Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
696/21.0T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
PRESCRIÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Data do Acordão: 11/02/2023
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O acórdão recorrido decidiu pela improcedência das invocadas excepções peremptórias de prescrição, razão pela qual se entende que o mesmo se insere no conceito de decisão de mérito, sendo o recurso admissível ao abrigo do n.º 1 do art. 671.º do CPC.

II. O tribunal deve atender à totalidade do articulado para apurar os factos em que se baseia a excepção peremptória invocada pelos réus e não apenas à parte especificada em separado, sem prejuízo de o autor ficar dispensado do ónus de impugnar esses factos para que os mesmos não se considerem assentes atenta a falta de cumprimento pelos réus do disposto no art. 572.º, al. c), do CPC.

III. De acordo com a jurisprudência do STJ, na apreciação da causa deve ser tida em conta a alegação implícita de factos, não ocorrendo violação do princípio do dispositivo, na medida em que tais factos, porque implícitos, integram a causa de pedir; ou, como sucede no caso dos autos, a matéria factual em que se baseia a excepção de prescrição invocada pelos réus.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, formulando os seguintes pedidos:

“a) Ser declarado que a A. é cabeça de casal e herdeira legal e testamentária no processo n.º 3492/18 do Cartório Notarial de ..., da Exma. Senhora Dr.ª DD;

b) Ser declarado que a quantia de 49.628,99€, de que se apropriaram indevidamente os RR., pertence à herança aberta por óbito de EE e FF, declarando-se que a mesma pertence ao acervo patrimonial da herança dos inventariados no processo n.º 3492/18 do Cartório Notarial de ..., da Exma. Senhora Dr.ª DD;

c) Serem os RR. condenados a restituir as supra referidas quantias à herança, no valor de 49.628,49€, acrescidas de juros calculados à taxa legal em vigor à data da apropriação, o que perfaz a quantia global à presente data de 81.748,08€.”.

Depois de citados, os RR. contestaram, invocando, além do mais, a excepção de prescrição dos créditos e dos juros peticionados pela A.. Deduziram também reconvenção, requerendo a intervenção principal do marido da A. e formulando os seguintes pedidos:

“1) ser declarado que o reconvinte BB é herdeiro na herança aberta por óbito dos seus pais EE e FF;

2) ser declarado que as quantias supra referidas de € 3.584,86, € 15.648,47, € 19.298,88, € 10.000,00, € 11.221,89, o que tudo perfaz € 59.783,80, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde 5/5/2004 até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 40.678,40, bem como a quantia de € 5.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde 31/3/2004 até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 3.423,01, e ainda a quantia de € 10.020,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data de pagamento de cada renda até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 1.125,27, e por fim a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde o dia 31 de Dezembro de cada ano até efectivo e integral pagamento, e que à presente data perfazem € 564,67, de que se apropriaram indevidamente os reconvindos, pertencem à herança aberta por óbito de EE e FF;

3) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a reconhecer o constante da alínea anterior;

4) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a restituir as quantias referidas na alínea anterior à herança;

Caso assim não se entenda,

5) ser declarada a existência do direito de crédito da herança aberta por óbito de EE e FF, sobre os reconvindos AA e marido GG, respeitante às quantias referidas em f). 2. supra de que se apropriaram indevidamente os reconvindos;

6) serem os reconvindos AA e marido GG condenados a reconhecer o constante da alínea anterior.”.

A A. respondeu à contestação/reconvenção, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelos RR., invocando a prescrição do crédito reclamado pelos RR. em sede de reconvenção, e, para o caso de assim não se entender, pedindo a improcedência da reconvenção.

Foi admitida a intervenção provocada do marido da A. e, depois de ter sido dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador sentença onde, além do mais, se:

“a) - Julgou verificado erro insuprível na forma de processo relativamente a parte do pedido reconvencional, absolvendo da instância a Autora e;

b) - Extintos por prescrição extintiva os direitos de crédito da herança sobre cada um dos Réus e Reconvindos reclamados, absolvendo-se reciprocamente dos pedidos.”.

Inconformada com tal decisão, a A. interpôs recurso de apelação, tendo os RR. reconvintes interposto igualmente recurso subordinado.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 27-03-2023, julgou procedentes as apelações independente e subordinada e, consequentemente, revogou a decisão recorrida na parte em que julgou verificadas as excepções da prescrição invocadas pelos RR. e pela A., determinando a sua substituição por outra decisão que ordene a tramitação subsequente dos autos se outra causa a isso não obstar.

2. Novamente inconformados, interpuseram os RR. recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando as seguintes conclusões:

«I - O douto Acórdão que revogou a douta Sentença que julgou procedente a excepção de prescrição alegada pelos RR. na contestação, com o fundamento de terem sido insuficientemente alegados os factos donde emerge a prescrição, não atendeu a toda a matéria de facto alegada na contestação, como devia, uma vez que a matéria de excepção pode ser atendida, ainda que a excepção não seja alegada de forma individualizada, sendo a única consequência para o incumprimento do ónus de individualização da matéria de excepção a inoperância do ónus de impugnação de tal matéria, nos termos do artigo 572 al c) do CPC.

II - No artigo 27.º da contestação alegaram os RR. que a transferência de € 45.000,00, foi executada seguindo as instruções dos inventariados em 23 de Março de 2004, o que significa que alegaram que estes tinham conhecimento da transferência, pelo que foi alegada a data do conhecimento dos factos e não apenas a data da sua ocorrência, o que significa que os RR. cumpriram o seu ónus de alegação da matéria de facto da excepção, incluindo a matéria de facto atinente ao início do decurso do prazo de prescrição, pelo que estava o Tribunal legitimado para julgar a questão da prescrição.

III - O mesmo se dirá em relação às quantias de € 1.510,00 e € 288,99, tendo o RR. alegado que aquela quantia de € 1.510,00 foi entregue ao R. pelo inventariado para pagamento de despesas suas e que a quantia de € 288,99 foi utilizada, a pedido do inventariado, para pagamento de despesas dos inventariados, ou seja, em vida do inventariado, pelo que maxime o inventariado terá tido conhecimento que o R. usou tal quantia antes da data do seu óbito em 27 de Julho de 2005.

IV - O douto Acórdão recorrido, ao considerar apenas os factos essenciais em que se baseia a excepção de prescrição, alegados de forma individualizada na excepção, sem atender aos demais factos essenciais alegados na contestação, conferiu ao incumprimento do ónus de alegação separada uma sanção não prevista pela lei, uma vez que faz equivaler a falta de separação à falta de alegação, pelo que o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 572 n.º 2 do CPC.

Da questão dos factos essenciais não alegados complementares de factos essenciais alegados

V - O artigo 5 n.º 2 do CPC permite que o Tribunal considere, além dos factos essenciais em que se baseiam as excepções articulados pelas partes, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

VI - Estes factos complementares ou concretizadores a que se refere o artigo 5 n.º 2 al. b) são factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes – Pais do Amaral, “Direito Processual Civil”, 2015, págs. 301/302; Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., págs. 252/3.

VII - Os RR., em sede de contestação, alegaram que a transferência foi feita seguindo as instruções dos inventariados, em 23 de Março de 2004, ou seja, os inventariado tiveram conhecimento da transferência em vida do inventariado, e alegaram que a quantias de € 1.510,00 e € 288,99 foram usadas pelo R. a pedido dos inventariados para pagamento de despesas destes, pelo que, tendo sido alegado que o conhecimento de tais factos pelos inventariados ocorreu em vida do inventariado, e tendo sido alegada a data da morte, o Tribunal sempre estaria habilitado pelo artigo 5 n.º 2 al. b) do CPC, a concretizar uma data para o conhecimento da transferência e do uso das quantias, e portanto, início do decurso do prazo de prescrição.

VIII - Assim, ao determinar que o Tribunal apenas podia considerar os factos essenciais alegados pelos RR., descartando a possibilidade de considerar factos essenciais não alegados, desde que complementares ou concretizadores de factos alegados, o Acórdão recorrido violou também o disposto no artigo 5 n.º 2 al. b) do CPC.

Da questão da nulidade da sentença por falta de enunciação dos factos provados

IX - O douto Acórdão recorrido censura a douta Sentença porque não faz uma enunciação separada dos factos provados, violando o disposto no artigo 607 n.º 3 do CPC, sendo que porém não determinou a nulidade da sentença, violando o artigo 615 n.º 1 al. b) do CPC.

Da suficiência da prova já produzida e da oportunidade do julgamento da prescrição antes da realização da audiência de julgamento

X - Os factos alegados por A. e RR. são concordantes nesta parte: os inventariados tiveram conhecimento em vida do inventariado da transferência de € 45.000,00 e da utilização pelo R. das quantias de € 1.510,00 e € 288,99, e do desaparecimento das quantias de € 2.000,00 e € 230,00, sendo tais factos admitidos por acordo pelas partes, pelo que o Tribunal de Primeira Instância os deu como adquiridos para julgamento da prescrição

XI - AA. e RR. divergem é no consentimento prestado aos mesmos e na data concreta do conhecimento.

XII - Assim, já estava provado nos autos que os inventariados teriam tido conhecimento da transferência em vida do inventariado, ou seja, o prazo de prescrição teria começado a correr necessariamente no período contido entre o dia 23 de Março de 2004 (data da transferência) e as data das utilizações e dos desaparecimentos até ao dia 27 de Julho de 2005 (último dia de vida do inventariado).

XIII - Determina o artigo 308 n.º 1 do CC, depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular, pelo que, apesar do decesso do inventariado, continuou a correr o prazo de prescrição.

XIV - O Tribunal de Primeira Instância ateve-se à questão do prazo a aplicar à prescrição, considerando, por aplicação do artigo 498 n.º 3 do CC, o prazo excepcional alargado, no caso para 10 anos, enquanto que o Tribunal da Relação considera apenas o prazo geral de prescrição de 3 anos constante do artigo 498 n.º 1 do CC.

XV - Resulta do doc. junto aos autos em 14-01-2022 que o despacho de arquivamento do processo crime foi notificado em 18/09/2007.

XVI - É irrelevante o apuramento da data concreta do conhecimento da transferência de € 45.000,00, da utilização das quantias de € 1.510,00 e de € 288,99 e do desaparecimento das quantias de € 2.000,00 e de € 230,00, entre aquele dia 23 de Março de 2004 e aquele dia 27 de Julho de 2005, assim como é irrelevante apurar-se se os factos efectivamente configuram a prática de um crime para saber se há lugar à aplicação do prazo mais alargado, como ainda é irrelevante apurar-se os factos relativos à interrupção do prazo da prescrição decorrentes da instauração de processo-crime, porquanto ainda que se considere a data mais próxima de 27 de Julho de 2005 para o início do prescrição, e ainda que se considere o prazo de prescrição mais alargado de 10 anos, e ainda que se considere a interrupção da prescrição decorrente no processo crime, sempre teria já ocorrido a prescrição aquando da citação dos RR. para a presente acção, cuja carta foi recepcionada em 16 de Março de 2021.

XVII - Ainda que se considerasse o prazo de 10 anos e a interrupção do prazo (sendo aí irrelevante também saber o dia concreto daquele intervalo de tempo em que a prescrição começou a correr face à interrupção que inutiliza todo o tempo decorrido antes), este voltou a correr desde o início, com a notificação do arquivamento do processo crime, pelo que ocorreu a prescrição do alegado direito indemnizatório em 18/09/2017.

XVIII - Assim, fosse qual fosse a actividade probatória em audiência de discussão e julgamento, o desfecho da causa seria sempre o que lhe foi dado pelo Tribunal de Primeira Instância, pelo que o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 498 n.º 1 do CPC, e sem prescindir no n.º 3, e no artigo 595 n.º 1 al. a) do CPC.».

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido, com a repristinação da decisão da 1.ª instância; ou, caso assim não se entenda, declarando a nulidade da sentença nos termos supra expostos, ordenando-se que seja proferida nova sentença com a enunciação dos fundamentos de facto.

Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Relativamente à admissibilidade do presente recurso, constata-se que o tribunal a quo revogou a sentença proferida pela 1.ª instância, na parte em que julgou verificadas as excepções da prescrição invocadas pelos RR. e pela A., determinando a sua substituição por outra decisão que ordene a tramitação subsequente dos autos se outra causa a isso não obstar.

O acórdão recorrido, não sendo uma decisão que, formalmente, ponha termo ao processo, reveste, sem dúvida, a natureza de decisão de mérito, a qual, no que se refere ao juízo acerca da procedência/improcedência da excepção de prescrição, constitui, materialmente, uma decisão final, formando-se a seu respeito caso julgado material. Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 26-03-2015 (proc. n.º 1847/08.5TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt:

“A decisão que verse sobre a procedência ou improcedência de uma exceção perentória inscreve-se no domínio da relação material controvertida e pode ser proferida imediatamente no despacho saneador, se o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, mesmo que, quando julgada improcedente a exceção, o processo deva prosseguir para conhecimento da existência do direito em causa (…) a decisão interlocutória que julgue improcedente uma exceção perentória, não obstante o disposto no art.º 96.º correspondente ao atual artigo 91.º do CPC, vale, desde o respetivo trânsito em julgado, com o alcance de limite objetivo, negativo, do caso julgado material que vier a recair, a final, sobre a pretensão deduzida.”. [negrito nosso]

No sentido da admissibilidade do recurso de revista de acórdão da Relação que tenha decidido excepções peremptórias (de caducidade e de nulidade, respectivamente), expressamente qualificando a decisão recorrida como decisão de mérito, ver os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08-01-2019 (proc. n.º 7313/12.7 TBMAI-G.P1.S1), e de 16-03-2023 (proc. n.º 10480/17.0T8LRS.L1-A.S1), disponíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, relativamente a acórdão da Relação que julgou improcedente a excepção de prescrição, ver o recente acórdão deste Supremo Tribunal de 24-10-2023 (proc. n.º 9650/21.0T8PRT-B.P1.S1), ainda não publicado.

Idêntica posição é defendida por Abrantes Geraldes, (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 338):

“Relativamente à delimitação das decisões que incidem sobre o “mérito da causa” não existe no CPC de 2013 uma norma semelhante à do art. 691.º, n.º 2, do CPC de 1961 (antes da reforma de 2007) que concretizava tal conceito. Ainda assim (...), a ponderação do elemento histórico permite concluir que ficam abarcados por tal segmento normativo os acórdãos em que a Relação se tenha envolvido efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte, incluindo os casos em que aprecie a procedência ou improcedência de alguma excepção peremptória (v.g. prescrição, caducidade, nulidade, anulabilidade, compensação, etc.).”.

Ora, no caso dos autos, o acórdão recorrido decidiu pela improcedência das invocadas excepções peremptórias de prescrição, razão pela qual se entende que o mesmo se insere no conceito de decisão de mérito, sendo o recurso admissível ao abrigo do n.º 1 do art. 671.º do CPC.

4. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Da falta de verificação pela Relação da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto;

• Do alegado cumprimento do ónus de alegação dos RR. quanto aos factos que integram a excepção de prescrição dos créditos da herança invocados pela A. relativos às quantias monetárias de € 45.000,00, € 1.510,00 e € 288,99.

5. A factualidade que releva para apreciar as questões objecto do recurso é a que resulta do relatório supra, bem como os factos pertinentes que foram alegados pelas partes nos respectivos articulados.

6. Da falta de verificação pela Relação da nulidade da sentença

Invocam os RR. que, tendo o acórdão da Relação censurado a sentença de 1.ª instância por desta não constar uma enunciação separada dos factos que considera provados, o que corresponde ao não cumprimento do requisito enunciado no art. 607.º, n.º 3, do CPC, deveria o mesmo acórdão ter declarado nula a referida sentença, ao abrigo do art. 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, norma que determina a nulidade da sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Alegam os Recorrentes que, ao não declarar a nulidade da sentença, a qual é de conhecimento oficioso, a Relação violou o disposto na referida disposição legal.

Vejamos.

Como resulta do n.º 4 do art. 615.º do CPC, conjugado com o n.º 2 do mesmo preceito, as nulidades da decisão não são de conhecimento oficioso, salvo no que se refere à nulidade por falta de assinatura do juiz (alínea a) do art. 615.º, n.º 1, do CPC).

Tendo a nulidade da sentença sido arguida apenas em sede de recurso de revista não pode a mesma ser conhecida por este Supremo Tribunal. Com efeito, e de acordo com a orientação consolidada da jurisprudência do STJ, as nulidades da sentença, assim como outras irregularidades ou erros de julgamento cometidos pela 1.ª instância, não são cognoscíveis pelo Supremo Tribunal, mas apenas pela Relação. Neste sentido, cfr. os acórdãos de 14-04-2011 (proc. n.º 603-B/2001.G1.S1), de 24-03-2011 (proc. n.º 491/05.3TBSLV.E1.S1), de 16-04-2009 (proc. n.º 138/09), de 07-07-2009 (proc. n.º 7614/05.0TBVNG-A.S1) e de 16-03-2017 (proc. n.º 568/11.6TCFUN.L1-A.S1) e de 14-12-2021 (proc. n.º 2952/15.7T8FNC.L2.S1), consultáveis em www.dgsi.pt ou cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt.

Improcede, pois, nesta parte a pretensão dos Recorrentes.

7. Do alegado cumprimento do ónus de alegação dos RR. quanto aos factos que integram a excepção de prescrição dos créditos da herança invocados pela A. relativos às quantias monetárias de € 45.000,00, € 1.510,00 e € 288,99

Alegam os RR., ora Recorrentes, que o acórdão recorrido - que revogou a sentença de 1.ª instância que havia julgado procedente a excepção de prescrição invocada na contestação - com o fundamento de terem sido insuficientemente alegados os factos donde emerge tal excepção, “não atendeu a toda a matéria de facto alegada na contestação, como devia, uma vez que a matéria de excepção pode ser atendida, ainda que a excepção não seja alegada de forma individualizada, sendo a única consequência para o incumprimento do ónus de individualização da matéria de excepção a inoperância do ónus de impugnação de tal matéria, nos termos do artigo 572 al c) do CPC.”.

Vejamos.

Antes de mais, diga-se que, analisada a fundamentação do acórdão recorrido, não merece censura (nem tal foi objecto de discordância por parte dos Recorrentes) o entendimento de que se, no momento da abertura da sucessão, já não existiam certos e determinados bens na titularidade dos inventariados, não pode o interessado herdeiro lançar mão da acção de petição da herança (cfr. artigo 2075.º do Código Civil) para pedir a sua restituição para posterior relacionação no âmbito do inventário; podendo, não obstante, recorrer à acção comum para obter o pagamento desse possível crédito da herança sobre o interessado que se apropriou de quantias monetárias ou procedeu ao levantamento indevido de saldo bancário, se for alegado e provado que tal conduta foi realizada contra a vontade do de cujus, cabendo o ónus da prova a quem pretenda obter o relacionamento de tais bens.

No que respeita à excepção de prescrição invocada pelos RR., também não merece censura o entendimento do acórdão recorrido quanto ao disposto no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual:

“[P]or conhecimento do direito deve entender-se o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete, o que não significa que tenha de conhecer na perfeição e integralidade todos os elementos que fazem nascer na sua esfera jurídica o direito de indemnização, pois que não necessita de conhecer a identidade da pessoa responsável ou a extensão integral dos danos.

Está em causa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não a consciência da possibilidade do seu ressarcimento, sendo de salientar que não se trata de um conhecimento jurídico relativo ao preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, mas antes um conhecimento empírico que permita a um lesado razoável formular um juízo subjetivo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes de uma actuação de terceiro.

O dies a quo do prazo prescricional coincide, portanto, com a constatação por parte do lesado da “ocorrência de um dano indemnizável (ainda que não completamente determinável) que proveio da prática de um facto ilícito e culposo”.

Assim, o prazo de prescrição de 3 anos começará a correr na data em que o lesado tomar conhecimento do facto danoso, isto é, do facto ilícito e culposo que tem a suscetibilidade de produzir danos na sua esfera jurídica.”.

Já sobre o cumprimento do ónus de alegação dos factos correspondentes à previsão da referida norma substantiva em que os RR. baseiam a excepção de prescrição, o tribunal a quo, depois de transcrever os primeiros cinco artigos da contestação/reconvenção aperfeiçoada, considerou que tal ónus não foi por aqueles cumprido.

Afirma-se no acórdão recorrido que os Réus limitam-se a alegar, para além das considerações jurídicas (cfr. artigos 1º a 4º) que decorreram mais de 3 anos sobre os factos em causa. Acontece que, essa alegação não preenche quer a factie species do nº 1 do artigo 498.º quer a do artigo 482.º do CCivil. Com efeito, os Réus ao defenderem-se invocando a excepção de prescrição do direito de indemnização da Autor deviam alegar o início do prazo (precisamente a data em que a Autora teve conhecimento do seu direito) o que não fizeram. É que, como supra se referiu, nos termos do citado artigo 498.º, nº 1, o prazo de prescrição de três anos aí assinalado, começa a correr desde a data que que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, conhecimento esse nos moldes que se deixaram expostos. Portanto, os Réus invocaram a excepção da prescrição sem, contudo, alegarem um dos elementos constitutivos dessa excepção: a data em que a lesada Autora ou os citados inventariados, atento o disposto no artigo 308.º do CCivil, tiveram conhecimento do seu direito a indemnização. É que uma coisa é data que terão ocorrido as alegadas apropriações monetárias, outra distinta, é o momento temporal em que a Autora ou os seus falecidos pais tiveram conhecimento dessas apropriações.”. [negritos nossos]

Conclui a Relação que, perante a factualidade alegada, não tinha o tribunal da 1ª instância elementos factuais assentes nos autos que lhe permitissem julgar procedente a invocada excepção da prescrição, tendo-se, pois, a mesma por não verificada.

Insurgem-se os Recorrentes contra esta decisão, invocando que, no artigo 27.º da contestação, alegaram que a transferência de € 45.000,00 foi executada seguindo as instruções dos inventariados, em 23-03-2004, o que significa que alegaram que estes tinham conhecimento da transferência, pelo que foi alegada a data do conhecimento dos factos e não apenas a data da sua ocorrência, cumprindo dessa forma o ónus, que sobre si impedia, de alegação da matéria de facto da excepção, incluindo a matéria de facto relativa ao início do decurso do prazo de prescrição.

Afirmam também que o mesmo se dirá em relação às quantias de € 1.510,00 e €288,99, tendo alegado que aquela quantia de € 1.510,00 foi entregue ao R. pelo inventariado para pagamento de despesas dos inventariados; e que a quantia de € 288,99 foi utilizada, a pedido do inventariado, para pagamento de despesas dos mesmos inventariados. Dessa forma, o inventariado terá tido conhecimento de que o R. usou tal quantia antes da data do seu óbito em 27 de Julho de 2005.

Concluem os Recorrentes que a Relação, “ao considerar apenas os factos essenciais em que se baseia a excepção de prescrição, alegados de forma individualizada na excepção, sem atender aos demais factos essenciais alegados na contestação, conferiu ao incumprimento do ónus de alegação separada uma sanção não prevista pela lei, uma vez que faz equivaler a falta de separação à falta de alegação, pelo que o douto Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 572 n.º 2 do CPC.”.

Quid iuris?

Compulsado o teor do articulado apresentado pelos RR. em 19-05-2022, em resposta à petição inicial aperfeiçoada, verificamos que assiste razão aos agora Recorrentes, pois a Relação apenas teve em consideração os primeiros cinco artigos da contestação/ reconvenção, que correspondem à parte especificada nesse articulado que versa sobre a excepção de prescrição, sem atender à restante matéria de facto alegada nos artigos seguintes dessa peça processual.

De acordo com o disposto no art. 572.º, alínea c), do CPC:

“Na contestação deve o réu: (…) c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”.

Esta norma consagra o ónus de o réu especificar separadamente os factos em que se baseiam as excepções deduzidas, com a cominação de os referidos factos não se considerarem admitidos por acordo, em caso de falta de impugnação pelo autor.

Como afirmam Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 642), em anotação a esta norma: “do que se trata é de evitar que o réu dissemine pela contestação (não separando, portanto) defesa por impugnação e defesa por exceção, com o risco de o autor não se aperceber de eventuais exceções deduzidas. É que, face à remissão do n.º 1 do art. 587.º para o art. 574.º, o autor tem o ónus de impugnar os factos integradores de exceções (factos novos, pois), sob pena de se terem como admitidos por acordo aqueles que não forem impugnados”.

Porém, como afirmam os mesmos autores (ob. cit., pág. 642): “o sistema ainda não foi ao ponto de cominar com a ineficácia pura e simples a alegação feita na contestação que traduza exceções ocultas, numa estratégia que tenha em mente surpreender a contraparte e atingi-la com a produção de efeitos cominatórios decorrentes da falta de resposta a tal matéria.”.

Assim, importa que o Tribunal atenda à totalidade do articulado para apurar os factos em que se baseia a excepção peremptória invocada e não apenas à parte especificada em separado, sem prejuízo de o autor ficar dispensado do ónus de impugnar esses factos para que os mesmos não se considerem assentes atenta a falta de cumprimento pelos réus do disposto na referida alínea c) do art. 572.º do CPC.

Apliquemos esta orientação ao caso dos autos.

Compulsada a contestação/reconvenção, verifica-se que, nos seus artigos 20.º a 23.º e 27.º, foi alegado o seguinte:

“20.º

No que se refere à quantia de € 1.510,00, esta foi entregue pelo pai das partes ao R. a fim de este, por conta dos pais, proceder ao pagamento das seguintes despesas destes:

- honorários e despesas, devidos por estes com o processo de licenciamento de obras efectuadas no prédio urbano da propriedade dos pais, sito em ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 592.º e descrito na Conservatória sob o n.º 3726, no valor de € 500,00 – cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i., a fls 96;

- obras efectuadas no prédio referido, a saber, numa casa de banho do rés do chão, colocação de tijoleira nos quartos, demolição de uma parede e construção de um arco para unir um quarto à sala, no valor de € 900,00;

- consumos de comunicações, no valor de € 18,91 – cfr. doc. 1 junto com a primeira contestação;

- serviços domésticos prestados aos pais – cfr. doc. 2 junto com a primeira contestação.

21.º

No que se refere ao vale de reforma no montante de € 288,99, a pedido dos pais, o R. utilizou tal dinheiro para pagamento de despesas correntes dos pais, como electricidade, telefone, medicação, alimentação e demais despesas da vida diária dos pais.

22.º

No que se refere à transferência da quantia de € 45.000,00, tal quantia era propriedade do R. porque lhe tinha sido doada pelos pais.

23.º

Assim, por ordem, com o consentimento e conhecimento dos seus pais, o R. procedeu à transferência da quantia que lhe foi doada pelos pais para conta da titularidade exclusiva dos RR..

(…)

27.º

Assim, em 23 de Março de 2004, o R., seguindo as instruções dos seus pais, procedeu à transferência da quantia de € 45.000,00 que lhe foi doada por estes para uma conta da exclusiva titularidade dos RR.”.

Sobre a matéria factual alegada nos artigos acima transcritos, os RR., ora Recorrentes, sustentam, nas suas alegações de revista, que o Tribunal deveria ter considerado os factos essenciais não alegados, desde que complementares ou concretizadores de factos alegados, nos termos do disposto no art. 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

Alegam para o efeito que “o artigo 5 n.º 2 do CPC permite que o Tribunal considere, além dos factos essenciais em que se baseiam as excepções articulados pelas partes, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, e os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Estes factos complementares ou concretizadores a que se refere o artigo 5 n.º 2 al. b) são factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados pelas partes (…). Os RR., em sede de contestação, alegaram que a transferência foi feita seguindo as instruções dos inventariados, em 23 de Março de 2004, ou seja, os inventariados tiveram conhecimento da transferência em vida do inventariado, e alegaram que as quantias de € 1.510,00 e € 288,99 foram usadas pelo R. a pedido dos inventariados para pagamento de despesas destes, pelo que, tendo sido alegado que o conhecimento de tais factos pelos inventariados ocorreu em vida do inventariado, e tendo sido alegada a data da morte, o Tribunal sempre estaria habilitado pelo artigo 5 n.º 2 al. b) do CPC, a concretizar uma data para o conhecimento da transferência e do uso das quantias, e portanto, início do decurso do prazo de prescrição.”.

Afigura-se que o caso dos autos não se reconduz à previsão do art. 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, que se reporta aos factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, mas sim a uma situação de alegação implícita de factos essenciais que devem ser tidos em conta pelo Tribunal na selecção dos factos relevantes para a discussão da causa.

Ou seja, não estamos na presença de factos complementares ou concretizadores, mas antes de factos essenciais em que se baseia a excepção de prescrição que foram alegados pelos RR. em sede de contestação, mas de forma implícita, nos referidos artigos 20.º a 23º e 27.º desse articulado.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem, de forma consistente, defendido que, na apreciação da causa, deve ser tida em conta a alegação implícita de factos, não ocorrendo violação do princípio do dispositivo, na medida em que tais factos, porque implícitos, integram a causa de pedir, ou, como sucede no caso dos autos, a matéria factual em que se baseia a excepção de prescrição invocada pelos RR.. Cfr. os acórdãos de 03-07-2008 (proc. n.º 1560/08), de 19-11-2009 (proc. n.º 812/03.3TVPRT.S1), de 11-03-2010 (proc. n.º 806/05.4TBBJA.E1.S1), de 05-05-2011 (proc. n.º 3667/04.7TJVNF-S.S1), de 15-05-2013 (proc. n.º 593/2002.L2.S1), de 19-04-2012 (proc. n.º 299/05.6TBMGD.P1.S1) e de 20-04-2022 (proc. n.º 28126/17.4T8LSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt e/ou cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt.

Neste sentido, ver também Antunes Varela / Sampaio e Nora / Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 676, nota 1.

Com efeito, se, no artigo 20.º da contestação, é alegado que a quantia de € 1.510,00 foi entregue pelo pai das partes ao R. marido a fim de este último, por conta dos pais, proceder ao pagamento das despesas aí identificadas, por maioria de razão, se foi o próprio progenitor da A. e do R. marido a entregar tal quantia monetária com o referido propósito, tal implica a alegação de que o progenitor das partes teve conhecimento da utilização do dinheiro pelo R. na data em que a própria A. alegou que o dinheiro foi retirado (14-03-2004). Cfr. artigo 27.º da petição inicial aperfeiçoada.

Como se afirma no acórdão de 20-04-2022 (proc. n.º 28126/17.4T8LSB.L1.S1), acima referido, a propósito da alegação implícita de factos, “na alegação do mais, está naturalmente contida a alegação do menos”, discutindo-se nesse aresto uma situação em que o autor alegou expressamente a factualidade inerente ao dolo directo, vindo a entender-se que, nessa alegação factual, estava contida a alegação implícita das outras modalidades da culpa.

No caso concreto dos autos, a propósito da referida quantia de € 1.510,00, foi alegado, de forma implícita, que o inventariado EE teve conhecimento, em 14-03-2004 (data em que, alegadamente, terá entregue tal quantia ao R.), da utilização da referida quantia monetária pelo mesmo R., pelo que será essa a data relevante para o início do prazo de prescrição. Mesmo que assim não se entendesse, sempre decorreria da alegação dos RR. no artigo 20.º da contestação, que o inventariado EE teve conhecimento em vida da utilização da referida quantia monetária pelo R., pelo que a data relevante para o início do prazo de prescrição seria o momento não posterior ao respectivo decesso (27-07-2005).

O mesmo raciocínio deve ser efectuado para a matéria alegada no artigo 21.º da contestação aperfeiçoada. Se o vale de reforma, no montante de € 288,99, foi utilizado pelo R., a pedido dos pais, para pagamento das despesas destes últimos aí descritas, tal implica a alegação implícita de que o inventariado EE teve conhecimento em vida da utilização da referida quantia monetária pelo R., pelo que a data relevante para o início do prazo de prescrição seria, também aqui, o momento não posterior ao respectivo decesso (27-07-2005).

Por último, se os RR. alegaram que foi com o consentimento e conhecimento dos seus pais que o R. procedeu à transferência da quantia de € 45.000,00, que lhe foi doada pelos pais, para conta da titularidade exclusiva dos RR., e que procedeu a essa transferência em 23-03-2004 seguindo as instruções dos seus pais, é evidente que daqui resulta implicitamente que nesta última data, ambos os inventariados tiveram conhecimento da referida transferência bancária, sendo essa a data relevante para o início do prazo de prescrição.

Do acima exposto, no que respeita ao alegado crédito da herança relativo às quantias de € 1.510,00, € 288,99 e € 45.000,00, não se acompanha o entendimento do acórdão recorrido de que não foi alegada factualidade consubstanciadora da excepção de prescrição, motivo pelo qual padece o mesmo do vício de deficiência da matéria de facto relevante para a apreciação da excepção de prescrição do direito de crédito da herança invocado pela A. e relativo às quantias monetárias acima descritas.

Apesar de os Recorrentes defenderem no seu recurso que os factos acima descritos, alegados implicitamente nos termos acima expostos, se consideram assentes nos autos, não cabe ao Supremo Tribunal apreciar essa matéria, cabendo à Relação ampliar a decisão de facto, nos termos previstos no art. 682.º, n.º 3, do CPC, de forma a que exista base factual suficiente para decidir pela verificação ou não da excepção de prescrição nos termos já discutidos pelas instâncias.

Em conclusão, importa determinar a baixa do processo à Relação para ampliar a matéria de facto, decidindo se a matéria factual acima referida, indicada de forma implícita nos artigos 20.º a 23.º e 27.º da contestação/reconvenção aperfeiçoada, se encontra assente como sustentam os Recorrentes ou carece de produção de prova, e, de acordo com a matéria de facto a apurar, decidir se a excepção de prescrição se verifica ou não.

8. Pelo exposto, decide-se:

a. Anular o acórdão recorrido; e

b. Determinar a baixa do processo à Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ampliar a matéria de facto, decidindo se a matéria factual acima referida, indicada de forma implícita nos artigos 20.º a 23.º e 27.º da contestação/reconvenção aperfeiçoada, se encontra assente como sustentam os réus, ora recorrentes, ou carece de produção de prova, e de acordo com a matéria de facto a apurar, decidir se a excepção de prescrição se verifica ou não.

Custas na acção e nos recursos a final.

Lisboa, 2 de Novembro de 2023

Maria da Graça Trigo

Isabel Salgado

Ana Paula Lobo



***


Declaração de voto

É reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que no actual artigo 671º, nº 1, do CPC, que para a admissibilidade da revista importa, agora, atender ao resultado declarado no acórdão da Relação e ao efeito no iter processual; por esta via alargou a revista nas situações em que o acórdão põe termo (total ou parcial) ao processo com fundamento em motivos de ordem adjetiva.

No caso em análise, o saneador sentença do primeiro grau, absolveu reciprocamente os AA e os RR do pedido e reconvenção, julgando procedente a exceção da prescrição dos direitos invocados e, pôs termo ao processo.

As apelações (independente e subordinada) interpostas são admissíveis nos termos do disposto no artigo 644, nº1, a) do CPC.1

O acórdão a quo do Tribunal da Relação do Porto, em síntese da sua motivação refere - “(...) Resulta, assim do exposto, que perante a factualidade alegada, não tinha o tribunal recorrido elementos factuais assentes nos autos que lhe permitissem julgar procedentes as invocadas excepções da prescrição, tendo-se, pois, as mesmas por inverificadas.”

Para concluir, no dispositivo final “Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar as apelações independente e subordinada procedentes por provadas e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida na parte em que julgou verificadas as excepções da prescrição invocadas pelos Réus e pela Autora, a qual deve ser substituída por outra que ordene a tramitação subsequente dos autos se outra causa a isso não obstar.»

Nesta perspectiva, seguindo a interpretação teleológica do artigo 671º, nº1 do CPC, apesar de incontroverso que a prescrição configura meio de defesa material e interferente no mérito da causa, quer-nos parecer, salvo o devido respeito, pelo brilho da argumentação da posição que fez vencimento, que no caso em juízo, o acórdão da Relação no seu dispositivo e efeito processual a) não se pronuncia sobre a verificação ou in verificação da prescrição, no sentido do conhecimento de mérito; b) e, por outro, determinou o prosseguimento dos autos em ordem a 1ª instância suprir – ampliar a matéria de facto quanto à alegada sobre a excepção.

Efeito que, de resto, o acórdão na procedência parcial da revista e fundamentos determinou, mas agora ao Tribunal da Relação “ (…) b) a baixa do processo à Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ampliar a matéria de facto, decidindo se a matéria factual acima referida, indicada de forma implícita nos artigos 20.º a 23.º e 27.º da contestação/reconvenção aperfeiçoada, se encontra assente como sustentam os réus, ora recorrentes, ou carece de produção de prova, e de acordo com a matéria de facto a apurar, decidir se a excepção de prescrição se verifica ou não.

Não admitiria, pois, a revista, sem embargo da adesão completa aos fundamentos do acórdão, no demais.

Isabel Salgado

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1. Dispositivo: “Tudo visto, - decide-se da impropriedade do meio escolhido à satisfação da pretensão do reconvinte, quanto à pretensão relativa às rendas alegadamente percebidas pela A., cabeça de casal, na modalidade de erro insuprível na forma de processo, que é causa de nulidade parcial da reconvenção e absolvição da instância dos Reconvindos na parte respectiva. Custas pelo Reconvinte, nessa parte; - Julgam-se extintos por prescrição extintiva os direitos de crédito da herança sobre cada um dos Réus e Reconvindos reclamados, absolvendo-se reciprocamente dos pedidos. Custas na proporção do decaimento respectivo. Registe e notifique, arquivando oportunamente, esgotado totalmente o objecto da contenda.”