Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
956/19.0T8PTG.1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA SUSPENSA
PERDA DE AUTONOMIA
SUCESSÃO DE CRIMES
Data do Acordão: 10/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. Neste caso concreto, as penas de prisão cuja execução foi suspensa, não foram declaradas extintas, antes perderam autonomia nos respetivos processos (A e B que se encontram arquivados quanto ao arguido), pois, até já tinham sido cumuladas no processo C, por sentença de 4.07.2017, transitada em 3.08.2017, sendo que por acórdão de 6.11.2019, transitado em julgado, foram cumuladas nestes autos (ou seja, ainda que ficasse sem efeito o cúmulo efetuado nestes autos em 6.11.2019, subsistia o cúmulo efetuado no processo C e não seriam reabertos os processos originais onde as penas foram suspensas, para se averiguar o estado dessas penas de substituição, que haviam sido englobadas no cúmulo jurídico efetuado nesse processo C). Assim, no circunstancialismo particular destes autos, não faz sentido agora fazer averiguações sobre o estado daquelas penas suspensas, quando elas já não estão suspensas por terem sido englobadas numa nova decisão final, transitada em julgado.

II. Diferente seria se, por exemplo, as penas suspensas ainda tivessem autonomia e/ou se, por qualquer outra circunstância atendível estivesse agora em discussão a sua eventual integração em cúmulo jurídico superveniente ou até subsistissem ou não razões para a realização de cúmulo jurídico superveniente (v.g. uma amnistia de um crime em concurso, sobrando apenas a pena suspensa de outro processo, não havendo, por isso, pressupostos para subsistir o cúmulo jurídico, caso em que a pena suspensa, que anteriormente fora cumulada, teria de ganhar autonomia no próprio processo e, portanto, seria aí que seria decidida a ulterior tramitação), o que não é o caso concreto dos autos.

III. Não pode ser englobado no cúmulo jurídico efetuado nestes autos a condenação sofrida pelo arguido no processo Y porque está numa relação de sucessão de crimes (em relação à primeira condenação transitada em julgado, que é o processo determinante/aglutinador do cúmulo jurídico), o que significa que o arguido terá de cumprir essa pena autonomamente.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 956/19.0... do Juízo C...... ..... . ........ .. .........., J... ., do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por acórdão proferido em 31.05.2023, realizou-se cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, nascido em ....02.1973, nesses autos nº 552/16.3... e nos processos nº 510/15.5..., nº 96/14.8..., nº 299/12.0..., nº 31/14.3..., nº 238/12.8..., nº 285/14.5..., nº 17/15.0..., nº 6/15.5..., nº 160/14.3..., nº 114/12.4..., 530/16.2... e 23/15.I..., id. nos pontos 1 a 13 dos factos provados, sendo condenado na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.

2. Inconformado com essa decisão, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos):

1. O objecto do presente recurso prende-se com a pena de 17 anos que foi aplicada ao arguido em sede de cúmulo jurídico.

2. Considerando o aqui arguido tal pena excessiva, tendo em conta os limites máximos e mínimos das penas aplicadas ao arguido que se fixa entre 3 e 25 anos.

3. O cúmulo visa a aplicação de pena única que permita a ressocialização do mesmo.

4. Ora atendendo á postura do arguido no estabelecimento prisional ao arrependimento demonstrado e interiorizando desvalor da sua conduta.

5. Devendo aplicar-se ao arguido uma pena não superior a 13 anos e meio de prisão….

6. …que fica no meio quer do limite máximo quer mínimo.

7. A pena nunca pode ultrapassar os limites da culpa do arguido, nem se avaliar a sua personalidade sem ter em consideração os elementos positivos e atenuantes.

8. A pena deve ser equilibrada e suficiente e proporcional.

Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que o condene em cúmulo em pena única não superior a 13 anos e meio de prisão.

3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O arguido, não se conformando com a douta decisão recorrida, vem recorrer da matéria de direito.

2. O acórdão recorrido analisou, de forma correcta, completa e competente toda a matéria de facto e de direito relativa aos crimes porque o recorrente foi condenado, e que devem englobar o cúmulo jurídico.

3. Perante as circunstâncias apuradas o acórdão ora recorrido considerou adequado a aplicação ao arguido da pena única de 17 anos de prisão, pena que se julga justa e adequada.

4. Com efeito, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade das normas violadas, abaladas pela prática dos crimes, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal, o que o tribunal a quo teve em conta.

5.Carece o recorrente de razão na sua pretensão recursiva, inexistindo qualquer violação da lei e não se verificando qualquer nulidade.

Termina considerando que do bem fundado acórdão impugnado, resulta o não provimento do recurso.

4. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA sustentou, em resumo, que para além da decisão impugnada conter lapso de escrita quanto à data da sentença proferida no proc. n.º 530/16.2..., bem como do seu trânsito, haveria de excluir as duas penas suspensas incluídas no cúmulo, por em princípio já estarem extintas pelo decurso do prazo e, também, pela data do trânsito das sentenças condenatórias, era caso de ter lugar dois cúmulos jurídicos sucessivos, sendo um considerando o trânsito em julgado a 29.04.2014 no proc. n.º 96/14.8... (que deveria englobar as penas aplicadas nesse processo e nos n.º 23/15.5..., n.º 238/12.8..., n.º 299/12.0..., n.º 6/15.5... e n.º 114/12.G...) e outro considerando o trânsito em julgado a 20.07.2014 no proc. n.º 285/14.5... (que deveria englobar as penas aplicadas nesse processo, nos n.º 530/16.2..., n.º 552/16.3..., n.º 17/15.0..., n.º 160/14.3... e também a do processo n.º 6/17.0..., que foi excluída do acórdão sob recurso), sendo que, de todo o modo, ainda que assim não fosse entendido, a pena única (17 anos de prisão) aplicada pela 1ª instância era exagerada, devendo antes situar-se próximo dos 13 anos de prisão, atento o circunstancialismo atenuativo favorável apurado, estando em causa pequena criminalidade, na área dos crimes contra o património, não se podendo esquecer o tempo entretanto decorrido (cerca de 10 anos) sem cometer crimes, nem havendo notícia de infrações disciplinares, estando arrependido e sendo fortemente apoiado pela família, aparentando ter competência para mudar o rumo de vida.

5. Não houve resposta ao parecer do Sr. PGA.

6. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

7. Com interesse para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado, o seguinte:

AA, solteiro, criador e comerciante de gado, nascido a .../92/19731, natural do concelho de ..., filho de BB e de CC, residente em ..., ..., ..., ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional ..., foi julgado e condenado:

1. No Proc. Comum Singular nº 23/15.5..., do qual foi extraída certidão para operar o presente cúmulo jurídico de penas, pela prática como co-autor material de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos art.s 103º, nº 1, al. c), e 104º, nº 2, al. a), do RGIT, na pena de 3 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados ao longo do ano de 2012, a decisão foi proferida em 20/04/2022 e transitou em julgado em 12/12/2022.

A referida condenação baseou-se na seguinte factualidade:

“1) - A sociedade arguida “V... ..... ........ – SOCIEDADE AGRÍCOLA,LDA” é uma sociedade por quotas, com sede na ..., em ..., e tempor objeto. «Produção, exploração e comercialização de produtos agrícolas, pecuária eflorestais. Prestação de serviços agrícolas. Desporto hípico e outras atividades recreativas complementares ao turismo em espaço rural e ainda serviços relacionados com a produção e treino equestre».

2) - A sociedade arguida iniciou a sua atividade em 11-10-2004, com o código de actividade CAE ...92 - Outras Culturas Temporárias, NE. Ao tempo dos factos estava enquadrada para efeitos de IRC, no regime geral de tributação e, em sede de IVA, no regime normal trimestral.

3) - A gerência da sociedade arguida à data dos factos infra descritos pertencia ao arguido DD, o qual, enquanto sócio-gerente da referida sociedade, e na qualidade de seu representante legal, exercia de facto todas as funções de gestão e administração da sociedade.

4) - Com efeito, era o arguido DD que dava as ordens na sociedade arguida, decidia o giro económico e de afetação das receitas às despesas, assinava cheques, tomava as decisões, vinculava a empresa, assinava contratos, contratava pessoal e procedia ao pagamento dos salários, contratava com os fornecedores e procedia ao pagamento das faturas, faturava os serviços prestados e cobrava aos seus clientes, procedia ao apuramento contabilístico do imposto exigível, declarava-o aquando da remessa à Administração Tributária das respetivas declarações periódicas do IVA, à elaboração e apresentação das declarações anuais de IRC e procedia ao pagamento de impostos.

5) - Desde 13/03/2012 que a gerência da sociedade arguida pertence a EE, pai do arguido DD.

6) - Em data não concretamente apurada do ano de 2011, o arguido DD delineou um plano para si e para a aludida sociedade arguida que geria com vista à exclusão do pagamento de impostos devidos e, assim, obtenção de benefícios económicos ilegítimos à custa do património público da administração fiscal.

7) - Tal plano passava pelo esquema de, em conjugação de esforços com o arguido AA, incluir na contabilidade da sociedade arguida, como se de verdadeiros custos se tratassem, faturas emitidas por aquele e referentes a supostas prestações de serviços e venda de mercadorias à atividade desenvolvida que não correspondiam a verdadeiras transações comerciais, bem como declarar ao Estado despesas que não correspondiam a verdadeiros custos, tudo com vista a diminuir o IVA e o IRC a liquidar.

8) - Deste modo, dando execução àquele plano, com o objetivo de obter benefícios fiscais indevidos, no ano de 2011, a sociedade arguida contabilizou (utilizou) faturas emitidas pelo arguido AA, no montante global, com IVA, de €91.981,50 (noventa e um mil novecentos e oitenta e um euros e cinquenta cêntimos).

9) - Mais concretamente as seguintes faturas:

- N. º 32-A, datada de 05.12.2011, relativa a 850 fardos de palha, no valor de €26.775,00, acrescida de €1.606,50 de IVA, no valor global de €28.381,50;

- N.º 42-A, datada de 27.12.2011, relativa a 750 fardos (palha de trigo), no valor de €30.000,00, acrescida de €1.800,00 de IVA, no valor global de €31.800,00;

- N.º 43-A, datada de 29.12.2011, relativa a 600 horas de gradagem, no valor de €30.000,00, acrescida de €1.800,00 de IVA, no valor global de €31.800,00;

No valor total de €86.775,00 de serviços/produtos e €5.206,50 de IVA, perfazendo um valor global de €91.981,50.

10) - Sendo que, tais faturas não titulavam quaisquer operações comerciais reais, uma vez que a sociedade arguida não usufruiu dos serviços e mercadorias que o arguido AA declarou ter prestado e vendido.

11) - Com efeito, o arguido AA não possuía capacidade ou estrutura empresarial que lhe permitisse efetuar as transações/negócios mencionadas nas faturas timbradas em seu nome.

12) - Desde logo, pela inexistência de compras de bens e serviços, quer em termos de valor, quer em termos de quantidade.

13) - Tão pouco possuía ou lhe eram conhecidas instalações, equipamentos, maquinaria e pessoal com que pudesse exercer efetivamente a atividade constante naquelas faturas, e restantes faturas emitidas por aquele no mesmo ano.

14) - Acresce que, em resultado de testes de conformidade realizados as faturas de venda reunidas pela Autoridade Tributária, foram detetadas um conjunto de insuficiências e incongruências características deste tipo de operações (operações simuladas), tais como, por exemplo: a numeração não obedece a uma sequência cronológica; não existir registo de guias de transporte e/ou remessa das mercadorias vendidas, nem indicação da viatura que efetuou tais transportes; não se encontrar discriminado os serviços prestados, as datas em que foram realizados e por quem; e a emissão de faturas em data anterior à requisição das mesmas na tipografia que as elaborou.

15) - Sendo igualmente notória a sua incapacidade financeira, pois, para um volume de faturação total aproximado de um milhão e meio de euros (1,5 milhões de euros), apresenta entradas externas nas suas contas bancárias que não chegam aos setenta e um mil euros.

16) - Para além do mais, as alegadas transações/negócios mencionados nas faturas (venda de palha em fardos e serviços de gradagem) não têm enquadramento no âmbito do exercício das atividades em que se encontrava coletado (criação e comércio de animais vivos), ao tempo, o arguido AA.

17) - Por seu lado, a sociedade arguida não possui quaisquer documentos de suporte que titule a forma de pagamento daquelas faturas, para além de alegados movimentos contabilísticos de “pagamento em dinheiro por caixa”.

18) - Assim determinado, com base naquela faturação emitida pelo arguido AA, o arguido DD, sempre em representação da sociedade arguida, por si ou por alguém a seu mando, fez constar na declaração do IVA da sociedade arguida, relativa ao 4º trimestre de 2011 (2011/12T), IVA deduzido no montante de €5.206,50 que bem sabia corresponder a serviços e mercadorias que não foram prestados e vendidas.

19) - Da mesma forma, fez ainda o arguido DD constar da declaração de IRC modelo 22 custos, relativamente ao exercício do ano de 2011, no montante de €86.775,00.

20) - No seguimento das conclusões do procedimento de inspeção à sociedade arguida, ao exercício de 2011, a Autoridade Tributária propôs as seguintes correções, a saber:

- Correções em sede de IVA, no montante de inicial de €5.206,50 (imposto) - correção a operar na declaração de IVA, referente ao 4° trimestre de 2011 (2011/12T), corrigindo o IVA indevidamente deduzido, nos campos 21 e 24 da referida declaração, face à redacção do n.º 3 do artigo 19.° do CIVA, que veio a final, após os devidos ajustamentos, a ser fixado no montante final de €4.383,44; e,

- Correções em sede de IRC, no montante €20.661,11 (imposto), correspondente a gastos declarados (base das faturas do arguido AA) no montante de €86.775,00, que, por se tratarem de despesas ilícitas, não são aceites, face à redação do n° 2 do artigo 23.° do CIRC, como gastos, e, por conseguinte, foram acrescidos ao lucro tributável declarado.

21) - Ou seja, caso não existissem as faturas emitidas pelo arguido AA, a sociedade arguida não estaria em situação de crédito de IVA e obteria um resultado operacional e um lucro tributável superior. Como consequência, teria um imposto a pagar maior do que o declarado.

22) - Pelo que, em face das correções promovidas pela Autoridade Tributária, foi determinada vantagem patrimonial ilegítima, obtida pela sociedade arguida, no ano de 2011, correspondente ao imposto que deixou de ser pago, ou seja, o imposto agora apurado, deduzido daquele que foi pago ou apurado aquando da entrega da primeira declaração de IVA e de IRC, que ascendem a €25.044,55 (imposto: IVA = €4.383,44 + IRC = €20.661,11 + Derrama = €0,00).

23) - Ao atuar da forma acima descrita, o arguido DD sabia que ao incluir naquelas declarações de IVA e IRC o valor daquelas faturas forjadas estava a declarar em sede de IVA e IRC deduções e custos que não foram efetivamente suportados pela sociedade arguida.

24) - Tudo com o propósito, concretizado, de obter para a mencionada sociedade arguida, benefícios patrimoniais da administração fiscal, montantes esses a que bem sabia não ter direito, mas dos quais, mesmo assim, se pretendeu apropriar indevidamente, desse modo enriquecendo o património daquela sociedade, à custa da Fazenda Nacional.

25) - Por seu lado, sabia o arguido AA que as referidas faturas forjadas que emitiu seriam, como foram, integradas pelo arguido DD na contabilidade da sociedade arguida que representava, e que aquela sociedade, ao deduzir o IVA e ao contabilizar como custos em sede de IRC tais montantes, obteria vantagem patrimonial indevida, bem sabendo ainda que desse modo diminuía as receitas fiscais.

26) - O arguido DD agiu, assim, naquele propósito, em representação e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que as referidas faturas não correspondiam a negócios comerciais efetivos, uma vez que os serviços e mercadorias delas constantes não foram efetivamente prestados ou vendidos, antes tendo sido forjadas em conjugação de intentos e esforços com o arguido AA, na execução de um plano que ambos tinham traçado para o efeito.

27) - Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

2. No Proc. Comum Colectivo nº 530/16.2..., pela prática como autor material de 5 crimes de burla e burla qualificada, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Cód. Penal, respectivamente nas penas 2 anos, 2 anos e 6 meses, dois anos, 1 ano e 6 meses, e 1 ano e seis meses de prisão; em cumulo jurídico de penas foi aplicada a pena única de 6 anos de prisão.

Por estarem reunidos os pressupostos foi aplicada pena de prisão relativamente indeterminada, com o limite mínimo de 4 anos e o máximo de 12 anos.

Os factos subjacentes foram praticados entre Janeiro e Junho de 2016, a decisão foi proferida em 16/09/201982 e transitou em julgado em 14/16/20213.

Os factos subjacentes à condenação foram os seguintes:

“A)

1 - FF é casado com GG e negoceia, em nome e a favor desta, a compra de madeiras.

2 - Em data não concretamente apurada, mas no final do mês de dezembro de 2015, após ter obtido o contacto de FF, o arguido AA deslocou-se a ... para proceder à venda dos pinheiros de um pinhal sito no lugar de ..., ..., ..., sendo que tal pinhal e os pinheiros eram propriedade de HH e de II.

3 - Uma vez chegados ao local, o arguido AA identificou-se perante FF como proprietário do pinhal, indicando com exactidão as estremas do terreno e demonstrando conhecer as suas características e, ainda nesse local, o arguido AA vendeu a FF todos os pinheiros do imóvel, em quantidade não apurada, pelo preço de € 8.500,00, sendo que este pagou.

4 - Passados uns dias, FF revendeu os referidos pinheiros a JJ, legal representante da sociedade ....... ..... ........ . ....... Lda., pelo valor de € 11.130,00, tendo emitido o respectivo documento de quitação, em nome de sua mulher GG.

5 - JJ procedeu ao corte e transporte dos pinheiros daquele pinhal, afinal da propriedade de HH e II (entretanto falecido) e não do arguido AA, como este havia feito crer a FF.

6 - HH e II sofreram um prejuízo de 8.500€, tendo, posteriormente, instaurado uma ação cível no âmbito da qual foram ressarcidos pelo FF e JJ.

B)

7 - No início de janeiro de 2016, AA contactou novamente FF para que este lhe comprasse mais pinheiros, a favor de GG.

8 - O arguido convenceu FF de que era dono de um outro pinhal, sito na zona da ..., ..., ..., dizendo-lhe que vendia os pinheiros ali existentes pelo valor de € 6.000,00.

9 - FF acreditou que os pinheiros fossem daquele, tendo-lhe pago pela aquisição dos mesmos a quantia de € 6.000,00, em numerário, entregue em mão a AA.

10 - Apenas no final do mês de janeiro de 2016, ao iniciar os trabalhos de limpeza do terreno para preparar o corte destes pinheiros, FF teve conhecimento que estes pinhais não pertenciam ao arguido, como este lhe havia feito crer.

11 - FF, em representação de sua mulher GG, pagou ao arguido aquela quantia de € 6.000,00, sem que tenha procedido ao corte e venda das madeiras, que AA lhe vendera como se fossem suas.

12 - Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de maio de 2016, o arguido AA entrou em contacto com KK, sócio gerente da “N...... ...., de L... ........., Lda.”, indicando-lhe que pretendia vender um pinhal do qual seria proprietário, sito no lugar de ..., ..., ....

13 - O arguido deslocou-se até à ..., ..., para mostrar o pinhal a KK, actuando como se fosse o proprietário, identificando-se, no entanto, como AA, e vendeu-lhe os pinheiros ali existentes, como se fossem seus, pedindo o pagamento de €4.500,00. KK comprou os pinheiros ao arguido, pagando-lhe em numerário a quantia de € 4.000,00, por estar convicto, pela postura e conhecimento do terreno, de que era AA – identificado como AA - o legítimo proprietário daquelas árvores.

14 - Em 5 de junho de 2016, após ter comprado os pinheiros ao arguido, KK vendeu aquelas árvores, ainda por cortar, a LL, gerente da sociedade denominada “A......... .. .... ..... . ....., Lda.” pelo valor de € 8.480,00, tendo emitido uma factura a esta empresa.

15 - No mês de junho de 2016, LL, responsável daquela empresa “A......... .. .... ..... . ....., Lda.”, após ter procedido ao trabalho de corte dos pinheiros foi contactado por MM, que lhe disse ser o legítimo proprietário dos pinheiros, referindo-lhe que o valor das árvores cortadas é de pelo menos, € 25.000,00.

16 – MM ficou sem os pinheiros do pinhal de que era proprietário, não tendo recebido qualquer quantia pelo mesmos, ficando prejudicado no valor de, pelo menos, 8.480€

17 - Em data não concretamente apurada, mas antes do dia 30 de maio de 2016, o arguido AA contactou NN, sabendo que este negoceia em madeiras, para lhe propor a compra de madeiras de cerca de três hectares de eucaliptos, da Herdade localizada no ..., no concelho de ....

18 - AA combinou com NN a deslocação àquela herdade, para celebrarem o negócio da compra de árvores, o que se concretizou no dia 30 de maio de 2016.

19 - No dia 3 de Junho de 2016, no parque de estacionamento do Intermarché ..., NN pagou € 2.400,00 ao arguido AA, que entregou € 250,00 ao arguido OO.

20 - Decorridos alguns dias sobre a entrega do preço, o arguido OO contactou telefonicamente NN, indicando pretender devolver os €2.400,00 pagos por NN e, nessa sequência, procedeu à devolução de €250,00, depositando tal quantia na conta de NN, no banco BPI.

21 - No dia 28 de Junho de 2016, o arguido AA procedeu à devolução de €100,00, depositando tal quantia na conta de NN, no banco BPI.

22 - O arguido AA não devolveu a NN €2.050,00, dos €2.400,00 que este havia entregue para pagamento dos eucaliptos que aquele lhe havia vendido, bem sabendo que o havia enganado com as suas condutas e que as árvores e terreno não lhe pertenciam.

23 - No decurso do mês de Agosto de 2015, em dia não concretamente apurado, e por ter acesso a uma herdade denominada “H...... ..... ......”, perto do ..., no concelho de ... (que não pertence a nenhum dos arguidos), dado conhecer um dos proprietários, o arguido OO deslocou-se até àquele local, para mostrar as árvores ali existentes ao arguido AA.

24 - Após, o arguido AA decidiu que iria vender as árvores aos interessados na compra de madeiras, apesar de saber que as árvores não lhe pertenciam.

25 - No final do mês de Setembro de 2015, o arguido AA entrou em contacto com PP, que negoceia em lenha e madeiras, propondo-lhe a aquisição de árvores da “H...... ..... ......”.

26 - Após terem marcado encontro na herdade, o arguido AA mostrou as árvores a PP, que ficou convencido, face à postura assumida e conhecimento do terreno, que as árvores eram de facto do arguido, vendendo-lhe este cerca de 500 árvores, entre sobreiros e azinheiras, como se fossem suas.

27 - O arguido AA solicitou o pagamento de € 5.000,00, sendo € 2.500,00 pagos com a celebração do negócio e os restantes €2.500,00, aquando do início dos trabalhos de abate das árvores.

28 - Quando PP lhe entregou €2.500,00 em cheque sacado sobre a Caixa de Crédito Agrícola, o arguido AA solicitou ainda a entrega de € 500,00, em numerário, ao que aquele acedeu e pagou.

29 - O cheque ao portador, no valor de € 2.500,00 foi levantado por AA que não sabe ler, nem escrever- ao balcão da Caixa de Crédito Agrícola de ..., tendo o mesmo, por sua vez, entregue essa quantia ao arguido AA.

30 - Ao pretender dar início aos trabalhos de corte das árvores, PP contactou o arguido AA, que o informou que as mesmas já tinham sido vendidas a outra pessoa, pelo que não poderia proceder ao abate.

31 - PP ficou privado da quantia de €3.000,00, paga a título de preço pelas árvores que, afinal, não pôde cortar, por não pertencerem ao arguido AA.

32 - Com as condutas referidas, conduzindo terceiros a propriedades alheias, das quais se intitulava dono, exibindo-lhe os terrenos com respectivas estremas e confrontações e vendendo-lhe as madeiras ali existentes, sozinho, o arguido AA pretendeu, de forma concretizada, enganar os compradores e pessoas que contactava, convencendo-os, pela postura, discurso e conhecimento das terras, que ele era, de facto, proprietário dos terrenos e árvores, conseguindo, apenas por essa forma, obter benefícios a que sabia não ter direito - traduzidos nos montantes que a venda das madeiras lhe rendeu - causando aos verdadeiros proprietários um prejuízo correspondente ao valor da mesma.

33 - O arguido AA agiu na sequência de um plano previamente delineado por si, com o propósito de receber quantias a que sabia não ter direito, vendendo árvores que sabiam não serem suas e que seriam cortadas por terceiros, em quem criou a convicção que estavam a adquirir madeiras de forma legítima e ao respectivos proprietário.

34 - O arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente”.

3. No Proc. Comum Singular nº 552/16.3..., pela prática como autor material de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; os factos subjacentes foram praticados em 02/12/2015, a decisão foi proferida em 02/09/2018 e transitou em julgado em 22/10/2018.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, fazendo crer falsamente ao ofendido que era dono de uns eucaliptos, convenceu-o a emitir cheques a seu favor no valor de € 2.800, que fez seus.

4. No Processo Comum Colectivo nº 238/12.8..., do Juízo Central Cível e Criminal de ... – J., pela prática de dois crimes de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 256º, nº 1, al. a) e e), e 3, do Cód. Penal, cada um na pena de 2 anos de prisão, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, de um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, 23º e 73º, todos do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena de 6 anos de prisão. Os factos subjacentes foram praticados em 13/09/2012, a decisão foi proferida em 23/02/2017 e transitou em julgado em 27/03/2017.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultam provadas, o arguido apoderou-se de cheques bancários que não tinham inscritos a identificação do titular da conta bancária, referência interbancária e número de conta e na sua posse procedeu à sua alteração e usou-os na compra de bens a terceiros, enganando-os, obtendo uma vantagem patrimonial superior a 70.000 €.

5. No Processo comum colectivo nº 299/12.0..., do 1º Juízo Central Cível e Criminal de ... – J., pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 255º, al. a) e 256º, nº 1, al. c), e 3, do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão, e de um crime de burla qualificada, p.e.p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 3 anos de prisão. Os factos subjacentes foram praticados em 28/09/2012, a decisão foi proferida em 25/11/2016 e transitou em julgado em 01/01/2017.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas o arguido, juntamente com outros, entregou ao ofendido um cheque contrafeito, no valor de € 8.798 para que este lhe entregasse 19 animais bovinos.

6. No Processo comum singular nº 31/14.3..., do Juízo de Competência Genérica de ..., pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217º, n 1, e 218º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; os factos subjacentes foram praticados em 31/08/2014, a decisão foi proferida em 20/12/2016 e transitou em julgado em 20/02/2017.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido fazendo crer falsamente ao ofendido que era dono de uns eucaliptos, procedeu à sua venda como se fossem dele, recebendo a contrapartida de € 5.300 que fez seus.

7. No processo comum singular nº 510/15.5..., do Juízo de Instância Local de... – .., pela prática de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual periodo; os factos subjacentes foram praticados em 31/10/2015, a decisão foi proferida em 04/10/2016 e transitou em julgado em 15/11/2016.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, fazendo crer falsamente ao ofendido ser dono de um eucaliptal, vendeu-lhe pelo preço de € 4.000 eucaliptos que não eram seus, fazendo sua tal quantia.

8. No Processo comum colectivo nº 96/14.8..., do Juízo Central Cível e Criminal de... – .., pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 22º, 23º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal4, praticado em 18 de março de 20135, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão6. O acórdão foi proferido em 21 de novembro de 20147 e transitou em 29 de abril de 20148.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, fazendo crer aos ofendidos que era dono de eucaliptos e de sobreiros, para aquisição desses eucaliptos e cortiça, determinou esses ofendidos a procederem-lhe à entrega de € 1.5009, 3.500 e € 5.300, quantias que fez suas.

9. No Processo comum singular nº 285/14.5..., do Juízo de Competência Genérica de ... – J., pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. c), d) e ), do Cód. Penal, e um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, do Cód. Penal, cada um na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; os factos subjacentes foram praticados em 20/03/2014, a sentença foi proferida em 06/06/2017 e transitou em julgado em 06/07/2017.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, com fazendo crer falsamente ao ofendido que era dono de uns eucaliptos, determinou a que este lhe entregasse € 5.000 para a sua compra que fez seus.

10. No Processo comum singular nº 17/15.0..., do Juízo de Competência Genérica de ..., pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo art. 217º e 218º, nº 2, al. a), e 22º, todos do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão, praticado em 30/12/2014. A sentença foi proferida em 09/01/2018 e transitou em julgado em 09/02/2018.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, exibindo documentos (facturas) forjados, fez crer ao ofendido ser dono de madeira que aquele lhe queria comprar, pelo preço de € 25.000, acrescidos de € 1.500 de IVA. O ofendido procedeu à entrega da quantia de € 5.000, que o arguido fez seus, não lhe tendo entregue mais, porque desconfiou da actuação deste.

11. No Processo comum singular nº 6/15.5..., do Juízo Local Criminal de ..., pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 103º, nº 1, als. A) e c), e nº 2, e 104º, nº 1, al. a), d), e nº 2, al. a) e b), do RGIT, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão; os factos subjacentes foram praticados em Outubro de 2011, a sentença foi proferida em 22/02/2018 e transitou em julgado em 03/04/2018.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas, o arguido, juntamente com outro, procedeu à emissão de facturas na sua actividade de prestação de serviços agrícolas, relativamente a prestação de serviços que não existiam de forma a obter vantagem do Estado, relativo ao reembolso/ dedução de IVA no montante de € 24.523,60.

12. No Processo comum singular nº 160/14.3..., do Juízo Local do ..., pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma agravada, p. e p. pelo 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados 11/07/2014, a sentença foi proferida em 04/04/2018 e transitou em julgado em 04/05/2018.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas o arguido fez crer ao ofendido que era dono de uma herdade onde se encontravam eucaliptos que este queria comprar, exibindo-lhe documentos forjados e assim, determinando-o a entregar a quantia de € 10.600, que fez seus.

13. No Processo comum singular nº 114/12.4..., do Juízo Local Criminal de ... – J., pela prática de um crime burla qualificada, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados 21/06/2012, a sentença foi proferida em 16/01/2018 e transitou em julgado em 12/12/2018.

Nas circunstâncias de tempo e lugar que resultaram provadas o arguido, conjuntamente com outros, fez crer ao ofendido falsamente que era dono de cortiça que se propunha vender e este comprar, determinando-o a entregar a quantia de € 10.000, que fez sua.

14. Nestes autos, por acórdão proferido em 06/11/2019, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos referidos em 3 a 13, tendo o arguido sido condenado na pena única de 13 anos de prisão.

15. No Proc. Comum Colectivo nº 6/17.0..., por acórdão proferido em 16/01/2020, do Juízo Central Criminal de... – .., pela prática como cúmplice de um crime de burla, p. e p. pelo art. 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. b), do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados em 26/12/2016 e transitou em julgado em 17/02/2020.

Por decisão proferida em 27/11/2020, tal condenação não foi integrada no cúmulo jurídico de penas, em síntese, por os factos respectivos serem posteriores à data do primeiro trânsito em julgado, referido em 610, e por o cúmulo por arrastamento ser proibido.

16. O arguido foi ainda condenado:

- No Processo nº 276/10.5..., do Tribunal Judicial do ..., por sentença transitada em julgado em 08/09/2011, pela prática em 25/09/2010, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5, declarada extinta pelo cumprimento.

- No Processo nº 65/11.0..., da Comarca de Portalegre, ..., Secção de Competência Genérica .. por sentença transitada em julgado 08/05/2012, pela prática em 28/04/2011 de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6, declarada extinta pelo cumprimento.

- No Processo nº 1/13.9..., da Comarca de Portalegre, ..., Secção de Competência Genérica .., por sentença transitada em julgado em 11/12/2014, pela prática em 03/01/2013 de um crime de burla, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, julgada extinta pelo cumprimento.

17. Natural do ..., AA é o único filho do casal, oriundo de um agregado familiar de condição socioeconómica razoável; o pai era padeiro e a mãe vendia pão. Atualmente estão ambos reformados. O processo de socialização terá decorrido nessa mesma localidade num contexto normativo, com regras sociais e jurídicas adequadas, embora com um processo educativo pautado pela permissividade e protecionismo.

18. AA iniciou a frequência escolar em idade adequada, concluindo o 9º ano de escolaridade, sem retenções, aos 15 anos de idade. Após esta idade terá abandonado o sistema de ensino alegadamente pela pouca apetência e fraca motivação pelos estudos.

19. Iniciou atividade laboral aos 16 anos, como tratador de animais, passando posteriormente a criar e comercializar gado, atividade que maioritariamente desenvolveu, durante a sua vida ativa. Esta atividade permitiu-lhe manter uma situação económica estável e suficiente para o seu bem-estar.

20. Aos 28 anos de idade contraiu matrimónio e criou autonomia, mas a relação terá terminado após dois anos de vida em comum. Quase de seguida iniciou uma nova relação com uma cidadã brasileira, QQ, existindo um filho desta relação, atualmente com 17 anos de idade. Este relacionamento terá durado cerca de 6 anos e terminou, alegadamente por conflitos decorrentes das dificuldades económicas (por má gestão da sua parte), agravadas por um relacionamento extraconjugal que o arguido manteve durante algum tempo. Após a separação, a ex-companheira e o filho deslocaram-se para o ..., onde ela tinha a sua família, mas mantiveram sempre contatos regulares e uma grande proximidade, quer com o arguido, quer com a família dele e sempre que se deslocavam a Portugal, pernoitavam em casa dos pais de AA.

21. Logo após a sua reclusão, a ex-companheira e o filho, regressaram a Portugal, e, encontram-se atualmente a viver no ..., em casa dos pais de AA, existindo entre todos um clima de afeto e entreajuda.

22. À data da sua prisão, encontrava-se a residir com o agregado de origem no ..., em habitação inserida numa localidade de características rurais. O imóvel, propriedade da família, reúne condições habitacionais, sem encargos, com exceção dos inerentes à propriedade, em si.

23. Encontrava-se desempregado, pelo que a economia do agregado, dependia exclusivamente da reforma auferida pelos progenitores, num total aproximado aos 750,00€ mensais, dos quais apenas recebiam 450,00€/mês, por se encontrarem a liquidar duas dívidas contraídas pelo arguido.

24. Por esta razão e já após a sua detenção, a progenitora e a sua ex-companheira (entretanto regressadas do ... com o filho) iniciaram atividades sazonais na agricultura, de modo a conseguirem pagar as dívidas em causa; atualmente a companheira mantém atividade numa vacaria e os pais estão ambos já reformados.

25. Não obstante AA ter mantido um estilo de vida centrado na família e no trabalho, (percurso que sofreu uma inversão na fase que antecedeu à sua detenção) é reconhecido como um indivíduo que se envolve facilmente em negócios de vários tipos, por vezes atuando sem ponderação ou cautela, sendo impulsivo nas suas decisões.

26. No decurso do cumprimento da pena de prisão tem mantido uma conduta normativa, sem registo de anomalias. Recebe visitas regulares dos pais, ex-companheira e filho, contando com o total apoio destes aquando do seu regresso à liberdade.

27. Está no actual Estabelecimento Prisional desde janeiro de 2023, transferido do estabelecimento Prisional da .... Permanece em regime comum, sem estar ainda inserido laboralmente. O seu comportamento é estável. Aparenta capacidade para interiorização das normas sociais e uma adequada perceção do ilícito em geral e do dano causado às vítimas. Aparenta ser detentor de competências pessoais e sociais, ao nível do relacionamento interpessoal e no estabelecimento de relações empáticas, expressando-se de forma humilde e cordial.

28. AA apresenta um trajeto de vida caracterizado, por um ambiente familiar afetuoso e normativo, não obstante a instabilidade que revelou ao nível dos relacionamentos afetivos. Conta com o total apoio dos pais, ex-companheira e filho, que o visitam no Estabelecimento Prisional. Ao longo do seu trajeto de vida, enveredou por um percurso laboral de comercialização de gado, que não soube gerir de forma equilibrada, acumulando dívidas bancárias e tributárias, que o levaram a uma fase de grande instabilidade pessoal, económica e social, com consequentes contatos com o sistema de justiça, mostrando arrependimento.


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A factualidade supra referida resulta do teor do CRC junto aos autos, das respectivas decisões cujas certidões foram juntas aos autos, bem como do teor do relatório social realizado., o qual se encontra devidamente fundamentado, com a menção das suas fontes.

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8. O Direito

A questão que o recorrente coloca no recurso prende-se com o facto de considerar excessiva a pena única de 17 anos de prisão que lhe foi aplicada por, na sua perspetiva, não permitir a sua ressocialização, ultrapassar a medida da sua culpa, além de não ter atendido a todas as circunstâncias atenuativas apuradas, particularmente à sua postura, arrependimento demonstrados, interiorização do desvalor da sua conduta, o que justificaria que lhe fosse aplicada pena única não superior a 13 anos e meio de prisão.

Com interesse para o conhecimento deste recurso, escreveu-se ainda na decisão impugnada o seguinte:

Perante os factos supra descritos temos que aferir se estamos perante uma relação de concurso entre os crimes ali referidos e bem assim se é de efectuar o cúmulo jurídico entre as penas já aplicadas ao arguido.

Encontrando-se os crimes praticados pelo arguido numa situação de concurso, uma vez praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, deverá o arguido ser condenado numa única pena.

Dispõe o art.º 78.º, n.º 1 do Código Penal que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior (…)”.

Por outro lado, o art.º 471º n.º 2 do Código de Processo Penal dispõe que é territorialmente competente o tribunal da última condenação. A jurisprudência maioritária tem-se pronunciado no sentido de que é competente para o cúmulo jurídico o tribunal da última condenação em 1ª instância, sendo irrelevante, para esse efeito, a data do trânsito em julgado das condenações. Ou seja, competente para a realização do cúmulo jurídico é o tribunal da última condenação de cada concurso de penas.


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No caso em apreço, verificamos que a prática dos factos pelo arguido, em todos os processos referidos nos pontos 1 a 13 é anterior ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo identificado em 7, a primeira a transitar em julgado, pelo que há que proceder ao cúmulo das penas em causa.

A penas referida no ponto 6 a 8 dos factos provados, foram suspensas na sua execução.

Coloca-se a questão de saber se essa pena pode ser integrada no cúmulo a realizar, ou deverá haver prévia decisão a revogar a suspensão da pena.

Subscrevemos o entendimento maioritário de que a mesma deve ser integrada, reunidos os pressuposto, no cumulo jurídico. Não estamos, ao integrá-la propriamente a proceder apenas à sua revogação, mas à apreciação da pena única a aplicar, podendo esta ser ou não suspensa.

Relativamente às penas suspensas na sua execução que já tenham sido declaradas extintas, sem que tal suspensão tenha sido revogada, aquelas devem integrar o cúmulo a efectuar, tendo em consideração que não tendo havido lugar ao cumprimento das penas de prisão que foram substituídas e, como consequência, não podem ser descontadas, a sua não inclusão constituiria um agravamento injustificável da pena única global – neste sentido Ac. STJ de 21/06/2012.


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A pena aplicada no processo referido em 2 é relativamente indeterminada.

Tal não obsta à sua integração no cumulo. Nesta situação o cúmulo jurídico das penas deve ser efectuado, levando em consideração a pena que caberia ao crime cometido e, uma vez encontrada a pena única averiguar se estão reunidos os pressupostos previstos no art. 84º, nº 2, do Cód. Penal.

Neste sentido cfr. Ac. do TJ, proferido em 19/04/1995, no proc. 047346, disponível na pág. do MJ, www.dgsi.pt


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A pena referida em 14, por ser relativa a factos praticados após ao primeiro trânsito em julgado das decisões em causa, não foi integrada na pena única, por decisão do Juizo Central de Santarém, e por o nosso ordenamento jurídico não permitir o chamado cúmulo por arrastamento.

Tal entendimento e decisão é de manter no presente acórdão.


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A pena de prisão aplicável ao cúmulo jurídico, e relativamente ao arguido tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, que no caso, por exceder 25 anos, é reduzido àquele limite, nos termos do disposto no art. 77º, nº 2, do Cód. Penal, e como limite mínimo a mais elevada concretamente aplicada – três anos.

Nos termos do artº 71º do Cód. Penal na determinação das penas únicas há a considerar todas as circunstâncias que resultaram provadas nas decisões proferidas, com especial relevo as razões de prevenção especial, que são acentuadas face ao número elevado de ilícitos praticados pelo arguido, bem como as razões de prevenção geral que são muito elevadas nos crimes contra o património.

Com efeito, como já se escreveu no acórdão anteriormente proferido, estamos perante um individuo cuja vida tem sido pautada pela prática continuada de crimes, que se assemelha a uma forma de vida.

A natureza dos crimes é essencialmente contra o património (burlas e falsificações), mas também contra o Estado (fraude fiscal).

As circunstâncias dos crimes em causa espelham uma especial censurabilidade e desrespeito pelo património das pessoas ofendidas, logrando locupletar-se com elevadas somas de dinheiro, em concretos, dezenas de milhares de euros.

Pese embora as penas a cumular tenham sido aplicadas a crimes praticados num espaço limitado de tempo, de aproximadamente três anos, não podemos olvidar os restantes antecedentes criminais do arguido e que reforçam este juízo de censurabilidade e que se referem a crimes da mesma natureza.

De relevante igualmente a personalidade do arguido revelada na prática dos crimes, recorrendo quase sempre a um esquema idêntico de actuação, arrogando-se da propriedade de bens que não são seus, colocando em causa sentimentos básicos de segurança na comunidade.

As suas circunstâncias de vida, por sua vez, revelam igualmente, uma personalidade isenta de suficiente juízo de censura, desculpabilizando-se, ainda que resulte que familiares próximos, designadamente os seus pais, encontram-se a pagar dividas provenientes da sua actuação.

Favorável o suporte familiar de que dispõe e mostrar arrependimento.

Tudo ponderado entende-se por adequado a pena única de dezassete anos de prisão de prisão.

Nos termos do disposto no art. 83º, nº 1, do Cód. Penal, quem praticar crime doloso a que devesse aplicar-se concretamente prisão efectiva por mais de dois anos e tiver cometido anteriormente dois ou mais crimes dolosos, a cada um dos quais tenha sido ou seja aplicada prisão efectiva também por mais de dois anos, é punido com uma pena relativamente indeterminada, sempre que a avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para o crime, que no momento da condenação ainda persista.

Todavia, pese embora a decisão referida em 2, não se afigura inequívoco que estejam reunidos os pressupostos objectivos para a aplicação de uma pena indeterminada.

Apesar das sucessivas e inúmeras condenações do arguido, tal não resulta da matéria de facto provada, designadamente da extraída do relatório social, sendo que a existência de arrependimento do arguido, contraria tal conclusão.

Assim, nesta situação concreta não se afigura ser a pena indeterminada a mais adequada a lograr a ressocialização do arguido.


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Vejamos então.

Quanto ao conhecimento superveniente do concurso de penas, dispõe o art. 78.º, n.º 1, do CP, que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.” E, estabelece o n.º 2 da mesma norma que “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.”

Por sua vez, resulta do n.º 1 do art. 77.º (regras da punição do concurso), do CP, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente11.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.

Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP12.

Assim.

Perante a pluralidade de crimes cometidos sucessivamente pelo arguido, importa verificar se todos eles tiveram lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles ou, em caso negativo, se há lugar a cúmulos jurídicos sucessivos ou/e a cumprimentos de penas autónomas, por eventualmente não se verificarem os pressupostos do concurso superveniente, aludidos nos arts. 78.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1, do CP.

Ora, como a jurisprudência tem vindo a repetir, é o trânsito em julgado da primeira condenação que fixa o momento a partir do qual se considera que existe o concurso superveniente de penas, devendo então ser englobadas para efeitos de cúmulo jurídico, numa pena única, todas as penas individuais que se reportem a factos anteriores à data do trânsito daquela primeira condenação transitada em julgado (ver ac. do STJ n.º 9/2016, in DR I de 9.06.201613).

Por sua vez, os crimes que tiverem sido praticados depois do trânsito em julgado dessa primeira condenação, consoante os casos, tanto podem integrar outro (ou outros) cúmulo(s) jurídico(s), a sancionar com outra(s) pena(s) única(s), desde que se verifiquem os mesmos pressupostos, como, em caso negativo, terão de ser excluídos, mantendo autonomia14.

Portanto, tudo dependendo da verificação dos respetivos pressupostos, podem os crimes subsequentes integrar outros cúmulos jurídicos e, respetivas penas únicas, de execução sucessiva, funcionando, de todo o modo, o trânsito em julgado da condenação respetiva (que funciona como advertência para o condenado levar uma vida conforme ao direito) como elemento determinante de cada grupo de infrações que integra cada “cúmulo jurídico” de penas.

Agora, quanto às penas de prisão cuja execução foi suspensa, convém ter presente que, neste caso concreto, as mesmas não foram declaradas extintas, antes perderam autonomia nos respetivos processos (n.º 31/14.3... e n.º 510/15.5..., que se encontram arquivados quanto ao arguido), pois, até já tinham sido cumuladas no processo n.º 238/12.8..., por sentença de 4.07.2017, transitada em 3.08.2017, sendo que por acórdão de 6.11.2019, transitado em julgado, foram cumuladas nestes autos n.º 956/19.0... (ou seja, ainda que ficasse sem efeito o cúmulo efetuado nestes autos em 6.11.2019, subsistia o cúmulo efetuado no processo n.º 238/12.8... e não seriam reabertos os processos originais onde as penas foram suspensas, para se averiguar o estado dessas penas de substituição, que haviam sido englobadas no cúmulo jurídico efetuado nesse proc. 238/12.8...).

Portanto, ao contrário do que sugere o Sr. PGA - sendo certo que a questão que coloca nem sequer foi posta e, bem, pelo recorrente e, também, o MP não recorreu - no circunstancialismo particular destes autos, não faz sentido agora fazer averiguações sobre o estado daquelas penas suspensas (tanto mais que, ao contrário do que refere, não há qualquer referência, no acórdão impugnado, nem nos autos, a que tenham sido declaradas extintas), quando elas já não estão suspensas por terem sido englobadas numa nova decisão final, transitada em julgado, neste caso, no acórdão de 6.11.2019 proferido anteriormente nestes autos, onde o arguido foi condenado na pena única de 13 anos de prisão (até porque houve uma audiência de julgamento, neste último caso, efetuada ao abrigo do art. 472.º do CPP, para elaborar o cúmulo jurídico, onde foram ponderadas as penas em concurso, o conjunto dos factos e a personalidade do arguido, sendo proferida uma nova decisão final e aplicada uma pena única que se sobrepôs às penas individuais, as quais perderam autonomia, se ainda a não tinham perdido em cúmulos anteriores).

Diferente seria se, por exemplo, as penas suspensas ainda tivessem autonomia e/ou se, por qualquer outra circunstância atendível estivesse agora em discussão a sua eventual integração em cúmulo jurídico superveniente ou até subsistissem ou não razões para a realização de cúmulo jurídico superveniente (v.g. uma amnistia de um crime em concurso, sobrando apenas a pena suspensa de outro processo, não havendo, por isso, pressupostos para subsistir o cúmulo jurídico, caso em que a pena suspensa, que anteriormente fora cumulada, teria de ganhar autonomia no próprio processo e, portanto, seria aí que seria decidida a ulterior tramitação), o que não é o caso concreto dos autos.

Mas, além disso, convém esclarecer que, a decisão sob recurso, contém erros/lapsos de escrita, designadamente quanto à data de trânsito da decisão proferida no processo n.º 96/14.8..., que melhor se pode verificar analisando a respetiva certidão (sentença de 9.03.2016, cujo trânsito em julgado ocorreu em 12.07.2017), tendo sido tal lapso (e, por certo, falta de consulta da respetiva certidão) determinante da conclusão inexata a que chegou o Sr. PGA de ser caso da elaboração de cúmulos jurídicos sucessivos.

Com efeito, como bem diz a 1ª instância, a primeira condenação a transitar em julgado foi a do processo n.º 510/15.5... (cuja pena de prisão suspensa na sua execução nunca podia estar extinta, pois tinha sido englobada em cúmulo(s) anterior(es), como acima já se explicou, além de ter sido cometido crime em 27.12.2016 no decurso do período da suspensão, precisamente a condenação na pena de 2 anos de prisão a que se refere o processo n.º 6/17.0...), o que aconteceu em 15.11.2016, relativa a crime cometido em 31.10.2015.

Portanto, considerando esse processo determinante/aglutinador do cúmulo jurídico, ter-se-á de englobar não só essa pena do processo n.º 510/15.5..., como as relativas aos crimes cometidos antes de 15.11.2016, a saber, os crimes dos processos n.º 23/15.5... (cometido em 2011), n.º 530/16.2... (cometidos entre Janeiro a Junho de 2016), n.º 552/16.3... (cometido em 2.12.2015), n.º 231/38/12.8... (cometido em 13.09.2012), n.º 299/12.0... (cometido em 28.09.2012), n.º 31/14.3... (cometido 31.08.2014), n.º 96/14.8... (cometido entre março e julho de 2014), n.º 285/14.5... (cometido em Maio de 2014), n.º 17/15.0... (cometido em 30.12.2014), n.º 6/15.5... (cometido em Outubro de 2011), n.º 160/14.3... (cometido em 11.07.2014) e n.º 114/12.4... (cometido em 21.06.2012).

Já a condenação de 2 anos de prisão relativa ao referido processo n.º 6/17.0... (crime cometido em 26.12.2016), aludido no ponto 20 do acórdão impugnado, não pode ser englobado no cúmulo jurídico supra referido porque está numa relação de sucessão de crimes (precisamente por causa da condenação sofrida no processo n.º 510/15.5...), o que significa que o arguido terá de cumprir essa pena autonomamente.

Posto isto, vejamos então a questão colocada pelo recorrente, que considera excessiva a pena única que lhe foi aplicada, sendo essa a questão a analisar, tendo presente que o MP não recorreu.

Como sabido, na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP15).

Aliás, como ensina Jorge de Figueiredo Dias16 “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

Isto significa que, também no caso do concurso superveniente de crimes, depois de calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro dessa moldura, que vai ser determinada a medida concreta da pena única que vai ser aplicada e, sendo caso disso, o tribunal irá escolher a espécie da pena única que efetivamente deve ser cumprida.

Assim.

Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso na decisão sob recurso (que por força do disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP, não pode ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 3 anos de prisão), ou seja, a moldura do concurso situa-se entre 3 anos de prisão e 25 anos de prisão.

Ora, considerando os factos no conjunto (cometidos entre 2011 e Junho de 2016, portanto durante cerca de 5 anos e 6 meses – sendo duas condenações referentes a crimes cometidos em 2011, 3 condenações referentes a crimes cometidos em 2012, 5 condenações referentes a crimes cometidos em 2014, 2 condenações referentes a crimes cometidos em 2015 e uma condenação referente a crimes cometidos entre Janeiro e Junho de 2016 – o que já é um período considerável, mas não se podendo dizer que se “assemelha a uma forma de vida” como refere o Coletivo, pois não foram apurados factos para tal e houve um certo espaçamento entre os crimes cometidos em concurso), está em causa o concurso de 27 crimes (sendo 2 crimes de fraude fiscal qualificado, 6 de falsificação de documento, 9 de burla, 1 de burla tentada, 8 de burla qualificada e 1 de burla qualificada tentada), portanto, estando em causa essencialmente bens patrimoniais e também interesses do Estado, sendo certo que o recorrente (nascido em 19.02.1973) já tinha antecedentes criminais (por dois crimes de cheque sem provisão e por um crime de burla, embora tivesse sido condenado nos dois primeiros casos em penas de multa e no último em pena de prisão cuja execução foi suspensa e depois julgada extinta pelo cumprimento), que revelavam que as condenações anteriores sofridas não o motivaram a alterar o seu comportamento.

Importa atender aos respetivos factos no conjunto (conexão entre os 27 crimes cometidos, seu diferente grau de gravidade, olhando para a sua natureza e dos bens jurídicos violados – sendo certo que os crimes patrimoniais cometidos se inserem na pequena e média criminalidade, período de tempo durante o qual foram cometidos, o que para um adulto da idade do recorrente, acentua essa gravidade e realça a sua indiferença para levar uma vida conforme ao direito, bem como desprezo pelas regras e valores subjacentes ao ordenamento jurídico) e à sua personalidade (avessa ao direito, atento o circunstancialismo fáctico global apurado), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando naquele período de tempo tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, evidenciando mesmo uma certa propensão para crimes contra o património e contra os interesses do Estado, manifestando maior perigo de reincidência nessa área (atento todo o seu modo de atuação ao longo daquele período de tempo em que cometeu os factos no seu conjunto, vistas as condenações anteriores sofridas e falta de motivação para levar uma vida conforme ao direito), o que também torna mais elevadas as exigências de prevenção geral e especial relativamente ao ilícito global mas, tendo em atenção, que no conjunto dos factos predominam crimes contra o património pertencentes à pequena e média criminalidade (reflexão esta que não foi ponderada pelo Coletivo que praticamente se limitou a repetir a fundamentação do seu anterior acórdão de 6.11.2019).

Para avaliar da capacidade de reinserção social do arguido/recorrente, tendo por referência os factos no conjunto em avaliação, importa considerar as condições de vida do arguido, o seu comportamento no período em que cometeu os crimes em questão e, ainda, o seu comportamento posterior aos factos (desde que está preso, o que já sucede desde 18.04.2017), notando-se, apesar de tudo, alguma evolução positiva (no EP tem mantido comportamento normativo, sem registo de anomalias, recebendo visitas regulares dos familiares, pais, ex-companheira e filho, contando com o total apoio destes, incluindo quando sair em liberdade).

Veja-se que a atividade criminosa do arguido cessou, como acontece em geral na criminalidade contra o património alheio (que predomina no conjunto dos factos como se viu), quando acabou por ser detido, não se podendo deixar de ponderar, por outro lado, o tempo entretanto decorrido (cerca de 7 anos) sem cometer crimes, o que é positivo (matéria esta que também não se vê que o Coletivo tivesse ponderado, como devia).

Aliás, também será de realçar que o arguido já revela arrependimento e, como foi dado como provado, mostra uma “aparente capacidade para interiorização das normas sociais e uma adequada perceção do ilícito em geral e do dano causado às vítimas”, o que significa que já começou a refletir sobre o seu percurso de vida, o que também se deve avaliar a seu favor, na medida em que indicia algum esforço interior para levar uma vida conforme ao direito.

Considerando as suas carências de socialização é de atender ao efeito previsível da pena única a aplicar sobre o seu comportamento futuro, a qual não deve ser impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor das condutas que praticou, apure o sentido crítico, reflita sobre as consequências dos seus atos sobre as outras pessoas e continue a preparar-se para adotar uma postura socialmente aceite, mantendo o cumprimento das regras da instituição (o que, por certo, se tal se justificar, poderá a seu tempo igualmente contribuir para beneficiar de medidas flexibilização que o vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado e proporcionado, a redução da pena unitária aplicada pela 1ª instância para 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada considerando os factos no conjunto, à luz das considerações que acima fizemos), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Redução superior, como pretendido pelo recorrente (da pena única) mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas.

O Coletivo seguiu a via de cumular juridicamente as diversas penas concretas e, depois de determinada a pena única, afastou a aplicação da pena relativamente indeterminada (proc. n.º 30/16.2...), não havendo recurso sobre essa questão, pelo que não nos iremos debruçar sobre essa matéria (controvertida17) do concurso com uma pena relativamente indeterminada.

Em conclusão: apenas procede parcialmente o recurso do arguido, sendo certo que na parte em que improcede não se podem considerar violados os princípios e as disposições legais pertinentes invocados pelo recorrente.


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III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenar o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sem custas.


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em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 11.10.2023


Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Sénio Alves (Adjunto)

Pedro Branquinho Dias (Adjunto)

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1. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP corrige-se o lapso de escrita quanto à data de nascimento que é ... .02.1973 (e não “.../92/1973”).

2. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto à data da decisão que é 14.06.2021 (e não “16/09/20198”).

3. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto à data do trânsito que é de 14.07.2021 (e não “14/16/2021”).

4. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto aos crimes cometidos que foram um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea e), por referência à alínea d), todos do Código Penal, dois crimes de burla, p. e p. pelo artigo 217º, nº 1 do Código Penal, um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nº 1, por referência à alínea a), do artigo 202º do Código Penal

  (e não “um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art. 22º, 23º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal”).

5. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto à data em que foram cometidos os crimes em questão, que foram entre março e julho de 2014 (e não “em 18 de março de 2013”).

6. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto às penas aplicadas que foram de 6 meses de prisão, de 1 ano e 6 meses de prisão, de 1 ano e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão, sendo em cúmulo jurídico, condenado na pena única de 5 anos de prisão suspensa na execução sob condição de pagar, no período da suspensão, €500,00 a RR e SS e €3.500,00 a TT, em obediência aos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, comprovando nos autos o referido pagamento (e não “2 anos e 1 mês de prisão”).

7. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto à data em que foi proferido o acórdão que é de 9.03.2016 (e não “21 de Novembro de 2014”).

8. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto à data do trânsito que é de 12.07.2017 (e não “29 de abril de 2014”).

9. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, compulsada a respetiva certidão, corrige-se o lapso de escrita quanto ao montante que é de € 500 (e não “€1.500”).

10. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, tendo em atenção as certidões juntas aos autos, corrige-se o lapso de escrita, quando à data do primeiro trânsito que é a referida em 7 (e não “6”).

11. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291.

12. Ver Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.

13. Pelo referido acórdão do STJ n.º 9/2016 foi fixada a seguinte jurisprudência: O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.

14. Assim, entre outros, acórdãos do STJ de 16.06.2016, proc. n.º 2137/15.2T8EVR.S1 (Raul Borges) e de 30.09.2021, proc. n.º 16/19.3PBVCD-H.S1 (Eduardo Loureiro).

15. Ver Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291.

16. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.

17. V.g. ac. do STJ de 20.03.2019, relatado por Vinício Ribeiro, onde cita variada jurisprudência e doutrina sobre o tema.