Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10/21.4GALLE.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
REINCIDÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 10/11/2023
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, remete para a previsão do artigo 21.º, com adição de elementos respeitantes à ilicitude, que atenuam a pena; a atenuação não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, em função de circunstâncias referidas exemplificativamente – os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias.

II. A construção do crime de «tráfico de menor gravidade», surgido na sequência da revisão da “lei da droga”, de 1993, que levou ao desaparecimento do anterior crime de “tráfico de quantidades diminutas” (na sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988), assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de «ilicitude consideravelmente diminuída», com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da ação.

III. A jurisprudência deste Tribunal tem afirmado a necessidade de uma “avaliação global do facto”, nas suas circunstâncias particulares, as quais, no seu conjunto, devem permitir afirmar que as quantidades de estupefacientes detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem (atividades que se incluem na definição do tipo de crime fundamental, do artigo 21.º), são reduzidas; que a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação, também deverá ser reduzida; que os meios utilizados, o modo e as circunstâncias da ação deverão ser simples, não planeados, não organizados.

IV. Os “meios utilizados” hão de reportar-se à organização e à logística de que o agente lançou mão; quanto à “modalidade ou circunstâncias da ação”, será de avaliar o grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias; quanto à “qualidade” das substâncias, não deve esquecer-se que a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social, e quanto à “quantidade”, importa considerar o nível dos riscos de difusão, devendo a sua ponderação ser efetuada através de uma “apreciação complexiva, finalística, isto é, dirigida à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se objetivamente a ilicitude da ação é de relevo menor” que a verificada no tipo fundamental.

V. Os factos descritos configuram uma situação que evidencia uma atividade regular, persistente e repetida, muitas vezes quotidianamente, ao longo de mais de um ano e três meses, de aquisição, venda e fornecimento de quantidades consideráveis, na sua totalidade, de cocaína – vulgarmente classificada como “droga dura”, dado o seu elevado grau de danosidade –, uma atividade organizada, planeada e desenvolvida pelo arguido, conjuntamente, de acordo e em conjugação de esforços com os outros dois arguidos e com outras pessoas, à dimensão das necessidades e escala do seu negócio local, com meios de comunicação por telemóveis para estabelecer contactos e receber encomendas, a troco de importâncias em dinheiro que, no seu montante total, atingiram valores elevados, uma atividade que, pela sua própria natureza, só poderia, ela mesma, depender de outras atividades de tráfico, da aquisição regular dessas substâncias no mercado ilícito abastecedor, com quem o arguido tinha de se relacionar de forma regular e contínua para garantir o abastecimento da sua pequena fatia de mercado

VI. Surpreende-se, nestas circunstâncias, uma situação de facto que as investigações criminológicas identificam como uma “normal” atividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento para satisfação da procura de consumidores habituais de áreas geográficas determinadas, que o arguido garantia regularmente, por si e em conjugação de esforços com outras pessoas. 

VII. A quantidade e qualidade de estupefacientes traficadas não são reduzidas e as circunstâncias em que estas eram entregues aos seus destinatários, de forma regular e continuada, requeriam meios, planeamento e organização adequados, que foram efetivamente assegurados pelo arguido, de modo a satisfazer as necessidades e a procura do seu mercado local.

VIII. Não se identificam elementos de facto de reduzida expressão que permitam verificar correspondência com os critérios estabelecidos na alínea a) do artigo 25.º, suscetíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude.

IX. Mostra-se presente o pressuposto formal da reincidência: entre a prática do crime anterior e a prática do crime atual não tinham decorrido mais de 5 anos, pois que o arguido se encontrou privado da liberdade, em cumprimento de pena, não podendo este período de tempo ser computado naquele prazo de 5 anos (artigo 75.º, n.º 2, do CP).

X. Mostra-se igualmente verificado o pressuposto material da reincidência estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 75.º do CP, revelador de “maior culpa”, o qual requer que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.

XI. Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal a de que a reincidência, tendo como elemento fundamental o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior, não opera como efeito automático das anteriores condenações, exigindo-se a demonstração de que estas não tiveram suficiente força de dissuasão para o afastar do crime, pois que só através do caso concreto, nas suas próprias circunstâncias, se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de solene advertência.

XII. Em princípio, como se tem afirmado na jurisprudência deste tribunal, poderá a conexão entre os crimes estabelecer-se mais facilmente relativamente a casos de reincidência homótropa (crimes da mesma natureza), como sucede em situações, como a dos autos, de repetição de crimes de tráfico de estupefacientes, de idêntica natureza, com similar motivação e semelhantes formas de execução, em que não intervenham circunstâncias que possam excluir tal conexão.

XIII. Considerando a moldura abstrata da pena estabelecida por funcionamento da reincidência (artigo 76.º , n.º 1, do CP), mostrando-se ponderados os fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, que revelam elevadas exigências e necessidades de prevenção geral, a considerar no limite da culpa, tendo em conta a frequência, a insegurança e a grave danosidade social resultantes da prática destes tipos de crime, bem como de prevenção especial, não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 6 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 25 de maio de 2023 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ..., J... ., da comarca de Faro, que o condenou, pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, por referência à tabela I-B anexa, e 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Pelo mesmo acórdão foram também condenados os arguidos BB e CC, respetivamente nas penas de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01, e de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, e 25.º, al. a) do mesmo diploma, não tendo sido, desta parte, interposto recurso.

2. Discordando da qualificação jurídica dos factos, que reputa constituírem o crime de tráfico de menor gravidade, da condenação como reincidente e da medida da pena, que pretende ver suspensa na sua execução, apresenta motivação, de que extrai as seguintes conclusões (transcrição):

«III – A) Objecto do recurso

A. Vem o presente recurso que versa exclusivamente matéria de direito, interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal «a quo» que julgando parcialmente procedente a acusação publica, condenou o ora Recorrente, como autor material e reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/01, por referência à tabela I-B anexa ao diploma mencionado, 75.º e 7.6º do Código Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

III – B) Do Erro no Enquadramento Jurídico-Penal Da Matéria De Facto Provada.

B. Da leitura atenta da factualidade dada como provada no âmbito dos presentes autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, resulta, salvo melhor opinião, que o tribunal “a quo” fez uma errada subsunção dos mesmos no artigo 21.º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, uma vez que essa factualidade aponta, antes, para a prática, por este, de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

C. Note-se que a Doutrina e a Jurisprudência desse Colendo Tribunal, como sucede com o douto acórdão de 23/11/2011, in www.dgsi.pt desenvolveram diversos critérios cujo preenchimento tendencialmente cumulativo deve conduzir à aplicação do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22deJaneiro, como sejam a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); as quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; o período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem; a actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; e finalmente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.

D. Revertendo ao caso em apreço, resulta da matéria dada como provada que se encontram reunidos todos os critérios enunciados nesse douto Acórdão, mormente,

E. Que as transacções ocorriam na rua, através de contacto directo com o consumidor final, arriscando-se a ser detectado pelos agentes policiais, como veio, efectivamente, a suceder.

F. Que o período de duração da provada actividade é de cerca de 1 (um) ano, sendo que no caso vertente, houve períodos de inactividade.

G. Que o recorrente deslocava-se sobretudo a pé;

H. Que a actividade foi circunscrita à cidade de ...;

I. Que o preço médio das transacções era de 20 euros o pacote, coincidente com os valores médios das doses individuais dos produtos em apreço.

J. Além de que não foram apreendidas ao Recorrente quaisquer viaturas automóveis,

K. Que a quantia em dinheiro apreendida foi de € 310 (trezentos e dez euros) – cfr itens 60 e 61 dos factos provados - que não pode ser considerada avultada, ou um valor elevado, como vem definido na al. a) do artigo 202.º do Código Penal, que estabelece como valor elevado 50 unidades de conta que corresponde a € 5.100,00.

L. Que a quantidade de produto estupefaciente apreendido - uma embalagem com oito pacotes contendo cocaína (Cloridrato), com o peso líquido de 3,142 gramas, correspondente a seis doses diárias –cfr. ponto 60 dos factos provados - é pouco expressiva.

M. Que não lhe são conhecidos quaisquer sinais exteriores de riqueza, antes pelo contrário, as condições de vida são modestas, tendo a sua esposa adquirido a casa de morada de família com recurso a empréstimo bancário (cfr. item 151 dos factos provados)

N. É, por conseguinte, patente a falta de sofisticação dos meios utilizados pelo Recorrente na venda de pequenas doses de produtos estupefacientes aos consumidores finais,

O. É assim evidente estarmos perante um pequeno tráfico de rua.

P. Destarte, salvo o devido respeito por diferente interpretação, estamos deveras convencidos que a forma de actuação do Recorrente, é enquadrável nos critérios tendencialmente cumulativos acima citados, ou seja, no pequeno tráfico completamente distinta da do grande e médio tráfico, razão pela qual a actuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no previsto no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Q. Dito de outro modo, e salvo melhor opinião, estamos convencidos que a actuação do recorrente se enquadrará naquela chamada “zona cinzenta” entre o tráfico de menor gravidade e o tráfico comum do artigo 21.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

R. Consequentemente, a pena a aplicar ao Recorrente não deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão, atento o limite máximo da pena aplicável previsto no artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, suspensa na sua execução, pelos fundamentos infra indicados.

ADEMAIS

III – C) Da Reincidência

S. Salvo melhor opinião, in casu o tribunal “a quo” condenou o Recorrente como reincidente, em violação do disposto no artigo 75.º, n.º 1 do Código Penal, uma vez que desconsiderou totalmente a sua concreta situação pessoal e familiar bem espelhada no relatório social e nos itens da matéria de facto.

T. Porquanto dessa factualidade resulta que:

O Recorrente apresentou um percurso escolar reduzido e pouco investido. - Item 138 – tendo completado o 4.º ano de escolaridade com cerca de 12 anos, idade após a qual começou a apoiar a avó na criação de animais, atividade que assegurava ainda que com grandes limitações as necessidades domésticas. - Item 139;

Aos 16 anos começou a desenvolver atividade no ramo da construção civil e aos 18 anos iniciou atividade laboral numa pedreira, a qual seria melhor remunerada. - Item 140;

Sofreu acidente de trabalho, tendo-lhe sido amputado o dedo médio no membro superior direito, o que determinou vários meses de inatividade laboral. - Item 141-

Em Portugal integrou o mercado de trabalho no ramo da construção civil, inicialmente com um tio e depois com o progenitor sendo que os rendimentos auferidos permitiriam satisfazer necessidades básicas. -Item 142;

AA foi trabalhar para uma pedreira no norte do país em 1999, onde permaneceu cerca de três anos até a mesma falir. - Item 143;

Posteriormente exerceu atividade noutra pedreira, onde permaneceu apenas um ano, na sequência de alegadas irregularidades da entidade patronal por ausência de contribuições à Segurança Social. - Item 144;

Em 2004 voltou a exercer atividade laboral junto do progenitor, durante alguns meses, até que lhe foi aplicada prisão preventiva por tráfico de estupefaciente (p.º 229/04.2...). - Item 145;

Após restituído à liberdade, em 2008, iniciou a atividade laboral num salão de cabeleireiro, tendo efetuado aprendizagem desta atividade em contexto prisional. - Item 146;

Posteriormente fixou residência na zona de ..., começando a exercer atividade laboral na área naval (limpezas), tendo sofrido nova reclusão em 2011. - Item 147;

Entre 2018, aquando do regresso a Portugal, e o início do cumprimento da presente medida de coação, o arguido integrou o mercado de trabalho no setor da construção civil sempre que permanecia na zona do ... e no setor da restauração quando residia no Algarve (...), o que sucedia na altura dos factos. -Item 148;

Economicamente e sempre que laboralmente ativo AA auferia um vencimento na ordem do ordenado mínimo nacional. -Item 149;

O arguido apresenta algum juízo crítico relativamente ao seu passado criminal, embora o subordine grandemente à necessidade de organização em termos económicos. - Item 162;

O arguido AA é titular de cartão de residente familiar de cidadão da União Europeia, com validade até 28/07/2026 - Item 168;

O arguido AA celebrou com DD, progenitora do descendente comum EE, acordo de regulação das responsabilidades parentais, de acordo com o qual o menor fica confiado ao pai e a viver com o mesmo, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos. - Item 169;

É intenção de ambos os progenitores de EE que o menor continue confiado e a viver com o pai em território nacional quando o mesmo for restituído à liberdade. - Item 170;

O arguido e o filho EE têm uma relação de grande proximidade e afeto.” - Item 171;

U. Dos autos resulta que o Recorrente, apenas em 04-02-2022, logrou ver regularizada a sua situação em Território Nacional, ou seja, quando já se encontrava privado da sua liberdade à ordem dos presentes autos por via da medida de coacção de prisão preventiva – cfr. informação do SEF com a refª CITIUS .....26 datada de 22/05/2023.

V. É facto público e notório, assim como decorre das regras da experiência comum, que a situação de permanência não regularizada em Portugal condiciona o desenvolvimento de qualquer actividade laboral em moldes contínuos, sólidos.

W. Assim como condiciona muitas outras possibilidades, como, por exemplo, a inscrição numa escola de condução a fim de obter um título de condução.

X. Não obstante, também resulta dos autos que desde os 12 anos de idade o Recorrente esteve laboralmente activo, pese embora sempre com rendimentos na ordem do salário mínimo nacional, condição essa, que a par da permanência não regularizada em TN, segundo o próprio, terá estado na origem das condenações que sofreu.

Y. Actualmente, conforme Item 168 dos factos provados, o Recorrente passou a ser titular de cartão de residente familiar de cidadão da União Europeia, com validade até 28/07/2026.

Z. Essa regularização permitirá que o Recorrente logre alcançar a estabilidade laboral, proporcionando-lhe a inserção socio-laboral que por via da anterior permanência irregular em TN, lhe estava vedada.

AA. Sucede que na apreciação da aplicação ao recorrente do instituto jurídico da reincidência o douto tribunal “a quo” apenas valorou os antecedentes criminais do Recorrente.

BB. Ou seja, o douto Tribunal a quo” não valorou todas as circunstâncias de vida do Recorrente provadas nos autos, quando o devia fazer, por força do disposto no artigo 75.º do CP.

CC. Na nossa muito modesta opinião, da matéria de facto provada, não se pode concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido.

DD. Na verdade, mostra-se patente que o arguido/Recorrente voltou a delinquir, não por uma qualquer má formação da sua personalidade, mas por força de todo o circunstancialismo acima referido, mormente, as suas condições socioeconómicas radicadas na sua situação irregular em Território Nacional.

EE. A imagem global espelhada na matéria dada como provada não permite extrair a conclusão que o Recorrente tem uma personalidade propensa ao crime, mas sim que os mesmos são “a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido» - cfr. Acórdão desse STJ de 3.10.2007.

Além disso,

FF. O tribunal «a quo» ponderou os antecedentes criminais do aqui Recorrente para efeitos de aplicação da circunstância agravante, reincidência, assim como para a determinação da medida da pena, ou seja, valorou duplamente os antecedentes criminais do Recorrente.

GG. Destarte e ressalvado o devido (e merecido) respeito, a douta decisão ao fazer apelo à mesma circunstância agravativa num primeiro momento fazendo-a funcionar como agravante do tipo de crime, com alteração da moldura da pena abstracta (reincidência), e num segundo momento fazendo-a operar como agravante de natureza geral na determinação da medidada pena, a fimde justificar que a pena concreta seja mais elevada, incorre em violação do princípio da proibição de dupla valoração que impede que a mesma circunstância agravativa seja valorada por duas vezes, e que constituiu um afloramento do princípio geral de direito penal "ne bis in idem" ínsito no artigo 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

HH. Assim, e salvo melhor opinião, mal andou a douta decisão sub judice ao condenar o Recorrente como reincidente, devendo ser revogada a douta decisão nesse segmento.

III - D) Da Suspensão Da Pena

II. Na procedência do recurso e na hipótese de V. Exas. na apreciação deste recurso alterarem a pena do Recorrente para uma pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos essa pena pode e deve ser suspensa na sua execução, nos termos e para os efeitos do prevenido no artigo 50.º do CP.

JJ. Pois, dos autos resultou que o Recorrente é oriundo de um agregado familiar com um estrato socioeconómico e cultural desfavorecido, mas que se mostra familiarmente inserido, com estreita ligação afectiva ao seu filho menor (o único).

KK. Também resulta dos autos que actualmente tem a sua situação regularizada em Território Nacional, o que lhe permitirá a almejada reinserção socio- laboral.

LL. Que desde os 12 anos de idade integrou o mercado de trabalho. MM. Que em meio prisional tem mantido comportamento ajustado às normas.

NN. Ou seja, as exigências de prevenção especial mostram-se, actualmente, atenuadas.

OO. No que se reporta à exigências de prevenção geral que consabidamente são elevadas, o período de prisão preventiva já sofrido pelo Recorrente – mais de ano e meio – mostra-se suficiente para salvaguardar as expectativas da comunidade na validade da norma servindo como uma solene advertência/punição do Recorrente pelo desvalor dos actos praticados.

PP. Destarte, a suspensão da execução da pena de prisão permite manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores de direito como factores de inclusão.

QQ. Tendo presente as circunstâncias pessoais do Recorrente, bem espelhadas nos autos, estamos convencidos, sempre com a devida vénia, que a única pena que efectivamente serviria a finalidade última das penas, a da reintegração do agente na sociedade, cfr. artigo 40.º do Código Penal, passaria pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão, mas suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova, o que se impetra junto de V. Exas.

SEM CONCEDER

NEM PRESCINDIR

III – E) Da Medida Da Pena

RR. Mantendo-se a qualificação dos factos praticados pelo Recorrente no crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e a sua condenação como reincidente - o que se admite por obrigação de patrocínio - parece-nos que a pena aplicada de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão — é deveras exagerada, e desproporcional tendo em consideração os factores sociais e pessoais do mesmo.

SS. Entendemos salvo melhor opinião, que se situando a sua conduta numa actuação mais próxima do tráfico de menor gravidade do que na do tráfico comum, a pena a aplicar sempre deveria ser mais próxima do mínimo legal que, face à reincidência, se situa nos 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses.

TT. Afigura-se ser esta pena a mais adequada e proporcional à sua culpa e a que mais jus faz à finalidade última das penas – a da reinserção/reintegração do agente na sociedade.

UU. Nesta confluência, pela errada aplicação e interpretação que deles faz, o douto acórdão recorrido viola os artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 72.º, 75.º e 76.º do Código Penal; artigos 61.º n.º 1, als. a) e c), 97.º n.º 5, 118.º, 119.º, 358.º a contrario sensu, 359.º n.º 2, 374.º n.º 2 in fine; 379.º n.ºs 1, als. a) e c) e 410.º do C.P.P.; artigos 18.º, 29.º, 32.º e 204.º da CRP da Constituição da Republica Portuguesa; artigo 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; artigos 21.º e 25.º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito, que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:

a) Ser revogado o douto Acórdão recorrido no segmento que condenou o Recorrente como reincidente e substituído por outro que condene o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em pena não superiora 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50.º e 53.º do Código Penal; ou

b) Quando doutamente assim se não entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, seja revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que condene o Recorrente pela prática de 1 (um) crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a regime de prova nos termos do disposto nos artigos 50.° e 53.º todos do Código Penal, ou, o que se admite por dever e cautela de patrocínio,

c) Na hipótese de V. Exas., Colendos Conselheiros, na decisão do recurso optarem por manter a qualificação dos factos praticados pelo Recorrente no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, assim como a sua condenação como reincidente, que a pena seja substituída por outra mais próxima do mínimo legal, ou seja, 5 anos e 4 meses.»

3. Respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

«1ª Salvo melhor opinião, não assiste razão ao ora recorrente.

2ª Com efeito, tal como assertivamente sublinhado pelo Tribunal a quo, respaldando-se em vasta jurisprudência dos tribunais superiores, resulta da matéria de facto dada como provada um conjunto de circunstâncias factuais que afastam, irremediavelmente, a sua subsunção jurídica ao crime de tráfico de menor gravidade, tais como o período temporal durante o qual perdurou a atividade ilícita do recorrente de venda de estupefacientes, número de clientes e periodicidade de vendas junto dos mesmos.

3ª Efetivamente, resulta da matéria de facto dada como provada que, no período temporal compreendido entre 4 de Junho de 2021 até 22 de Novembro 2021, com uma frequência quase diária, o ora recorrente efetuou, pelo mentos, 29 vendas de doses individuais de cocaína documentadas, com o valor aproximado de 20€/cada, a clientes regulares, tais como FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL.

4ª Para tanto, resulta igualmente da matéria de facto dada como provada, que, nesse mesmo período temporal, o ora recorrente utilizou o seu telemóvel para aceitar encomendas e combinar os respetivos locais de entrega com os seus clientes regulares, inclusivamente com recurso ao coarguido MM.

5ª Deste modo, pugna-se que essas circunstâncias legitimam a sua subsunção ao crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo n.º 1 do art. 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, porquanto daí resulta que o ora recorrente assumiu a função de fornecedor habitual, circunstância que já não é identificável como mero “passador ou retalhista de rua”, sendo tal corroborado pelo estupefaciente apreendido.

6ª Assim, considera-se que com a sua conduta, o ora recorrente preencheu os elementos objetivos e subjetivos do mencionado crime de tráfico de estupefacientes, atingindo o âmago do bem jurídico tutelado, ou seja, a saúde pública, beliscando-a com elevada contundência face à qualidade e quantidade de estupefaciente comercializados.

7ª No que respeita ao acionamento do instituto da reincidência, constata-se o que Tribunal a quo se alicerçou nos vastos antecedentes criminais do ora recorrente, convocando a sua condenação anterior a 7 anos e 4 meses de prisão pela prática de 2 crimes de tráfico de estupefacientes, concluindo, assertivamente, que essa condenação não exerceu qualquer influência na interiorização ética da reprovação da sua conduta, circunstância que reivindica um juízo de censura mais elevado, respeitando, integralmente, o consagrado nos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.

8ª Em sede de determinação concreta da pena, o aresto em crise considerou as consequências da conduta do arguido e evidenciou as especiais exigências de prevenção geral e especial na determinação concreta da pena.

9ª Com efeito, o Tribunal a quo foi equilibrado ao considerar os fins das penas, designadamente ao sublinhar a erosão do bem jurídico na comunidade.

10ª Por seu turno, o Tribunal a quo atendeu, convenientemente, às consequências da conduta do ora recorrente, a elevada energia empregue pelo mesmo para a perpetração da factualidade apurada e à qualidade e quantidade de produto estupefaciente disseminado junto dos consumidores.

11ª Por conseguinte, Tribunal a quo aplicou uma pena ajustada face aos comandos consagrados nos artigos 40.º, 50.º e 53.º do Código Penal.»

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, em concordância com a posição do Ministério Público em 1.ª instância, emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, e acrescentando, em síntese (transcrição):

«(…)

5.1 – Da qualificação jurídica dos factos provados.

Sobre a problemática suscitada pelo recorrente, de a sua conduta delituosa integrar a prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, desse diploma legal, por que foi condenado, há que dizer que a distinção entre o tipo fundamental “tráfico e outras atividades ilícitas” p. e p. no art. 21.º e o tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade” assenta na verificação, para o segundo, de uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, aferida em função de um conjunto de itens de natureza objetiva que se revelem no concreto. Nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade do produto, a quantidade detida ou cedida, o espaço temporal em que se levou a cabo a atividade, o espaço geográfico onde se desenrolou e o número de vendas.

Devendo a avaliação da menor gravidade do tráfico resultar de um juízo global e abrangente sobre a conduta ilícita prosseguida pelo agente, em que o desvalor da acção é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes (o do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), importa atender ao circunstancialismo concreto do caso em presença para aquilatar se pode ser considerado como tráfico de menor gravidade o que se apurou ter sido a actividade levada a cabo pelo arguido/recorrente.

Emergiu provado do julgamento a que se procedeu que o recorrente AA, no período compreendido entre 4 de Junho e 22 de Novembro de 2021, vendeu cocaína a diversos indivíduos, em número de 24, designadamente os identificados nos factos provados 25 a 58 e 63 a 68.

E ficou assente que diversos destes indivíduos eram clientes assíduos do recorrente AA, adquirindo-lhe, com regularidade, o produto que comercializava, cocaína.

Assim, FF adquiriu cocaína ao recorrente AA nos dias 4, 14 e 16 de Junho de 2021, o que sucedeu também, por diversas outras vezes, entre Junho e 22 de Novembro de 2021 (cfr. factos provados 25, 27, 30 e 64).

Desde 20 de Junho de 2021 até Setembro de 2021, com uma frequência semanal, LL adquiriu cocaína ao recorrente AA, vindo a fazê-lo de novo nos dias 13 de Outubro, 3 de Novembro e 5 de Novembro, de 2021 (cfr. factos provados 33, 34, 50, 55, 56 e 66).

Nos meses de Junho, Julho e Agosto, de 2021, o recorrente AA vendeu cerca de dois pacotes de cocaína, por semana, a NN (cfr. facto provado 63).

E desde o mês de Julho de 2020, pelo menos até 25/07/2021, OO adquiriu ora ao recorrente AA, ora ao arguido BB, um pacote de cocaína, pelo menos uma vez por semana (cfr. facto provado 67).

Ainda, no período de dois meses que antecedeu a sua detenção, a qual ocorreu no dia 22 de Novembro de 2021), o recorrente AA vendeu, em pelo menos três ocasiões distintas, um pacote de cocaína a PP (cfr. facto provado 68).

Duas foram as vezes em que HH (nos dias 17 e 30 de Junho, de 2021, cfr. factos provados 32 e 35), JJ (nos dias 2 de Agosto e 22 de Novembro, de 2021, cfr. factos provados 46 a 48 e 57), QQ (em 2 de Julho e 28 de Outubro, de 2021, cfr. factos provados 36 e 54) e KK (em 3 de Julho e 7 de Outubro, de 2021, cfr. factos provados 37 e 49) adquiriram cocaína ao recorrente AA.

Era igualmente à venda a consumidores desse tipo de produto estupefaciente que o arguido AA destinava a cocaína que lhe foi apreendida no dia 22/11/2021 (cfr. factos provados 60 a 62).

Considerada a actividade desenvolvida, a sua frequência e o tempo, o tipo de estupefaciente comercializado, cocaína, uma das denominadas drogas duras, não custa a perceber o sentido da decisão do Tribunal a quo na subsunção dos factos ao direito.

Com o quadro factual assente, não se vê, com efeito, como seja possível ter por consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, sem o que não se poderá ter por verificado o tipo privilegiado do tráfico de estupefacientes.

Afigura-se, pois, inquestionável o acerto do enquadramento jurídico dos factos provados, os quais traduzem a prática pelo recorrente AA de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nenhum reparo suscitando, por conseguinte, o assim decidido pelo Tribunal a quo.

5.2 – Da declaração de reincidência.

O mesmo se dirá da condenação do recorrente como reincidente.

É da mais linear compreensão a decisão recorrida, como decorre do excerto que trata desta problemática: (transcrição)

(…)

Mostram-se, pois, verificados os requisitos de que depende legalmente a declaração de reincidência, não colhendo, de modo algum, os argumentos que o recorrente lhe opõe.

5.3 – Da medida da pena aplicada.

E também nenhuma censura suscita a pena aplicada.

Atente-se, antes de mais, nos fundamentos que, na decisão recorrida, presidiram à determinação da medida da pena: (transcrição)

Como se vê, o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal e sócio económico do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

Não é demais lembrar que nos crimes de tráfico de estupefacientes as exigências de prevenção geral são muito elevadas, considerados os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora, sendo que, por outro lado, este tipo de crime potencia outro tipo de ilícitos, como sejam crimes de furto e roubo, causando alarme social, verificando-se uma efectiva necessidade de desincentivar de forma eficaz estas condutas, de modo a consciencializar a comunidade em geral para o desvalor das mesmas, para além da repercussão do tráfico de droga em termos de saúde pública, nomeadamente no que respeita aos toxicodependentes.

Como se escreveu no acórdão de 05.02.2016, proferido no processo n.º 426/15.5JAPRT, da 3ª Secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos: “O Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade. De facto, estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo que põe em causa, como se lê no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991, uma pluralidade de bens jurídicos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública»”

Por fim, muito elevadas são também as necessidades de prevenção especial, atentos os antecedentes criminais do recorrente, exigindo uma resposta punitiva que previna a prática de outros comportamentos ilícitos da mesma, ou de diferente natureza

Sobre a medida concreta da pena aplicada, verifica-se que, sendo a moldura penal abstracta do crime de tráfico de estupefacientes (do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) por que o recorrente foi condenado, a de 5 anos e 4 meses de prisão a 12 anos de prisão, a pena aplicada, de 6 anos e 6 meses de prisão, situa-se assaz próxima do respectivo limite mínimo, na mediana do primeiro terço da penalidade aplicável.

Não se descortinam razões que levem a considerar dever ser reduzida a sanção aplicada, sem que resultem comprometidas as finalidades das penas.

O mesmo é dizer que, contrariamente ao pretendido, a pena aplicada ao recorrente AA se configura justa, por adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.

Pena que é insusceptível, pelo quantum, de suspensão na sua execução, vedando-o a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

6 – Pelo exposto, e acompanhando a posição do Ministério Público na 1ª instância, emite-se parecer no sentido de o recurso interposto pelo arguido AA dever ser julgado improcedente.»

5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência, para julgamento – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

7. O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

«1- Os arguidos AA, BB e CC, juntamente com RR, que se conheciam todos entre si, por vezes em conjugação de esforços e de forma concertada entre os dois primeiros por um lado e os dois últimos por outro, e por vezes por autoria singular, e ainda o arguido AA em conjugação de esforços e vontades com SS e MM, dedicavam-se à venda de doses individuais de cocaína a terceiros, na freguesia de ..., do concelho de ..., em contrapartida de dinheiro que lhe entregavam, nos moldes que infra se descrevem e repartindo os lucros de forma não apurada.

2- Para tanto, os arguidos utilizavam os seus telemóveis para aceitarem encomendas de doses individuais de cocaína e entregavam essas encomendas de doses individuais aos seus múltiplos clientes consumidores desses estupefacientes, mediante o recebimento de quantias monetárias que variaram em função das quantidades encomendadas, nos moldes que infra se descrevem.

Assim, os arguidos praticaram tal atividade, nomeadamente nas seguintes ocasiões:

[…]

25- No dia 04 de junho de 2021, pelas 13 horas e 01 minutos, na Rua..., em ..., concelho de ..., o arguido AA entregou uma quantidade indeterminada de cocaína a FF, recebendo em troca uma quantia monetária.

26- No dia 11 de junho de 2021, pelas 16 horas e 20 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a TT, recebendo em troca uma quantia monetária.

27- No dia 14 de junho de 2021, pelas 11 horas e 06 minutos, na Rotunda..., em ..., após prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a FF, recebendo em troca uma quantia monetária, tendo este a consumido de imediato.

28 - No dia 14 de junho de 2021, pelas 12 horas e 23 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma embalagem de cocaína a UU, recebendo em troca a quantia monetária de 20,00 euros.

29 - No dia 16 de junho de 2021, pelas 11 horas, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a VV, recebendo em troca uma quantia monetária.

30 - No dia 16 de junho de 2021, pelas 13 horas e 15 minutos, no Largo ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a FF, recebendo em troca uma quantia monetária.

31- No dia 16 de junho de 2021, pelas 16 horas, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma quantidade indeterminada de cocaína a WW, recebendo em troca uma quantia monetária.

32- No dia 17 de junho de 2021, pelas 15 horas e 17 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a HH, recebendo em troca uma quantia monetária.

33- No dia 17 de junho de 2021, pelas 15 horas e 47 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a GG, recebendo em troca quantia não apurada.

34- No dia 30 de junho de 2021, pelas 14 horas e 28 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma embalagem de cocaína a LL, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

35- No dia 30 de junho de 2021, pelas 15 horas e 29 minutos, na Rua..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma embalagem de cocaína a HH, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

36- No dia 02 de julho de 2021, pelas 11 horas e 56 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma embalagem de cocaína a QQ, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

37- No dia 03 de julho de 2021, pelas 23 horas e 47 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma quantidade indeterminada de cocaína a KK, recebendo em troca a quantia não apurada.

38- No dia 09 de julho de 2021, pelas 15 horas e 58 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA vendeu uma embalagem de cocaína a XX, recebendo em troca, pelo menos, de uma nota no valor facial de 10,00.

39- No dia 09 de julho de 2021, pelas 16 horas e 29 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a YY, recebendo em troca a quantia não apurada.

40- No dia 02 de agosto de 2021, pelas 11 horas e 35 minutos, o arguido AA (... ... .48) agendou uma venda de cocaína com ZZ junto ao parque de skate.

41-Nessa sequência, o arguido AA combinou com o MM que este procederia à entrega do estupefaciente ao referido consumidor.

42- Assim, em concretização do acordado, junto ao parque de skate, na Rua ... em Quarteira, MM entregou quantidade não determinada de cocaína a ZZ, recebendo em troca quantia não apurada.

43- No dia 02 de agosto de 2021, pelas 12 horas e 40 minutos, o arguido AA (... ... .48) agendou uma venda de cocaína com II.

44- Nessa sequência, o arguido AA combinou com o MM que este procederia à entrega do estupefaciente ao referido consumidor.

45- Assim, em concretização do acordado, pelas 12 horas e 46 minutos, na Rua ..., em ..., MM entregou quantidade não determinada de cocaína a II, recebendo em troca quantia não apurada.

46- No dia 02 de agosto de 2021, pelas 15 horas e 17 minutos, o arguido AA (... ... .48) agendou uma venda de cocaína com JJ.

47- Nessa sequência, o arguido AA acordou com o MM que este procederia à entrega do estupefaciente ao referido consumidor.

48- Assim, em concretização do acordado, pelas 15 horas e 30 minutos, na Travessa ..., em ..., MM entregou quantidade não determinada de cocaína a JJ, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros por cada pacote.

49- No dia 07 de outubro de 2021, pelas 12 horas e 29 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA vendeu uma embalagem de estupefacientes de cocaína a KK, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

50- No dia 13 de outubro de 2021, pelas 15 horas e 26 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a LL, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros por cada pacote de meia grama.

51- No dia 22 de outubro de 2021, pelas 15 horas e 05 minutos, na Travessa ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína com peso indeterminado a AAA, recebendo em troca uma quantia não concretamente apurada.

52- No dia 27 de outubro de 2021, pelas 11 horas e 31 minutos, Travessa ..., em ..., o arguido AA entregou duas embalagens de cocaína com peso indeterminado a BBB, recebendo em troca diversas notas de valor não concretamente apurada;

53- No dia 27 de outubro de 2021, pelas 14 horas e 08 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a CCC, recebendo em troca uma quantia não concretamente apurada;

54- No dia 28 de outubro de 2021, pelas 11 horas e 46 minutos, na Travessa ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a QQ, recebendo em troca o montante de € 20.

55- No dia 03 de novembro de 2021, pelas 00 horas e 40 minutos, na Avª ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a LL, recebendo em troca de € 20.

56- No dia 05 de novembro de 2021, pelas 14 horas e 46 minutos, no Largo..., em ..., após prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem de cocaína a LL, recebendo em troca de € 20.

57- No dia 22 de novembro de 2021, pelas 13 horas e 50 minutos, no Beco ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou uma embalagem contendo cocaína (Cloridrato), com o peso líquido de 0,435 gramas, a JJ, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

58- No dia 22 de novembro de 2021, pelas 14 horas e 45 minutos, no Beco ..., em ..., mediante prévio contato telefónico, o arguido AA entregou três pacotes contendo cocaína (Cloridrato), com o peso líquido de 1,122 gramas, correspondente a uma dose diária, a DDD, recebendo em troca a quantia de 50,00 euros.

59- No dia 22 de novembro de 2021, pelas 15 horas e 35 minutos, após ter agendado telefonicamente uma venda de cocaína com ZZ, o arguido AA deslocou-se ao local previamente acordado e ao se aperceber da presença dos Militares da GNR, encetou fuga apeada, tendo sido intercetado pelos policiais na Rua ..., em ....

60- Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA detinha os seguintes produtos e objetos:

- Uma embalagem que tinha no interior oito pacotes contendo cocaína (Cloridrato), com o peso líquido de 3,142 gramas, correspondente a seis doses diárias;

- Uma nota de 20€;

- Um telemóvel, da marca “Huawei”, de cor preta, e

- Um telemóvel, da marca “Samsung”, modelo “Duos” com o IMEI: .............49 e IMEI: .............56, contendo inserido o cartão SIM número ... ... .06.

61- Pelas 17 horas do dia 22 de novembro de 2021, na residência sita no Largo ..., em ..., local onde então o arguido AA residia, este detinha o seguinte:

- No quarto:

- Um isqueiro, da marca “BIC”, de cor azul;

- Uma tesoura, da marca “Ante”, de cores cinza e verde, que se encontravam no parapeito da janela do quarto;

- Um porta cartões SIM da operadora “Moche” referente ao cartão SIM n.º ....... ...........75;

- Duzentos e noventa Euros (290€) em notas do Banco Central Europeu, e

- Dois porta cartões SIM, um da operadora da operadora “Vodafone” referente ao cartão SIM n.º ..........74 e outro da operadora “NOS” referente ao cartão SIM n.º .................07.

62- O arguido AA destinava os oito pacotes de cocaína descritos em 61 à entrega a consumidores dessas substâncias, em troca do recebimento de quantias monetárias.

63- Nos meses de Junho, Julho e Agosto, em ..., o arguido AA vendeu cerca de dois pacotes de cocaína por semana a NN, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros por cada pacote.

64- Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Junho a até ao dia 22 de novembro de 2021, em ..., o arguido AA vendeu, por diversas vezes, pacotes de cocaína a FF, recebendo em troca a quantia de 20,00 ou 40,00 euros por cada venda, consoante o peso: metade de meio grama ou meio grama, respetivamente.

65- No dia 29/06/2021, em ..., o arguido AA vendeu um pacote de cocaína a EEE, a troco de quantia não concretamente apurada.

66- Desde 20 de junho de 2021 até ao mês de setembro de 2021, em ..., o arguido AA vendeu, pelo menos uma vez por semana nomeadamente nos dias 20 e 30 de junho de 2021, um pacote de cocaína a LL, recebendo em troca a quantia entre 20,00 euros por cada pacote.

67- Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o mês de julho de 2020, pelo menos até 25/07/2021, em ..., OO adquiriu ora ao arguido AA ora ao arguido BB um pacote de cocaína, com um quarto de grama, pela quantia de 20,00 por cada pacote, pelo menos uma vez por semana.

68- No período de dois meses que antecedeu a detenção do arguido (em dia 22 de novembro de 2021), em ..., o arguido AA vendeu, em pelo menos três ocasiões distintas, um pacote de cocaína, com meia grama, a PP, recebendo em troca a quantia entre 20,00 por cada pacote.

[…]

81- No dia 11 de junho de 2021, pelas 14 horas e 34 minutos, na Rua ..., em ..., mediante prévio contato telefónico com SS, BB e AA deslocam-se na viatura ..-..-UC, conduzida por BB e com AA no lugar do pendura, que imobilizam ao ver LL, tendo este se dirigido ao arguido AA, que lhe entregou uma quantidade indeterminada de cocaína, recebendo em troca a quantia de € 20.

[…]

84-No dia 11 de agosto de 2021, pelas 13 horas e 42 minutos, na Travessa..., em ..., mediante prévio contato telefónico para o arguido AA, que combinou a entrega com o arguido BB, este entregou uma embalagem de cocaína a VV, recebendo em troca a quantia de 20,00 euros.

[…]

103- Os arguidos previram e quiseram agir da forma descrita.

104- Os arguidos AA, BB e CC tinham perfeito conhecimento que era proibido adquirir, guardar, preparar, embalar, ceder e vender cocaína, substância cuja natureza, características, composição e efeitos conheciam, bem sabendo que a aquisição, detenção, preparação, embalagem, cedência, venda e detenção para venda desses produtos lhes era vedada por lei, uma vez que não estavam autorizados para o efeito.

105- Ao proceder da forma supra descrita, os arguidos AA, BB e CC em determinadas ocasiões, atuaram por si e individualmente e, em outras ocasiões, agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, os arguidos AA e BB entre si, o arguido AA com MM e SS e o arguido CC com FFF, tudo nos termos supra referidos, repartindo os lucros de modo não apurado.

106- Atuaram todos os arguidos sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

Das condenações sofridas pelos arguidos

107- Por acórdão proferido em 19/07/2010, no âmbito do processo nº 649/09.6..., do extinto 3. ..... ........ do Tribunal de Comarca e Família e Menores de Almada, transitado em julgado em 06/06/2011, foi o arguido AA condenado pela prática, em 22/10/2009, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. d), um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º e 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/01 e um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art. 359º, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, pena que se mostra extinta, em virtude de naquela transportar, juntamente com outro indivíduo, no interior de um veículo automóvel, 29,571 g de heroína, dividida em 3 embalagens, correspondente a 300 doses individuais, bem como 4 saquetas de redrarte, tendo ainda aquando da sua detenção e da sua sujeição a interrogatório judicial o mesmo se identificado como GGG, o que sabia não corresponder à verdade, tendo ainda colocado esse nome no termo de constituição de arguido e procuração que juntou aos autos, sabendo que eram documentos do processo e que essa não correspondia à sua identidade.

108- Por acórdão proferido em 14/02/2012, no âmbito do processo nº 430/10.0..., do J. do do Juízo Central Criminal de ..., transitado em julgado em 16/03/2012, foi o arguido AA condenado pela prática, entre dezembro de 2010 e 11/05/2011, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º do DL 15/93, de 22/01, na pena de 5 anos e 8 meses de prisão, pena que se mostra extinta, em virtude de pelo menos desde o início de dezembro de 2010 até ao dia 11 de maio de 2011 (data em que foi detido), de vendas de cocaína a terceiros, sendo que na data da detenção tinha em seu poder 26,60 gramas de cocaína.

109- Por acórdão proferido em 28/06/2012, no âmbito do processo 430/10.0..., transitado em julgado em 03/09/2012, foi efetuado o cúmulo jurídico das penas a que o arguido AA foi condenado nesses autos e no processo 649 e o arguido condenado na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão, pena extinta desde 14/12/2017.

110- Em consequência das condenações sofridas, esteve o arguido AA preso preventivamente entre 22/10/2009 e 19/07/2010 à ordem do processo 649/09 e em cumprimento de pena à ordem desse mesmo processo a partir de 31 de janeiro de 2012, permanecendo ininterruptamente preso até 24 de setembro de 2016, data em que atingiu os 5/6 da pena de 7 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico levado a efeito no processo 430/10.

111- Em 24 de setembro de 2016, foi concedida ao arguido AA liberdade condicional pelo tempo que lhe faltaria cumprir, ou seja, até 14 de dezembro de 2017.

112- Não obstante as referidas condenações, assim como a subsequente estadia na prisão, o arguido AA voltou a cometer os factos dos presentes autos.

O arguido AA sofreu ainda as seguintes condenações:

113- Por sentença proferida em 11/07/2005, no âmbito do processo nº 1130/03.2..., do extinto 3. ..... do Tribunal Judicial da Moita, transitada em julgado em 29/09/2005, foi o arguido AA condenado pela prática, em 11/07/2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2 do DL 2/98, de 03/01 e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, na pena de € 2,50, num total de € 375, pena já declarada extinta pelo cumprimento.

114- Por acórdão proferido em 21/12/2006, no âmbito do processo nº 229/04.2..., do extinto .. ..... do Tribunal Judicial da comarca da Moita, transitado em julgado em 28/01/2008, foi o arguido AA condenado pela prática, em 30/09/2004, de dois crimes de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º do DL 15/93, de 22/01, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, pena que se mostra extinta.

115- Por sentença proferida em 21/02/2011, no âmbito do processo nº 289/11.0..., do J. do Juízo de Pequena Instância Criminal de ..., transitada em julgado em 07/04/2011, foi o arguido AA condenado pela prática, em 20/02/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, nas penas de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7, num total de € 700 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, pena já declarada extinta pelo cumprimento.

116- Por sentença proferida em 28/10/2020, no âmbito do processo nº 457/18.3..., do J. do Juízo Local Criminal de ..., transitada em julgado em 30/11/2020, foi o arguido AA condenado pela prática, em 2018, de um crime de violação da proibição de entrada, p. e p. pelo art. 187º, nº 1 da Lei 23/2007, de 04/07, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5,5, num total de € 220, pena declarada extinta pelo cumprimento.

117- Por sentença proferida em 02/05/2022, no âmbito do processo nº 1315/21.0..., do J.do Juízo Local Criminal da ..., transitada em julgado em 09/01/2023, foi o arguido AA condenado pela prática, em 12/11/2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98, de 03/01 e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, als. e)e f) e nº 3 do Código Penal, na pena única de 24 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 24 meses.

[…]

Das condições pessoais

125- À data da sua detenção (novembro de 2021), AA, de 44 anos, residia juntamente com uma conhecida/amiga na habitação desta em ..., descrita como detentora de adequadas condições de habitabilidade embora inserida num meio conotado com algumas problemáticas sociais.

126- AA, natural de ..., é o mais velho de três irmãos, fruto do relacionamento dos progenitores, que não tiveram vivência conjugal dado a figura paterna ter outro relacionamento afetivo.

127- Posteriormente o pai veio residir para Portugal e a mãe iniciou nova relação, pelo que a sua figura de referência afetiva foi a avó materna com a qual residiu até aos 21 anos.

128- A nível pessoal foi pai pela primeira vez aos 19 anos, tendo no ano seguinte sido pai por mais três vezes, de relacionamentos afetivos diferentes, sem vivência conjugal, residindo os descendentes com as respetivas progenitoras em ....

129- Com 21 anos de idade veio para Portugal para melhorar as suas condições de vida.

130- Foi novamente pai em 2011, fruto do relacionamento mantido com a então companheira.

131- Em 2013 contraiu matrimónio com HHH, com a qual iniciara relacionamento algum tempo antes.

132- Em 2016, na sequência de afastamento coercivo do território nacional, por um período de oito anos, regressou a ....

133- Em 2018 AA regressou a Portugal, não obstante ainda se encontrar em execução a decisão de afastamento coercivo, constituindo agregado com o cônjuge (HHH) e um filho menor (III), fruto do anterior relacionamento.

134- Na sequência do iniciar do cumprimento da presente medida de coação o filho de AA alterou a residência para junto da progenitora, residente em ..., permanecendo o cônjuge a residir sozinho no apartamento do casal, sedeada na zona de ...).

135- Entre 2018 e 2021 o arguido alterou frequentemente a sua residência, por questões laborais, entre a morada do casal, zona do ... e o Algarve, ..., localidade onde pernoitava em casa de amigos.

136- Deu entrada, a 25/11/2021, no Estabelecimento Prisional ... para cumprimento da medida de coação aplicada nos presentes autos, enquadramento que se verifica na atualidade.

137- Em contexto prisional AA tem vindo a receber as visitas de amigos e do cônjuge, mantendo, esta, o seu apoio ao arguido.

138- AA apresentou um percurso escolar reduzido e pouco investido.

139- Completou o 4.º ano de escolaridade com cerca de 12 anos, idade após a qual começou a apoiar a avó na criação de animais, atividade que assegurava ainda que com grandes limitações as necessidades domésticas.

140- Aos 16 anos começou a desenvolver atividade no ramo da construção civil e aos 18 anos iniciou atividade laboral numa pedreira, a qual seria melhor remunerada.

141- Sofreu acidente de trabalho, tendo-lhe sido amputado o dedo médio no membro superior direito, o que determinou vários meses de inatividade laboral.

142- Em Portugal integrou o mercado de trabalho no ramo da construção civil, inicialmente com um tio e depois com o progenitor sendo que os rendimentos auferidos permitiriam satisfazer necessidades básicas.

143- AA foi trabalhar para uma pedreira no norte do país em 1999, onde permaneceu cerca de três anos até a mesma falir.

144- Posteriormente exerceu atividade noutra pedreira, onde permaneceu apenas um ano, na sequência de alegadas irregularidades da entidade patronal por ausência de contribuições à Segurança Social.

145- Em 2004 voltou a exercer atividade laboral junto do progenitor, durante alguns meses, até que lhe foi aplicada prisão preventiva por tráfico de estupefaciente (p.º 229/04.2...).

146- Após restituído à liberdade, em 2008, iniciou a atividade laboral num salão de cabeleireiro, tendo efetuado aprendizagem desta atividade em contexto prisional.

147- Posteriormente fixou residência na zona de ..., começando a exercer atividade laboral na área naval (limpezas), tendo sofrido nova reclusão em 2011.

148- Entre 2018, aquando do regresso a Portugal, e o início do cumprimento da presente medida de coação, o arguido integrou o mercado de trabalho no setor da construção civil sempre que permanecia na zona do ... e no setor da restauração quando residia no Algarve (...), o que sucedia na altura dos factos.

149- Economicamente e sempre que laboralmente ativo AA auferia um vencimento na ordem do ordenado mínimo nacional.

150- O cônjuge que tem vindo a integrar, de forma sistemática o mercado de trabalho no setor da geriatria, aufere um vencimento compatível com o ordenado mínimo nacional.

151- A habitação do casal, adquirida mediante empréstimo bancário, cuja prestação mensal ronda os €400,00, encontra-se a ser assumida exclusivamente por HHH, desde o encetar da presente medida de coação por parte do arguido, sendo, neste quadro, referenciados sérios constrangimentos em termos gestão da economia familiar.

152- AA não tem vindo a apresentar consumos aditivos, salvo esporádicos.

153- Terá, durante um curto período temporal, consumido cocaína, juntamente com a amiga e colega de casa.

154- Em meio prisional não efetuou qualquer tratamento dado alegar não ter desenvolvido qualquer dependência.

155- Em 2004, tinha então 26 anos, teve o seu primeiro envolvimento com o sistema de justiça, tendo estado preso preventivamente entre 01-10-2004 e 15-02-2006 no EP do ..., à ordem do processo 229/04.2..., no qual foi constituído arguido pela prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes.

156- Foi libertado em fevereiro de 2006, por ter tido atingido o prazo de prisão preventiva.

157- Após dois meses em liberdade, nomeadamente a 12-04-2006 deu novamente entrada no mesmo EP, para cumprimento de pena após ter sido condenado numa pena efetiva de prisão de 4 anos e 4 meses.

158- Após ter cumprido várias Saídas Jurisdicionais com sucesso o arguido ausentou-se ilegitimamente a 09-12-2008, tendo estado nesta circunstância cerca de um ano.

159- Em outubro de 2009 veio novamente a ser detido, tendo sido condenado em pena de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, a qual cumpriu integralmente, tendo saído em liberdade em novembro de 2010.

160- Em maio de 2011 iniciou o cumprimento, no EP de ..., da pena de sete anos e quatro meses de prisão, à ordem do processo 430/10.0..., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

161- Após cumprir cinco sextos da pena, em 24/09/2016, AA foi libertado e regressou a ... na sequência de afastamento coercivo do território nacional.

162- O arguido apresenta algum juízo crítico relativamente ao seu passado criminal, embora o subordine grandemente à necessidade de organização em termos económicos.

163- Em 2018 o arguido regressou a Portugal, não obstante ainda se encontrar em execução a decisão de afastamento coercivo.

164- Deu entrada, a 25/11/2021, no Estabelecimento Prisional de ... para cumprimento da medida de coação aplicada nos presentes autos.

165- No EP de ... tem vindo assumir uma conduta compatível com o normativo vigente.

166- A atual situação jurídico-penal trouxe-lhe repercussões principalmente em termos familiares, face ao desgaste do cônjuge que mais este contacto com o sistema de justiça acarretou, embora esta continue a constituir-se um importante pilar de apoio para o arguido.

167- O arguido, além do cônjuge, conta com apoio de irmãos que tem em território nacional, sendo que a sua mãe continua a residir em ....

168- O arguido AA é titular de cartão de residente familiar de cidadão da União Europeia, com validade até 28/07/2026.

169- O arguido AA celebrou com DD, progenitora do descendente comum EE, acordo de regulação das responsabilidades parentais, de acordo com o qual o menor fica confiado ao pai e a viver com o mesmo, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos.

170- É intenção de ambos os progenitores de EE que o menor continue confiado e a viver com o pai em território nacional quando o mesmo for restituído à liberdade.

171- O arguido e o filho EE têm uma relação de grande proximidade e afeto.

[…]»

8. A decisão em matéria de direito encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

8.1. Quanto à qualificação jurídica dos factos:

Quanto à qualificação jurídica dos factos, concluiu o tribunal que se mostra preenchido o tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, dizendo (transcrição dos extratos diretamente relevantes):

«1- Enquadramento jurídico-penal

Vêm os arguidos acusados da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 26.º, 75.º e 76.º do Código Penal e 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B, anexas ao diploma legal mencionado.

(…)

Sob a epígrafe "Tráfico e outras atividades ilícitas", dispõe o art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro:

"1- Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrém, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos".

Por seu lado, sob a epígrafe "Tráfico de menor gravidade", dispõe a al. a) do [artigo 25.º] do referido Dec. Lei, no segmento que aqui importa considerar:

"Se, nos casos do art. 21º (...), a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III".

O tráfico ilícito de estupefacientes não só pelas proporções que assumiu, mas também pelas dificuldades crescentes de investigação e combate e principalmente pela danosidade individual e social que inevitavelmente causa, justifica, por parte da lei penal, uma ação particularmente gravosa, que se extrai, desde logo, das penalidades previstas para este tipo de criminalidade.

Consciente, todavia, da enorme variedade de condutas, propósitos e motivações com que tal atividade é desenvolvida por elevadíssimo número de pessoas, a lei tipifica vários crimes ligados ao consumo e tráfico de drogas segundo um critério que tem em conta o maior ou menor grau de ilicitude do facto ou da culpa do agente.

Assim, além do crime de tráfico de estupefaciente (simples e agravado), a lei contemplou a atividade do traficante consumidor e do tráfico de menor gravidade.

O crime de tráfico comporta uma infindável variedade de condutas. Pode ser desenvolvido com variadíssimos propósitos e motivações. A sua prática pode revestir múltiplos graus de complexidade e diversidade de atuações. A natureza das substâncias traficadas (no sentido lato que resulta do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 15/93) é muitíssimo variada (tal como o refletem as tabelas anexas ao citado diploma legal). A disparidade de comportamentos subsumíveis ao tipo penal incriminador contido naquele artigo 21.º (para falarmos só deste) multiplica-se se aqueles fatores forem conjugados entre si.

Certo é que a ilicitude e a culpa que o citado artigo 21.º pode comportar é elevada. Tal resulta inequivocamente da penalidade nela prevista (pena de prisão de 4 a 12 anos).

Como decorre dos preceitos que acima se deixaram reproduzidos, o tráfico de menor gravidade constitui um crime de tráfico privilegiado. O privilégio, que para o agente do crime se traduz principalmente na medida da pena, assenta, para o jurista, num pressuposto dogmático fundamental: a ilicitude consideravelmente diminuída do facto.

Diversamente do que ocorre com a lei italiana, que contempla uma enumeração taxativa das circunstâncias capazes de diminuir relevantemente a ilicitude do facto, o Direito Português recorre à enumeração exemplificativa, mais aberta, que deverá ser considerada caso a caso.

São capazes de revelar uma ilicitude consideravelmente diminuída diversos factores, tais como:

- os "meios utilizados", os quais revelam do grau de organização e da logística do agente;

- a "qualidade", que deve ser ponderada pelo seu poder adictivo ou viciante, a gravidade dos síndromes de privação e abstencial, os riscos de intoxicação aguda, potencialidade criminógena, etc.;

- a "quantidade", que se afere, obviamente pelo peso de produto estupefaciente em causa, ponderado à luz de critérios sistemáticos, tais como a relação peso/quantidade para o consumo médio individual durante dez dias.

Atenta a proporção do flagelo ligado ao consumo e tráfico de drogas e os sacrifícios que o mesmo implica para os jovens e famílias e para a segurança das pessoas e do Estado justifica-se, aos olhos da lei apesar da ilicitude consideravelmente diminuída do facto, a aplicação de uma reacção jurídico-penal que, podendo ser gravosa do ponto de vista do agente, não deixa de ser, sob a mesma perspectiva, pedagógica e necessária.

Acerca da relação entre os tipos base […] e privilegiado, lançamos mão do teor do Ac. do STJ, de 15/01/2020, [Proc. 23/17.0PEBJA.S1, rel. Raul Borges] in ww.dgsi.pt, em que se mostra devidamente concretizada uma tal diferenciação [transcrição].

“Está em causa saber se a conduta da recorrente dada por provada cai na previsão do crime de tráfico de estupefacientes agravado na modalidade apontada -alínea h) -, ou antes do tipo fundamental, o crime base/essencial/nuclear do artigo 21.º, ou se diversamente a integração é de fazer no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, procedendo-se à convolação para crime de tráfico de menor gravidade, como entendeu o voto de vencida, solução, aliás, propugnada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer emitido.

O artigo 21.º é a norma referência a partir da qual se constroem as figuras dos artigos 24.º, 25.º, 26.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. Assim foi entendido nos acórdãos de 23-11-2000, proferido no processo n.º 2766/00, de 22-02-2001, processo n.º 4129/00, de 25-01-2001, processos n.º 3710/00 e n.º 3557/00, de 18-10-2001, processo n.º 1188/01, de 23-05-2002, processo n.º 1687/02 e de 24-10-2002, processo n.º 3211/02.

Versando sobre a concorrência de circunstâncias agravativas e privilegiadoras, decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 14-07-2004, da 3.ª Secção, publicado nos Sumários de Julho/Setembro 2004: “Concorrendo no caso a decidir circunstâncias previstas, umas, como qualificativas, outras, como privilegiadoras, constitui erro na aplicação do direito eleger, à partida, como (única) norma aplicável a que contempla as circunstâncias de uma espécie – desde logo, as da primeira – e postergar a que prevê as da outra ou considerar que os efeitos de ambas, de sinal contrário, se anulam algebricamente, com a consequente reversão ao tipo simples. A valoração da ilicitude como fortemente agravada ou como especialmente diminuída dependerá da apreciação global de todos os elementos com incidência nesse elemento do tipo”.

Analisando o crime base/essencial/nuclear/fundamental/matricial, com previsão e punição constantes do artigo 21.º, a partir do qual são configurados os tipos, “as modificativas variantes”, agravado (as) e privilegiado (as).

Inserto no Capítulo III - Tráfico, branqueamento e outras infracções, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, publicado no Diário da República, n.º 18, de 22 de Janeiro de 1993, com texto integral corrigido pela Declaração de Rectificação n.º 20/93, Diário da República, I Série-A, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1993, sob a epígrafe “Tráfico e outras actividades ilícitas”, estabelece o artigo 21.º, n.º 1:

Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Começando pela caracterização do tipo base, seguindo-se na exposição que segue o constante dos acórdãos de 28-11-2007, de 05-12-2007, de 22-10-2008, de 9-05-2012, de 26-09-2012, de 05-06-2013, de 28-10-2015 e de 18-12-2019, por nós relatados nos processos n.ºs 3253/07, 3406/07, 215/08, 202/11.4JELSB.S1, 139/02.8TASPS.S1, 7/11.2GAADV.E1.S1, n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1 e n.º 51/18.9SFPRT.S1.

A previsão legal do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a exemplo do “antecessor” artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 480/83, de 13 de Dezembro, contém a descrição da respectiva factualidade típica, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial.

Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins a que se propõe; o conhecimento do fim apenas pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto.

[…]

O crime de tráfico de estupefacientes enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos.

O perigo presumido envolve-se na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade de substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo, ou o que dá no mesmo, da intenção de transmiti-la.

Cada uma das actividades previstas no preceito, sem mais, é dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.

Trata-se de crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo; o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral), como se refere nos acórdãos de 12-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 331; de 30-04-1986, BMJ n.º 356, pág. 166; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 464; de 24-11-1999, processo n.º 1029/99, BMJ n.º 491, pág. 88; de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 239; de 04-10-2006, processo n.º 2549/06-3.ª Secção; de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção; de 12-04-2007, processo n.º 1917/06-5.ª Secção; de 19-04-2007, processo n.º 449/07-5.ª Secção.

Tem-se entendido que a natureza do crime p. e p. pelo artigo 21.º referido, enquanto crime de perigo abstracto, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação consubstanciada na punição dos primeiros actos de execução do agente, sem se exigir, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente. […]

O novo artigo 25.º veio colmatar uma lacuna existente no sistema e prevenir os casos de diminuição considerável da ilicitude baseada, entre outros critérios, na qualidade ou quantidade de plantas, substâncias ou preparações.”

Postas estas considerações, desde logo não se suscitam dúvidas quanto ao enquadramento da conduta dos arguidos AA e BB no art. 21º do DL 15/93, de 22/01, tal como se mostram acusados, não só face ao período temporal em que efetuaram vendas, como ao número de consumidores a que tais vendas foram efetuados e periodicidade com que tais vendas foram efetuadas.

Já quanto ao arguido CC, estamos perante uma situação de fronteira, em que a qualidade do produto vendido (cocaína) não abona em favor da menor gravidade da conduta, sendo certo que se verifica ainda um número considerável de entregas. No entanto, atendendo a que tal ocorreu sempre de forma subordinada em relação ao arguido FFF e que o período temporal com exceção de uma única venda em maio de 2021, se situa em um mês e 10 dias, período este relativamente curto, somos de entendimento que a conduta do arguido CC integra ainda a prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.»

8.2. Quanto à determinação da pena, incluindo a reincidência:

A determinação da pena assenta na seguinte fundamentação:

«Da determinação da medida da pena

Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos, importa agora, nos termos dos artigos 70º e 71º do Código Penal, determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar-lhe.

A moldura abstrata do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/01 é de prisão de quatro (4) a doze (12) anos, do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º, nº 1 […].

Sendo os crimes de tráfico de estupefacientes apenas punidos com pena de prisão, não se coloca a questão da escolha da pena, mas tão só da determinação da sua medida concreta, dentro da respetiva moldura penal abstrata, com recurso aos critérios legais.

Antes, porém, urge aferir se se verificam os requisitos da reincidência, imputada ao arguido AA na acusação.»

«Da reincidência

Vejamos agora se o arguido deve ser punido como reincidente.

Dispõe o art. 75.º, n.º 1 do Código Penal, que “é punido como reincidente quem, por si só ou por qualquer forma de comparticipação, cometer crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para o crime” e desde que entre a prática dos crimes não tenham decorrido mais de cinco anos, não se contando o tempo em que o arguido esteve privado da liberdade por aplicação de pena, medida de segurança ou medida de coação (n.º 2 do art. 75.º).

Vejamos então.

Nos presentes autos, já vimos, o arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01, crime este cuja pena mínima é de 4 anos de prisão. Logo, o arguido haverá necessariamente de ser punido com pena de prisão superior a 6 meses e que, face aos antecedentes criminais do arguido, haverá necessariamente de ser efetiva.

Verifica-se também que o arguido já sofreu, em momento anterior a esta condenação, por sentenças transitadas em julgado, três condenações em penas de prisão efetiva superior a 6 meses.

Verifica-se ainda que a última condenação, numa pena de 7 anos e 4 meses de prisão, resultou do cúmulo jurídico das condenações sofridas por dois crimes de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01 e que após a sua libertação condicional aos 5/6 da pena, o arguido foi expulso do território nacional, onde voltou a entrar em 2018 (estando ainda proibido de entrada) e que em julho de 2020 já estava de novo a vender cocaína (embora a maioria das vendas venham a ocorrer em momento posterior, já as venda a OO iniciaram-se em julho de 2020).

Face a uma tal situação, terá de se concluir que a última condenação sofrida pelo arguido, não lhe serviu de advertência para que permanecesse afastado da prática de crimes, tendo-se dedicado de novo à prática do mesmo tipo de crime, dois anos após regressar a Portugal, onde entrou violando medida de proibição de entrada.

O arguido é, assim, de censurar por essa ausência de influência da norma sobre a sua conduta.

Vejamos agora se se verifica o requisito do nº 2 do art. 75º do Código Penal.

Os factos anteriormente praticados e pelos quais foi condenado em pena de prisão, datam de 11/05/2011, sendo que 5 anos sobre esta data foram atingidos em 11/05/2016.

Porém, há que acrescentar o período durante o qual o arguido esteve a cumprir pena, ou seja, o período que decorreu entre 31/01/2012 e 24/09/2016, correspondente a 4 anos, 7 meses e 24 dias.

Ora, considerando este período e o facto de o arguido ter iniciado as vendas de cocaína (com a OO) em julho de 2020, terá de se concluir que entre os anteriores e os atuais factos não medeiam mais de 5 anos.

O arguido AA deve, assim, ser punido como reincidente.

Tal como resulta do disposto no art. 76º, nº 1 do Código Penal, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, sendo que a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

Assim sendo e face à reincidência, a moldura abstrata passa para 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

Vejamos agora os fatores de determinação da medida concreta da pena.

«Dispõe o art. 71.º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes".

Segundo o modelo consagrado no art. 40.º do C. P., primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, "As consequências Jurídicas do Crime" p. 227, Anabela Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade", p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10/04/96, CJSTJ, ano IV, t 2, p. 168).

Tendo presente o modelo adotado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 71.º do Cód. Penal.

A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Assim o dispõe a norma do art. 40º do Código Penal (nºs 1 e 2), quando estabelece as finalidades das penas. A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1 do C. P.).

Para o efeito, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art.).

No caso concreto, há a ponderar:

A moldura abstrata é de 5 anos e 4 meses a 12 anos quanto ao arguido AA; […].

Vejamos então.

No que concerne às exigências de prevenção de futuros crimes, elas são prementes atentas as proporções do flagelo da droga em particular do tráfico, com todas as consequências que daí advêm, sendo obviamente mais acentuadas quanto ao crime do art. 21.º (de resto a diversa moldura penal abstrata denota desde logo a maior gravidade do segundo, com maiores exigências, portanto, a nível da sua prevenção).

A ilicitude é, quanto aos crimes do at. 21.º praticados pelos arguidos AA […] é mediana, considerando o período, a qualidade e o número de pessoas a quem venderam estupefacientes, não consumindo sequer este tipo de produto (salvo o arguido AA numa fase final e de forma esporádica), pelo que a venda visava exclusivamente a obtenção de lucros.

[…]

O dolo é intenso, tendo todos os arguidos atuado com dolo direto.

A atuação, por vezes, em comparticipação entre ambos os arguidos AA e BB e entre o arguido AA e MM e SS, a denotar já um certo grau organizacional, a facilitar a prática da atividade, embora de manifesta simplicidade.

[…]

O arguido AA já sofreu uma panóplia de condenações pela prática de crimes diversos, sendo que entre eles os crimes de tráfico de estupefacientes. Embora se tenha considerado a última condenação do arguido para efeitos da reincidência, não podendo, em obediência ao princípio da proibição da dupla valoração tal condenação ser considerada, não pode deixar de se considerar que o arguido possui mais duas condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, sendo que a primeira delas foi pela prática de dois crimes dessa natureza, tendo todas elas sido sancionadas com penas de prisão, penas que o arguido cumpriu, pelo que nem o largo tempo de reclusão tem servido de contra motivo ao arguido para se afastar da prática de crimes, mormente da mesma natureza. Além disso, o arguido mostra-se indiferente também a bens jurídicos de outra natureza, já que sofreu condenações por outros tipos de crime, como falsificação de documento duas), falsidade de declaração, condução de veículo sem habilitação legal e em estado de embriaguez, violação de proibições (embora a última das condenações pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e falsificação de documento) seja já posterior à data da prática dos factos objeto destes autos. E nem o nascimento do seu filho mais novo, em 2011 e a possibilidade de ficar privado do contacto com o mesmo em caso de reclusão provocou alteração na conduta do arguido, voltando a praticar o mesmo tipo de crime.

No mais, o arguido goza de largo período em território nacional (embora em parte mitigado pelos longos períodos de reclusão e também período de expulsão, que, no entanto, não cumpriu integralmente), onde goza de apoio familiar, sendo que a sua cônjuge tem uma situação estável, sendo proprietária de imóvel onde habita o agregado familiar e possuindo inserção laboral; também o arguido tem tido, quando em liberdade, alguma inserção laboral e é titular de momento de cartão de cidadão familiar de cidadão da união europeia, com validade até 2026, pelo que à data da sua reclusão (e atualmente) a sua situação em território nacional se mostra regularizada;

A favor do arguido AA ter o mesmo assumido a guarda do seu filho mais novo quando a progenitora se deslocou para ..., aí fixando o seu quotidiano, mantendo o arguido com o filho menor uma relação de grande proximidade;

[…]

Face ao exposto e considerando a moldura pena abstrata supra referidos, considera-se adequado fixar as seguintes penas:

- em 6 anos e 6 meses a pena de prisão do arguido AA;

- em 5 anos de prisão a pena de prisão do arguido BB;

- em 3 anos e 10 meses de prisão a pena de prisão aplicada ao arguido CC.

[…]»

Objeto e âmbito do recurso

9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou ao recorrente uma pena de prisão superior a 5 anos. Visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 434.º do CPP), não vindo invocados vícios ou nulidades que podem constituir fundamento do recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. c), na redação da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro].

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).

10. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, as questões colocadas à apreciação e decisão deste tribunal dizem respeito:

(1) À qualificação jurídica dos factos provados, que o arguido considera preencheram o tipo de crime de tráfico de menor gravidade (artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93) e não o de crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º do mesmo diploma – conclusões B a R;

(2) À verificação da reincidência, cujos pressupostos o arguido considera não estarem presentes – conclusões S a HH;

(3) À medida da pena, que o arguido considera excessiva, e à suspensão da sua execução, depois de reduzida para medida não inferior a 5 anos – conclusões II a UU.

Por se interrelacionarem, serão as questões (2) e (3) – relativas à reincidência e à medida da pena – tratadas conjuntamente.

Quanto à qualificação jurídica dos factos

11. Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro:

«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

Por sua vez, estabelece o artigo 25.º («tráfico de menor gravidade»), al. a), do mesmo diploma:

«Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; […]».

A substância em causa – cocaína – inclui-se na tabela I-B anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93.

12. O artigo 25.º remete, assim, para a previsão típica do artigo 21.º, com adição de elementos respeitantes à ilicitude – que não à culpa –, que atenuam a pena.

Conforme se consignou em acórdãos anteriores (por todos, o acórdão de 19.1.2022, proferido no Proc. n.º 8/19.2PEFAR.S1, em www.dgsi.pt, que, nesta parte, se transcreve e segue muito de perto), a atenuação não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, em função de circunstâncias referidas exemplificativamente – «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias».

Como tem sido sublinhado (assim, designadamente, o acórdão de 2.10.2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1, em www.dgsi.pt), o tipo de crime de tráfico de estupefacientes (artigo 21.º) “é um crime de perigo abstracto, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública”, que se realiza com a colocação em perigo do bem jurídico protegido. “O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” (Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 122).

A previsão legal do tipo fundamental da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de “maneira compreensiva” e de “largo espectro”. Como se tem afirmado, trata-se de um tipo plural, com atividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extração ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os atos têm entre si um denominador comum, que é a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação (neste sentido, reafirmando jurisprudência constante, para além de outros mais recentes, os acórdãos de 8.9.2021, Proc. 17/19.1PESTR.E1.S1, de 23.9.2021, Proc. 29/15.4PEVNG.S1, e de 11.11.2021, Proc. 40/20.3PBRGR.S1).

A construção do crime de «tráfico de menor gravidade», surgido na sequência da revisão da “lei da droga”, de 1993, que levou ao desaparecimento do anterior crime de “tráfico de quantidades diminutas” (cfr. Proposta de Lei n.º 32/VI, que deu origem à Lei n.º 27/92, de 31 de Agosto, que concedeu ao Governo a autorização legislativa necessária à aprovação do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988), assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de «ilicitude consideravelmente diminuída», com recurso a circunstâncias exemplificativas relativas aos elementos da ilicitude da ação.

A disposição do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 é usada pelo legislador “como uma espécie de válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efetivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reação criminal”, estando a sua aplicação “de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas a título exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros, se os houver”, salienta-se no acórdão deste Tribunal de 2.6.1999 (proc. n.º 269/99).

A jurisprudência deste Tribunal tem afirmado a necessidade de uma “avaliação global do facto”, nas suas circunstâncias particulares, as quais, consideradas no seu conjunto, devem permitir afirmar que as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem (atividades que se incluem na definição do tipo de crime fundamental, da previsão do artigo 21.º), são reduzidas; que a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação, também deverá ser reduzida; que os meios utilizados, o modo e as circunstâncias da ação deverão ser simples, não planeados, não organizados (cfr. nomeadamente, os acórdãos de 28-05-2015, proc. n.º 421/14.1TAVIS.S1, de 28-10-2015, proc. n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1, de 18-02-2016, proc. n.º 35/14.6GAAMT.S1, de 25.10.2017, proc. 46/15.4PEFIG.S1, de 30.11.2017, proc. 3466/11.0TALRA.C1.S3, de 12.2.2018, proc. 394/17.9T8PTM.S1, de 18.9.2018, proc. 8/15.1GGVNG.P1.S1, de 29.4.2020, proc. 388/18.7JAFAR.S1, bem como os acórdãos de 30-04-2008, no proc. 07P4723, de 23-11-2011, no proc. 127/09.3PEFUN.S1, e de 07-12-2011, no proc. 111/10.4PESTB.E1.S1, e abundante jurisprudência neles citada, sempre insistindo na necessidade de avaliação global da conduta).

Tudo confluindo para se concluir que só nestas circunstâncias do caso concreto se poderá afirmar que a ilicitude se revela não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, apreciável, substancial e claramente reduzida face ao desvalor das condutas que constituem elementos descritivos do tipo de crime do artigo 21.º, de modo a preencher a cláusula geral do artigo 25.º, que permite subtrair o caso à previsão daquele tipo fundamental por via da consideração daqueles fatores da ilicitude de baixa intensidade.

A propósito destes fatores, salienta-se que os “meios utilizados” hão de reportar-se à organização e à logística de que o agente lançou mão, que quanto à “modalidade ou circunstâncias da ação” será de avaliar o grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias, que, quanto à “qualidade” das substâncias, não deve esquecer-se que a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social e que, quanto à “quantidade”, importa considerar o nível dos riscos de difusão, devendo a sua ponderação ser efetuada através de uma “apreciação complexiva, finalística, isto é, dirigida à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se objetivamente a ilicitude da ação é de relevo menor que a verificada” no tipo fundamental (Lourenço Martins, loc. cit, p. 153).

13. Antecipando a conclusão, tendo em conta e aplicando estes critérios de avaliação, não se encontram nas circunstâncias da matéria de facto dada como provada (supra, 7) elementos que permitam formar base para afastar o caso do âmbito de previsão da norma incriminadora do tipo fundamental do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.

Na alegação do recorrente, convocando um acórdão deste tribunal de 23.11.2011 (Proc. 07P4723, em www.dgsi, referido supra, 12), a diminuição da ilicitude justificativa da atenuação da pena resultaria de a atividade de tráfico ser “exercida através de contacto directo com o consumidor final”, de “o período de duração da atividade ser “de cerca de 1 ano”, com “períodos inactividade”, de se deslocar “sobretudo a pé”, de “o preço médio das transações” ser “de 20 euros o pacote, coincidente com os valores médios das doses individuais dos produtos em apreço”, de a quantia em dinheiro apreendida ser de “€ 310 (trezentos e dez euros)”, de “a quantidade de produto estupefaciente apreendido - uma embalagem com oito pacotes contendo cocaína (Cloridrato), com o peso líquido de 3,142 gramas, correspondente a seis doses diárias” ser “pouco expressiva”, de as suas “condições de vida [serem] modestas”, sendo “patente a falta de sofisticação dos meios”. O que justificaria a punição pelo artigo 25.º, que não pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Esta alegação, que se limita a alguns aspetos factuais, não encontra, porém, total correspondência na matéria de facto provada, de que ignora elementos fundamentais.

14. Com efeito, da matéria de facto provada quanto aos meios utilizados, à modalidade e às circunstâncias da ação levada a efeito pelo arguido, à quantidade e qualidade das substâncias e produtos vendidos e fornecidos verifica-se, em síntese, que:

• O arguido, juntamente com os outros arguidos, com quem repartia os lucros da sua atividade, por vezes em conjugação de esforços e de forma concertada, dedicava-se com regularidade à venda de doses individuais de cocaína a terceiros, na freguesia de ..., tendo seus clientes habituais;

• Como os outros arguidos, utilizava o seu telemóvel para estabelecer contactos prévios com os clientes, aceitar encomendas de doses individuais de cocaína e entregar essas encomendas de doses individuais aos seus múltiplos clientes consumidores desses estupefacientes, mediante o recebimento de quantias monetárias que variaram em função das quantidades encomendadas,

• Durante mais de um ano, desde julho de 2020 a novembro de 2021 (quando foi detido), forneceu cocaína em “pacotes” e “embalagens individuais em mais de uma centena de operações de venda, sendo de 20 euros o seu valor individual (nos casos em que este foi determinado);

• Como nota o Ministério Público, “no período compreendido entre 4 de Junho e 22 de Novembro de 2021, vendeu cocaína a diversos indivíduos, em número de 24, designadamente os identificados nos factos provados 25 a 58 e 63 a 68. (…) diversos destes indivíduos eram clientes assíduos do recorrente AA, adquirindo-lhe, com regularidade, o produto que comercializava, cocaína. Assim, FF adquiriu cocaína ao recorrente AA nos dias 4, 14 e 16 de Junho de 2021, o que sucedeu também, por diversas outras vezes, entre Junho e 22 de Novembro de 2021 (cfr. factos provados 25, 27, 30 e 64). Desde 20 de Junho de 2021 até Setembro de 2021, com uma frequência semanal, LL adquiriu cocaína ao recorrente AA, vindo a fazê-lo de novo nos dias 13 de Outubro, 3 de Novembro e 5 de Novembro, de 2021 (cfr. factos provados 33, 34, 50, 55, 56 e 66). Nos meses de Junho, Julho e Agosto, de 2021, o recorrente AA vendeu cerca de dois pacotes de cocaína, por semana, a NN (cfr. facto provado 63). E desde o mês de Julho de 2020, pelo menos até 25/07/2021, OO adquiriu ora ao recorrente AA, ora ao arguido BB, um pacote de cocaína, pelo menos uma vez por semana (cfr. facto provado 67). Ainda, no período de dois meses que antecedeu a sua detenção, a qual ocorreu no dia 22 de Novembro de 2021), o recorrente AA vendeu, em pelo menos três ocasiões distintas, um pacote de cocaína a PP (cfr. facto provado 68). Duas foram as vezes em que HH (nos dias 17 e 30 de Junho, de 2021, cfr. factos provados 32 e 35), JJ (nos dias 2 de Agosto e 22 de Novembro, de 2021, cfr. factos provados 46 a 48 e 57), QQ (em 2 de Julho e 28 de Outubro, de 2021, cfr. factos provados 36 e 54) e KK (em 3 de Julho e 7 de Outubro, de 2021, cfr. factos provados 37 e 49) adquiriram cocaína ao recorrente AA. Era igualmente à venda a consumidores desse tipo de produto estupefaciente que o arguido AA destinava a cocaína que lhe foi apreendida no dia 22/11/2021 (cfr. factos provados 60 a 62)”;

• Em, pelo menos, 19 operações de venda, em que foi determinado o valor das transações, o arguido recebeu cerca de 500 euros, sendo que em todas as transações realizadas, de quantidades indeterminadas, recebeu quantias monetárias.

15. Estes factos, nas circunstâncias descritas nos pontos 25 a 68, 81 e 84 da matéria de facto, configuram uma situação que evidencia uma atividade regular, persistente e repetida, muitas vezes quotidianamente, ao longo de todo esse período de tempo, embora com alturas de menor intensidade, de aquisição, venda e fornecimento de quantidades, na sua totalidade consideráveis, de cocaína – vulgarmente classificada como “droga dura”, dado o seu elevado grau de danosidade –, uma atividade organizada, planeada e desenvolvida pelo arguido, conjuntamente, de acordo e em conjugação de esforços com os outros dois arguidos e com outras pessoas, à dimensão das necessidades e escala do seu negócio local, com meios de comunicação por telemóveis para estabelecer contactos e receber encomendas, a troco de importâncias em dinheiro que, no seu montante total, atingiram valores elevados, cujo montante não foi, todavia, determinado, uma atividade que, pela sua própria natureza e dimensão, só poderia, ela mesma, depender de outras atividades de tráfico, da aquisição regular dessas substâncias no mercado ilícito abastecedor, com quem o arguido tinha necessariamente de se relacionar de forma regular e contínua para garantir o abastecimento da sua pequena fatia de mercado.

Ou seja, surpreende-se, nestas circunstâncias, uma notória situação de facto que as investigações criminológicas identificam como uma “normal” atividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento para satisfação da procura de consumidores habituais de áreas geográficas determinadas, que o arguido garantia regularmente, por si e em conjugação de esforços com outras pessoas.

A quantidade e qualidade de estupefacientes traficadas não são, portanto, reduzidas e as circunstâncias em que estas eram entregues aos seus destinatários, de forma regular e continuada, requeriam meios, planeamento e organização adequados, que foram efetivamente assegurados pelo arguido, de modo a satisfazer as necessidades e a procura do seu mercado local.

Assim, neste quadro e “face ao período temporal em que efetuaram vendas, ao número de consumidores a que tais vendas foram efetuados e periodicidade com que tais vendas foram efetuadas”, que o acórdão recorrido sublinha (supra, 8.1), em concordância com o decidido e com o defendido pelo Ministério Público, impõe-se concluir que não se identificam elementos de facto de reduzida expressão que, vistos na sua particularidade e no seu conjunto, permitam verificar correspondência com os critérios estabelecidos na alínea a) do artigo 25.º, suscetíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

Quanto à medida da pena e à reincidência

16. O crime da previsão do artigo 21.º («tráfico e outras actividades ilícitas») do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, moldura a partir da qual há que determinar a pena concreta, de acordo com os critérios e factores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma).

Vindo o recorrente punido como reincidente, há também que levar em conta, na delimitação da moldura abstrata da pena, o disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, não podendo a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Fixa-se, assim, a punição da reincidência no mínimo de 5 anos e 4 meses e no máximo de 12 anos, moldura em que se deverá encontrar a pena concreta.

De acordo com o artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece os pressupostos da reincidência, «é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».

Há também que considerar o pressuposto formal da reincidência do n.º 2 do artigo 75.º, o qual dispõe que «o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade».

17. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade do agente e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou execessiva.

18. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., por todos, no sentido do que vem de se afirmar, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, e jurisprudência e doutrina nela citadas, em www.dgsi.pt.).

19. Considera o recorrente, em síntese, que não se verificam os pressupostos da reincidência e que, tendo em consideração a sua situação pessoal, económica e familiar, a duração da pena de prisão não deveria ultrapassar 5 anos e ser suspensa na sua execução.

20. Na determinação da pena, o tribunal a quo, na consideração do disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, ponderou (supra, 8.2) as circunstâncias relevantes, resultantes dos factos provados, nomeadamente as condições sociais, económicas e familiares, o comportamento anterior ao crime (antecedentes criminais), o grau de ilicitude, incluindo o período de tempo, a qualidade e o número de pessoas a quem foram vendidos estupefacientes, a intensidade do dolo, a qualidade da substância estupefaciente, o dolo direto e intenso, as motivações do arguido (obtenção de proventos ilícitos), o grau de organização e a participação de outras pessoas na prática de alguns atos.

Quanto comportamento anterior, o tribunal equacionou adequadamente a questão da reincidência, que apenas ocorre na presença dos pressupostos de natureza formal e material estabelecidos no artigo 75.º do Código Penal. Em particular, nota o acórdão recorrido que o arguido “já sofreu uma panóplia de condenações pela prática de crimes diversos, sendo que entre eles os crimes de tráfico de estupefacientes. Embora se tenha considerado a última condenação do arguido para efeitos da reincidência, não podendo, em obediência ao princípio da proibição da dupla valoração tal condenação ser considerada, não pode deixar de se considerar que o arguido possui mais duas condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, sendo que a primeira delas foi pela prática de dois crimes dessa natureza, tendo todas elas sido sancionadas com penas de prisão, penas que o arguido cumpriu, pelo que nem o largo tempo de reclusão tem servido de contra motivo ao arguido para se afastar da prática de crimes, mormente da mesma natureza. Além disso, o arguido mostra-se indiferente também a bens jurídicos de outra natureza, já que sofreu condenações por outros tipos de crime, como falsificação de documento duas), falsidade de declaração, condução de veículo sem habilitação legal e em estado de embriaguez, violação de proibições (embora a última das condenações pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e falsificação de documento) seja já posterior à data da prática dos factos objeto destes autos. E nem o nascimento do seu filho mais novo, em 2011 e a possibilidade de ficar privado do contacto com o mesmo em caso de reclusão provocou alteração na conduta do arguido, voltando a praticar o mesmo tipo de crime.” O que, merecendo concordância, retira base para a crítica pela qual considera ter havido dupla valoração da condenação anterior na determinação da pena em virtude da sua consideração para efeitos da reincidência.

21. Mostram-se verificados os pressupostos formais da reincidência exigidos pelo n.º 2 do artigo 75.º do Código Penal.

Como diz o acórdão recorrido, “os factos anteriormente praticados e pelos quais foi condenado em pena de prisão, datam de 11/05/2011, sendo que 5 anos sobre esta data foram atingidos em 11/05/2016. Porém, há que acrescentar o período durante o qual o arguido esteve a cumprir pena, ou seja, o período que decorreu entre 31/01/2012 e 24/09/2016, correspondente a 4 anos, 7 meses e 24 dias. Ora, considerando este período e o facto de o arguido ter iniciado as vendas de cocaína (com a OO) em julho de 2020, terá de se concluir que entre os anteriores e os atuais factos não medeiam mais de 5 anos. O arguido AA deve, assim, ser punido como reincidente.”

Seguindo a metodologia imposta pelo n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, o tribunal a quo começou por determinar o limite da pena em função da moldura correspondente ao crime do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na consideração dos fatores indicados no artigo 71.º, concluindo que “o arguido haverá necessariamente de ser punido com pena de prisão superior a 6 meses e que, face aos antecedentes criminais do arguido, haverá necessariamente de ser efetiva”.

Ambos os crimes são crimes dolosos, correspondem-lhes penas de prisão efetivas superiores e 6 meses, a condenação anterior já havia transitado em julgado, quando o crime destes autos foi praticado e entre a prática do crime anterior e a do crime atual não tinham decorrido mais de 5 anos, pois que o arguido se encontrou privado da liberdade, em cumprimento de pena, não podendo este período de tempo ser computado naquele prazo de 5 anos (artigo 75.º, n.º 2, do Código Penal).

22. Mostra-se igualmente verificado o pressuposto material da reincidência estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, revelador de “maior culpa”, o qual requer que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente deva ser censurado por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Retomando o que se afirmou no acórdão de 19.01.2022, Proc. n.º 8/19.2PEFAR.S1, anteriormente citado (supra, 12), constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, refletindo a doutrina dominante (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Católica Editora, 2015, pp. 374-375), a de que a reincidência, “tendo como elemento fundamental o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior”, “não opera como efeito automático das anteriores condenações”, exigindo-se a demonstração “de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para o afastar do crime”, pois que só através do caso concreto, nas suas próprias circunstâncias, “se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de solene advertência contra o crime ou uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade” [como se expressou, no sumário, o acórdão de 17.12.2014, Proc. 1055/13.3PBFAR.S1 (Raul Borges), com exaustiva indicação de jurisprudência]. Podendo a reiteração criminosa “resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes” – sublinhada, em particular, por Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, § 378) e Maria João Antunes (Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, p. 55) – “não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor»” [cfr. entre outros, os Acórdãos do STJ de 28-02-2007, Proc. n.º 9/07, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 e 4833/07, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08, e, na jurisprudência mais recente, o acórdão de 26.01.2022, Proc. º 47/17.8GAALQ.L1.S1). No mesmo sentido, salientando a necessidade de uma conexão estreita entre o novo crime e o crime anterior, cfr. também, entre outros, os acórdãos de 22-06-2006, Proc. 06P1790 (Santos Carvalho), de 27.02.2008, Proc. 08P419 (Pires da Graça), de 18-06-2009, Proc. 159/08.9PQLSB.S1 (Sousa Fonte), de 17.10.2012, Proc. 87/11.0PJAMD.S1 (Santos Cabral), de 26-09-2012, Proc. 3/11.0PJAMD.L1.S1 e de 13.9.2018, Proc. 184/17.9JELSB.L1.S1 (Maia Costa). e, entre os mais recentes, os acórdãos de 23.03.2022 (do mesmo relator), Proc. 4/17.4SFPRT.P1.S1, de 19.05.2022 (Adelaide Sequeira), Proc. 356/20.9GHVFX.L1.S1, de 12.10.2022 (do mesmo relator), Proc. 17/21.1GABCL.S1, e de 12.10.2022 (Pedro Branquinho Dias), Proc. 2043/20.9PBBRR.S1, em www.dgsi.pt.

Em princípio, poderá a conexão estabelecer-se mais facilmente relativamente a casos de reincidência homótropa (crimes da mesma natureza), como sucede em situações de repetição de crimes de tráfico de estupefacientes, de idêntica natureza, com similar motivação e semelhantes formas de execução, em que não intervenham circunstâncias que possam excluir tal conexão, que sempre deverá efetuar-se em função dos factos provados, das circunstâncias do caso concreto e das condenações anteriores, de modo a que possa ser formulada uma fundada conclusão autónoma sobre a agravação da culpa (sendo a reiteração devida a circunstâncias fortuitas excluída será a reincidência, como se considerou no acórdão de 13-09-2018, Proc. 184/17.9JELSB.L1.S1, cit. supra). É assim que, como no acórdão de 09-06-2004, Proc. 04P1128 (Henriques Gaspar), em www.dgsi.pt, se pode afirmar que “o juízo necessário quanto à verificação dos pressupostos subjetivos da agravante da reincidência (não ter servido a condenação anterior de suficiente advertência contra o crime) não supõe idêntico método de análise ou igual grelha de leitura nos casos de reincidência imprópria ou própria”; “nesta espécie de reincidência (homótropa), em diverso daquela (polítropa), a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, mas apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior em condições semelhantes de um mesmo crime, como é o tráfico de estupefacientes, e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal direita relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática do novo crime” [no mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 17.10.2012, Proc. 87/11.0PJAMD.S1, e de 18-02-2016, Proc. 35/14.6GAAMT, de 09-05-2019, Proc, 13/17.3SWLSB.L1.S1 e, mais recentemente, o acórdão de 19-01-2022, Proc, 3/20.9FCOLH.S1, onde se afirma: “não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente”; “sem colocar em causa tal posição unânime é evidente que, estando em causa uma reincidência homogénea, (…) se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática, é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir”].

23. Dos autos resulta que, para fundamentar a verificação do prossuposto material da reincidência, o tribunal recorrido levou em conta que “o arguido já sofreu, em momento anterior a esta condenação, por sentenças transitadas em julgado, três condenações em penas de prisão efetiva superior a 6 meses”, que “a última condenação, numa pena de 7 anos e 4 meses de prisão, resultou do cúmulo jurídico das condenações sofridas por dois crimes de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22/01”, que “após a sua libertação condicional aos 5/6 da pena, o arguido foi expulso do território nacional, onde voltou a entrar em 2018 (estando ainda proibido de entrada) e que em julho de 2020 já estava de novo a vender cocaína (embora a maioria das vendas venham a ocorrer em momento posterior, já as venda a OO iniciaram-se em julho de 2020).”

Pelo que, diz, “face a uma tal situação, terá de se concluir que a última condenação sofrida pelo arguido, não lhe serviu de advertência para que permanecesse afastado da prática de crimes, tendo-se dedicado de novo à prática do mesmo tipo de crime, dois anos após regressar a Portugal, onde entrou violando medida de proibição de entrada.”

Concluindo: “O arguido é, assim, de censurar por essa ausência de influência da norma sobre a sua conduta.”

Trata-se, com efeito de crimes da mesma natureza em que não intervêm elementos de desconexão, cuja repetição, nas circunstâncias descritas, na verificação da ausência de efeitos positivos da anterior condenação, permite formar conclusão autónoma sobre a agravação da culpa, como faz o acórdão recorrido,

Pelo que improcede a alegação do recorrente de que não se verificam os pressupostos materiais da reincidência.

24. Do que vem de se expor se justifica a conclusão de que não se encontra motivo que permita suportar a crítica que o recorrente dirige ao acórdão recorrido, seja no que diz respeito aos fatores de concretização da pena seja no que que respeita à reincidência.

O acórdão recorrido levou em conta os fatores que o recorrente considera negligenciados e a reincidência mostra-se preenchida no seu critério material, pois que, como exige a parte final do n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, mostra-se justificada a conclusão de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o arguido é de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime. Pelo que, tendo em conta a moldura abstrata da pena aplicável, de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão, por virtude da reincidência, lhe aplicou a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, ou seja, uma pena que se situa numa medida próxima do limite mínimo e que respeita o critério de proporcionalidade estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 76.º do Código Penal, segundo o qual a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada na condenação anterior.

Assim sendo, considerando a moldura abstrata da pena estabelecida por funcionamento da reincidência, mostrando-se ponderados os fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, que, como considera o acórdão recorrido, revelam elevadas exigências e necessidades de prevenção geral, a considerar no limite da culpa, tendo em conta a frequência, a insegurança e a grave danosidade social resultantes da prática destes tipos de crime, bem como de prevenção especial, não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 6 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva.

Pelo que também improcede o recurso nesta parte.

25. Sendo a pena fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, fica prejudicada a questão de saber se deve ser suspensa na sua execução, por a isso se opor o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual a suspensão só é admissível se a pena aplicada não for superior a cinco anos de prisão.

Quanto a custas

26. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

27. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.

Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de outubro de 2023.

José Luís Lopes da Mota (relator)

Pedro Manuel Branquinho Dias

Ernesto Vaz Pereira