Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO | ||
Data do Acordão: | 12/16/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | REJEITADA A RECLAMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
Sumário : | Há justa causa de despedimento de uma trabalhadora que desempenhando funções de atendimento ao público em que é a “face visível” do seu empregador se recusa a identificar um colega, pondo em causa o direito de reclamação de um utente e se recusa obstinadamente a identificar-se junto das autoridades policiais, sendo que a responsabilidade disciplinar pode existir mesmo sem que os factos tenham suscitado a aplicação de sanções penais. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 13533/19.6T8LSB.L1.S1
Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
AA veio apresentar Reclamação para a Conferência, invocando o disposto no artigo 652.º n.º 3 do CPC. Decorre do texto da Reclamação, em que se invocam várias nulidades do Acórdão proferido nestes autos por este Tribunal que a norma que serve de fundamento legal para a referida reclamação não é o artigo 652.º n.º 3 que trata da faculdade de cada uma das partes no processo de, considerando-se prejudicada por um despacho do relator que não seja de mero expediente, requerer que sobre a matéria recaia um Acórdão, mas sim o artigo 615.º do CPC, pelo que se convola o pedido. Na sua Reclamação, com efeito, a Recorrida, e ora Reclamante, invoca várias nulidades do Acórdão, a saber, as previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, normas que invoca expressamente, em conjugação com o artigo 205.º da CRP. No entanto, da leitura da Reclamação resulta que também invoca, ainda que sem referir expressamente a norma, a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC. A Reclamação começa, precisamente, por afirmar que o Acórdão não teve em conta os argumentos aduzidos pela Recorrida, já que no relatório apenas se transcreverem as Conclusões do recurso interposto pela Ré e não as Conclusões da resposta da Recorrida: “ao analisar o mesmo verifica-se que o douto Acórdão ora em crise, atendeu somente às conclusões apresentadas pela ora reclamada. Limitando-se e quanto à resposta da ora reclamante ao recurso de revista da reclamada a referir somente: "A Autora contra -alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido" Afirma-se, ainda, que o Acórdão teria identificado mal as questões jurídicas suscitadas, já que só numa análise superficial se poderia dizer que a questão jurídica em causa no recurso era a existência, ou não, de justa causa para o despedimento (“na realidade, e numa análise superficial do douto acórdão e conforme infra se irá explicitar, essa é de facto a única questão a discutir no douto acórdão”). Uma outra nulidade invocada seria a existência de “uma clara contradição entre a fundamentação de facto do Acórdão em crise e o Direito que julgou aplicável” porquanto os factos provados não permitiriam afirmar a existência de uma violação grave dos seus deveres por parte da trabalhadora que pudessem constituir justa causa de despedimento. Invoca-se, ainda, a nulidade do Acórdão por falta de fundamentação de direito. Afirma-se que não estão também devidamente especificados os fundamentos de direito que justificam a alteração da decisão, estando aqui em causa, o dever de fundamentação das decisões judiciais” e “havendo assim falta de fundamentação, de direito, quando a sentença/acórdão não contém as razões essenciais que permitem compreender o raciocínio que esteve na base das decisões proferidas, o que expressamente se invoca”, sublinhando-se que “a decisão judicial não pode ser opaca quanto às razões que suportam a sua conclusão, pois que não se percebe como é feito o enquadramento jurídico que teve por base a decisão em apreço”. A Reclamação destaca que “não se extrai de modo algum da fundamentação de direito apresentada no Douto Acórdão que a confiança da reclamada na reclamante ficou definitivamente comprometida, porque nada indicia que tal comportamento se voltará a repetir”. No artigo 70.º da sua Reclamação, afirma, também, a Reclamante: “Ponderando assim os interesses em confronto - o do trabalhador na manutenção do vínculo laboral e o do empregador em ver cumpridos os deveres do seu trabalhador -, e considerando o princípio da proporcionalidade e da adequação consagrados no art. 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, afigura-se-nos que a factualidade que o Acórdão em crise elenca, e a que aplica o Direito, não preenche o conceito de justa causa de despedimento, donde dever concluir-se pela ilicitude do despedimento (cfr. art. 381.º b) do CT.), encontrando-se em clara oposição com a sua fundamentação de facto e a sua fundamentação de direito aplicável, bem como peca por falta especificação dos seus fundamentos de direito tornando a mesma deficiente”. Ao sustentar que não se verificou, por força do comportamento da trabalhadora, uma impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, a Reclamante aduziu, também, que “foi reintegrada pela reclamante (sic) em ……… de 2020, com dispensa de assiduidade” (n.º 49 da Reclamação), “tendo sido chamada para comparecer junto dos recursos humanos da reclamada para uma reunião com vista à sua reintegração, tendo-lhe sido proposto integrar o departamento de ……., tal não veio a verificar-se, devido a fatores internos” (n.º 50), “Tendo-lhe assim sido proposto integrar o ………, tendo esta iniciado formação, no dia ….. de …… 2020 e que terminou a dia ……..” e iniciado funções via Teams (números 51 e 52). E concluía a Reclamação que, mesmo que o Tribunal decidisse não se verificar qualquer uma das nulidades invocadas, sempre deveria, face a este facto novo, mandar baixar o processo às instâncias. O Reclamado, no exercício do contraditório, respondeu à Reclamação. Na resposta esclareceu, designadamente, que a “reintegração” operada se ficou a dever exclusivamente ao facto de que o recurso de revista não tem efeito suspensivo, ficando, por isso, obrigado a reintegrar a trabalhadora após ter sido notificado do Acórdão do Tribunal da Relação. Mais afirmou que “quando foi possível atribuir efeito suspensivo ao recurso, o que aconteceu mediante prestação de caução no recurso de apelação a Recorrente fê-lo” (n.º 27 da Resposta). Cumpre apreciar. Como é sabido, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso são as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo. Como destaca ABRANTES GERALDES, “em resultado do que consta do artigo 639.º, n.º 1, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções na contestação”[1]. Daí que as conclusões do recurso sejam transcritas no relatório, para deixar bem claro qual é o objeto do mesmo. O que não acarreta que a posição da Recorrida quanto às questões objeto do recurso não tenham sido ponderadas. Em todo o caso, sublinhe-se que o Tribunal não é obrigado a rebater um por um todos os argumentos de uma das partes, mas a ter em conta a sua posição quanto às questões jurídicas objeto do recurso. Reitera-se que neste recurso “a única questão que se suscita (…) é a de saber se existiu ou não justa causa para o despedimento disciplinar da Autora”. O Tribunal decidiu, contrariamente ao entendimento defendido pela Recorrida e reiterado na presente Reclamação, que o seu comportamento tinha sido subjetiva e objetivamente grave, tornando pratica e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho e que a sanção do despedimento não era, no caso concreto, desproporcionada. Não existiu, pois, qualquer omissão de pronúncia – a decisão não é do agrado da Reclamante, mas tal não consitui causa de nulidade. Mas também não ocorre qualquer nulidade por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão. O Tribunal decidiu, com efeito, que a trabalhadora tinha violado o dever de obediência porque tinha o dever de trazer consigo o cartão …… aquando do exercício das suas funções (facto 25), face ao facto 26. E a violação do dever de urbanidade e cortesia para com os clientes e para com as autoridades policiais (factos 11, 13, 14, 30) foi pública, como decorre do facto 32-A. Tão-pouco se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação de direito. O Tribunal decidiu que a gravidade dos factos não podia deixar de ter em conta as funções da trabalhadora que com a sua conduta esvaziava de sentido útil os direitos dos utentes e prejudicava potencialmente a imagem da empresa. Acresce que a conduta da trabalhadora face às autoridades policiais no exercício legítimo das suas funções não foi apenas descortês, tendo dito “aos Agentes que tivessem atenção aos seus últimos nomes e “isto não vai ficar assim”, “veja lá o que vai fazer”, acrescentando que estava farta de polícias lá em casa, usando um tom de voz ameaçador” (facto 30). Como se afirma no Acórdão há violações tão graves dos deveres laborais que justificam o despedimento, porque são absolutamente impróprias de quem exerce determinadas funções. A ausência de antecedentes disciplinares é um fator a ter em conta no juízo sobre a adequação do despedimento, mas tal não acarreta que seja sempre excessivo despedir um trabalhador sem antecedentes disciplinares, seja qual for a infração disciplinar por este cometida, ou que seja sempre necessário fazer o juízo de prognose a que a reclamação se refere. Acresce que a responsabilidade disciplinar é independente da criminal, desempenhando uma função de prevenção geral na empresa. Relativamente ao facto “novo” invocado, não só não cabe no âmbito de uma reclamação por nulidade do Acórdão, como na sua resposta o Reclamado esclareceu que estava simplesmente a cumprir a sua obrigação de reintegração, por não ter o recurso de revista efeito suspensivo.
Decisão: Acorda-se em indeferir a reclamação. Custas pela Reclamante. Lisboa, 16 de dezembro de 2020
Para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020 de 1 de maio) consigna-se que o Ex.mo Conselheiro Joaquim António Chambel Mourisco votou em conformidade, sendo o Acórdão assinado apenas pelo Relator e pela Ex.ma Conselheira Maria Paula Sá Fernandes.
Júlio Gomes (Relator) Chambel Mourisco Paula Sá Fernandes
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