.

E. Ainda que esse enquadramento das relações entre as partes fosse minimamente verosímil (o que jamais se aceita), sempre se diga que o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão ora recorrida, procedeu à correcta aplicação do Direito.

F. Esta é a terceira vez que a Recorrente vem a juízo peticionar uma indemnização por alegados danos sofridos na decorrência da cessação do Contrato.

G. Com efeito, a Recorrente já vai na terceira acção que propõe, invocando sempre fundamentos diferentes.

H. A Recorrente foi alterando a qualificação jurídica da causa de pedir conforme as suas conveniências: num primeiro momento, em procedimento de injunção assentou a sua pretensão num vínculo emergente do Contrato; de seguida, em acção declarativa, assentava a sua pretensão em responsabilidade civil extracontratual; e agora, nos presentes autos, assenta a sua pretensão em supostas relações contratuais estabelecidas após a cessação do Contrato.

I. A Recorrente pretende, com estes artifícios, furtar-se à competência exclusiva de um tribunal arbitral constituído nos termos das “DIS Arbitration Rules”.

J. As partes celebraram a 12 de Julho de 2008 o Contrato, que veio cessar a 4 de Maio de 2015, por justa causa.

K. Em tal contrato, as partes introduziram a seguinte cláusula compromissória: “All disputes arising in connection with this Agreement or its validity shall be finally settled according to the Arbitration Rules of the German Institution of Arbitration (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e.V. (DIS)) without recourse to the ordinary courts of law. The place of arbitration is Stuttgart and the arbitration court comprises three arbitrators, unless the contract parties agree on another venue. The language of the arbitral proceedings is German. The decision pronounced by the arbitration court shall be final and binding for the contract parties and they are obliged to act in good faith in accordance with the arbitral decision. The arbitration court can also decide with binding effect on the validity of this arbitration agreement.

Ou, traduzido para a língua portuguesa:

Todos os litígios que surjam em conexão com este contrato ou com a sua validade serão resolvidos de acordo com as Regras de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Alemão (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit e. V. (DIS)) sem recurso aos tribunais comuns. O local de arbitrageméem Stuttgart e otribunal arbitralé compostopor três árbitros, salvo se as partes contratuais acordarem num outro local de julgamento. O idioma do procedimento arbitral é o Alemão. A decisão pronunciada pelo tribunal arbitral seráfinal e vinculativaparaas partes contratuais que ficarão obrigados a agir de boa de acordo com a decisão judicial. O tribunal de arbitragem também pode decidir, com efeitos vinculativo, sobre a validade do acordo de arbitragem.” – tradução e sublinhado nossos.

L. Da análise da documentação junta pela Recorrente, facilmente se compreende que os valores peticionados apenas podem decorrer deste mesmo Contrato.

M. Na verdade, não faria qualquer sentido que a Recorrida pretendesse estabelecer com a Recorrente uma qualquer nova relação contratual, já que a Recorrida resolveu com justa causa o Contrato, por diversos incumprimentos contratuais, que conduziram a uma quebra definitiva da confiança que havia sido depositada na Recorrente.

N. A invocação de uma qualquer nova relação não é mais do que um estratagema mal congeminado, uma vez que, nas anteriores acções intentadas, já se aludia aos negócios cujas comissões agora são reclamadas, assim como aos custos do armazenamento, bem como a supostos problemas resultantes de defeitos nas relações com os clientes S. Roque, Caradonna e outros.

O. Estratagema que do ponto de vista da justiça e do direito não pode proceder, pois, a ser assim, todas as cláusulas arbitrais seriam facilmente postas em causa, bastando a mera invocação da existência de uma qualquer relação dissociada daquela abrangida pela cláusula arbitral.

P. Mas, ainda que fosse verdade que Recorrente e Recorrida celebraram novo contrato verbal – o que jamais se aceita – sempre se diga que o Tribunal da Relação de Libsoa aplicou adequadamente as regras relativas à aferição da competência dos tribunais judiciais.

Q. O Tribunal da Relação de Lisboa aplicou linearmente a corrente doutrinal e jurisprudencial unânime que considera que a excepção de preterição de tribunal arbitral só pode ser declarada improcedente quando seja manifesto, incontroverso ou ostensivo que a cláusula compromissória é nula, ineficaz, inexequível ou inaplicável.

R. Ora, in casu estamos perante uma cláusula compromissória perfeitamente válida, podendo apenas ser questionada a aplicabilidade da mesma a uma putativa nova relação contratual estabelecida por forma verbal entre as mesmas partes e com o mesmo objecto.

S. Segundo a tese da Recorrente, as partes acordaram manter uma relação comercial em regime de prestação de serviços, na qual a Recorrente continuaria a comercializar as máquinas da Recorrida, conferindo direito à Recorrente ao pagamento de comissões, de acordo com o preço final negociado com o cliente.

T. Com efeito, a Recorrente menciona ter sido celebrado um novo contrato verbal, onde o objecto se manteve essencialmente o mesmo.

U. Nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, o princípio “Kompetenz-Kompetenz” implica, na sua vertente positiva, que: “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.

V. Na sua vertente negativa, o princípio “Kompetenz-Kompetenz”, veja-se o artigo 5.º, n.º 1: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.” (destaque nosso).

W. Pelo exposto, claro se torna que, sendo os árbitros os primeiros juízes sobre a sua própria competência, o Tribunal Judicial apenas poderia julgar improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral, caso a convenção de arbitragem fosse manifestamente nula ou inaplicável.

X. No caso sub judice verifica-se que a (suposta) nova relação comercial: (i) foi estabelecida entre as exactas mesmas partes e (ii) tem um conteúdo essencialmente semelhante à relação regulada pelo anterior Contrato.

Y. Estas circunstâncias são suficientes para que se possa confirmar a existência de uma relação de conexão muitíssimo estreita com a execução e/ou cessação do anterior Contrato.

Z. Acresce que saber se o presente litígio é abrangido pela mencionada cláusula compromissória é uma questão que se resolve, precipuamente, em face à lei alemã, já que foi essa a lei escolhida pelas partes para reger o contrato.

AA. De acordo com o entendimento prevalecente no direito alemão, as cláusulas compromissórias devem ser interpretadas de uma forma tão ampla quanto o seu âmbito de aplicação, devendo, em caso de dúvida, abranger todos os litígios entre as partes contratantes.

BB. E mesmo que assim não se entenda, sempre se diga que a Recorrente, tal como acima exposto, indicou factos suficientes para criar a dúvida relativamente à extensão da cláusula arbitral.

CC. Existindo dúvida, caberia ao Tribunal decidir, como decidiu, pela procedência da excepção de incompetência absoluta invocada pela Recorrida, deixando tal decisão para ser apreciada, antes de mais, por um tribunal arbitral. DD. Não restará outraalternativa a este Supremo Tribunal senão concluir que os tribunais judiciais são absolutamente incompetentes para conhecer o litígio em causa nos presentes autos, devendo a decisão recorrida ser mantida, considerando-se procedente a excepção dilatória invocada e absolvendo-se a Recorrida da instância, nos termos do disposto no art. 278.º, n.º 1, a), do CPC e art. 5.º, n.º 1 da LAV.

Nestes termos se requer a V. Exas. se dignem declarar o presente recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.


20. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é tão-só a seguinte: — se os tribunais judiciais portugueses são competentes para conhecer do litígio.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


21. Os factos relevantes para a decisão constam do relatório.


O DIREITO


22. A Autora, agora Recorrente, instaurou uma acção perante os tribunais judiciais portugueses e a Ré, agora Recorrida, defendeu-se, invocando a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais [1], por preterição de tribunal arbitral [2].


23. O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a excepção deduzida e o Tribunal da Relação julgou-a procedente, absolvendo a Ré, agora Recorrida, da instância [3].


24. Ora o art. 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 6372011, de 14 de Dezembro, determina que “[o] tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.


25. A Autora, agora Recorrente, alega que o direito de crédito invocado resulta de uma relação contratual com a Ré, agora Recorrida, constituída depois da cessação do contrato que continha a cláusula compromissória — daí que a cláusula compromissória seja inaplicável.


26. A Ré, agora Recorrida, contra-alega que não há nenhuma relação com a Autora, agora Recorrente, constituída depois da cessação do contrato que continha a cláusula compromissória.


27. Estando fora de dúvida que a Autora, agora Recorrente, e a Ré, agora Recorrida concluíram um contrato, denominado de distribuição e de assistência, em Junho de 2008 e que o contrato continha uma cláusula compromissória, o problema que se põe consiste em averiguar se a alegação da Autora, agora Recorrente, de que o direito de crédito invocado resulta de uma relação contratual constituída depois da cessação do contrato contendo a cláusula compromissória é só por si suficiente para que os tribunais estaduais e, dentro dos tribunais estaduais, os tribunais judiciais portugueses devam considerar-se competentes.


28. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que o princípio do actual art. 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária tem como corolário lógico a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência [4]: os árbitros são os primeiros juízes da sua própria competência [5] — e, em consequência, antes de o tribunal arbitral se pronunciar, os tribunais estaduais devem abster-se de intervir [6].


29. O critério relevante para determinar se a cláusula compromissória é, ou não, em concreto relevante encontra-se ou deve encontrar-se na plausibilidade de que o direito de crédito invocado pela Autora, agora Recorrente, esteja ainda relacionado com o contrato, denominado de distribuição e de assistência, contendo a cláusula compromissória [7].

Caso seja plausível que o actual litígio entre a Autora, agora Recorrente, e a Ré, agora Recorrida, corresponda ainda a um litígio relacionado com o contrato [8], os tribunais judiciais devem julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral, e absolver a Ré, agora Recorrida, da instância, caso seja de todo implausível que o o actual litígio entre a Autora, agora Recorrente, e a Ré, agora Recorrida, corresponda ainda a um litígio relacionado com o contrato, devem julgá-la improcedente.


30. Os acórdãos do STJ de 10 de Março de 2011 — processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1 —, de 20 de Março de 2018 — processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 — e de 12 de Novembro de 2019 — processo n.º 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1 — dizem, de forma impressiva, que, “[f]ace ao princípio, ínsito no [art. 18.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária], segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam — validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem — os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação”.


31. O acórdão do STJ de 21 de Junho de 2016 — processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1 — concretiza os critérios enunciados dizendo que os tribunais estaduais só devem declarar-se  competentes, como primeiros juízes do litígio desde que a inaplicabilidade da convenção de arbitragem possa determinar-se “mediante juízo perfunctório” e desde que, mediante juízo perfunctório, “[seja] patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada”.


32. Em caso de dúvida, deve considerar-se plausível que o actual litígio corresponda ainda a um litígio relacionado com o contrato [9] — logo, em caso de dúvida, deve julgar-se procedente a. exepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição do tribunal arbitral.


33. Ora, em concreto, a inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada não é manifesta [10].


34. Os factos alegados pela Autora, agora Recorrente, não são suficientes para que se conclua que a inaplicabilidade da convenção de arbitragem é insusceptível de controvérsia  séria — para que seja manifesto que entre a Autora e a Ré se constituiu uma relação contratual depois da cessação do contrato contendo a cláusula compromissória e para seja manifesto ou patente que o direito de crédito invocado resulta da relação contratual então constituída.


35. Em contrapartida, os factos alegados pela Ré, agora Recorrida, são suficientes para que se conclua que a inaplicabilidade da convenção de arbitragem é susceptível de controvérsia, e de controvérsia séria: Entre as circunstâncias alegadas pela Ré, agora Recorrida, encontram-se o facto de o contrato concluído em 12 de Junho de 2008 ter sido resolvido com justa causa, invocando a Ré, agora Recorrida, uma “quebra definitiva da confiança que havia sido depositada na [Autora, agora Recorrente]” e o facto de a Autora, agora Recorrente, ter proposto sucessivamente três acções contra a Ré, agora Recorrida, alterando a causa de pedir ou, em todo o caso, a qualificação jurídica da causa de pedir.


36. O resultado só pode ser reforçado pela constatação de que a Autora, agora Recorrente, tinha o ónus da alegação e da prova dos factos que tornassem manifesta ou patente a inaplicabilidade da convenção [11].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente Hejamara- Comércio e Serviços de Equipamentos Industriais, Lda.


Lisboa, 7 de Março de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Cf. art. 577.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

[2] Cf. art. 96.º, alínea b), do Código de Processo Civil.

[3] Cf. art. 576.º, n.º 2, primeira alternativa, do Código de Processo Civil, em ligação com o art. 5.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 6372011, de 14 de Dezembro: “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.

[4] Cf. acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 2011 — processo n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1 —, de 10 de Março de 2011 — processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1 —, de 28 de Maio de 2015 — processo n.º 2040/13.0TVLSB.L1.S1 —, de 2 de Junho de 2015 — processo n.º 1279/14.6TVLSB.S1 —, de 26 de Abril de 2016 — processo n.º 1212/14.5T8LSB.L1.S1 —, de 21 de Junho de 2016 — processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1 —, de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 461/14.0TJLSB.L1.S1 —, de 20 de Março de 2018 — processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 — ou de 12 de Novembro de 2019 — processo n.º 8927/18.7T8LSB-A.L1.S1.

[5] Expressão dos acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 2011 — processo n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1 — e de 26 de Abril de 2016 — processo n.º 1212/14.5T8LSB.L1.S1.

[6] Cf. acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 2011 — processo n.º 2207/09.6TBSTB.E1.S1.

[7] Cf. acórdão do STJ de 10 de Março de 2011 — processo n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1.

[8] Ou se se preferir a versão inglesa da cláusula compromissória: a uma dispute arising in connection with [that] Agreement.

[9] Como se diz no acórdão do STJ de 20 de Março de 2018 — processo n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 —, “[s]uscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção de arbitragem, devem as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio”.

[10] Como se diz no acórdão do STJ de 21 de Junho de 2016 — processo n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1 —, “[m]anifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, afastando, à partida, qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato e deixando ao tribunal judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade”.

[11] Cf. acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 461/14.0TJLSB.L1.S1: A competência dos tribunais estaduais para verificar a inaplicabilidade da convenção de arbitragem restringe-se aos casos em que a sua nulidade, ineficácia ou inexequibilidade é manifesta (art. 5.º da LAV), cabendo à parte interessada o ónus de alegar (logo em 1.ª instância e não apenas em sede de apelação) e provar os pertinentes factos”.