Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1991/18.0GLSNT-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ESCUTAS TELEFÓNICAS
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
CASO JULGADO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recurso extraordinário de revisão tem consagração constitucional – art. 29.º, n.º 6, da C.R.P. - e encontra-se previsto no art. 449.º e ss. do C.P.P.

II. Tem uma larga tradição histórica, no nosso direito, encontrando-se já referenciado nas Ordenações Afonsinas.

III. É constituído por duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do STJ; a segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

IV. Ora, na situação sub judice, como podemos verificar da motivação da matéria de facto provada, não foram apenas os elementos obtidos através de interceções telefónicas a formar a convicção do tribunal a quo, tanto mais que o arguido confessou, em grande parte, os factos por que se achava pronunciado.

V. Como bem salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, acresce que as interceções telefónicas onde foi “apanhado” o ora recorrente foram autorizadas com base nos arts. 187.º e 189.º, do C.P.P., não tendo havido recurso à lei n.º 32/2008, de 17/07, e muito menos às normas que o Tribunal Constitucional veio a declarar inconstitucionais, no acórdão n.º 268/2022, de 19/04, de 19/04.

VI. Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade em causa não pode afetar decisões já transitadas em julgado, como é o caso da que condenou o ora recorrente, pois o citado acórdão nº 268/2022 não excecionou a ressalva do caso julgado, pelo que - mesmo que a matéria dos autos fosse abrangida pela previsão da norma declarada inconstitucional - não teria qualquer efeito.

VII. Nesta conformidade, não se verifica a invocada nulidade de prova, sendo inequívoca a falta de fundamento do pedido de revisão solicitado, ao abrigo das als. e) e f) do n.º 1, do art. 449.º, do C.P.P.

VIII. Pelo que, se acorda em negar a revisão requerida pelo arguido, por ser manifestamente infundada (art. 455.º n.º 3, do C.P.P.).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O arguido/condenado AA veio, em 13/02/2023, através da sua ilustre defensora, interpor o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão do Juízo Central Criminal de ... -J..., da comarca de Lisboa Oeste, de 17/12/2021, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 9.ª Secção, de 05/05/2022, e transitado em julgado em 03/11/2022, nos termos dos arts. 449.º e) e f), 450.º n.º 1 c) e 451.º, todos do C.P.P., apresentando as seguintes Conclusões da sua Motivação (Transcrição):

01. O Recorrente condenado pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.ºs 1,2 e 3, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (Parte 2), pela prática de um crime de burla informática agravada, p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 5, al. b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, e, pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art. 256º, n.º1, al. e) e f), e n.º 3 do Código Penal, (carta de condução).

02. O recorrente recorreu para a Veneranda Relação de Lisboa que, por acórdão de 5 de maio de 2022, negou provimento ao seu recurso. Desse douto acórdão coube recurso para o STJ o qual foi igualmente não provido na parte relativa à condenação no pedido de indemnização civil, sendo que na parte criminal não foi sequer admitido.

03. Existe um novo entendimento do Tribunal Constitucional, o qual pelo acórdão do TC 268/2022, que foi publicado no DR, 1.ª série, n.º 108, em 03.06.2022, declarou inconstitucional com força geral obrigatória o previsto na Lei 32/2008, sendo que este acórdão não foi apreciado pelas Instâncias superiores.

04. O facto é que a figura processual do Recorrente só foi trazida ao processo pela localização de dados, tendo como base legal a Lei 32/2008.

05. E porque este novo entendimento já não pode ser apreciado em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverá o mesmo ser apreciado em sede de recurso de revisão.

Termos em que deve ser revisto o douto acórdão condenatório, assim se fazendo JUSTIÇA!

2. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de ..., da comarca de Lisboa Oeste, respondeu ao recurso do arguido, apresentando as Conclusões, que passamos a transcrever:

1. O arguido AA veio recorrer, requerendo a revisão do douto acórdão proferido no âmbito dos presentes autos.

2. No âmbito destes autos, o arguido AA foi condenado “a. pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (Parte 2); b. pela prática de um crime de burla informática agravada, p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 5, al. b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (Parte 2); c. pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas a) e f), e n. º5, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (Busca); 3.1. Procede ao cúmulo jurídico das penas ora aplicadas ao referido arguido e condena-o na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; 3.2. Condena o referido arguido na pena acessória de expulsão do território nacional, com interdição de entrada pelo período de 10 anos;”, por douto acórdão transitado em julgado.

3. No caso concreto, o arguido peticiona a revogação da sua condenação, sendo os fundamentos apresentados pelo mesmo para a interposição do recurso extraordinário de revisão, os correspondente aos fundamentos previstos no artigo 449.º, n.º 1, alíneas e) e f), que consideram tal recurso admissível quando “e) “Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;” e quando “f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;”.

4. Em síntese, o arguido apresentou a seguinte argumentação para fundamentar a requerida revisão do acórdão condenatório: ““nos termos dos artºs. 449º, al. e) e f), 450º, n.º 1, al. c) e 451º todos do CPP interpor RECURSO DE REVISÃO (...) Com fundamento, na arguição de nulidade da sentença, e da falta de prova. (...) A matéria julgada como provada teve por base as provas obtidas por Intercepção Telefónica. (...)a figura processual do recorrente só foi trazida aos autos por causa das interceptações telefónicas e localização de dados, e as demais provas em decorrência destas (...) Com o acesso aos “dados de localização”, as autoridades policiais tomaram conhecimento do Recorrente, violando a privacidade do mesmo de forma grave e desproporcional, e nem se quer chegaram a esgotar outros meios de investigação, se valendo como base investigatória as interceptações telefónicas e localização de dados, com fundamento na Lei 32/2008. (...)Existe um novo entendimento do Tribunal Constitucional, o qual pelo acórdão do TC 268/2022, que foi publicado no DR, 1.ª série, n.º108,em03.06.2022,declarou inconstitucional com força geral obrigatória o previsto na Lei 32/2008, sendo que este acórdão não foi apreciado pelas Instâncias superiores. (...) E porque este novo entendimento já não pode ser apreciado em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverá o mesmo ser apreciado em sede de recurso de revisão. Termos em que deve ser revisto o douto acórdão condenatório, assim se fazendo JUSTIÇA!”

5. Os fundamentos do recurso de revisão são os que se encontram elencados, de forma taxativa, no artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e que em síntese, segundo SIMAS SANTOS E LEAL-HENRIQUES, se consubstanciam em: falsidade dos meios de prova; dolo de julgamento; inconciliabilidade de decisões; descoberta de novos factos ou meios de prova; recurso a prova proibida; declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e sentença internacional vinculativa.

6. No que concerne ao fundamento previsto no artigo 499.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo126.º), o mesmo “exige a verificação de dois requisitos: uma superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida; e que essa prova seja proibida nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal.” 9

7. E verifica-se que o douto acórdão condenatório, proferido a 17/12/2021, transitou em julgado, relativamente ao recorrente, em 03/11/2022, pelo que a serem tais provas proibidas na sequência do decidido pelo Tribunal Constitucional no âmbito do Acórdão n.º Acórdão n.º 268/2022, publicado no D.R. n.º 108/2022, Série I, de 03/06/2022, a alegada natureza proibida dessas provas já era conhecida antes do trânsito em julgado da decisão que quo, ocorrida posteriormente à publicação do referido acórdão.

8. Assim, desde logo, quanto ao fundamento previsto na alínea e), do artigo 449.º, do Código de Processo Penal, não parece que assista razão ao recorrente, podendo o mesmo ter esgrimido tal fundamento no âmbito de um recurso ordinário.

9. E entende-se igualmente, quanto a este fundamento, conforme douto entendimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/09/2022 10, que “No caso, não há uma descoberta da utilização de provas proibidas; trata-se, antes, da probabilidade de aplicação de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas eventualmente utilizadas no que à prova produzida concerne. No fundo, reconduz-se, pois, o objeto do presente recurso ao fundamento previsto na alínea f), do n.º 1, do artigo 449º, do Código de Processo Penal.”

10. No que concerne ao fundamento previsto no artigo 499.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, (“Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.”), parece-nos que os elementos de prova recolhidos e que permitiram a fixação da matéria de facto e consequente condenação não padecem de qualquer vício de nulidade, além de terem assentado em vários meios de prova, incluindo a própria admissão dos factos pelo recorrente.

11. Na verdade, o douto Acórdão do Tribunal Constitucional em causa pronunciou-se no sentido da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória e geral, do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (conjugado com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa e da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa), não tendo declarado qualquer inconstitucionalidade relativamente aos artigos 187.º e 189.º, do Código de Processo Penal, mas sim das normas da chamada “lei dos metadados” que determinam a conservação dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal, sem colocar em crise avigênciadoartigo187.° do Código de Processo Penal, que se mantém em vigor.

12. No caso sub judice, as interceções telefónicas no âmbito dos presentes autos foram determinadas pela M.ª Juíza de Instrução (cfr. douto despacho de 09/07/2019 da M.ª Juíza de Instrução), nos termos do preceituado nos artigos 187.º, 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, sendo que as interceções telefónicas recolhem elementos de prova em tempo real e para o futuro, não estando em causa qualquer tipo de dado que esteja armazenado e preservado, tendo a recolha de elementos probatórios sido efetuada ao abrigo dos artigos 187.º e 189.º, ambos do Código de Processo Penal.

13. Não tem, pois, razão o arguido quando pretende considerar os meios de prova atinentes às interceções telefónicas, como estando abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade invocada, porquanto se tratam de dados obtidos judicialmente, ao abrigo dos artigos 187º, 189º e 269º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, que não constituem meio proibido de obtenção de prova.

14. Entendemos assim que as interceções telefónicas que serviram de base para prova dos factos que são imputados ao arguido nestes autos foram obtidas legal e validamente ao abrigo de normativos legais que não foram declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional e não se enquadram dentro dos chamados “metadados”, pelo que deverá, a nosso ver, também improceder o fundamento previsto na alínea f), do artigo 499.º, do Código de Processo Penal.

15. Pelo exposto, não se afigurando que os fundamentos invocados pelo recorrente sejam suscetíveis de operar a revisão da condenação em causa. sou de parecer não ser de admitir a pretendida revisão do acórdão, devendo o mesmo manter-se, por se manterem plenamente válidos os doutos fundamentos de facto e de direito no qual a condenação do Tribuna a quo se baseou.

9. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2022. Processo n.º 105/16.6GBALD.C1-A.S1. Rel. Orlando Gonçalves. Disponível em

10. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/09/2022. Processo n.º 4243/17.0T9PRT.K-S1. Rel. Teresa de Almeida. Disponível em .

3. Por sua vez, a Senhora Juíza do Juízo Central Criminal de ... -J..., prestou, em 14/06/2023, a informação, que passamos também a reproduzir:

O arguido AA veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório proferido nos autos principais, transitado em julgado em 03.11.2022, ao abrigo do disposto nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, com os fundamentos constantes do seu requerimento junto aos autos com a ref.ª 44703672.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou a sua resposta (ref.ª 40004), pugnando pela sua improcedência.


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Cumpre emitir a informação a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal.

No que concerne ao fundamento previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, efectivamente, no acórdão n.º 268/2022, publicado no D.R. n.º 108/2022, Série I, de 03/06/2022, veio “a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.”


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No âmbito destes autos, o arguido AA foi condenado:

a. pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

b. pela prática de um crime de burla informática agravada, p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 5, al. b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

c. pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas a) e f), e n.º 5, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Mais foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional, com interdição de entrada pelo período de 10 anos.

Ora, a condenação do arguido AA teve por fundamento a abundante e relevante prova recolhida, que incluiu declarações dos arguidos, prova testemunhal, documental, buscas e revistas, para além das escutas efectuadas.

Com efeito, conforme se pode ler na fundamentação da matéria de facto dada como provada no acórdão condenatório:

“1. O juízo probatório positivo e negativo alcançado pelo Tribunal fundou-se na análise global e sistemática das declarações prestadas pelos arguidos em sede de julgamento e de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e da prova pericial e documental constante dos autos, nomeadamente os relatórios de vigilância e de diligência externa, os autos de revista, busca e apreensão, os autos de exame e avaliação dos objectos apreendidos, as reportagens fotográficas dos locais buscados e dos objectos apreendidos, os relatórios dos exames periciais e as transcrições das escutas telefónicas judicialmente autorizadas, tudo à luz da regra da livre apreciação e das restrições legais existentes, com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e de convicção. O objeto deste processo versa dois temas essenciais, a saber: a) a cópia ilícita de dados informáticos incorporados em cartões bancários e a subsequente utilização abusiva desses dados em operações de levantamento de dinheiro em ATM; b) a realização abusiva de compras electrónicas com utilização de dados de cartões bancários de terceiros. A utilização do ambiente informático bancário determina necessariamente a intervenção dos mecanismos bancários de prevenção e detecção da fraude e a importância da informação disponibilizada pela SIBS e pelos sistemas de videovigilância instalados nas agências bancárias.

(...)

A SIBS assumiu o estatuto de principal denunciante e juntou as listagens da PAYWATCH com a identificação dos cartões bancários que foram comprometidos e das ATM onde os dados desses cartões foram comprometidos e onde vieram a ser utilizados abusivamente (fls. 52-53, 86-91 e 92-95). Foram obtidas e visionadas as imagens dos sistemas de CCTV, existentes nas referidas ATM, relativas às operações de levantamento sob julgamento (Autos de visualização de fls. 152 e segs., 355-356, 365- 367 dos autos principais e Autod de visualização de fls. 3, 22 e 24 do Apenso 3). (...)

Mostra-se junta informação sobre encomendas realizadas pelos arguidos junto das empresas El Corte Ingles, Swarovski, Phone House, Worten, Boticário, Ikea e Continente (fls. 2015-2091). A UNICRE disponibilizou uma listagem de transações electrónicas fraudulentas com utilização de cartões bancários na FNAC (fls. 531, 571-573 e 1128-1131). A SIBS disponibilizou uma listagem de transações electrónicas fraudulentas com utilização de cartões bancários na The Phone House e Continente (fls.740, 747-752). A CBH Credit (Compagnie Bancaire Helvétique) disponibilizou uma listagem de transações electrónicas fraudulentas com utilização de cartões bancários nos sites das empresas IKEA, FNAC, Radio Popular, The Phone House e Continente (fls. 730-738, 769-773, 797-806). A SONAE disponibilizou a listagem das encomendas Continente e Worten – e das respetivas faturas – realizadas e/ou entregues na residência dos arguidos sita em ... (fls. 742-746, 2036-2038, 2075-2091). Foram juntas as facturas da FNAC e comprovativos de entrega relativas às referidas transacções eletrónicas fradulentas, com moradas falsas e NIF falsos (fls. 553-562, 564, 574-577, 753-765, 876-893). A IKEA juntou os pedidos de venda, as notas de levantamento nas lojas e os avisos das operações de chargeback relativas às referidas transacções eletrónicas fradulentas (fls.781-791, 928-931, 970-978, 1209-1212, 2044-2076, 2616-2885, 2917-2952). Foram juntas as faturas do El Corte Ingles relativas às referidas transacções eletrónicas fradulentas (fls. 767-768, 1199-1203, 2016-2018). Foram igualmente juntas as faturas da The Phone House relativas às referidas transacções eletrónicas fradulentas (fls. 2022-2035,). Foram obtidas e visionadas as imagens dos sistemas de CCTV, existentes nas lojas da FNAC, El Corte Ingles e IKEA relativas às operações de levantamento dos artigos comprados nas referidas transacções eletrónicas fradulentas (Autos de visualização de fls. 534, 538, 542, 546, 550, 580, 584, 807, 831, 932, 968, 1039, 1042, 1110, 1199, 1207 dos autos principais e Autos de visualização de fls. 28, 32, 36, 40, 44, 48, 52, 56, 61, 65, 69, 72, 75, 79, 82 e 84 do Apenso 3). (...) Foram autorizadas e realizadas intercepções das comunicações telefónicas visando os arguidos BB, AA e CC cujas transcrições constam do Apenso 2. (...) As buscas, revistas e apreensões realizadas no âmbito da investigação mostram-se documentadas a: - fls. 1349 (arguido BB), 1355 (residência do arguido BB), 1386 (arguido DD), 1391 (residência dos arguidos AA, CC, EE e DD), 1468 (veículo VW Passat) (...)A “carta de condução” apreendida ao arguido AA foi sujeita a exame no LPC, cujo relatório consta a fls. 1564 dos autos. (...) Os conteúdos dos computadores apreendidos na residência do arguido BB e do disco externo apreendido no quarto do arguido AA foram sujeitos a exame pela UNCT/PJ, cujos relatórios constam a fls. 1759, 1768 e 1772. Os conteúdos do telemóvel LG do arguido AA e das caixas das contas de correio eletrónico configuradas nos computadores apreendidos aos arguidos AA e BB foram sujeitos a exame pela UNCT/PJ, cujos relatórios constam a fls. 1924 dos autos principais e do Apenso 7. As transferências de dinheiro realizadas pelo arguido AA entre Junho de 2018 e Janeiro de 2020 para contas bancárias domiciliadas no ... – num total de € 21.440,84 - constam da listagem da MAXPAY e dos recibos juntos a fls. 1981-2014 dos autos. (...)O SEF disponibilizou os boletins de alojamento, passaportes e reservas hoteleiras relativos às estadas em território nacional dos arguidos AA, DD (fls. 774 e 793). (...) As buscas realizadas permitiram obter uma cópia do contrato de arrendamento do apartamento dos autos – sito na Rua José ..., n.º 37, 1.º esquerdo, ..., ... –, do qual resulta que os arguidos BB e AA tomaram de arrendamento tal imóvel em 5 de Agosto de 2019 (fls. 1431). As faturas FNAC apreendidas na posse do arguido AA revelam a utilização manifesta de identidades e moradas falsas, por exemplo “FF”, “GG”, “HH”, “Rua ... ...”, “Rua ..., 53, ...”, “Travessa ..., 7, ... (fls. 1410 e 1444-1447) (...) Os arguidos BB, AA, CC e EE prestaram declarações em que assumiram a sua responsabilidade relativamente aos factos sob julgamento. As apreensões realizadas e as imagens da videovigilância instaladas nas ATM e nas lojas dos autos não deixavam grande margem para assumir posição diversa. (...) O arguido AA também confessou a sua intervenção nos levantamentos de telemóveis e outros bens pagos com dados de cartões bancários de terceiros, mas negou que tivesse realizado qualquer compra electrónica destes bens, contrapondo que agiu a mando de um indivíduo chamado “II” que conhecera no Facebook em 2018. (...) Avançando, dir-se-á, liminarmente, que a prova produzida não deixa quaisquer dúvidas relativamente ao alcance das actuações dos arguidos BB e AA dadas como provadas. (...)

6. Por seu turno, a prova produzida relativamente ao arguido AA revela que este era a pessoa com maior conhecimento sobre as técnicas de skimmig e carding, ao ponto de aconselhar o próprio JJ antes de este vir para Portugal (Conversas de 31.07.2018, 00h16m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h18m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h28m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h31m de fls. 142, do Apenso 7).

O co-arguido CC deu conta no julgamento que era o arguido AA que fazia as encomendas dos telemóveis e dos móveis no computador. O arguido KK revelou nas conversas telefónicas interceptadas que era igualmente AA que fazia as compras na Internet (sessão de 14.11.2019 transcrita a fls. 16 do Apenso 2). O conteúdo do telemóvel Iphone 7 apreendido ao arguido AA é igualmente revelador do seu protagonismo nos factos sob julgamento, nomedamente:

i. Fotografias de formulários com dados de cartões bancários recolhidos em unidades hoteleiras (fls. 78-84 do Apenso 7);

ii. Fotografias de frente e verso de cartões bancários (fls. 85-89 do Apenso 7);

iii. Fotografias relativas a transacções online na TUDO AZUL (O Boticário), no Continente, no El Corte Ingles, Ikea, Phone House e Worten (fls. 90-102 do Apenso 7);

iv. Ficheiros de imagem com dados relativos a cartões bancários, registos de contas de correio eletrónico e respectiva utilização (fls. 108- 110 do Apenso 7);

v. Ficheiros relativos à criação e utilização de contas de correio eletrónico (Fls. 111-114 do Apenso 7) vi. Ficheiros relativos à utilização de endereços postais (Fls. 115 do Apenso 7);

vii. Fotos de artigos tecnológicos ainda embalados (fls. 116-126 do Apenso 7); viii. Listas de centenas de dados de cartões bancários (fls. 133-138 do Apenso 7);

viii. Listas de centenas de dados de cartões bancários (fls. 133-138 do Apenso 7);

ix. Ficheiros de vídeo relativos à gravação de operações de compra de telemóveis na Phone House, com registo da voz do arguido AA (fls. 139-140 do Apenso 7);

Porém, a extracção das conversaçõe mantidas por via da aplicação de conversação instantânea “WhatsApp” veio a revelar conversas ainda mais esclarecedoras relativamente à amplitude da intervenção do arguido AA (Apensos 7 e 8).

Estas conversas revelam que a parceria entre os arguidos BB e AA em matéria de compras no IKEA remontam a Novembro de 2018 e que era efectivamente o arguido AA que fazia as compras (fls. 143v.-145 do Apenso VII).


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Ora, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022 não declarou qualquer inconstitucionalidade relativamente aos artigos 187.º e 189.º, do Código de Processo Penal, mas sim a obtenção de dados correspondentes a comunicações já ocorridas e que se encontram preservados ou conservados.

Nos presentes autos motivou-se a condenação do ora recorrente nas intercepções de conversações telefónicas e seu conteúdo, as quais tendo sido obtidas pelas autoridades policiais em tempo real e imediato, não são prova proibida.

Tratam-se, sim, de dados obtidos judicialmente, ao abrigo dos artigos 187.º, 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.

Ademais, a condenação do arguido AA teve por fundamento a abundante, variada e relevante prova recolhida que, para além das autorizadas e realizadas intercepções das comunicações telefónicas, incluem declarações dos arguidos, prova testemunhal, documental, buscas, revistas e relatórios dos exames periciais.

Deste modo e salvo melhor entendimento, considera-se igualmente que o recurso deve improceder.

4. Neste Supremo Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 25/06/2023, douto e desenvolvido parecer, concluindo da seguinte forma:

• No caso concreto em análise, não foi com recurso aos chamados metadados que se recolheu prova relativamente à atividade penalmente relevante levada a cabo pelo recorrente AA;

• Antes através de variados meios de prova, referidos na fundamentação da decisão, apenas entre os quais se contavam interceções telefónicas;

• As quais foram efetuadas mediante prévia autorização judicial, ao abrigo do disposto nas normas contidas no Código de Processo Penal;

• Não havendo recurso às normas da Lei nº 32/2008, de 17 de julho;

• Relevância alguma para o caso decorrendo da declaração de inconstitucionalidade contida no Acórdão nº 268/2022 do Tribunal Constitucional;

• Sendo ainda que, se tivesse existido o recurso às normas em questão, mesmo assim seria inconsequente o pedido, por a declaração de inconstitucionalidade invocada pelo recorrente não ter efeitos retroativos, em nada beliscando a decisão transitada em julgado que determinou a sua condenação.

- Pelo que, em nosso entender, deverá, de acordo com o disposto no artº 455º, nº 3, do CPP, ser negada a revisão pedida pelo arguido AA.

Observado o contraditório, o recorrente nada veio a acrescentar.

5. Colhidos os vistos e submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. O recurso extraordinário de revisão constitui, nas assertivas palavras de Amâncio Ferreira1, o “último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial”.

Este expediente extraordinário visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado2.

Trata-se, pois, de uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o ato jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça material.

Procura-se evitar, em ultima ratio, sentenças injustas e corrigir erros judiciários3.

Saliente-se que a revisão de sentenças e despachos que ponham termo ao processo tem uma larga tradição nosso direito4, encontrando-se já referenciada, como lembra Luís Osório5, nas Ordenações Afonsinas (Ord. III, §§ 1.º, 3.º, 5.º e 6.º).

Presentemente, tem consagração constitucional – art. 29.º n.º 6 da C.R.P. – e encontra-se prevista no art. 449.º e ss. do C.P.P.

Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Protocolo 7, art. 4.º, consagra que a sentença definitiva não impede a reabertura do processo, nos termos da lei do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior poderem afetar o resultado do julgamento.

É constituída por duas fases: a fase do Juízo rescindente e a fase do juízo rescisório6. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, concedendo ou denegando a revisão. A segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

No caso da descoberta de novos factos ou novos elementos de prova, que é um dos fundamentos mais frequentemente utilizados pelos recorrentes, Cavaleiro de Ferreira7 chama a atenção para a indicação ser em alternativa, o que só pode significar que se trata de coisas diferentes.

Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos. Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir tema da prova, seja direta ou indireta. Elementos de prova são os as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciadores de existência ou inexistência do crime.

2. Fechado este parêntese, em que tecemos breves considerações sobre a figura do recurso de revisão, e regressando à situação em análise, é do seguinte teor o acórdão recorrido, na parte que ora releva (Transcrição):

(…)

C) MOTIVAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO

(…)

4. Os arguidos BB, AA, CC e EE prestaram declarações em que assumiram a sua responsabilidade relativamente aos factos sob julgamento.

As apreensões realizadas e as imagens da videovigilância instaladas nas ATM e nas lojas dos autos não deixavam grande margem para assumir posição diversa.

As declarações do arguido CC foram integralmente confessórias relativamente aos factos dados como provados.

O arguido BB confessou a sua intervenção na parte relativa à clonagem dos cartões bancários de terceiros e aos levantamentos de dinheiro nas ATM com os cartões clonados, mas reservou-se um estatuto de mero motorista do JJ e demais indivíduos que o acompanhavam.

Este arguido também confessou a sua intervenção nos levantamentos de telemóveis e outros bens pagos com dados de cartões bancários de terceiros nos termos dados como provados.

O arguido AA também confessou a sua intervenção nos levantamentos de telemóveis e outros bens pagos com dados de cartões bancários de terceiros, mas negou que tivesse realizado qualquer compra electrónica destes bens, contrapondo que agiu a mando de um indivíduo chamado “II” que conhecera no Facebook em 2018.

A arguida EE confessou que vendeu três telemóveis a pedido do arguido AA sabendo a ilicitude da respetiva aquisição a partir de 14 de Novembro de 2019, não deixando de assumir a sua intervenção nas anteriores recolhas de encomendas na FNAC igualmente a pedido do arguido AA com quem mantinha uma relação amorosa recente.

Por seu turno, o arguido DD foi o único a negar qualquer intervenção nos factos com qualquer consciência da ilicitude, avançando que se limitou a acompanhar os co-arguidos às lojas para os ajudar e que se identificou com o seu passaporte quando procedeu ao levantamento de um telemóvel na FNAC a pedido do co-arguido AA.

5. Avançando, dir-se-á, liminarmente, que a prova produzida não deixa quaisquer dúvidas relativamente ao alcance das actuações dos arguidos BB e AA dadas como provadas.

Os ficheiros e vídeos de instalação de material de clonagem de cartões bancários e os próprios equipamentos de clonagem de cartões bancários encontrados na posse do arguido BB colocam-no inequivocamente acima do estatuto de mero motorista (Auto de apreensão de fls. 1355 e autos de visualização de fls. 1768 e 1772).

As imagens da videovigilância instaladas em algumas das ATM – pois nem todas tinham videovigilância – permitem observá-lo a intervir nas operações de instalação dos equipamentos de clonagem nas ATM e de levantamentos de dinheiro, nomeadamente nas ATM sitas em ..., ..., ..., ... e ... (Autos de visualização de fls. 3 do Apenso 3).

Acresce que as conversas mantidas via WhatsApp revelam que este arguido era suficientemente próximo de JJ para adquirir a posição de “sócio” e que o mesmo ganhou diariamente a importância de 200,00 € para participar na actividade do grupo de JJ (Conversas de 31.07.2018, 00h28m de fls. 141v. e de 27.11.2018, 14h06m, de fls. 127v. do Apenso 7).

Finalmente, a conta de correio electrónico do arguido BB – ..................... .com – contém vários ficheiros de imagem que constituem uma verdadeira reportagem fotográfica da operação de clonagem dos cartões bancários executada entre Dezembro de 2018 e Fevereiro de 2019, com imagens das ATM, dos cartões falsos utilizados, dos saques de dinheiro e das contas relativas à divisão do produto dos saques (fls. 339-360 do Apenso 7).

6. Por seu turno, a prova produzida relativamente ao arguido AA revela que este era a pessoa com maior conhecimento sobre as técnicas de skimmig e carding, ao ponto de aconselhar o próprio JJ antes de este vir para Portugal (Conversas de 31.07.2018, 00h16m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h18m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h28m de fls. 141v., 31.07.2018, 00h31m de fls. 142, do Apenso 7).

O co-arguido CC deu conta no julgamento que era o arguido AA que fazia as encomendas dos telemóveis e dos móveis no computador.

O arguido KK revelou nas conversas telefónicas interceptadas que era igualmente AA que fazia as compras na Internet (sessão de 14.11.2019 transcrita a fls. 16 do Apenso 2).

O conteúdo do telemóvel Iphone 7 apreendido ao arguido AA é igualmente revelador do seu protagonismo nos factos sob julgamento, nomedamente:

i. Fotografias de formulários com dados de cartões bancários recolhidos em unidades hoteleiras (fls. 78-84 do Apenso 7);

ii. Fotografias de frente e verso de cartões bancários (fls. 85-89 do Apenso 7);

iii. Fotografias relativas a transacções online na TUDO AZUL (O Boticário), no Continente, no El Corte Ingles, Ikea, Phone House e Worten (fls. 90-102 do Apenso 7);

iv. Ficheiros de imagem com dados relativos a cartões bancários, registos de contas de correio eletrónico e respectiva utilização (fls. 108-110 do Apenso 7);

v. Ficheiros relativos à criação e utilização de contas de correio eletrónico (Fls. 111-114 do Apenso 7)

vi. Ficheiros relativos à utilização de endereços postais (Fls. 115 do Apenso 7);

vii. Fotos de artigos tecnológicos ainda embalados (fls. 116-126 do Apenso 7);

viii. Listas de centenas de dados de cartões bancários (fls. 133-138 do Apenso 7);

ix. Ficheiros de vídeo relativos à gravação de operações de compra de telemóveis na Phone House, com registo da voz do arguido AA (fls. 139-140 do Apenso 7);

Porém, a extracção das conversações mantidas por via da aplicação de conversação instantânea “WhatsApp” veio a revelar conversas ainda mais esclarecedoras relativamente à amplitude da intervenção do arguido AA (Apensos 7 e 8).

Estas conversas revelam que a parceria entre os arguidos BB e AA em matéria de compras no IKEA remontam a Novembro de 2018 e que era efectivamente o arguido AA que fazia as compras (fls. 143v.-145 do Apenso VII).

7. As declarações da arguida EE relativas ao seu desconhecimento sobre a concreta forma de aquisição dos telemóveis foram corroboradas pelos co-arguidos e pelas intercepções telefónicas das conversas mantidas entre o arguido BB e a referida arguida, bem como entre os Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Central Criminal de ... Processo n.º 1991/18.0GLSNT 113 arguidos CC e DD (sessões de 14.11.2019 transcritas a fls. 16 e 50 do Apenso 2).

A coabitação desta arguida com os co-arguidos e a relação amorosa mantida pela mesma com o arguido AA apontam para um maior conhecimento dos factos e suscitam uma dúvida razoável insanável nesta matéria que deverá ser resolvida a seu favor.

8. As declarações do arguido DD foram igualmente corroboradas pelos co-arguidos.

A coabitação deste arguido com os co-arguidos também aponta para um maior conhecimento dos factos e suscita uma dúvida razoável insanável nesta matéria que deverá ser resolvida a seu favor.

A mesma insusceptibilidade de valoração entraria em cena relativamente ao arguido falecido LL, desta feita pela incidência do disposto nos artigos 64.º, n.º 1, da LGT, e 91.º, n.º 2, do RGIT.

9. Para o apuramento da factualidade respeitante às condições sociais e familiares dos arguidos relevaram os relatórios sociais oportunamente elaborados pela DGRSP, a informação da Segurança Social de fls. 1076-1082 e o contrato de trabalho relativo ao arguido DD que consta a fls. 775.

10. Finalmente, a inexistência de condenações sofridas pelos arguidos foi alcançada a partir dos respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.

(…)

3. Ora, como podemos verificar da motivação da matéria de facto provada, não foram apenas os elementos obtidos através de interceções telefónicas a formar a convicção do tribunal a quo, tanto mais que o arguido AA confessou, em grande parte, os factos por que se achava pronunciado.

Como bem salienta o Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, acresce que a interceções telefónicas onde foi “apanhado” o ora recorrente foram autorizadas com base nos arts. 187.º e 189.º, do C.P.P., não tendo havido recurso à lei n.º 32/2008, de 17/07, e muito menos às normas que o Tribunal Constitucional veio a declarar inconstitucionais, no citado acórdão n.º 268/2022, de 19/048, de 19/04.

Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade em causa não pode afetar decisões já transitadas em julgado, como é o caso da que condenou o ora recorrente. Isto porque o art. 282º, da C.R.P., visando a salvaguarda do princípio da segurança jurídica, dispõe, para os casos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, que a mesma produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado, mas ficando (nº 3) «ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido».

Sucede que o acórdão nº 268/2022 não excecionou a ressalva do caso julgado, pelo que - mesmo a ser a matéria dos autos abrangida pela previsão da norma declarada inconstitucional - não teria qualquer efeito9.

Nesta conformidade, e sem necessidade de outros considerandos, não se verifica a invocada nulidade de prova, sendo manifesta a falta de fundamento do pedido de revisão solicitado, ao abrigo das als. e) e f) do n.º 1, do art. 449.º, do C.P.P.

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar a revisão requerida pelo arguido AA, por ser manifestamente infundada (art. 455.º n.º 3, do C.P.P.).

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, sendo ainda condenado em mais 7 UC, nos termos do disposto no art. 456.º, do C.P.P.


Lisboa, 11 de outubro de 2023


(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Ana Barata Brito (Adjunta)

Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

_____


1. Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.º ed., Pg. 334.

2. Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.º ed., pg. 203 e ss.

3. É muito vasta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o recurso de revisão, sendo, entre os mais recentes, entre outros, de destacar os acórdãos de 11/7/2023, 25/5/2023, 7/4/2022, 23/3/2022, 27/1/2022, 20/10/2021 e 11/2/2022, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Ernesto Vaz Pereira, Orlando Gonçalves, António Gama, Nuno Gonçalves, M. Carmo Silva Dias, Ana Barata de Brito e Margarida Blasco, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

4. Sobre a evolução histórica do recurso de revisão, vide Paulo Renato de Freitas Belo, in JULGAR n.º 23-2014, pg. 85 e ss.

5. In Comentário ao Código de Processo Penal, Vol.VI, pg. 402.

6. Com mais desenvolvimento, veja-se, com interesse, Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Scientia Juridica, 1965, Tomo XIV, n.ºs 75-76 – Setembro-Dezembro, pg. 357 e ss., e o acórdão do STJ de 12/3/2009, cujo relator é o Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.

7. Estudo já referenciado, pg. 521 e ss.

8. Recorde-se que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição; e declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

9. Cfr. nesse sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 12/7/2023, relator o Senhor Conselheiro Agostinho Torres, Proc. n.º 20/15.0PJLRS-C.S1, de 29/6/2023, relator o Senhor Conselheiro Sénio Alves, Proc. n.º 42/10.8PBVCD-B.S1, e de 11/5/2023, relatora a Senhora Conselheira Helena Moniz, Proc. n.º 21/11.8PEPRT-M.S1, todos disponíveis no sítio já indicado.