Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2837/18.5T8STR.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
CESSÃO
INTERMEDIÁRIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANO
PERDA DE INVESTIMENTO
Data do Acordão: 06/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :
Ocorrida a cessão de valores mobiliários (obrigações) antes da data do seu vencimento, tal não implica a concomitante transmissão do direito de indemnização que tenha por sujeito passivo o intermediário financeiro: esse direito não constitui um direito inerente, representado através dos títulos, nem estaria perfeito à data da cessão, uma vez que o dano (perda do investimento) apenas se consumou depois, com o incumprimento definitivo pela entidade emitente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I.

AA intentou esta acção declarativa, sob a forma comum, contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A..

Pediu a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00, acrescida dos juros vencidos e vincendos, assim como na quantia de € 10.000,00, a título de danos morais;

Subsidiariamente, pediu a declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira celebrado com o réu, que deu origem às ordens de subscrição de obrigações SLN 2004 e SLN 2006, no valor global de € 100.000,00, e, em consequência, a condenação do réu a restituir-lhe esse montante, acrescido de juros, à taxa legal, desde 11.10.2014, reportados à obrigação SLN Rendimento Mais de 2004, e 12.10.2015, reportados à Obrigação SLN de 2006, até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou:

Seu pai, BB (já falecido), em … de 2004, dirigiu-se ao Balcão do BPN, (agência de ...), com vista a proceder a um depósito a prazo, no montante de € 50 000,00;

O gerente de conta propôs-lhe que, ao invés de fazer o depósito a prazo a que se propunha, adquirisse um produto financeiro, que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhe daria um maior rendimento;

Perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), o seu pai anuiu a tal proposta e aceitou adquirir tal produto.

O seu pai adquiriu o produto designado como SLN Rendimento Mais, 2004, aquisição essa subordinada às garantias que lhe estavam a ser dadas pelo identificado gerente de conta do BPN, na agência de ...;

Posteriormente, em Abril de 2006, o seu pai foi contactado pelo mesmo gerente de conta que lhe propôs de novo a aquisição de uma Obrigação SLN, agora de 2006, reafirmando-lhe que tal produto tinha exactamente as mesmas garantias daquele que anteriormente tinha adquirido, isto é, que tinha juros garantidos, capital garantido e maior remuneração em relação ao depósito a prazo, e que era como se fosse um depósito a prazo mas com juros mais elevados, e que tinha garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento), garantia essa que era dada pelo próprio Banco.

Desta forma, e, perante as garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente de conta, o seu pai anuiu à aquisição de tal produto, já que quer as garantias que lhe estavam a ser dadas, quer a total confiança que lhe merecia o seu gerente de conta, a tanto o convenceram, posto que teria uma maior rentabilidade do seu dinheiro e que o mesmo se mostrava tão seguro naquele produto como num depósito a prazo;

Em virtude do muito débil estado de saúde do seu pai, este, em 28.02.2014, deu ordem de transferência para nome da autora de tais Obrigações, tendo aceitado tal transferência;

Com tal transferência de posição, ficou a ser titular das referidas obrigações, titularidade que ainda hoje se mantém;

No que respeita à aplicação SLN, rendimento mais de 2004, foram pagos integralmente os juros contratualizados; quanto à Obrigação SLN 2006, os juros foram pagos até ao dia 12.10.2015.

Em Outubro de 2011, e confiante naquilo que o referido gerente de conta do BPN havia afirmado e garantido a seu pai, este deslocou-se ao BANCO-BPN, (nessa data já nacionalizado e da responsabilidade do Estado que o detinha a 100%) com vista a proceder ao resgate do capital investido, mas foi informado que, ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhe havia sido garantido.

Começaram nessa data a gerar-se no seu pai angústias e receios, angústias essas que se estenderam a si própria e que foram causa directa e necessária do agravamento do estado de saúde do seu pai e de si própria.

Verificado que se mostrava vencido o prazo de dez anos, contratualmente estabelecido, foi o seu pai informado de que a aplicação financeira em causa não tinha cobertura de garantia de capital, que era uma subscrição de obrigações da SLN –Sociedade Lusa de Negócios, S.A., e que, uma vez que a referida sociedade se mostrava insolvente, tal resgate não lhe seria concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no processo de Insolvência.

O réu contestou, defendendo-se por excepção, arguindo a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer, e por impugnação, contestando a maior parte da factualidade articulada na p. i., alegando:

Não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco; tal juízo tem de ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos, e o certo é que uma Obrigação era então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente;

Nunca o banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que o banco garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores;

Não foi também violado qualquer dever legal de informação, sendo a subscrição em análise perfeitamente válida e eficaz relativamente à autora.

Concluiu pela total improcedência da acção.

A autora respondeu, pronunciando-se pela improcedência da referida excepção.

No saneador, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição.

Percorrida a tramitação subsequente, foi, a final, proferida sentença com este dispositivo:

Em face do exposto, e vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação, por parcialmente provada e, em consequência condeno o réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. a pagar à autora AA a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), relativa à subscrição e não reembolso da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 27 de outubro de 2014 até integral e efetivo pagamento, e a quantia de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), relativa à subscrição e não reembolso da Obrigação SLN 2006, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 9 de maio de 2016, até integral e efetivo pagamento, absolvendo-se o réu no demais peticionado pela autora.

Inconformado com esta decisão, o réu veio interpôs recurso de revista per saltum, tendo formulado as seguintes conclusões:

1) Resulta dos factos provados que o pai da A., cedeu as suas Obrigações à A. em 28 de Fevereiro de 2014 – antes do vencimento de qualquer das emissões.

2) A essa data, a SLN – entidade emitente das Obrigações negociadas – não estava em situação de incumprimento.

3) Só na data de declaração de insolvência se verificou, então sim, o incumprimento definitivo! E só nessa data se consuma o dano que um tal incumprimento implica!

4) O dano a que a A. se refere nos autos refere-se inelutavelmente ao incumprimento definitivo do reembolso das obrigações, porquanto apenas com a situação de verificação objectiva do incumprimento do reembolso incorre o respectivo investidor num desvalor patrimonial equivalente ao que juridicamente chamamos dano!

5) Até esse momento de confirmação do não-reembolso, existe a expectativa, maior ou menor, de receber a prestação a que cada credor tinha direito!

6) No caso sub judice, a cessão de titularidade da Obrigação ocorreu num momento anterior a se verificar o incumprimento definitivo do reembolso, apenas verificado com a declaração de insolvência da SLN!

7) Esta simples circunstância implica que o pai da A. não sofreu qualquer dano, pois que, à data de cessão do instrumento financeiro à A. não havia ainda sofrido o dano. Este, enquanto decorrência do incumprimento definitivo da obrigação de reembolso do capital, veio a materializar-se apenas em data em que o título pertencia já à A.

8) A cessão das obrigações à sociedade-Autora constitui um negócio de endosso sobre valores mobiliários, pelo qual o adquirente (A.) ingressa na posição jurídica do cedente (seu pai), concreta e exclusivamente, quanto a todos os direitos inerentes a tais instrumentos, considerados estes enquanto todos os direitos que emergem da relação jurídica geral assumida pela entidade emitente dos títulos e que constituirão os direitos à remuneração e ao reembolso do capital.

9) O direito a indemnização em si mesmo, e ainda que fosse já perfeito à data da cessão (que, já vimos, não era!), não é um direito inerente ao valor mobiliário!

10) Os direitos inerentes não incluem, sob qualquer perspectiva, qualquer conjunto de actos ilícitos e/ou culposos de que o cedente houvesse sido “vítima”, como que deixando pendente a formação a um eventual direito de indemnização se completados os restantes pressupostos desse direito – ou há direitos formados ou não haverá nada!

11) Como os direitos inerentes às Obrigações não incluem qualquer direito sobre entidades terceiras à entidade emitente.

12) A responsabilidade civil é uma das fontes das obrigações. E, para se verificar, necessita da verificação cumulativa dos pressupostos previstos no art.º 483º e 798 do Código Civil! Só quando verificados esses pressupostos existe o respectivo direito.

13) Em suma, não se formou qualquer direito de indemnização, fosse na esfera do pai da A., por não ter sofrido qualquer dano, ou da A., por não ter sofrido qualquer acto ilícito ou culposo que fosse causa do não reembolso da obrigação de que foi titular!

14) De facto, o Banco apenas interveio, na qualidade de intermediário financeiro, na operação de venda das Obrigações ao pai da A., e não na transferência da titularidade dos títulos para a A.

15) O Tribunal a quo violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto nos arts. 55º e 210º do CdVM, 483º, 562º, 564º e 798º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido.

A autora contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

II.

Questões a resolver

Discute-se no recurso se a autora, como titular (cessionária) das Obrigações SLN que lhe foram transmitidas por seu pai, tem direito de indemnização contra o réu, pela actuação deste, como intermediário financeiro, na subscrição desses títulos, como foi reconhecido na sentença.

III.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 16 de julho de 2003, o pai da autora e o Banco BPN subscreveram o contrato para registo e depósito de valores mobiliários, constante de fls. 127 e 128.

2. Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes do dia 8 de outubro de 2004, o pai da autora, BB (já falecido), dirigiu-se ao Balcão do BPN, da agência de ..., com vista a proceder a um depósito a prazo, no montante de € 50 000,00 (cinquenta mil euros).

3. Aí chegado, foi recebido pelo gerente de conta do BPN, CC, que ao inteirar-se das intenções do pai da autora, lhe propôs que, ao invés de fazer o depósito a prazo a que se propunha, adquirisse um produto financeiro, que tinha as mesmas garantias e segurança de um depósito a prazo, mas que lhe daria um maior rendimento.

4. Para tal efeito, foi-lhe dito que, porque o valor de aquisição do referido produto tinha como limite mínimo de aplicação € 50 000,00 (cinquenta mil euros), o pai da autora poderia adquirir uma obrigação SLN Rendimento Mais 2004, por aquele valor e assim obteria o referido produto, que lhe traria um melhor rendimento, e que tinha o reembolso do capital garantido pelo BPN.

5. Desta forma, e perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), o pai da autora, anuiu a tal proposta e aceitou adquirir tal produto.

6. Com data de 8 de outubro de 2004, o pai da autora, BB adquiriu o produto designado como SLN Rendimento Mais 2004, subscrevendo o documento de fls. 61, aquisição essa subordinada às garantias que lhe estavam a ser dadas pelo identificado gerente de conta do BPN, na agência de ..., (atual BANCO BIC, ora réu).

7. Posteriormente, em data não concretamente apurada do ano de 2006, mas que se situa entre 10 de abril de 2006 e 5 de maio de 2006, o pai da autora foi contactado pelo gerente de conta do BPN, da agência de ..., CC, que lhe propôs de novo a aquisição de uma Obrigação SLN, agora de 2006, reafirmando-lhe que tal produto tinha exactamente as mesmas garantias daquele que anteriormente tinha adquirido, isto é, que tinha juros garantidos, capital garantido e maior remuneração em relação ao depósito a prazo, e que era como se fosse um depósito a prazo mas com juros mais elevados, e que tinha garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento), garantia essa que era dada pelo próprio Banco.

8. Desta forma, e perante as garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente acima referido, que lhe propôs de novo a aquisição de uma Obrigação SLN agora de 2006, reafirmando-lhe que tal produto tinha exactamente as mesmas garantias daquele que anteriormente tinha adquirido, isto é, que tinha juros garantidos, capital garantido e maior remuneração em relação ao depósito a prazo, e que era como se fosse um depósito a prazo mas com juros mais elevados, e que tinha garantia de reembolso do capital a 100% (cem por cento), garantia essa que era dada pelo próprio Banco, o pai da autora anuiu à aquisição de tal produto, já que quer as garantias que lhe estavam a ser dadas, quer a total confiança que lhe merecia o seu gerente de conta, a tanto o convenceram.

9. O pai da autora desconhecia que o produto em causa consubstanciava aquisição de dívida e quem era a emitente do mesmo.

10. Em 28 de fevereiro de 2014, pai da autora deu ordem de transferência para o nome da sua filha, aqui autora, da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e da Obrigação SLN de 2006, tendo a mesma aceite tal transferência para seu nome.

11. Com tal transferência de posição, ficou a autora a ser titular das referidas obrigações, titularidade que ainda hoje se mantém.

12. No que reporta à aplicação SLN Rendimento Mais de 2004, foram pagos integralmente os juros contratualizados, e no que reporta à Obrigação SLN 2006, foram pagos até ao dia 12 de outubro de 2015.

13. As Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e as Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela “SLN, SGPS, S.A.”, sociedade titular de 100% do capital social do BPN, participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizado.

14. Foi com base na informação de que o capital investido estava garantido que o pai da autora deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos, sendo certo que sem essa informação aquele não daria o seu acordo na aquisição dos identificados produtos financeiros.

15. Se o Banco réu não tivesse dado ao pai da autora a garantia do retorno do capital investido este não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados produtos financeiros.

16. Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre o pai da autora e o BPN, aquele confiou nas informações prestadas pelo seu gerente de conta, CC, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, como tal, sem risco, e que tinha o seu reembolso garantido pelo Banco.

17. Os produtos financeiros adquiridos pelo pai da autora foram-lhe apresentados como sendo tão seguros como um depósito a prazo, que tinham as mesmas garantias de um depósito a prazo, mas que não eram um depósito a prazo.

18. Na data do vencimento o Banco réu não restituiu o montante de € 10.000,00 que este lhe havia confiado por virtude da aquisição das Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e da Obrigação SLN de 2006.

Foram julgados não provados os seguintes factos:

1. Foi em virtude do seu já muito débil estado de saúde, que em 28 de fevereiro de 2014, pai da autora deu ordem de transferência para o nome da sua filha, aqui autora, da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e da Obrigação SLN de 2006.

2. Estado de saúde que se agravou quando no decurso do tempo e dos vários episódios reportados à presciência que lhe advinha da impossibilidade de recuperação do seu dinheiro, dinheiro este que havia amealhado durante toda uma vida e proveniente de inúmeros e incontáveis sacrifícios e de muito trabalho.

3. O gerente de conta, CC exibiu ao pai da autora os folhetos de fls. 65 e 66 dos autos.

4. O pai da autora, em outubro de 2011, mais precisamente cinco anos decorridos após a segunda das aplicações financeiras, deslocou-se ao BPN com vista a proceder ao resgate do capital investido.

5. E, nessa data foi informado que, ao contrário do que lhe havia sido dito e garantido, só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual e não antes como lhe havia sido garantido.

6. Começaram nessa data a gerar-se no pai da autora angústias e receios mais do que justificadas, angústias essas que se estenderam à autora, e que foram causa directa e necessária ao agravamento do estado de saúde do seu pai e da própria autora.

7. Quer o pai da autora, quer a autora, confrontados com a ideia de perder todo o dinheiro que aquele tinha investido na aplicação financeira cujas garantias de retorno total lhe foram dadas, passaram noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir exercer a sua actividade normal, dias e dias de conflitualidade familiar, factos estes que criaram não só uma desestabilização no seio do agregado familiar, como foram determinantes ao agravamento do estado de saúde quer do pai da autora, quer da autora que ainda hoje, sofre de depressão e angústia decorrente dos factos expostos.

8. Acresce o facto de a autora ver agravada dia a dia a sua situação de saúde tendo uma constante necessidade de apoio médico especializado.

9. O investimento efectuado em Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e da Obrigação SLN de 2006 era um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.

10. Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

11. Nunca o Banco réu, através dos seus colaboradores, transmitiu aos seus clientes que garantia a emissão, até porque esse era um problema que não era sequer colocado pelos clientes ou imaginado pelos colaboradores.

12. O produto foi sempre apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não da entidade colocadora Banco.

13. O Banco réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu de acordo com a vontade do pai da autora, que lhe transmitiu as instruções ao abrigo do contrato para registo e depósito de valores mobiliários assinado em julho de 2003.

14. O Banco réu, tal qual estava obrigado, prestou ao pai da autora informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, quanto às obrigações por ele subscritas.

15. No momento da subscrição o Banco réu informou o subscritor de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco réu – a “SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”

16. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da “SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, a partir do quinto ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

17. E que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

18. O Banco réu cumpriu então com todos os seus deveres de informação, designadamente informando o pai da autora sobre todos os elementos que constavam das notas informativas dos produtos, que ademais se encontravam disponíveis para consulta pelo mesmo.

IV.

Na sentença recorrida concluiu-se pela verificação dos pressupostos de responsabilidade do Banco réu na sua intervenção (rectius, do seu antecessor) como intermediário financeiro na subscrição das obrigações pelo pai da autora, tendo aquele sido condenado na indemnização do dano provocado, que consistiu no não reembolso do capital investido e respectivos juros.

Na acção não foi posta em causa essa qualidade em que interveio o Banco (cfr. art. 294º, nº 1, al. a) do CVM).

Nessa relação de intermediação, como se afirmou na sentença, estabelece-se um vínculo que responsabiliza o intermediário financeiro pelo rigor das informações que presta aos clientes, muito em especial aos clientes não qualificados (cfr., designadamente, os arts. 304º, 7º e 312º do CVM).

Essa responsabilidade encontra-se prevista no art. 304º-A do CVM (e, de modo idêntico, no anterior art. 314º), nestes termos:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Perante esta disposição legal, conjugada com o regime previsto no art. 798º do CC, pode afirmar-se que a responsabilidade, obrigacional, do intermediário financeiro pressupõe a prática de um facto ilícito (concretizada, aqui, na violação de deveres legais respeitantes ao exercício da actividade), a culpa (que se presume, cabendo ao intermediário demonstrar que a violação não provém de culpa sua), o dano (perda do capital investido) e o nexo de causalidade entre aquele facto ilícito e este dano.

Na sentença, com base na factualidade provada, entendeu-se que o "Banco réu prestou ao pai da autora informação inverdadeira relativa à garantia do reembolso por si do capital investido por aquele", tendo actuado de forma ilícita, violadora "dos deveres de informação, bem como, dos princípios da boa fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito".

Teve-se em conta que se presume a culpa do intermediário financeiro.

Acrescentou-se que aquela informação falsa incidiu sobre um aspecto essencial para a decisão de subscrever as obrigações – a segurança do reembolso do produto financeiro –, verificando-se, assim, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano patrimonial sofrido pela autora, que consistiu no não reembolso do capital investido.

No que respeita à relação entre a autora e o Banco, afirmou-se na sentença:

"Na verdade, a presente ação tem contornos diferentes das habituais ações que têm sido intentadas nos tribunais portugueses (e para isso basta atentar na vasta jurisprudência existente) relativamente à responsabilidade do denominado intermediário financeiro e muito concretamente no que tange às em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006.

De facto, o réu suscitou esta questão na sua douta contestação ao alegar, nos artigos 62.º e 63.º, que “(…) relativamente à Autora, o Banco Réu não exerceu qualquer actividade de intermediação financeira (…) Tendo-se limitado, em Fevereiro de 2014, a cumprir uma ordem cruzada de cedência de títulos dada por dois clientes do banco.”

Na verdade, não se logrou demonstrar, porque alegado também não o foi, ter havido pelo banco réu, qualquer violação dos deveres de informação decorrentes da atividade de intermediação financeira para com a autora.

Provou-se que em 28 de fevereiro de 2014, o pai da autora deu ordem de transferência para o nome da sua filha, aqui autora, da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e da Obrigação SLN de 2006, tendo a mesma aceite tal transferência para seu nome (facto provado sob o número 10) e que com tal transferência de posição, ficou a autora a ser titular das referidas obrigações, titularidade que ainda hoje se mantém (facto provado sob o número 10).

Com efeito, concordamos com o Banco réu que, no âmbito específico da dita transferência de posição/cessão (em fevereiro de 2014), de pai para filha (do pai da autora, enquanto inicial investidor, para esta, enquanto cessionária das obrigações subscritas/adquiridas por seu pai), não existiu uma atividade de intermediação financeira porque não foi alegado, logo não ficou provado, qualquer intervenção do banco réu, embora tal cessão de posição tenha sido solicitada ao Banco réu que subscreveu as “comunicações de cliente” constantes de fls. 63 e 64 dos autos.

E nem o quadro fáctico provado evidencia que tenha havido nesse momento (fevereiro de 2014) qualquer violação de deveres de informação, ou outros, decorrentes da atividade de intermediação financeira. (…)

A fase negocial e de contratação para subscrição pelo pai da autora já tinha ocorrido anteriormente, altura em que devia ser prestada pelo intermediário financeiro a informação legalmente exigida ao investidor, pelo que esse capítulo da contratação estava encerrado, apenas se tratando depois, como visto, da unilateral cessão pelo investidor a terceiro, que, por isso, se limitava a ingressar na posição contratual do cedente ou na titularidade do respetivo crédito, sem qualquer nova vinculação contratual (do cessionário) com a contraparte, apenas cabendo ao outro contraente consentir na transmissão ou, a entender-se que o caso é de transmissão de crédito, aceitá-la ou, ao menos, ser dela notificado, como o foi.

Não era, pois, exigível então que o Banco réu voltasse a prestar informações cerca dos produtos financeiros consistentes na Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e na Obrigação SLN de 2006, a não ser que o banco réu tivesse optado por prestá-la de novo – o que não se alega, nem prova –, situação em que ficaria obrigado a um dever de informação exata e completa, com as legais consequências, mormente no discutido plano indemnizatório.

Não obstante, entendemos que o momento fulcral para se aferir da responsabilidade do Banco réu tem que se reportar a outubro de 2004 (altura em que o pai da autora investiu na aquisição de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004) e data que se situa entre 10 de abril de 2006 e 5 de maio de 2006 (altura em que o pai da autora investiu na aquisição de uma Obrigação SLN 2006) os momentos das iniciais contratações por BB.

É neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 1613/17.7T8LRA.C1, in www.dgsi.pt, onde se lê no respetivo sumário: “Se aquele cliente investidor transmitiu a terceiro a sua posição contratual/crédito, o que fez junto do banco intermediário, é ao cessionário/transmissário, que se vê, a final, privado do capital investido, que cabe o direito indemnizatório.”, posição que subscrevemos e adotamos.

São naqueles dois momentos, que os factos provados mostram claramente a intervenção do Banco réu como intermediário financeiro perante o pai da autora, enquanto investidor/adquirente das obrigações.

Na verdade, naqueles dois momentos temporais (outubro de 2004 e entre 10 de abril de 2006 e 5 de maio de 2006) o Banco réu atuou na veste de intermediário financeiro, atraindo o seu cliente (pai da autora) a investir os seus € 100 000,00 (cem mil euros) naquelas obrigações, como realmente investiu, o que não teria feito sem a intervenção do Banco réu.

E provando-se que a autora ingressou na posição que lhe foi transmitida por seu pai, com referência aos investimentos realizados, através de uma substituição de sujeitos num dos lados da relação estabelecida, tornando-se credora, teremos que admitir que à autora assistem, efetuada a transmissão, os direitos e deveres que cabiam ao respetivo transmitente, seu pai. E é aqui que, de acordo com factualidade oportunamente alegada, a autora invoca a violação, ao tempo da inicial vinculação, do dever de informação pelo Banco réu, enquanto intermediário financeiro, perante o investidor seu cliente (o transmitente para a autora, em cuja posição este ingressou por força da cessão realizada).

O recorrente, sem concordar com a conclusão a que se chegou na sentença sobre a sua responsabilidade, não discute verdadeiramente a verificação dos pressupostos dessa responsabilidade.

O que, no essencial, defende é que a autora, como cessionária, não é titular, nem adquiriu qualquer direito de indemnização sobre si.

Com efeito, em breve síntese, alega que:

Por um lado, a cessão da obrigação à autora constitui um negócio de endosso sobre um valor mobiliário, pelo qual o adquirente ingressa na posição jurídica do cedente, concretamente quanto a todos os direitos inerentes a tais instrumentos.

Mas o direito a indemnização em si mesmo, e ainda que fosse já perfeito à data da cessão (que não era!), não é um direito inerente ao valor mobiliário.

Por outro lado, o dano apenas se materializou em data em que o título já pertencia à autora.

Ora, os direitos inerentes não incluem qualquer conjunto de actos ilícitos e/ou culposos de que o cedente houvesse sido “vítima”, como que deixando pendente a formação a um eventual direito de indemnização se completados os restantes pressupostos desse direito.

Assim, não se formou qualquer direito de indemnização, fosse na esfera do pai da A., por não ter sofrido qualquer dano, ou da A., por não ter sofrido qualquer acto ilícito ou culposo que fosse causa do não reembolso da obrigação de que foi titular, sendo certo que, para haver responsabilidade, a verificação desses pressupostos teria de ser cumulativa.

Crê-se que tem razão.

Como ficou provado, o pai da autora subscreveu uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 e uma Obrigação SLN 2006.

Em 28.02.2014, ainda antes do vencimento de qualquer dessas Obrigações, o pai da autora deu ordem de transferência desses títulos para o nome desta, que aceitou tal transferência para si.

Decorre do disposto no art. 348º, nº 1, do CSC que obrigações são valores mobiliários que conferem direitos de crédito.

Assim, a obrigação, como valor mobiliário, representa um direito de crédito sobre a entidade emitente, tendo subjacente um típico contrato de mútuo: o credor obrigacionista tem o dever de entregar fundos à entidade emitente e esta fica obrigada a restituir o montante que lhe foi entregue (mutuado) e a satisfazer os juros convencionados (cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3ª ed., 139; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos valores Mobiliários, 158; Nuno Barbosa, Código das Sociedades Comerciais em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu), Vol. V, 777).

A titularidade de valores mobiliários confere legitimação activa de exercício, como se estabelece no art. 55º, nº 1, do CVM: quem for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhe são inerentes.

Nos termos do nº 3 desta disposição legal, são direitos inerentes aos valores mobiliários, além de outros que resultem do regime jurídico de cada tipo:

a) Os dividendos, os juros e outros rendimentos;

b) Os direitos de voto;

c) Os direitos à subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo.

Explica Paulo Câmara (Ob. Cit., 123 e 124) que "na sua configuração mais comum, o valor mobiliário representa direitos subjectivos. Como tal, as situações jurídicas representadas através deste instrumento podem ser múltiplas. A cada uma dessas situações usa denominar-se direito inerente, que mais não é que a situação jurídica activa que, em conjunto com outras, está representada, em termos unitários, através de um valor mobiliário".

Estas situações inerentes constituem, assim, o "conteúdo" dos valores mobiliários; "não é possível transmitir valores sem que aquelas sejam transmitidas; as situações inerentes são as que constam da definição legal do tipo, da categoria dos valores mobiliários e das condições de emissão" (A. Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários, 159).

Esta caracterização permite-nos afirmar que o direito de indemnização reconhecido nestes autos não constitui um direito inerente. Saliente-se que esses direitos serão os que se encontram representados no valor mobiliário, integrando o respectivo conteúdo; têm, pois, a ver com esse conteúdo.

Tratando-se de Obrigações, como é característico destas, esses direitos traduzem-se para o credor obrigacionista, sobretudo, no direito de reembolso do capital e aos juros convencionados.

Ora, como se decidiu, o referido direito de indemnização tem como fonte a responsabilidade do intermediário financeiro pela sua actuação ilícita, violadora dos deveres a que estava adstrito nessa qualidade e que foi determinante na decisão, por parte do pai da autora, de subscrever as Obrigações, daí derivando, adequadamente, o prejuízo sofrido, ou seja, a perda do investimento, que se tinha por (falsamente) garantido.

O dever de indemnização impende, pois, sobre terceiro, com intervenção directa e activa na aquisição dos aludidos valores mobiliários, mas no âmbito da relação, de intermediação, que para esse efeito se estabeleceu, diferente da que se constituiu entre a entidade que emitiu os valores mobiliários e o respectivo credor.

A relação de intermediação financeira gera para o intermediário um conjunto de deveres que este tem de satisfazer, sob pena de poder vir a ser responsabilizado pelos danos causados com esse incumprimento, como se considerou no caso. Todavia, como parece evidente, essa responsabilidade é estranha ao título, não se integrando nas situações jurídicas por este representadas.

O direito de indemnização, assim gerado, constitui um direito autónomo em relação ao título; não lhe é inerente.

Daí que, efectuada a transferência das Obrigações do pai da autora para esta, essa transmissão não fosse susceptível de, por si, operar, concomitantemente, a transmissão do direito de indemnização sobre o intermediário financeiro.

Será de referir, aliás, que a cessão de créditos determina, como mero efeito do contrato, a transmissão do direito para o cessionário (art. 577º do CC).

E, por regra, importa também a transmissão para o cessionário das garantias e acessórios do direito transmitido (art. 582º, nº 1, do CC), aí se incluindo, como é pacífico, o direito de indemnização por incumprimento, impossibilidade culposa da prestação ou incumprimento defeituoso, quer estas situações se verifiquem antes, quer depois da cessão (Cfr. Menezes Leitão, Cessão de créditos, 336 e segs; LM Pestana de Vasconcelos, Dos Contratos de Cessão Financeira (Factoring), 304; C. Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, 162).

Repare-se, porém, que, como se referiu, o direito de indemnização reconhecido na sentença constitui um direito autónomo sobre o intermediário financeiro; não é um acessório do direito cedido, não resultando da violação ou incumprimento de quaisquer obrigações incorporadas nos valores mobiliários transmitidos; não pode, por isso, considerar-se abrangido nessa transmissão.

Aliás, ao aludir-se aos efeitos da cessão, é comum dizer-se que esta "opera, imediatamente, a transferência do direito à prestação do cedente para o cessionário, com todas as faculdades que lhe sejam inerentes" (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, T IV, 222).

Ora, com a cessão, a autora ingressou na posição jurídica do cedente quanto a todos os direitos inerentes aos valores mobiliários cedidos, mas nestes não estaria, de qualquer modo, abrangido o direito de indemnização que teria por sujeito passivo o intermediário financeiro.

Por outro lado, importa notar que esse direito de indemnização, reconhecido na sentença, não existia ainda à data da cessão, uma vez que o dano, que se materializou com o incumprimento das Obrigações, apenas se verificou quando estas já pertenciam à autora.

Assim, a não existência ainda desse direito constituiria, desde logo, um óbvio obstáculo à cessão do mesmo, não podendo esta envolver, como refere o recorrente, a transmissão de um mero conjunto de actos ilícitos e/ou culposos de que o cedente foi vítima.

Acrescente-se que o dano que essa indemnização visaria ressarcir seria a perda do investimento efectuado com a subscrição das Obrigações. Não se identifica com o interesse positivo no cumprimento da obrigação de reembolso que o valor mobiliário incorpora.

É esta, parece, a posição que, para contornar as razões invocadas pelo recorrente, a recorrida acaba por defender nas contra-alegações, co-responsabilizando o Banco pelo incumprimento da obrigação de reembolso na data do vencimento, aludindo expressamente à existência de uma "clara assunção de dívida".

Fê-lo, porém, apenas nas conclusões (cfr., designadamente, as 8ª e 14ª conclusões) que não têm, manifestamente, correspondência com o teor das alegações (onde não se alude, em lugar algum, à assunção da dívida), não constituindo, assim, uma verdadeira síntese destas (art.639º, nº 1, do CPC).

De todo o modo, é certo que o pedido principal formulado na acção assentava também nesse fundamento. Na sentença, porém, se bem a interpretamos, não foi assim considerado: como acima se sintetizou, a garantia do reembolso dada pelo Banco seria um dos elementos da informação falsa que se entendeu constituir fundamento para o responsabilizar nos termos referidos.

Seguiu-se, no fundo, o entendimento exposto no Acórdão do STJ de 19.03.2019 (relatado pelo aqui Exmo 1º Adjunto e subscrito também pela ora Exma 2ª Adjunta, no Proc. 3922/16, acessível em www.dgsi.pt), em que se apreciou um caso similar (à parte a cessão) e que aqui se subscreve.

Afirmou-se aí, depois de breve caracterização da assunção de dívida e das modalidades em que esta se pode revelar, tendo em atenção o disposto no art. 595º do CC:

"Ora, no caso vertente nenhuma destas hipóteses de assunção de dívida alheia se concebe. Se se atentar nos factos (…) ver-se-á que (como aliás alegado pelos próprios pelos Autores) os Autores não representaram (não tiveram a noção) de que estavam a adquirir obrigações e que estava envolvida no negócio, como devedora do retorno do capital e do pagamento dos juros, uma terceira pessoa (a entidade emitente, SLN). Neste contexto, afigura-se que não faz o menor sentido falar-se em co-assunção da dívida por parte do Réu (e muito menos em transmissão da dívida), precisamente porque a assunção de dívida alheia pressupõe que o credor tenha consciência da existência de um outro devedor (o devedor primitivo) e aceite o afastamento deste da obrigação ou aceite a introdução de um novo devedor. O que não significa, bem entendido, que os Autores não pudessem gozar de um cumulativo direito de crédito contra a entidade emitente, mas que teria por fundamento outro tipo de enquadramento jurídico, que não o decorrente da relação (serviço) de intermediação financeira e aqui em causa.

Na realidade, a circunstância de se saber que foi dito aos Autores que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significa, dentro da economia da demais factualidade conhecida e supra descrita, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização. E não já que assumiu perante os Autores, que a desconheciam, qualquer dívida de outrem para com eles".

Em suma: a autora não adquiriu o direito de indemnização sobre o Banco réu, nem este pode ser responsabilizado pelo cumprimento da obrigação de reembolso que impendia sobre a entidade emitente dos valores mobiliários.

Entende-se, por conseguinte, que as conclusões deste recurso devem proceder.

Como se referiu inicialmente, a autora pediu, subsidiariamente, a declaração de nulidade do contrato de intermediação financeira celebrado com o Banco.

Esta questão foi considerada prejudicada, tendo em atenção a decisão proferida, de procedência do pedido principal.

Não subsistindo esta decisão, há que reenviar o processo à 1ª instância para que possa ser apreciado e decidido aquele pedido subsidiário (cfr. art. 679º do CPC).

V.

Em face do exposto, concede-se a revista e, em consequência:

- Revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente o pedido principal de condenação formulado pela autora, absolvendo-se o réu desse pedido;

- Determina-se o reenvio do processo à 1ª instância para apreciação do pedido subsidiário formulado pela autora.

Custas do recurso a cargo da recorrida.

Lisboa, 16 de Junho de 2020.

F. Pinto de Almeida – Relator

José Rainho

Graça Amaral

Tem voto de conformidade do 1º Adjunto, Conselheiro José Rainho (art. 15ºA aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 673º, nº 7, do CPC).

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