Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1094/10.6TTPRT.P2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
REINTEGRAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 06/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVOGADO O ACÓRDÃO, REMETENDO-SE OS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Sumário :

I- A indemnização em substituição da reintegração do trabalhador é fixada em função da retribuição base (e diuturnidades).

II- O STJ encontra-se vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido (art. 682o, no 1, do CPC), só podendo alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto no caso excecional previsto no n.o 3 do artigo 674.o (cfr. no 2 do mesmo art. 682o)

III- Não constando da factualidade assente o montante da retribuição base, impõe-se proceder à ampliação da matéria de facto.

Decisão Texto Integral:

Revista n.o 1094/10.6TTPRT.P2.S1


MBM/ JG/ RP


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA instaurou a presente ação declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Universidade Portucalense Infante D. Henrique - Cooperativa de Ensino Superior – CRL.


2. A ação foi julgada parcialmente procedente na primeira instância, decidindo:


I – Condenar a Ré:


a) a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e, consequentemente a reconhecer a manutenção da relação laboral entre o Autor e a Ré;


b) a reintegrá-lo no seu posto e local de trabalho, com a categoria, antiguidade, direitos adquiridos e retribuição que teria se não tivesse sido despedido;


c) a pagar ao Autor a quantia de € 6.437,84 correspondente às retribuições já vencidas até à presente data, a que acrescem a quantia de € 3.218,92, por cada mês que decorra desde a presente até à reintegração do trabalhador, bem como os respetivos subsídios de férias e de Natal que, entretanto, se venham a vencer;


d) a pagar ao Autor, a título de subvenção mensal vitalícia pelo desempenho das funções de Diretor de Departamento, a quantia total de € 75.669,30, vencidas e vincendas, no valor mensal de € 1.801,65, até à morte do mesmo;


e) a pagar ao Autor, a título de compensação por danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 25.000,00.


f) sobre as quantias referidas em c) e d), juros à taxa legal, desde o vencimento de cada uma e até integral pagamento, e, sobre a quantia referida em e), os juros à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão e até integral pagamento.


II – Absolver a Ré quanto ao mais peticionado.


3. Interposto recurso de apelação por ambas as partes, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), concedendo parcial provimento ao recurso do A. e julgando improcedente o da R., decidiu revogar a sentença recorrida na parte relativa às alíneas b) e c) da decisão e, assim:


I – Condenar a Ré:


a) A pagar ao autor a importância a liquidar, a título de indemnização em substituição de reintegração, calculada no montante de 20 dias da retribuição mensal de € 3.218,92, por cada ano completo ou fração de antiguidade, devendo atender-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.


Os juros de mora que forem devidos serão calculados a partir da data do trânsito da decisão a proferir no incidente de liquidação.


b) A pagar ao autor a importância a liquidar, a título das retribuições vencidas, desde 25 de maio de 2010 até ao trânsito em julgado da sentença, com as eventuais deduções, previstas nas alíneas a) e c) do n.o 2 do artigo 390.o do CT.


Os juros de mora devidos sobre as retribuições vencidas serão calculados a partir da data do trânsito em julgado da decisão a proferir no incidente de liquidação.


II – No mais, manter a sentença recorrida.


4. Deste acórdão interpôs a R. recurso de revista nos termos gerais, admitido apenas no tocante às consequências da ilicitude do despedimento, e, subsidiariamente, recurso de revista excecional, que não foi admitido.


5. Na parte em que foi admitida, diz essencialmente a recorrente, nas conclusões (CXIII a CXIX) da sua alegação recursória:


– Quanto à forma de cálculo da indemnização em substituição da reintegração, o Tribunal da Relação considerou o valor total do recibo relativo a abril de 2010, no montante de 3 218,92 €.


– Deve ser considerado o valor da retribuição base, que é de 1.533,00 €.


6. O A. contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista.


7. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, na parte em que foi admitida, em parecer a que apenas respondeu o A., em linha com o antes sustentado nos autos.


8. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.o, n.o 2, in fine, do CPC), em face das conclusões das alegações de recurso, a questão a decidir1 consiste em saber se no cálculo da indemnização em substituição da reintegração, deve considerar-se, a título de retribuição base, a quantia mensal de 3 218,92 € ou de 1.533,00 €.


Decidindo.


II.


9. Com relevância para a decisão do recurso de revista, foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:2


1. A Ré é uma Cooperativa que se dedica ao Ensino Superior Cooperativo.


(...)


4. Por contrato de trabalho reportado ao início do funcionamento da Cooperativa, ou seja, em 1 de outubro de 1986, da qual o Autor foi membro fundador, (...) passou a exercer funções de docente no estabelecimento de ensino superior de que a Ré é proprietária, designada “Universidade Portucalense Infante D. Henrique”.


5. O Autor foi eleito, desde o início do funcionamento da Universidade até ao ano de 2004, Diretor do Departamento de Informática da referida Universidade (...).


6. Nesse mesmo ano de 2004 foi nomeado Diretor do Departamento de Inovação, Ciência e Tecnologia, cargo que ocupou até ao ano de 2006.


7. Altura em que o Autor foi ainda eleito e passou a exercer, as funções de Presidente do Conselho Científico da UPIDH.


(...)


10. O Autor exerceu aqueles cargos acumulando-os com as funções de docente.


(...)


15. O Autor exerceu as funções de Vice-Presidente da Cooperativa entre 1986 e 2005, cargo para o qual foi eleito e reeleito.


(...)


25. À data em que o Autor deixou de desempenhar o cargo de Diretor de Departamento, pelo mesmo auferia a quantia de € 3.217,25.


(...)


38. A Ré emitiu os recibos de fls. 291 e 301, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.


(...)


70. Auferia o Autor o vencimento mensal ilíquido € 3.218,92.


71. Pela deliberação junta aos autos a fls. 292 a 300, aprovada pela Ré foi determinado que pelo exercício do cargo de Diretor de Departamento na Ré seria paga 70% da remuneração base do professor catedrático.


72. No desempenho do Cargo de Presidente do Conselho Científico durante 4 anos, o Autor dispensou várias horas de trabalho quer na Universidade quer em casa.


73. Sem que lhe fosse paga qualquer quantia.


74. A Ré para manutenção nos seus quadros dos professores de carreira imprescindíveis para a qualidade do ensino da mesma, em 7 de julho de 1994 deliberou a atribuição de um complemento de remuneração para os docentes universitários estatais que exercessem funções na Ré e que por tal facto tenham abdicado do regime de exclusividade de igual ao montante perdido na Universidade estatal.


75. Determinou a Ré que, após a aposentação do trabalhador, o mesmo continue a beneficiar de tal complemento de remuneração.


(...)


103. A Ré pagou ao Autor um complemento de remuneração que foi variando ao longo dos anos, e mensalmente, como forma de compensação pela perda de exclusividade da função pública.


104. De acordo com a deliberação referida em OO), o valor da subvenção mensal vitalícia do Autor seria calculada nestes termos: por cada ano de exercício naqueles cargos 5% da respetiva remuneração atualizada até ao limite de 80% .


III.


10. Contrariamente à sentença recorrida, que determinou a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, a Relação condenou a R. a pagar ao A. uma indemnização em substituição da reintegração, conforme peticionado por este, indemnização que foi arbitrada em função da remuneração mensal de 3.218,92 €.


Uma vez que o art. 391o, no 1, do CT, preceitua que esta indemnização é fixada em função da retribuição base (e diuturnidades), sustenta a recorrente que para estes efeitos deve ser apenas considerado o valor mensal de 1.533,00 €, alegadamente correspondente à retribuição base.


Vejamos.


11. Quanto às remunerações do A., refere o acórdão recorrido:


“Do recibo de vencimento do autor, de outubro de 2006, junto com a petição inicial, consta a descrição de duas verbas:


- Director do Dep. Inovação Ciência e Tec - € 3 217,25;


- Complemento Rem. Extraordinária - € 977, 64, no total de € 4 1994,89.


A verba de € 977, 64 corresponde a 30,387% da verba de € 3 217,25, isto é, cerca de 1/3 do vencimento base do Diretor de Departamento.


E do recibo de vencimento do autor, de abril de 2010 (após a comunicação da cessação do contrato de trabalho), também junto com a petição inicial, consta a descrição de quatro verbas:


- Ordenado base - € 1 533,00.


- Sub-regência - € 109,73.


- Comp. Remun. Extra - € 977, 64.


- Ser.P.G/Mest/Dout. - € 598,55, no total de € 3 218,92.


A única verba que se manteve do anterior recibo foi a de € 977, 64 (30,387% da verba de € 3 217,25).”


12. Consta deste último recibo de vencimento (junto a fls. 291), emitido em abril de 2010 (no mês seguinte à comunicação da cessação do contrato de trabalho, que teve lugar em 01.03.2010), uma retribuição (“ordenado”) base de 1.533,00 € e uma remuneração total de 3 218,92 €, sendo que do ponto no 70 da factualidade assente consta que o A. “auferia (...) o vencimento mensal ilíquido € 3.218,92”.


O TRP determinou o montante da indemnização em causa em função deste valor (3 218,92 €).


A este propósito refere o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu Parecer:


“Conforme se verifica, da factualidade dada como assente não consta expressamente o valor da retribuição base auferida pelo recorrido à data do despedimento.


Foi, no entanto, dado como reproduzido o teor dos recibos juntos a fls. 291 e 301, sendo que do primeiro, correspondente à retribuição de abril de 2010, último mês em que o recorrido prestou trabalho, resulta que a retribuição era composta por quatro verbas, a saber:


- Ordenado Base - 1.533,00 (euros)


- Sub Regência - 109,73 (euros)


- Comp. Remun. Extra - 977, 64 (euros)


- Ser.P.G/Mest/Dout. - 598,55 (euros)


Verifica-se, portanto, e em contrapartida do trabalho prestado, o pagamento de um salário base e de três prestações remuneratórias complementares, o que totaliza o montante de 3.218, 92 euros.


Não detetamos que tenha sido alegado, discutido no processo, e, em consequência, tenha existido decisão, sobre o facto da natureza das restantes três verbas, apesar da denominação constante nos recibos, constituísse retribuição base.


Em consequência, afigura-se que, efetivamente, o valor da retribuição base do recorrido era de 1.533,00 euros, montante que deverá ser considerado para o cálculo da indemnização em substituição da reintegração, conforme o disposto no art. 391.o, n.o 1, do CT.


(...)


Pelo exposto, somos de parecer que o segmento recursório admitido deve ser considerado procedente, revogando-se nessa medida o douto acórdão recorrido, com as respetivas consequências.”


A matéria de facto provada é, efetivamente, omissa no tocante ao valor da retribuição base. Do facto provado no 25, consta que “à data em que o Autor deixou de desempenhar o cargo de Diretor de Departamento auferia a quantia de € 3.217,25”, mas nada se diz no elenco dos factos provados quanto ao momento em que deixou de exercer tal cargo; do ponto no 38 da factualidade assente consta apenas que “a Ré emitiu os recibos de fls. 291 e 301, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”; e do ponto no 70 que “auferia o Autor o vencimento mensal ilíquido € 3.218,92”.


Este último ponto não permite extrair qualquer ilação quanto ao valor da retribuição base, uma vez que, como se alcança do exposto em supra no 11 (recibo de vencimento de abril de 2010), o dito valor de 3.218,92 € incluiria outras parcelas da remuneração. Em face do teor dos documentos “dados como reproduzidos” (fórmula que deverá sempre evitar-se devido à sua vacuidade e ambiguidades que suscita), não é possível concluir que o tribunal de 1a instância tenha pretendido referir-se à retribuição base quando utilizou a expressão “vencimento mensal ilíquido”.


13. Contrariamente ao sugerido pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto, in casu encontra-se legalmente vedado ao Supremo Tribunal de Justiça fixar o valor da retribuição base, uma vez que tal exigiria proceder à apreciação/valoração e análise crítica da prova documental a este respeito existente nos autos, o que equivaleria a uma invasão do campo de atuação da Relação


Com efeito, o STJ encontra-se vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido (art. 682o, no 1, do CPC), só podendo alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto no caso excecional previsto no n.o 3 do artigo 674.o (cfr. no 2 do mesmo art. 682o), hipótese que, manifestamente, não se verifica no caso em apreço.


Vale por dizer que se impõe a explicitação/ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos prescritos nos arts. 682.o, n.o 3, do CPC.


IV.


14. Em face do exposto, acorda-se determinar a devolução do processo à 2.a Instância, para ampliação da matéria de facto, tendo em vista fixar o preciso valor da retribuição base auferida pelo A. aquando da cessação do contrato e subsequente aplicação do direito.


As custas serão suportadas de acordo com o critério que vier a ser fixado a final.


Lisboa, 23 de junho de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto


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1. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.o, 663.o, n.o 2, e 679o, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.o, n.o 3, do mesmo diploma.↩︎

2. Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.↩︎