Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
444/22.7PCSNT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I. O referente jurisprudencial ou a primazia do sistema, e no comparativo só a jurisprudência deste STJ interessa, além de constituir garante da segurança e transparência das decisões funciona igualmente como garantia da igualdade dos cidadãos. E significando referência a penas fixadas em situações similares, é argumento que se vem aceitando.

II. ”Elemento importante de ponderação em matéria de pena” como o caracteriza o ac. do STJ de 01/03/2023, proc. nº 77/21.5SWLSB.S1, Ana Brito, acrescentando que “A preocupação com o referente jurisprudencial contribui para a atenuação de disparidades na aplicação prática dos critérios legais de determinação de pena.” Na transversalidade da jurisprudência igual preocupação de aproximar as penas o denotam, no âmbito do cúmulo, os acs do STJ de 12/01/2022, proc. nº 695/17.6T9LRS.S1, Nuno Gonçalves, e de 15/12/2021, proc. nº 5402/20.3T8LRS.S1, Nuno Gonçalves, quando apela ao fator de compressão porque, como aí se enfatiza, “O denominado «fator de compressão», deve funcionar como aferidor do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, devendo adotar frações diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da concreta idiossincrasia da personalidade do arguido revelada nos factos e na execução dos crimes. Somente um tal rigor na determinação da pena conjunta garante a objetividade da justiça relativa e da igualdade de tratamento dos condenados.”.

III. Referente jurisprudencial que operará tanto por via do recurso do arguido, para redução da pena, como por via do recurso do Ministério Público a pugnar pelo aumento da sanção.

IV. Não significa, pois, um nivelador por baixo, não obnubilando nem a “postura de severidade” do Supremo Tribunal de Justiça na “punição dos traficantes”, por “exigências de repressão rigorosa” e em “forte contributo de dissuasão” (Lourenço Martins, in “Medida da Pena, Finalidades e Escolha”, 2011); nem as exigências de prevenção geral que “não permitem que seja aplicada ao crime de tráfico a pena de prisão efetiva no seu limite mínimo.”, in ac. de ac. de 21/12/2022, 77/20.2PEVIS.C1.S1, António Gama; e muito menos permitirão a suspensão, a não ser em casos contados e excepcionalmente. (in acórdão do STJ de 09-04-2015, proc. nº 147/14.6JELSB.L1.S1, João Silva Miguel).

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

I.1. Por acórdão de 08/05/2023 prolatado pelo Juízo Central Criminal de ... no proc. nº 444/22.7PCSNT foi Condenado o Arguido AA pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa àquele diploma, além do mais, na pena de 7 (sete) anos de prisão.

O Arguido encontra-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva desde 28.03.2022 (tendo sido detido no dia 27.03.2022), medida que foi posteriormente revista e mantida.

I.2. Inconformado com tal acórdão vem o arguido interpor o presente recurso.

Apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

“1. Do excesso de pronúncia – determinação da data do início da actividade dolosa propriamente dita – Espaço temporal interpolado da actividade ilícita do recorrente: As primeiras mensagens constantes do telemóvel do arguido datam – vg. Item 3 a pág.4 do decidido - de 6 de Dezembro de 2021, mas o douto acórdão estabelece que fixou a data do início da ilegal actividade em de Setembro de 2021 devido ao que, a tal propósito adiantou a testemunha BB, ao referir-se a entrega de canábis ao mesmo.

2. O que fez nos seguintes termos: (pág.20/21):“Sempre se referindo, nesta sede, que não se tendo apurado a data em concreto em que o Arguido iniciou a atividade de cedência de estupefaciente a terceiro, nos ativemos ao período em que a testemunha BB assumiu que tal sucedeu, que situou ainda durante o período em que se relacionaram amorosamente, o que afirmou ter ocorrido até Setembro 2021”.(negrito nosso)

3. Na ausência de qualquer outro indício sobre essa temática, (até porque o falecido CC indica como data de compra de haxixe, no valor de 10€, os dias 21 e 26 de Março 2022), não poderia o douto acórdão concluir - e sendo certo que as primeiras mensagens no telemóvel datam de Dezembro de 2021 - que o início da actividade delituosa deste se situasse nesse apontado mês de Setembro de 2021.

4. O que vale por dizer que o douto acórdão não dispunha de elementos objetivos credíveis, aportados aos autos ou por testemunhas ou por prova documental para a mesma conclusão - o que constitui nulidade de excesso de pronúncia, prevista no art.º 379.º 1-c) do CPP – na vertente de que a atividade de venda de droga a terceiros se tivesse iniciado no Mês de Setembro de 2021.Não tendo por esse facto, o douto acórdão feito a melhor aplicação/interpretação do disposto no art.º 127.º do CPP , o mesmo é dizer, não tendo feito a melhor aplicação do Direito ao assim concluir

E sempre sem conceder,

5. Da medida da pena: Factores não levados em linha de conta nas circunstâncias atenuantes que ainda assim militam a favor do recorrente: A periodicidade dos factos ilícitos a que se referem as mensagens constantes do telemóvel do recorrente e o facto de serem interpolados, com intervalo (na sobredita e ilícita actividade) de cerca de 3 meses-entre 13 de Dezembro de 2021 e 13 de Março de 2022).O “modus operandi” de certo modo amador, irregular, desleixado, ao ponto de o arguido ser encontrado pela Policia a dormir ao volante do carro, parado num semáforo com a luz verde acesa. O bom comportamento anterior, uma vez que o conteúdo do CRC não pôde ser valorado, como doutamente expendido a tal propósito, no douto acórdão. A natureza dita “leve” do produto em causa (canábis) e a sua fraca qualidade (grau de pureza de 25% -THC).

6. Ainda da medida da pena: Sendo o mínimo legal da moldura penal tipicizadora da infracção de 4 anos de prisão, não se vê porque razão não se poderia ter optado por pena que não excedesse em certa medida esse mesmo limiar, um pouco mais mais “encorpada” de 5 anos e meio ou mesmo de 5 anos e 8 meses de prisão, o que surgiria como uma punição ainda assim respeitadora ou em conformidade com aexacta medida da culpa (art.º 40.º do CP), nas exigências que “in casu” se fazem sentir, atinentes à prevenção geral, ou à prevenção especial e que o caso decididamente reclama. Sem olvidar o arrependimento do arguido (inf do Relatório Social a pág.4 – 1.º parágrafo).

7. Concedendo-se que o mínimo legal da pena seria “in casu” de quase impossível aplicação, atentas as quantidades de produto estupefaciente envolvidas e os meios utilizados, crê-se também que as penas propostas seriam as mais condizentes no caso “subjuditio” atendendo até a tudo quanto ficou provado em relação a este arguido, (constantes do Relatório Social inserto nos autos, nele se destacando o facto de o recorrente ter reconhecido ”que não agiu correctamente, verbalizando o seu arrependimento” (citada pág.4 do Relatório Social) 8.Ora, ao aplicar a pena de sete anos de prisão ao recorrente, o douto acórdão não fez a melhor, nem, estamos em crer, a mais criteriosa interpretação – e salvo sempre o devido respeito – das disposições conjugadas dos art.º 40.º n.º 2 e 71.º n.º 1 e 2 do Código Penal.

Termos em que, Revogando o recorrido acórdão e sempre, com o douto e esclarecido suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Conselheiros, declarando as apontadas nulidades ou vícios processuais e condenando o recorrente na pena de 5 anos e 8 meses de prisão, assim exercerão Vossas Excelências, a melhor e mais acostumada”

I.3. Respondeu o MºPº cuja resposta finalizou com as seguintes conclusões:

“1- Analisando o douto acórdão recorrido, e tendo em conta as regras da experiência comum e os critérios da lógica e da normalidade da vida, o Tribunal “a quo” não transgrediu de forma alguma, nem revelou quaisquer contradições aquando da apreciação da prova.

2 - O Tribunal “a quo” explicou fundamentadamente da razão pela qual julgou os factos,

conjugando toda a prova produzida, designadamente no que respeita ao início da atividade como sendo de setembro de 2021, pois foi determinante “os testemunhos prestados por BB, concatenados entre si, bem como com o teor das mensagens trocadas pelo Arguido que se mostram reproduzidas no anexo I, mostraram-se determinantes para prova da factualidade constante dos pontos 4) a 7) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.”

3 - Foram estes elementos analisados e conjugados com o auto de notícia e depoimento do Agente da PSP que abordou o arguido na posse de produto estupefaciente na sua viatura que permitiu ao Tribunal localizar aquela atividade entre pelo menos setembro de 2021 até Março de 2022.

4 - Para além do mais há acrescentar que tendo ainda sido apreendido ao arguido uma máquina de contar dinheiro, tal não seria compatível com uma atividade que tivesse sido iniciada há relativamente pouco tempo e que não tivesse o retorno monetário que justificasse a posse daquele objeto, o que significa que para ser minimamente coerente a atividade em causa já teria de ter algum período, pelo que 6 meses é um tempo que já se compreende o investimento num equipamento como o que está em causa.

5 - Nenhuma censura merece a decisão do Tribunal Coletivo no que tange à matéria de facto, na medida em que percorreu toda a prova produzida, conjugou todos os elementos coligidos, explicou de forma clara as razões da sua convicção que são lógicas, objetivas e coerentes à luz da experiência de vida, razão pela qual se considera que a mesma assim se deve manter.

6 - Atenta a moldura penal abstratamente aplicável prevista para o crime em causa afigura-se objetivamente adequada a pena aplicada, considerando os contornos do caso em concreto, nomeadamente a quantidade considerável de produto estupefaciente apreendido ao arguido, o período em que se dedicou à atividade de tráfico de estupefaciente e o lucro que é de considerar tendo em conta a máquina de contar dinheiro que foi apreendida ao arguido, as necessidades de prevenção geral são elevadas atendendo à frequência com que tais condutas são cometidas no seio da Comunidade, a qual as censura e não as tolera em nome da Paz Social e igualmente as necessidades de prevenção especial em que releva o facto do arguido à data não se poder ter em conta que tem antecedentes criminais, bem como no que respeita à sua situação pessoal refletida no relatório social elaborado pela DGRSP nos autos.

7 - Entende-se pois adequada e proporcional a pena aplicada ao arguido, a qual se situa junto do primeiro terço da pena, não merecendo a mesma qualquer censura, porquanto foram consideradas todas as circunstâncias pertinentes para este efeito nos termos do disposto no artigo 40.º e 71.º ambos do Código Penal.

Nestes termos, devem Vossas Excelências julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter na íntegra, o douto acórdão recorrido, fazendo assim, como sempre, a costumada

JUSTIÇA.”

I.4. O Sr PGA emitiu parecer de onde se extrai o seguinte:

É, de resto, evidente que sob a capa da nulidade por excesso de pronúncia do art. 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, o que o recorrente pretende discutir é a matéria de facto provada, algo que lhe ficou vedado a partir do momento em que interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sem invocar, à míngua de fundamento para tanto, nenhum dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. os arts. 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do Código de Processo Penal previamente citados), sendo certo que também abdicou de observar com rigor, assim travando a possibilidade de remessa dos autos ao tribunal ad quem legalmente competente para conhecer do recurso em matéria de facto (art. 428.º do Código de Processo Penal), «no corpo motivador e nas conclusões» (SÉRGIO GONÇALVES POÇAS, revista Julgar, n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, pág. 31), os ónus de especificação impostos pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.”

E O arguido atuou de forma livre, deliberada e consciente, ou seja, com dolo direto;

- As quantidades de estupefaciente e os proventos obtidos com a sua transação são significativos;

- Os hábitos de consumo de haxixe que mantém desde os 20 anos, as suas fracas habilitações académicas e profissionais e o desempenho irregular de funções laborais, no seu conjunto, acentuam os riscos de recidiva da atividade criminosa e, consequentemente, as necessidades de prevenção especial;

- As necessidades de prevenção geral, face à conhecida danosidade social do tráfico de estupefacientes, ilícito que põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos – «a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes, (…) a saúde pública em geral» (JOÃO LUÍS DE MORAES ROCHA, Droga – Regime Jurídico, Legislação Nacional anotada Diploma Internacionais, Livraria Petrony, Ld.ª 1994, pág. 61), são igualmente prementes;

- Contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se provou o seu «bom comportamento anterior» nem «o arrependimento»;

- Com pendor atenuativo, destaca-se a rudimentaridade e a (relativa) breve duração no tempo da atividade ilícita, o escasso número de consumidores a quem se provou que o arguido proporcionou o estupefaciente e a menor nocividade do mesmo.

Na ponderação deste circunstancialismo à luz dos critérios emergentes dos arts. 40.º e 71.º do Código Penal e considerando a amplitude da moldura abstrata da pena aplicável (4 a 12 anos de prisão), não nos custa aceitar, por mais proporcional, uma redução da medida da pena para os 6 anos de prisão.”

I.5. Foi cumprido o art. 417, nº 2, do CPP. Não veio resposta

I.6. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência

I.7. Admissibilidade e objeto do recurso

O recurso é admissível e restrito à matéria de direito.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412º, nº1, do CPP). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. De acordo com o art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, per saltum, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

I.8. O objeto do recurso é aqui, primo, saber se se verifica a apontada nulidade do excesso de pronúncia, para o que o Recorrente invoca o artigo 379, nº 1, al. c), do CPP, e, secundo, se a pena aplicada, por excessiva deve ser reduzida para cinco anos e oito meses como quer o Recorrente.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS

Realizado o julgamento, mostram-se exclusivamente provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

A – Da Acusação:

1) O Arguido AA, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde setembro de 2021 e até 27 março de 2022, altura em que foi detido à ordem dos presentes autos, dedicou-se à aquisição e cedência de canábis a terceiros, sendo previamente contactado telefonicamente, através da aplicação WhatsApp ou através da aplicação SIGNAL;

2) O Arguido procedeu também ao armazenamento do produto estupefaciente que transportava, informando indivíduo(s) não identificado a quem tinha entregue o produto estupefaciente, a quantidade entregue, quanto dinheiro tinha recebido e quanto produto estupefaciente tinha ainda na sua posse;

3) Nas mensagens enviadas o Arguido utilizava a alcunha de “AA” e “AA” para não ser identificado, bem como linguagem codificada, nos termos infra descritos:

a. Com um indivíduo intitulado “DD”, através da aplicação SIGNAL:

i. “queres ir aonhar isso”, “Oii”, “Lidl pd ser e j nos vemos” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “DD”;

ii. “qual Lidl” – enviada pelo Arguido;

iii. “eik city ladod lidl casal cotão”, “Oii”, “ell esta sir” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “DD”;

iv. “ok” – enviada pelo Arguido;

v. “10 mnt”, “Sffr”, “vai te dar ima olaca, n boa” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “DD”;

vi. “tá apanho isso e vou levar a EE a casa e volto” – enviada pelo Arguido;

vii. “elle esya la, lidl, qt tmp, j saist d mae” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “MKT POWER”;

viii. “Já” – enviada pelo Arguido; i. “irmão fogo ajuda me ai sfft esse black esta la já a 10mnts”, “qt tmo affr”, “se sais t agora d amadora caga oq ell n vai esperar ermano eu te didde” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “DD”;

ix. “passar massamá” – enviada pelo Arguido;

x. “esse boack é o parvo”, “ssfr bro”, “ya elle te vai dar a olaca ya”, “so 1” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “FF”;

xi. “entrar Cacém” – enviada pelo Arguido;

xii. “ao fundo, lidl, ao pe d camião” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “FF”;

xiii. “ok” – enviada pelo Arguido;

xiv. “okokk”; “obrigado ate já então ermano”, vais oevar a menna deois vens né”, “okok, até já então” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “FF”;

xv. “Até já” – enviada pelo Arguido;

xvi. “Já tá” – enviada pelo Arguido;

xvii. “boaboa”, “clarinha isso bom ??? ve so sente cheiro sffr” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “FF”;

xviii. “deixa só deixar a EE já vejo” – enviada pelo Arguido;

b. Com indivíduo com a alcunha de “GG”, através da aplicação SIGNAL:

i. a 6 de dezembro de 2021:

1. “o sam tem la as bolis”, “para ir apanhar mas agora so junto lolo en 2 dias. Fdz”, “olha amanha preciso k passes no puto pi apanhar la 270 eros k todo lolo faz falta para apanhar as bolis nk sam as 6 da tarde” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “GG”;

2. “onde” – enviada pelo Arguido;

3. “ele ker mais comida mas tou a pensar kanto lhe dou, ele dis k tu sabes onde e” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “GG”;

4. “A zona dele podes atender”– enviada pelo Arguido;

ii. a 7 de dezembro de 2021

1. “irmão, consegues tar as 16, 15 ou 16.30 en linda a velha k o maravilhas da te uma plak para levar ao pi” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “GG”;

2. “o sam tem la as bolis” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “GG”;

iii. a 13 de dezembro de 2021:

1. “irmano então é assim apanhas as plak no maravilhas ….e depois as 16.30 teclas as puto pi

para encontrares com ele entre as 17h e as 18h” – enviada pelo indivíduo com a alcunha “GG”;

2. “Oj, ok” – enviada pelo arguido.

c. Com um indivíduo com a alcunha de “G....”, que utilizava o número de telemóvel .......64, através da aplicação SIGNAL:

i. no dia 26 de março de 2022, pelas 14h53, o Arguido enviou uma mensagem para o indivíduo com a alcunha de “G....”, com o seguinte teor:

“guilias 1.9L messi

travolta – 1L messi

motar 05L messi”

“biscas – 2 L messi”;

ii. no dia 26 de março de 2022, pelas 17h16, o indivíduo com a alcunha de “G....” enviou ao Arguido a seguinte mensagem “irmão manda-me só o qe saiu hj sff. Desde amanhã, foi o porto. 30 pingo, guillias, travolta e o biskas sff, falta-me só as quantidades”;

d. com um indivíduo com a alcunha de “O....”, que utilizava o número de telemóvel .......60, através da aplicação SIGNAL:

i. no dia 16.03.2022, pelas 10h47, o Arguido enviou uma mensagem com o seguinte teor:

“16/03

saiu 15L el professor

saiu 6L rs3

saiu 4L rs3

garagem batman

rs3 - 5.7L

el professor - 14,9L

canábis – 29,4L”;

ii. no dia 20.03.2022, pelas 16h07m:

“20/3

rato preto – 23.625 (1.850 3.550)”;

iii. no dia 23.03.2022, pelas 16h22m – “4.700+6.500”;

iv. no dia 24.03.2022, pelas 16h53m – “58.795€”;

v. no dia 25.03.2022, pelas 17h04m “8480”;

vi. no dia 25.03.2022, pelas 17h05m “14.950”;

vii. no dia 26.03.2022, pelas 10h26m:

“... -9.200€

30 pingo – 7750€-60€”;

viii. no dia 26.03.2022, pelas 16h40m

“Guilias - 3000€

Travolta – 1550€”;

e. O Arguido através da aplicação SIGNAL enviou e recebeu mensagens, algumas de áudio, de um indivíduo com a alcunha de “HH”, que utilizava o número de telemóvel .......43, com o seguinte teor:

i. no dia 13.03.2022, pelas 00h00:

“13/03

Entrou 60L rs3

rs3 - 68,8L

canábis - 26.5L

psg - 01ft

el professor – 01ft

caveira - 01 ft

softel – 01ft”;

ii. no dia 14.03.2022, pelas 12h45:

“saiu 10L rsr 7

saiu 01 ft canábis

garagem AA

rs3 - 28,8L

el professor – 30L

canabis – 29,4L

psg 01ft

el professor – 01 ft

caveira - 01 ft

softel – 01ft”;

iii. no dia 15.03.2022, pelas 12h23m:

“14/03

saiu 8L rs3

saiu 1,1L rs3

garagem AA

rs3 19,7L

el professor – 29,9L

canabis 29,4L

psg 01ft

el professor 01ft”;

iv. no dia 16.03.2022, pelas 10h51m:

“16/03

saiu 15L el professor

saiu 6 L rs3

saiu 4L rs3

saiu 4L rs3

garagem AA

rs3 - 5,7L

el professor - 14,9L

canabis - 29,4L”;

v. no dia 18.03.2022, pelas 04h30m:

“17/03

saiu 5 L professor

saiu 1L rs3

garagem AA

rs3 - 4,7L

el professor - 9,9L

canabis 29,4L

psg - 01 ft

el professor - 01ft”;

vi. no dia 21.03.2022, pelas 04h27m:

“20/03

saiu 10L el professor

garagem AA

rs3 - 4,7L

el professor - 59,8L

psg - 01ft

caveira - 01ft

softel - 01 ft

canabis - 01ft”;

vii. no dia 22.03.2022, pelas 04h45m:

“21/03

saiu 15 L el professor

garagem AA

rs3 4,7L

el professor 39,8L

psg - 01ft

caveira - 01ft

softel - 01ft

canabis - 01ft”;

viii. no dia 24.03.2022, pelas 07h46m: “23/03

saiu 23L el profes

saiu 2,5L rs3

entrou 29,9L messi + 29,9Lsoftel

garagem AA

softel - 30L

messi - 30L,

rs3 – 2,2L

el professor 6,8L”;

ix. no dia 25.03.2022, pelas 04h39m:

“24/03 saiu 6,8L professor

saiu 15,2 L softel

garagem AA

softel- 14,8L

messi - 30L

rs3 - 2,2 L

caveira - 01ft

canábis - 01ft”;

x. no dia 26.03.2022, pelas 04h11m:

“25/03

saiu 6,6L softel

saiu 01ft messi

garagemAA

softel - 8,2L

messi 29,9L

rs3 - 2,2L

caveira - 01ft

canábis - 01ft”;

f. com um indivíduo com a alcunha de “K....”, que utilizava o número de telemóvel .......97, através da aplicação SIGNAL:

i. no dia 11.03.2022, tendo recebido instruções para ligar a um indivíduo identificado como “P....” e entregar “20L”; e

ii. tendo recebido instruções para ir recolher “15 L de RS4” e entregar “ao P....”;

iii. no dia 13.03.2022, pelas 00h00, o Arguido enviou a mensagem

“13/03

Entrou 60 L rs3

rsr-68,8

canabis - 26,5L

psg - 01ft

el professor - 01ft

caveira - 01ft

softel - 01ft”;

iv. no dia 13.03.2022, pelas 17h50, o Arguido enviou ao indivíduo com a alcunha de “K....” mensagem a dizer “Já entreguei ao II”;

v. no dia 13.03.2022, pelas 22h53, o arguido enviou ao indivíduo com a alcunha de “K....” duas fotografias de placas de haxixe, uma delas com a menção de “EL PROFESOR”;

4) Em várias ocasiões, em datas não concretamente apuradas, do período temporal descrito em 1), o Arguido cedeu a BB quantidade não apurada de canábis;

5) Para esse efeito, BB contactou telefonicamente o Arguido através da aplicação WhatsApp, utilizando o seu número de telemóvel .......10, e solicitou-lhe a entrega de produto estupefaciente;

6) Em datas não concretamente apuradas sitas no período temporal descrito em 1) o Arguido vendeu a CC quantidade não apurada de canábis, para seu consumo, tendo recebido contrapartida monetária não apurada;

7) Para esse efeito, CC contactou telefonicamente o Arguido, através da aplicação WhatsApp, utilizando o seu número de telemóvel .......18, e solicitou-lhe a entrega de produto estupefaciente, o que se verificou designadamente nos dias 21 e 26 de março de 2022;

8) No dia 27 de março de 2022, cerca das 05h50m, na Rua ..., em ..., no concelho de ..., o Arguido encontrava-se no interior do veículo de marca Volkswagen, modelo Bora, com a matrícula ..-..-SA, a dormir, parado no semáforo que estava verde, quando foi abordado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública EE, JJ, KK e LL;

9) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no ponto antecedente, o Arguido tinha na sua posse, no interior do veículo de matrícula ..-..-SA, guardado no banco traseiro, uma caixa de cor castanha, contendo diversas embalagens de canábis, com o peso de 905,28 gramas;

10) O Arguido tinha ainda na sua posse uma bolsa a tiracolo de cor preta, onde estava guardado um saco de papel de cor castanha, com a inscrição “Guilias”, com 74 (setenta e quatro) notas de €20,00 (vinte euros) e 7 (sete) notas de €10,00 (dez euros), perfazendo um valor total de €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros); bem como 1 (um) saco de papel de cor castanha, com a inscrição “Travolta”, com 4 (quatro) notas de €50,00 (cinquenta Euros), 116 (cento e dezasseis) notas de €20,00 (vinte Euros) e 48 (quarenta e oito) notas de €10,00 (dez Euros), perfazendo um valor global de €3.000 (três mil Euros), num total de €4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta Euros) em notas do Banco Central Europeu;

11) O Arguido tinha também na sua posse 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 7, de cor preta, com o IMEI .................61, 1 (um) telemóvel de marca Oppo, modelo A15, de cor azul marinho, com os IMEIs .............77 e .............69, 2 (duas) notas de €20,00 (vinte Euros) e 1 (uma) nota de €5,00 (cinco Euros);

12) No dia 27 de março de 2022, cerca das 06h35m, o Arguido tinha guardado na sua residência, sita na Rua..., 1.º-A, em ..., no seu quarto e na varanda anexa ao referido quarto:

a. 1 (uma) máquina de contagem de notas, marca MB, modelo DP-7100E, n.º de série: DA.......19;

b. 2 (dois) fardos de 30 Kg (trinta quilos) cada, vazios, guardados debaixo da sua cama;

c. diversos pacotes de canábis, com o peso global de 16,450 Kgs;

13) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 9) e 12), o Arguido tinha na sua posse:

a. 9 (nove) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 865.388g (L), com um grau de pureza de THC de 28,2%, correspondente a 4.880 (quatro mil e oitocentas) doses médias individuais diárias;

b. 1 (um) envelope com canábis (resina), com o peso liquido total de 7.466g (L), com um grau de pureza de THC de 29,9%, correspondente a 44 (quarenta e quatro) doses médias individuais diárias;

c. 100 (cem) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 9562,299g (L), com um grau de pureza de THC de 27,7%, correspondente a 52.975 (cinco mil, novecentos e setenta e cinco) doses médias individuais diárias;

d. 21 (vinte e uma) placas de canábis (resina), com o peso liquido

total de 2001.200g (L), com um grau de pureza de THC de 23,9%, correspondente a 9.565 (nove mil, quinhentas e sessenta e cinco) doses médias individuais diárias;

e. 10 (dez) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 933.300g (L), com um grau de pureza de THC de 15,1%, correspondente a 2.818 (dois mil, oitocentos e dezoito) doses médias individuais diárias;

f. 4 (quatro) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 381.668g (L), com um grau de pureza de THC de 25,2%, correspondente a 1.923 (mil, novecentos e vinte e três) doses médias individuais diárias;

g. 4 (quatro) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 386.600g (L), com um grau de pureza de THC de 24,9%, correspondente a 1.925 (mil, novecentos e vinte e cinco) doses médias individuais diárias;

h. 2 (duas) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 156.940g (L), com um grau de pureza de THC de 25,8%, correspondente a 809 (oitocentos e nove) doses médias individuais diárias;

i. 1 (uma) placa de canábis (resina), com o peso liquido total de 95.595g (L), com um grau de pureza de THC de 17,9%, correspondente a 342 (trezentos e quarenta e duas) doses médias individuais diárias;

j. 1 (uma) placa de canábis (resina), com o peso liquido total de 82.095g (L), com um grau de pureza de THC de 23,9%, correspondente a 392 (trezentos e noventa e duas) doses médias individuais diárias;

k. 1 (um) saco de canábis (resina), com o peso liquido total de 145.550g (L), com um grau de pureza de THC de 13,5%, correspondente a 392 (trezentos e noventa e duas) doses médias individuais diárias;

14) A máquina de contar dinheiro destinava-se a confirmar o valor recebido da venda de produto estupefaciente e os telemóveis apreendidos ao Arguido eram utilizados para contactar com consumidores e com os outros indivíduos que faziam parte da rede de trafico de estupefacientes;

15) O dinheiro apreendido ao Arguido era proveniente de transações de produto estupefaciente, designadamente de canabis, não sendo conhecida ao Arguido qualquer atividade profissional ou outra lícita que lhe permitisse adquirir tais rendimentos;

16) O Arguido não possuía qualquer autorização que lhe permitisse adquirir, deter e ceder o produto estupefaciente supra referido;

17) O Arguido conhecia as características estupefacientes dos produtos que transacionava, guardava e que detinha, nas circunstâncias supra descritas, tendo-o feito de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a respetiva detenção, cedência e venda a terceiros o fazia incorrer em crime;

18) Não obstante, detinha aquelas substâncias estupefacientes, destinando-a à cedência a terceiros;

19) O Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

B - Das Condições pessoais do Arguido:

20) AA, de 48 anos de idade, é natural da freguesia da... – ..., cujo grupo familiar de origem era composto pelos progenitores e uma irmã mais velha, que viria a falecer de doença pulmonar;

21) Os rendimentos do agregado provinham unicamente das funções laborais do progenitor, enquanto pintor de automóveis;

22) À progenitora cabia somente as tarefas de acompanhamento dos filhos;

23) O Arguido tem o 9º ano de escolaridade;

24) A nível laboral, o seu percurso aparece marcado por um desempenho irregular, de várias funções laborais, derivadas dos contratos precários que foi estabelecendo, em várias atividades, mas com maior expressividade na área da hotelaria, tendo estado emigrado na Suíça e efetuado campanhas agrícolas, sobretudo na época das vindimas, em Espanha;

25) Tem dois filhos, de 22 e 11 anos de idade, fruto do anterior relacionamento, encontrando-se divorciado há cerca de 8 anos, mas com quem refere manter uma ligação sem quaisquer conflitos;

26) Após a separação do casal, o Arguido fixou residência na morada da progenitora;

27) Há cerca de 4 anos o Arguido iniciou um outro relacionamento;

28) A companheira, de nacionalidade brasileira, encontra-se em Portugal há cerca de 6 anos e tem três filhas de um anterior relacionamento, que estão no país de origem;

29) AA iniciou os consumos de haxixe aos 20 anos de idade, encontrando-se abstinente desde a sua entrada no Estabelecimento Prisional;

30) Não são conhecidos quaisquer problemas de saúde ao Arguido;

31) À data dos factos o Arguido residia na morada da progenitora, juntamente com a sua companheira, sendo que quinzenalmente tinha os seus filhos consigo;

32) O Arguido trabalhou, mediante contrato de 6 meses, como empregado de mesa num restaurante, onde auferia €760,00 mensais, vindo posteriormente a ser dispensado devido à pandemia;

33) À data dos factos a economia familiar era centrada unicamente na pensão da progenitora, de cerca de €600,00 mensais, e nos rendimentos da companheira do Arguido, que trabalhava nas limpezas, mas que há cerca de um mês que se encontra a trabalhar em ..., como auxiliar de lar;

34) O Arguido encontrava-se desempregado, há cerca de 6 meses, sem usufruir de qualquer tipo de subsídio;

35) O Arguido beneficia do apoio da mãe e da companheira;

36) AA está preso preventivamente desde 28.03.2022;

37) Em meio prisional encontra-se laboralmente inativo, por ter registada uma infração por posse de telemóvel, tendo sido sancionado com um castigo de 12 (doze) dias, que já cumpriu;

38) Recebe regularmente visitas da sua progenitora, da companheira e dos filhos;

39) O Arguido foi condenado:

a. Por decisão proferida em 23.07.1999, transitada em julgado em 22.11.1999, no âmbito do Proc. n.º 283/97.1..., da .. .... Mista de ..., pela prática, em 1996, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204º do Código Penal, e de 2 (dois) crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, pena essa declarada extinta em 28.09.2012;

b. Por decisão proferida em 19.01.2004, transitada em julgado em 03.02.2004, no âmbito do Proc. n.º 1269/03.4..., do .. ....., 1ª Seção, do Juízo de Pequena Instância Criminal de ..., pela prática, em 14.06.2003, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco Euros), pena essa já declarada extinta;

c. Por decisão proferida em 31.01.2006, transitada em julgado em 15.02.2006, no âmbito do Proc. n.º 18/06.0..., do .. ..... Criminal de..., pela prática, em 08.01.2006, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €4,00 (quatro Euros), pena essa declarada extinta, pelo cumprimento;

d. Por decisão proferida em 27.06.2006, transitada em julgado em 11.07.2006, no âmbito do Proc. n.º 148/04.2..., do .. ..... Criminal de ..., pela prática, em 08.11.2003, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos;

e. Por decisão proferida em 03.10.2007, transitada em julgado em 23.10.2007, no âmbito do Proc. n.º 365/07.3..., do .. ....., 3ª Seção, do Tribunal de Pequena Instância Criminal de..., pela prática, em 10.09.2007, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL n.º 2/98, de 03.01, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pena essa já declarada extinta, em 12.06.2009.

II.2. Motivação da decisão de facto

Serviram de base para formar a convicção do Tribunal a análise critica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo discriminados, apreciados segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal:

- no teor do auto de detenção constante de fls. 3 a 5 dos presentes autos, no que concerne à data e hora em que o Arguido foi abordado pelas autoridades policiais;

- no teor das mensagens e imagens enviadas, recebidas e introduzidas na memória do telemóvel (IMEI e cartões por ele utilizados) apreendidos ao Arguido, constantes do Anexo I, cuja abertura e leitura se mostra autorizada por despacho judicial proferido em 01.04.2022 e cujas impressões realizadas se mostram validadas por despacho judicial proferido em 08.06.2022, que se mostraram cruciais para prova da factualidade constante dos pontos 1) a 7) dos Factos Provados nos termos aí exarados;

- no teor do relatório de exame pericial constante de fls. 264 a 265 dos presentes autos (no que respeita ao estupefaciente apreendido nos autos), determinante para prova da factualidade constante dos pontos 9), 12) e 13) dos Factos Provados;

- no testemunho prestado por EE, que, por força das funções que exerce, enquanto agente da PSP, se mostrou particularmente esclarecedor quanto ao circunstancialismo em que o Arguido foi detido no âmbito dos presentes autos, depois de ter sido encontrado, sozinho, a dormir, dentro do veículo automóvel que conduzia, que se mostrava imobilizado num semáforo, cuja luz de sinalização se encontrava verde.

Descreveu, de forma pormenorizada, o contexto em que abordaram o Arguido Processo: (batendo no vidro do veículo da porta do condutor), e o forte odor a estupefaciente que sentiram assim que o Arguido abriu a porta do veículo.

Relatou a forma como vieram a localizar estupefaciente (haxixe) no interior desse mesmo veículo.

Narrou, ainda, a forma como decorreu a posterior busca à residência do Arguido e o aí localizado, sendo perentório ao afirmar que o Arguido não manifestou surpresa pelo estupefaciente que aí igualmente localizaram.

Afirmou ter conhecido o Arguido apenas no dia da sua detenção, não tendo conhecimento que este fosse alvo de investigação anterior;

- no testemunho prestado por MM, que tendo colaborado na realização da busca à habitação do Arguido, se mostrou esclarecedor quer quanto à forma como esta decorreu (sem incidentes), quer quanto ao que aí foi apreendido.

Estes testemunhos, que se mostraram claros, seguros e coerentes, concatenados entre si, bem como com o teor do auto de detenção constante de fls. 3 a 5, dos autos de apreensão constantes de fls. 10 e 13, autos de exame de fls. 12 e 14, fotografias constantes de fls. 21 (ao estupefaciente apreendido no veículo conduzido pelo Arguido) e 22 a 24 (ao estupefaciente e “fardos” vazios encontrados na habitação do Arguido), guias de entrega de fls. 17 e 18 (do produto de estupefaciente) e 25 (dos demais bens apreendidos nos autos) e relatório de exame pericial constante de fls. 264 a 265 dos presentes autos (no que respeita ao estupefaciente apreendido nos autos) mostraram-se cruciais para prova da factualidade exarada nos pontos 8) a 13) dos Factos Provados;

- no testemunho prestado por BB, que afirmou ter mantido um relacionamento amoroso com o Arguido, que a tratava por “BB”, em período que situou entre julho e setembro de 2021, e que, de relevante, confirmou ter-lhe sido cedido estupefaciente (haxixe) pelo Arguido.

Reconheceu ter consumido haxixe e cocaína com o Arguido.

Admitiu ser titular do número de telemóvel .......10, afirmando que o Arguido era titular do n.º .......40.

Assumiu ter enviado mensagens, por WhatsApp, ao Arguido a pedir-lhe haxixe, afirmando que o Arguido nunca lhe pediu qualquer contrapartida monetária pelo haxixe que este lhe dava, mesmo depois de terem terminado o relacionamento amoroso que mantiveram entre si.

Confrontada com o teor de fls. 9 a 12 do Anexo I, confirmou ter trocado com o Arguido as mensagens que aí se mostram transcritas;

- nas declarações prestadas por CC (entretanto falecido), perante o Ministério Público, em 13.09.2022, que, por se verificar o circunstancialismo legal a que alude o art.º 356º, n.º 4, do Código de Processo Penal, foram reproduzidas em audiência, e em que, de relevante, este reconheceu ser titular do telemóvel n.º .......18, unicamente por si utilizado, bem como ter solicitado ao Arguido que lhe trouxesse haxixe, no máximo €10,00 de cada vez, pois, segundo o mesmo, fumava pouco.

Confrontado com o teor das mensagens por si trocadas com o Arguido em 21.03.2022 e 26.03.2022 (reproduzidas a fls. 5 a 8 do Anexo I) e com a proximidade temporal dos pedidos aí formulado declarou que talvez algum do estupefaciente que pediu ao Arguido se destinasse a algum amigo que se tivesse deslocado a sua casa.

Os testemunhos prestados por BB e CC, concatenados entre si, bem como com o teor das mensagens trocadas pelo Arguido que se mostram reproduzidas no anexo I, mostraram-se determinantes para prova da factualidade constante dos pontos 4) a 7) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.

- no teor do relatório social, junto aos autos em 17.04.2023, no que concerne às condições pessoais do Arguido (pontos 20) a 38) dos Factos Provados);

- no teor do certificado de registo criminal junto aos autos, no que concerne aos antecedentes criminais registados do Arguido (ponto 39) dos Factos Provados).

Os meios de prova que se descriminaram foram todos conjugados, confrontados e entrecruzados, procurando-se encontrar os pontos de confluência e de coerência dos mesmos, tendo o resultado da sua ponderação global sido determinante para prova da factualidade exarada nos pontos 14) a 19) dos Factos Provados, nos termos aí exarados.

Quando à factualidade considerada como não provada tratou-se de factualidade não demonstrada por meio de prova idóneo para o efeito.

Sempre se referindo, nesta sede, que não se tendo apurado a data em concreto em que o Arguido iniciou a atividade de cedência de estupefaciente a terceiro nos ativemos ao período em que a testemunha BB assumiu que tal sucedeu, que situou ainda durante o período em que se relacionaram amorosamente, o que afirmou ter ocorrido até setembro de 2021.

Não tendo sido apreendida cocaína ao Arguido e tendo a testemunha BB afirmado que a cocaína que consumiu com o Arguido era adquirida por ambos considerámos como não provado que este tenha cedido cocaína a terceiros.

Tendo esta mesma testemunha negado ter pago qualquer contrapartida monetária ao Arguido pelo estupefaciente que este lhe entregava e não tendo ficado claro se após a data em que terminaram o alegado relacionamento amoroso estes se continuaram a envolver amorosamente, o que poderia justificar cedências sem contrapartida monetária de estupefaciente, na falta de outros elementos de prova que o demonstrassem, considerámos como não provada a factualidade constante das alíneas c) e d) dos Factos Não Provados.

Na seleção de factos relevantes para a decisão da presente causa não nos ativemos à matéria conclusiva constante do libelo acusatório.”

II.3. DIREITO

II.3.1. O Recorrente invoca, em sede conclusiva, nulidade de excesso de pronúncia, prevista no art.º 379º, nº 1, al. c), do CPP, se bem que, logo à cabeça das alegações, refira “excesso de pronúncia – indeterminação da data do início da actividade dolosa propriamente dita – vício do art.º 410.º n.º 2 alínea a) do CPP.”.

Mas, a final, em sede de conclusões, só refere a violação do artigo 379, nº 1, al. c), do CPP.

E sustenta a alegação de tal vício em “As primeiras mensagens constantes do telemóvel do arguido datam – vg. Item 3 a pág.4 do decidido - de 6 de Dezembro de 2021, mas o douto acórdão estabelece que fixou a data do início da ilegal actividade em de Setembro de 2021 devido ao que, a tal propósito adiantou a testemunha BB, ao referir-se a entrega de canábis ao mesmo”.

Ao que se retira do alegado, o Recorrente entende que as cedências do estupefaciente à dita BB deveriam ser desconsideradas, porque, ao que se percebe, tais actos de cedência não consubstanciariam tráfico de estupefacientes ou, por temporalmente separadas, não caberiam na unificada actividade.

Ora, o que foi dado como provado, em 4) foi que, “Em várias ocasiões, em datas não concretamente apuradas, do período temporal descrito em 1), o Arguido cedeu a BB quantidade não apurada de canábis;” O período temporal descrito em 1) vai de setembro de 2021 a 27 de março de 2022.

Por isso, como bem observa o MºPº, o que Recorrente pretende é a alteração da matéria de facto, em tribunal superior onde tal se não permite.

Por isso, seja nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, ut artigo 379º, seja vício do artigo 410, nº 1, al. a), do CPP, em “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, diga-se, desde já, que o Recorrente não tem razão, porque deixa no oblívio tal factualidade dada como provada e que, aqui, não se vislumbrando qualquer dos vícios referidos no artigo 410, nº 2, se deve ter como assente.

Com o que não se verifica qualquer excesso de pronúncia ou qualquer vício. O mês de setembro como início da actividade de tráfico é o resultante das declarações da testemunha BB, ao referir-se a entrega de canábis pelo arguido, que era na ocasião seu namorado. E bem, já que para início de tal atividade é indiferente que o primeiro se tivesse consubstanciado numa mera doação. O tráfico como tipo legal tanto se consome com a venda como com a entrega. Além de que, ao contrário do afirmado pelo Recorrente, o tráfico se compôs com uma série ininterrupta de actos. Por isso, a decisão recorrida, referiu e bem que “que não se tendo apurado a data em concreto em que o Arguido iniciou a atividade de cedência de estupefaciente a terceiro, nos ativemos ao período em que a testemunha BB assumiu que tal sucedeu, que situou ainda durante o período em que se relacionaram amorosamente, o que afirmou ter ocorrido até Setembro 2021”. Destarte, nenhuma distinção de actos, por via da sua temporalidade, se impunha, uma vez que todos se integraram na reiterada e prolongada atividade de tráfico aqui imputada.

II.3.2. Com a conduta descrita o Arguido incorreu na prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal, a que corresponde a moldura penal abstrata de 4 a 12 anos de prisão.

A pena em concreto foi fixada em sete anos de prisão.

As condenações do Arguido constantes do seu certificado de registo criminal não foram valoradas no âmbito dos presentes autos, como fundamentado ficou no acórdão recorrido.

Mas o tribunal a quo justificou assim a medida concreta da pena:

“- as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso em apreço são elevadas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que este tipo de ilícito gera;

- o Arguido atuou com dolo direto;

- as quantidades de estupefaciente detidas pelo Arguido são bastante consideráveis, detendo este consigo 905.28 gramas de canábis aquando da sua detenção e na sua residência mais 16.450 Kgs de canábis, sendo, o número de doses médias individuais diárias muito considerável;

- ao nível das suas consequências existiu uma mediana potencialidade danosa dos crimes praticados, atento o facto de ainda assim estarmos perante o tráfico de canábis;

- no período em apreço não é conhecida outra atividade remunerada ao Arguido para além do tráfico de estupefacientes que desenvolvia, numa escala considerável, como denota a máquina de contagem de notas que lhe foi apreendida;

- relativamente às exigências de prevenção especial, não podemos deixar de ter em atenção que o Arguido está inserido familiar e socialmente, não tendo antecedentes criminais a considerar nos autos.

Posto isto, atenta a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em apreço e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, bem como a qualidade do produto estupefaciente em causa, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regra de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação do Arguido na pena de 7 (sete) anos de prisão, pela prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa a tal diploma legal.”

II.3.3. A apreciação dos factos tal como vem apresentada pelo tribunal coletivo, não merece censura à excepção do quantum concreto da pena, como infra veremos.

Efetivamente, e como consta dos factos provados, o arguido, entre setembro de 2021 e final de março de 2022, período de seis meses, dedicou-se com regularidade à actividade de tráfico relatada.

E, em 27/03/2022 foi-lhe apreendida no seu veículo automóvel uma caixa de cor castanha, contendo diversas embalagens de canábis, com o peso de 905,28 gramas;

E tinha ainda na sua posse uma bolsa a tiracolo de cor preta, onde estava guardado um saco de papel de cor castanha, com a inscrição “Guilias”, com 74 (setenta e quatro) notas de €20,00 (vinte euros) e 7 (sete) notas de €10,00 (dez euros), perfazendo um valor total de €1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros); bem como 1 (um) saco de papel de cor castanha, com a inscrição “Travolta”, com 4 (quatro) notas de €50,00 (cinquenta Euros), 116 (cento e dezasseis) notas de €20,00 (vinte Euros) e 48 (quarenta e oito) notas de €10,00 (dez Euros), perfazendo um valor global de €3.000 (três mil Euros), num total de €4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta Euros) em notas do BCE.

e tinha ainda na sua posse 1 (um) telemóvel de marca Iphone, modelo 7, de cor preta, com o IMEI .................61, 1 (um) telemóvel de marca Oppo, modelo A15, de cor azul marinho, com os IMEIs .............77 e .............69, 2 (duas) notas de €20,00 (vinte Euros) e 1 (uma) nota de €5,00 (cinco Euros);

Já, em casa, tinha 1 (uma) máquina de contagem de notas, marca MB, modelo DP-7100E, n.º de série: DA180120719;

E ainda

b. 2 (dois) fardos de 30 Kg (trinta quilos) cada, vazios, guardados debaixo da sua cama;

e diversos pacotes de canábis, com o peso global de 16,450 Kgs;

9 (nove) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 865.388g (L), com um grau de pureza de THC de 28,2%, correspondente a 4.880 (quatro mil e oitocentas) doses médias individuais diárias;

b. 1 (um) envelope com canábis (resina), com o peso liquido total de 7.466g (L), com um grau de pureza de THC de 29,9%, correspondente a 44 (quarenta e quatro) doses médias individuais diárias;

c. 100 (cem) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 9562,299g (L), com um grau de pureza de THC de 27,7%, correspondente a 52.975 (cinco mil, novecentos e setenta e cinco) doses médias individuais diárias;

d. 21 (vinte e uma) placas de canábis (resina), com o peso liquido

total de 2001.200g (L), com um grau de pureza de THC de 23,9%, correspondente a 9.565 (nove mil, quinhentas e sessenta e cinco) doses médias individuais diárias;

e. 10 (dez) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 933.300g (L), com um grau de pureza de THC de 15,1%, correspondente a 2.818 (dois mil, oitocentos e dezoito) doses médias individuais diárias;

f. 4 (quatro) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 381.668g (L), com um grau de pureza de THC de 25,2%, correspondente a 1.923 (mil, novecentos e vinte e três) doses médias individuais diárias;

g. 4 (quatro) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 386.600g (L), com um grau de pureza de THC de 24,9%, correspondente a 1.925 (mil, novecentos e vinte e cinco) doses médias individuais diárias;

h. 2 (duas) placas de canábis (resina), com o peso liquido total de 156.940g (L), com um grau de pureza de THC de 25,8%, correspondente a 809 (oitocentos e nove) doses médias individuais diárias;

i. 1 (uma) placa de canábis (resina), com o peso liquido total de 95.595g (L), com um grau de pureza de THC de 17,9%, correspondente a 342 (trezentos e quarenta e duas) doses médias individuais diárias;

j. 1 (uma) placa de canábis (resina), com o peso liquido total de 82.095g (L), com um grau de pureza de THC de 23,9%, correspondente a 392 (trezentos e noventa e duas) doses médias individuais diárias;

k. 1 (um) saco de canábis (resina), com o peso liquido total de 145.550g (L), com um grau de pureza de THC de 13,5%, correspondente a 392 (trezentos e noventa e duas) doses médias individuais diárias;

14) A máquina de contar dinheiro destinava-se a confirmar o valor recebido da venda de produto estupefaciente e os telemóveis apreendidos ao Arguido eram utilizados para contactar com consumidores e com os outros indivíduos que faziam parte da rede de trafico de estupefacientes;

15) O dinheiro apreendido ao Arguido era proveniente de transações de produto estupefaciente, designadamente de canabis, não sendo conhecida ao Arguido qualquer atividade profissional ou outra lícita que lhe permitisse adquirir tais rendimentos;

Vejamos:

II.3.4. As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, dita o nº 2. Como refere Figueiredo Dias, “o processo de determinação da pena é (só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas.”

Na metodologia da determinação da pena de prisão, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar e, se for caso disso, a suspensão da sua execução.

Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele. Na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.

Ensina Figueiredo Dias, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.” (in “Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993)

Mais à frente, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Claro que, sempre sem esquecer o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado, nas suas três vertentes, de necessidade, adequação e justa medida e nunca olvidando o princípio da proibição dupla valoração

II.3.5. No caso, estamos perante um crime de tráfico p. e p. cuja pena, em abstrato, vai de um mínimo de quatro anos a um máximo de doze anos de prisão.

Nos termos do artigo 1º, al. m), do CPP, está classificado como de criminalidade altamente organizada.

As exigências de prevenção geral, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e na sua vigência (prevenção geral positiva), são muito elevadas, considerando o aumento exponencial que se tem verificado no consumo de produtos estupefacientes, sobretudo entre a população mais jovem, o qual depende necessariamente do crime de tráfico de estupefacientes. Não sendo de menosprezar o desprezo evidenciado pelos traficantes que de perto e fisicamente conhecem as trágicas consequências de quem consome. E é grande o alarme social e insegurança que nas comunidades gera o tráfico de estupefacientes.

No que respeita às exigências de prevenção geral, e como se pode ler, entre muitos, no acórdão do STJ de 05-02-2016 (Rel. Manuel Matos), o “STJ tem sublinhado que na fixação da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade”.

São prementes as exigências de prevenção especial positiva, para reintegração do agente, uma vez que o arguido recorrente se dedicava unicamente à prática de cedência e venda de estupefacientes, actividade que só cessou com a intervenção do órgão de polícia criminal e com a sua detenção.

As exigências de prevenção especial convergem aqui com exigências de prevenção geral.

Considerando as parcelas indicadas anotadas detinha na sua posse canábis com expansibilidade para 76 065 doses. Com o grau de pureza que normalmente anda associado a este tipo de tráfico.

O período do tráfico é de seis meses, tempo suficiente para causar grande danosidade social.

O número de transações gerava tanto movimento de dinheiro que demandou a compra e utilização de uma máquina de contar notas

O elevado produto das transações está também bem espelhado no montante de dinheiro apreendido no seu veículo automóvel bem indiciador de ser o resultado daquele dia.

E pese embora estar em causa um tipo de estupefaciente, canábis, que integra a Tabela I-C anexa ao DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, como este Supremo o vem afirmando, o tráfico de canábis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe.

A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”.

Efetivamente, a canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosos para a saúde.

O recorrente invoca violação do disposto nos arts 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, do Código Penal e, como expressamente sublinhou logo à cabeça das alegações, o Recorrente só discorda da determinação da graduação/apreciação da medida da pena “in casu” encontrada, que entende algo exagerada, “pois que a mesma parece reflectir culpabilidade acrescida do recorrente constituindo, na óptica do recorrente, uma pesada pena de prisão, desaconselhada para o caso dos autos.” E fundamenta o pedido de redução da pena em consideração indevida do conteúdo do CRC, natureza da droga em causa (haxixe, consequências não tão nefastas ou graves, como o são a cocaína ou a heroína), e o seu grau de pureza (25.% THC), quer o “modos operandi” pouco imaginativo e de algum amadorismo. a sua pouca apetência ou conformidade com este tipo de ilícito, que exigiria sempre maior disciplina e “empenho criminoso”.

O Ministério Público junto deste Supremo remata que “Na ponderação deste circunstancialismo à luz dos critérios emergentes dos arts. 40.º e 71.º do Código Penal e considerando a amplitude da moldura abstrata da pena aplicável (4 a 12 anos de prisão), não nos custa aceitar, por mais proporcional, uma redução da medida da pena para os 6 anos de prisão.”

II.3.6.No que respeita à decisão sobre a pena, o Supremo tem reafirmado que o recurso mantém o seu arquétipo de remédio jurídico, não se tratando de um re-julgamento da causa. Ou seja, o Supremo intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a determinação da sanção. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância.

Assim, e especialmente no que respeita à medida da pena, o recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de julgamento enquanto componente individual do acto de julgar. E a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, direccionada para o (des)respeito de princípios gerais, das operações de determinação impostas por lei, da desconsideração dos factores de medida da pena, “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

É dentro da margem de actuação assim definida que o Supremo exerce os seus poderes fiscalizadores.

Mas detetada violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer dos seus três sub-princípios da necessidade, da adequação e da justa medida, unânime é, intervenção corretiva se impõe, seja para reduzir seja para aumentar a medida concreta da pena, neste último caso se o princípio da reformatio in pejus a tal se não opuser.

Só por aí não desdenharíamos repensar a medida concreta da pena.

II.3.7. Mas aqui apresenta-se um outro elemento que nos impele a repensá-la. É o chamado referente jurisprudencial.

Efetivamente o referente jurisprudencial ou a primazia do sistema1, e no comparativo só a jurisprudência deste STJ interessa, além de constituir garante da segurança e transparência das decisões funciona igualmente como garantia da igualdade dos cidadãos. E significando referência a penas fixadas em situações similares, é argumento que se vem aceitando. “Elemento importante de ponderação em matéria de pena” como o caracteriza o ac. do STJ de 01/03/2023, proc. nº 77/21.5SWLSB.S1, Ana Brito, acrescentando que “A preocupação com o referente jurisprudencial contribui para a atenuação de disparidades na aplicação prática dos critérios legais de determinação de pena.” Na transversalidade da jurisprudência igual preocupação de aproximar2 as penas o denotam, no âmbito do cúmulo, os acs do STJ de 12/01/2022, proc. nº 695/17.6T9LRS.S1, Nuno Gonçalves, e de 15/12/2021, proc. nº 5402/20.3T8LRS.S1, Nuno Gonçalves, quando apela ao fator de compressão porque, como aí se enfatiza, “ O denominado «fator de compressão», deve funcionar como aferidor do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, devendo adotar frações diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da concreta idiossincrasia da personalidade do arguido revelada nos factos e na execução dos crimes. Somente um tal rigor na determinação da pena conjunta garante a objetividade da justiça relativa e da igualdade de tratamento dos condenados.”.

Preocupação de aproximação que tanto o princípio da igualdade como o princípio da legalidade reclamam e a regra da determinação da pena como atividade judicialmente vinculada obrigatoriamente incute. Aproximação que, desde logo por impossibilidade material de os casos e os agentes serem exatamente iguais, não se fará de régua e esquadro, ao dia ou ao mês, mas se visará em intento de, - tratando-se da mesma fenomenologia criminal, de actividade ou de actos idênticos, de agentes com necessidades de ressocialização semelhantes, manifestando-se as mesmas necessidades de prevenção geral, a consideração dos antecedentes criminais, - conseguir que quer a igualdade quer a legalidade não fiquem maculadas por aplicação de penas distintas em casos idênticos.

Ora, se por mandamento constitucional o arguido tem de conhecer por que é condenado não menos constitucionalmente imperioso é que as condenações não surpreendam e passem a ser minimamente previsíveis. Por aí passará o respeito pelo princípio da igualdade e também o respeito pelo princípio da legalidade.

Referente jurisprudencial que operará tanto por via do recurso do arguido, para redução da pena, como por via do recurso do Ministério Público a pugnar pelo aumento da sanção.

Não significa, pois, um nivelador por baixo, não obnubilando nem a “postura de severidade” do Supremo Tribunal de Justiça na “punição dos traficantes”, por “exigências de repressão rigorosa” e em “forte contributo de dissuasão” (Lourenço Martins, in “Medida da Pena, Finalidades e Escolha”, 2011); nem as exigências de prevenção geral que “não permitem que seja aplicada ao crime de tráfico a pena de prisão efetiva no seu limite mínimo.”, in ac. de ac. de 21/12/2022, 77/20.2PEVIS.C1.S1, António Gama; e muito menos permitirão a suspensão, a não ser em casos contados e excepcionalmente, in acórdão do STJ de 09-04-2015, proc. nº 147/14.6JELSB.L1.S1, João Silva Miguel),

E excluindo essa pretensão de utilização de régua e esquadro, não podemos deixar de chamar à colação os recentes acórdãos deste Supremo3:

Vejamos o recente acórdão de 06/07/2022, 9/19.0GAODM.E1.S1, Ana Brito,: foi mantida como ajustada a pena de prisão de seis anos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22/01, com referência à Tabela anexa I-B. O arguido vendeu cocaína em sete ocasiões distintas, em quantidade que variava entre 10 e 40g de cada vez, pelo qual pagava um valor que variava entre € 800,00 e € 1.800,00. E, “No dia 18.03.2021, o arguido AA, tinha na sua posse:

a) 10 notas de € 20,00, no total de € 200,00 no bolso das calças que trazia vestidas;

b) Na viatura de matrícula ..-HL-.. que conduzia, dissimulados no interior do tablier, 1,937g de cocaína, com um grau de pureza de 31,2%, suficiente para 3 doses diárias individuais;

c) € 1.800,00 em numerário, decompostos em 3 notas de € 100,00; 6 notas de € 50,00; 56 notas de € 20,00 e 8 notas de 10,00, que estavam por baixo da borracha da alavanca das mudanças, recebidos do arguido BB;

d) Uma embalagem de cartão ..., com um cartão SIM com o n.º ...28, que estava no interior do porta-luvas;

e) No interior da sua carteira, uma nota de € 5,00, um cartão SIM n.º ...98 e dois cartões já sem o respetivo SIM, com os nºs ...43 e ...13;

No interior da sua residência sita no ..., em ...:

f) 278,027g de cafeína, produto comummente usado no “corte” da cocaína, dentro de uma caixa preta;

g) 53,511g de fenacetina, produto comummente usado no “corte” da cocaína; dentro de uma caixa preta;

h) Uma balança digital de precisão, marca Sanda,

i) 35,085g de cocaína, com um grau de pureza de 30,5%, suficiente para 53 doses diárias individuais;

j) Vários sacos de plástico com recortes circulares para embalamento de estupefaciente, no interior de uma gaveta de um móvel no hall de entrada;

k) € 545,00 em numerário, decompostos em 21 notas de € 20,00; 12 notas de € 10,00 e 1 nota de € 5,00, dentro de um envelope e no interior da almofada da cama do seu quarto.”

61. Os Arguidos BB e AA, no âmbito do plano que entre eles estabeleceram e cujos termos de execução aceitaram, destinavam a cocaína à venda a terceiros, com fins lucrativos para obtenção de um proveito económico.”

O arguido BB adquiria a cocaína maioritariamente ao arguido AA, produto que comprou, pelo menos, em sete ocasiões distintas, em quantidade que variava entre 10 e 40g de cada vez, pelo qual pagava um valor que variava entre € 800,00 e € 1.800,00, produto esse que destinava ao seu consumo e à venda directa a consumidores, dose a dose.

3. O arguido AA encontrava-se, durante esse período, a residir e a trabalhar na área de ....

4. Para responder às solicitações do arguido BB, abastecia-se de cocaína na zona de ..., quando se deslocava à sua casa de morada de família, sita em ....

Do seu registo criminal constavam as seguintes condenações:

a. 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática em Maio de 2007 de um crime de tráfico de estupefacientes. A pena foi julgada extinta em 2011 – Proc. 37/07....;

b. 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática em Julho de 2006 de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. A pena foi julgada extinta em 2012 – Proc. 627/06....;”

Olhemos agora para o ac. de 21/12/2022, 77/20.2..., António Gama, que reduziu a pena de sete para seis anos,:

Citando-o: “O arguido dedicou-se ao tráfico durante um período de cinco meses (facto provado 2). Deslocava-se ao ... várias vezes por mês, e aí adquiria heroína e cocaína a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar (facto provado 3). Para a venda da cocaína e heroína, o arguido, disponibilizava aos consumidores de produtos estupefacientes, 4 números de telemóvel (facto provado 7). Não exercia outra atividade remunerada, não tinha outra fonte de rendimento, beneficiando apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 189,57, pelo que o tráfico era o seu modo de vida. Dos 17 consumidores identificados, a muito poucos realizou vendas ocasionais, aos demais vendeu a uns várias vezes por mês, a outros várias vezes por semana e a outros diariamente ou quase. O período durante o qual se verificou o tráfico – cinco meses – é objetivamente curto, mas importa ponderar que o fim do tráfico não decorreu de uma decisão pessoal do arguido de se afastar dessa atividade, mas da circunstância de ter sido detido por causa dela. Na altura da detenção, o arguido trazia consigo 97 (noventa e sete) pacotes com heroína, com o peso total de 18,478 gr., com 20,8% de grau de pureza, correspondente a 21 doses médias individuais diárias, uma embalagem de plástico contendo cocaína, com o peso total de 25,864 gr., com 24,5% de grau de pureza, correspondente a 211 doses médias individuais diárias; três embalagens de plástico contendo canábis (folhas sumidades), com o peso total de 2,697 gr., com 2,5% de grau de pureza, correspondente a uma dose média individual diária; uma embalagem contendo canábis (resina) com o peso de 0,232 gr., com 18,1% de grau de pureza, correspondente a menos de uma dose média individual diária. As quantidades vendidas não são despiciendas. Finalmente, a qualidade – percentagem de presença do princípio ativo – do estupefaciente vendido pelo arguido é a corrente neste tipo de tráfico.” Acaba o acórdão: “Assim, considerando a moldura penal abstrata já agravada pela reincidência, julgamos mais ajustada ao concreto crime de tráfico e às necessidades de prevenção geral e especial, sem esquecer a finalidade de reintegração do agente na sociedade (art. 40.º, CP), a que o recorrente se tem mostrado avesso, uma pena de seis anos de prisão.”

Relanceemos agora para o ac. de 13/09/2023, 48/20.9..., Carmo Dias, “É ajustada, adequada e proporcionada a pena de 5 anos e 3 meses de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21 n.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, por si cometido, perante o circunstancialismo fáctico apurado (ação concreta em questão nos autos, por si praticada, que se prolongou durante cerca de 4 anos, de uma forma intensa, revelada pelo número concreto de vendas de estupefacientes efetuado que foi apurado, preferencialmente porta a porta, visando apenas o lucro, uma vez que não era consumidor, mostrando a sua indiferença pelos malefícios para a vida e para a saúde dos consumidores, inclusive sendo alguns deles menores de 14 anos, desenvolvendo a sua atividade delituosa com uma certa organização, apesar de ainda trabalhar, tendo uma clientela de cerca de 40 consumidores, movimentando-se numa área de atuação alargada, tudo sendo facilitado pela viatura que utilizava, sendo elevadas as exigências de prevenção geral, apesar de ser primário), mesmo considerando todo o circunstancialismo atenuativo igualmente ponderado pelo Coletivo (v.g. confissão, verbalização de arrependimento e condições pessoais de vida).”

Na análise prospetiva que no conspecto que nos ocupa encetámos, observemos por fim o ac. do STJ de 29/09/2022, 202/19.6GDGMR.S1, Orlando Gonçalves, em que, por via de recurso do Ministério Público se eleva a pena de cinco para seis anos de prisão.

“Realçamos, na reapreciação do enquadramento jurídico-penal levado a cabo na decisão recorrida, que o arguido AA se dedicou à venda de haxixe num lapso temporal dilatado, que vai do ano de 2016 ao dia 16 de novembro de 2020, ou seja, cerca de 4 anos, e não o fez numa ou outra ocasião e a um ou outro consumidor.

Nesse período foram identificados mais de 20 consumidores a quem o arguido AA em inúmeras ocasiões, vendeu haxixe, sendo que a alguns o fez mesmo diariamente e a outros semanalmente. E se, primeiramente, exercia esta atividade só por si, posteriormente passou a organizar esta atividade com os coarguidos BB, CC, QQQ e EE, que atuavam como distribuidores de haxixe por conta do ora recorrente.

Esta atuação, embora organizada e duradoura, não era complexa na medida em que era desenvolvida essencialmente a partir da residência do ora recorrente, servindo-se de veículos motorizados e de outros meios normais de contacto com os consumidores.

Esta atividade não cessou voluntariamente, mas com a detenção dos arguidos.

Embora não se tenha apurado concretamente a quantidade de haxixe transacionado durante o período em causa, por si e através dos intermediários coarguidos, indicia-se através do número de consumidores identificado e que abasteceu durante cerca de 4 anos, bem como do número de ocasiões em que o fez, que transacionou quantidade não despicienda daquele produto estupefaciente.”

II.3.8. Assim, por mais adequada e proporcional às finalidades das penas, por responder às necessidades de prevenção geral e especial, por estar ainda dentro do limite da culpa, entende o Supremo Tribunal de Justiça fixar em seis anos a pena de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º1, do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro.

III - DECISÃO

Assim, dá-se provimento parcial ao recurso e altera-se a pena aplicada ao arguido AA por crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, nº 1, do DL 15/93, de 22 de janeiro, reduzindo-a para seis anos de prisão.

Sem tributação.

STJ, 11 de outubro de 2023

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Barata Brito (Juíza Conselheira Adjunta)

Teresa Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

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1. A primazia do sistema resulta do artigo 8º, nº 3, do C. Civil, quando manda atender a todos os casos análogos de modo a obter uma interpretação e uma aplicação uniformes do direito. “A Lei aponta para um dado conhecido: em cada caso, não é apenas a norma que funciona: antes o sistema na sua plenitude.” in “Código Civil Comentado”, I, Parte Geral, Menezes Cordeiro, Almedina 2020.

2. “Aproximar” e não igualizar, porque a igualização é finalidade não almejável, tão singulares são os casos, tão particulares e peculiares são no concreto as personalidades. “Cada caso transporta em si a natureza de “caso único”, e irrepetível”, in ac. do STJ de 22/06/2022, proc. nº 8/21.2JAPDL.S1, Ana Brito.

3. Com a anonimização observada na publicação no sítio da dgsi.