Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE ADJETIVA LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA CONFISSÃO JUDICIAL INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL CONHECIMENTO OFICIOSO EMBARGOS DE EXECUTADO INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA PRESSUPOSTOS | ||
Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | I - A exceção dilatória de ilegitimidade que conduz á absolvição da instância não se confunde com a ilegitimidade substantiva que se refere a não ter sido feita demonstração de ser o autor o titular do direito que invoca ou o réu o titular da obrigação exigida, que como questão de mérito do pedido depende da alegação e prova por parte do interessado e que tem como consequência a procedência ou improcedência do pedido. II - A exceção dilatória de ilegitimidade que conduz á absolvição da instância não se confunde com a ilegitimidade substantiva que se refere a não ter sido feita demonstração de ser o autor o titular do direito que invoca ou o réu o titular da obrigação exigida, que como questão de mérito do pedido depende da alegação e prova por parte do interessado e que tem como consequência a procedência ou improcedência do pedido. III - A confissão sendo o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável exigindo que o facto concreto confessado esteja concretizado, impõe que não possa ser havida como confissão a declaração do exequente, no requerimento inicial de uma execução em que o título executivo é uma sentença que condena o executado num elenco concretizado e discriminado de obras, afirmando que o executado fez obras não discriminando nenhuma. IV - O conhecimento oficioso da ineptidão da petição inicial apenas pode ser realizado até ao despacho saneador ou, na falta deste na sentença final. Se o embargante não argui a nulidade de petição do requerimento executivo e se o tribunal não julgou oficiosamente inepto esse requerimento na sentença, não pode o embargante arguir a nulidade nas contra alegações de revista. V - A Inversão do ónus da prova prevista no art. 344 nº2 do CPC exige que seja provado e declarado pelo tribunal que a parte contrária tornou culposamente impossível a prova de um facto ao onerado. VI - Tendo sido impugnada a existência de um relatório e não tendo ficado provado que este foi realizado, não satisfaz o exigível para a inversão do ónus da prova (e considerar que o executado realizou todas as obras em que foi condenado por sentença) a alegação de que uma testemunha em julgamento declarou existir um relatório sobre obras realizadas e que o executado solicitou ao exequente a apresentação desse relatório | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório Condomínio do prédio sito na Rua Domingos Sequeira instaurou execução para prestação de facto contra AA e BB, apresentando como título executivo, uma decisão judicial, de 28/10/2006, já transitada, que condenou os executados a eliminar os defeitos do prédio identificados nas alíneas P a R, T a X, CC e DD, FF e GG, II, LL, OO e QQ, da fundamentação de facto e ainda no pagamento de determinada quantia (Esc: 7.500.000$00), acrescida de juros à taxa legal. Eliminação dos defeitos, a saber: P (defeitos/anomalias na cobertura): a) Deficiência nos remates entre as chapas de Lusalite e os muretes em voltas; b) Rachas nas paredes das arrecadações incluindo ombreiras da porta de acesso ao terraço; c) Chaminés com pouca altura e proteções insuficientes contra a entrada de águas pluviais. Deficiências nas chaminés das lareiras. d) Dreno da caleira sem rede de proteção e colocado em posição mais alta, o que origina a formação de poças de água. Q (anomalias nas fachadas), a saber: a) Rachas horizontais nas paredes das fachadas ao nível da lage de cobertura, particularmente dos alçados Norte e Nascente. b) Aparecimento de humidade na caixa de ar entre os vidros duplos das janelas designadamente no Io andar A e B. R (anomalias na caixilharia exterior), a saber: a) Infiltrações de águas pluviais pelas janelas, nomeadamente: - Nas janelas das escadas - Nas restantes janelas com aparecimento de água entre os vidros duplos b) Deficiências do portão de garagem que consistem no funcionamento ruidoso e colapso na fixação. T (rede de esgotos), a saber: a) As águas residuais são recolhidas ao nível da cave e depois bombeadas para o nível do coletor da rede municipal, o que, atendendo ao possível funcionamento em carga do coletor público, origina o consequente alagamento das caves. b) No projeto aprovado apenas foi encontrada ... c) Há deficiências no escoamento de águas superficiais no piso da garagem por falta de inclinação do piso e ralos adequados. U (ventilação), a saber: a) Há deficiências no sistema de ventilação e exaustão de fumos das casas de banho, cozinhas, fogões de sala, originando maus cheiros nos andares e propagação de uns andares para os outros. b) Não há ventilação dos armários dos quartos e das cozinhas. V (caixa de escadas), a saber: a) Mancha de humidade em parede no patamar entre o 6o e o 5o piso. b) Tampas inadequadas nas caixas das instalações elétricas das antenas e torneiras de segurança de água. X (elevador), a saber: a) Mau funcionamento originando paragens frequentes. b) Inundações do poço do elevador relacionadas com ocorrências de chuvas. Z (arrecadações), a saber: a) Rachas horizontais na parede do corredor, a 1 m e l,80m do pavimento prolongando-se pela parede. b) Infiltrações de humidade com deterioração de pintura junto à janela fixa CC - Na fração dos autores CC e DD, correspondente ao 3°-A, verificava-se, em outubro de 1999, uma fissura na parede exterior do quarto entre o 5o e 4o piso. DD - No interior dessa fração, em março de 2000, constatou-se a existência de infiltrações no teto da cozinha e no teto de um dos quartos, provocando manchas de humidade. FF - Na fração dos autores EE e FF, correspondente ao 1°-B, verificam-se infiltrações e humidade nos quartos, na casa de banho e na cozinha e outros elencados em GG. II - Na fração da autora GG correspondente ao r/c-B, verificaram-se, em Outubro de 1999, defeitos aí elencados. LL - A piscina do condomínio tem problemas graves de estanquicidade, perdendo cerca de 1/8 da capacidade de água em 3 dias. OO - Também se torna necessário reparar o pavimento em volta da piscina com a largura de 60 cm, que se encontra muito irregular devido à cedência de terreno. QQ - A colocação da casa das máquinas abaixo do nível do solo provoca humidades constantes nas máquinas, por não ter sido previsto um adequado sistema de ventilação. Nos termos do art. 871 CPC, requereu também a execução para pagamento de quantia certa, quantia por si suportada, ao longo dos anos, para reparação dos defeitos do prédio, reparação a cargo dos executados, no montante de € 57.263,67. Os executados, nos embargos de executado deduzidos, invocaram a falta de título executivo no respeitante à quantia de € 57.263,67, defenderam que os defeitos foram reparados (obras efetuadas), exceção feita aos pontos Pc), Ua) e Ub), que ficaram por resolver, concluindo pela improcedência do título executivo quanto ao valor peticionado, pela procedência dos embargos e, consequentemente, pela absolvição do pedido exequente e extinção da execução e ainda na condenação dos exequentes como litigantes de má-fé - fls. I vol. Os embargos foram admitidos, em 1/7/2019. Na contestação, o Condomínio exequente impugnou o alegado pelos executados/embargantes, concluindo pela sua improcedência, absolvição do pedido de litigante de má-fé e pela condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, em multa e indemnização, em valor não inferior a € 2.500,00, acrescido de IVA , à taxa em vigor e juros mora a contar da citação - fls... I vol. Responderam os embargantes ao pedido de condenação por litigância de má-fé, concluindo pela sua improcedência. Em sede de despacho saneador, foi a execução reduzida à prestação de facto - falta de título executivo quanto ao montante peticionado a título de realização de obras - tendo sido relegado para final o conhecimento da exceção/realização de parte das obras/reparação em que os executados foram condenados, bem como da apreciação do pedido de condenação por litigância de má-fé, foram elencados os temas de prova e designado dia para julgamento. Após julgamento foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes os embargos declarou extinta a obrigação relativamente aos pontos Pa) a Pd), Qa) e Qb), Ra) e Rb), Ta), Ua), Va) e Vb), Xa) e Xb) e Zb) da sentença exequenda e condenou o embargado/exequente, como litigante de má-fé, na multa de 2UC. Tendo o exequente interposto recurso de apelação veio este a ser julgado parcialmente procedente e revogada a sentença, no segmento em que julgou extinta a obrigação dos embargantes no respeitante aos pontos P alínea c), Q alíneas a) (pintura e isolamento de uma fachada) e b), U alínea a), V alínea b) e X alínea b), absolvendo o Condomínio/exequente como litigante de má-fé, confirmando-se no mais a decisão. … … Desta decisão vieram agora interpor recurso de revista os embargantes, concluindo que: “A. O Tribunal alterou a decisão da matéria de facto dada como provada quanto ao quesito Qb), decidindo não haver extinção da obrigação descrita na sentença exequenda. B. O quesito em causa referia-se “designadamente ao 1º andar A e B”, sendo que exequente na ação era o Condomínio do prédio, o qual não se confunde com os proprietários das frações, designadamente com os do 1º andar A) e B). C. No caso do 1º andar B), foram até Autores da ação declarativa condenatória, mas apenas o Condomínio Autor intentou a ação executiva e já não os AA. singulares. D. O Tribunal a quo deu provimento a um pedido executivo a quem não era a pessoa com legitimidade, pois não se trata de proprietária dos 1º andar A e B (que tem os seus próprios proprietários), nem tem título legítimo para o efeito e não estavam em causa partes comuns do edifício. E. Existe uma questão de ilegitimidade ativa do exequente Condomínio em peticionar a execução de sentença em duas frações autónomas do imóvel que têm os seus proprietários. F. Ao abrigo dos arts. 1436º e 1437º do CC, na redação vigente ao tempo, o Condomínio apenas dispunha de legitimidade adjetiva para o exercício dos direitos relativos aos bens comuns do prédio, como este STJ entendeu já em Acórdão de 10/05/2021. G. O Condomínio, sem título para o efeito, viu-lhe concedido um direito executivo (a reparações) sobre duas frações do condomínio (1º andar A) e B) sem que os respetivos proprietários tenham querido vir a juízo reclamar a execução das mesmas. H. O Tribunal violou os arts. 1436º e 1437º do Código Civil e omitiu pronúncia sobre esta matéria, pois não aferiu da legitimidade do Condomínio para o segmento Qb), violando o disposto nos arts. 577º/e), 578º CPC e 278º/1 d) do CPC, pois é exceção dilatória de conhecimento oficioso, o que constitui fundamento de recurso de revista, nos termos dos arts. 674º, nº 1, a), b) e c), e 615º, nº 1, al. d) do CPC. I. Deveria ter aplicado tais normas no sentido de declarar a ilegitimidade do exequente Condomínio quanto ao segmento Qb), por legalmente inabilitado e julgar extinta a obrigação dos Recorrentes nesta parte, pelo que é nulo o Acórdão neste ponto. J. O acórdão a quo omitiu conhecer, igualmente, outras questões suscitadas pelos ora recorrentes nas suas alegações de recorridos, concretamente as indicadas nas págs. 4 e ss. Das mesmas. K. O Acórdão revidendo não se pronunciou quanto ao alegado de que o exequente requerera execução para prestação de facto, pretendendo que os Embargantes fossem condenados a repararem vários defeitos no prédio, ao mesmo tempo que dizia que, ao longo de vários anos, “foi procedendo a algumas reparações a que havia lugar, designadamente no elevador, na fossa, na piscina e na cobertura.” L. Os ora recorrentes alegaram que o recurso devia ser improcedente, em virtude da insanável contradição e flagrante incompatibilidade entre o pedido e a causa de pedir o que tornava inepta a ação executiva. M. Também alegaram que a improcedência do recurso da exequente devia decorrer de confissão, pois se “foi procedendo a algumas reparações a que havia lugar, designadamente no elevador, na fossa, na piscina e na cobertura”, tal alegação deveria valer como confissão que tudo o que pedia em matéria de recurso quanto à absolvição dos Recorrentes acerca das reparações “no elevador, na fossa, na piscina e na cobertura”, significava que não havia defeitos a eliminar quanto a estas partes. N. Tais confissões do Condomínio deviam ter conduzido à improcedência do recurso, mas sobre o alegado, o Tribunal recorrido nada disse, pelo que é nulo por força do artigo 674º, n.º 1, al. c) do CPC, e do art. 615º, nº 1, d) do CPC. O. Alegaram ainda os Recorrentes nas suas alegações (pág. 7 e ss.), uma inversão de ónus da prova por terem pedido ao Condomínio que juntasse um documento, que este tinha na sua posse, que era fundamental, e que este recusou, pelo que deveria ter operado o artigo 344º, nº 2 do CC, matéria que o Tribunal recorrido não apreciou, violando o art. 615º, nº 1, d) do CPC, o que comina de nula a decisão revidenda (artigo 674º, n.º 1, al. c) do CPC). P. Não se trata de algo que devesse ter que constar das conclusões dos recorridos, uma vez que o ónus de formular conclusões previsto no art. 639º do CPC não se estende aos mesmos. Mais. Q. O âmbito dos poderes do STJ na parte relativa à alteração da matéria de facto consta dos arts. 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3 do CPC, que permitem, dentro do circunstancialismo aí enunciado, tal alteração, por apreciação da observância das regras de direito material probatório. R. O nº 3 do artigo 674º do CPC prevê que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. S. O ponto 13 da fundamentação do Acórdão foi incorretamente julgado, passível de correção por este Supremo Tribunal, pois o tribunal alterou a matéria de facto por recurso ao “depoimento das testemunhas e [a]os documentos juntos”, quando a confissão produzida nos autos pelo próprio Condomínio, impunha que a redação do ponto 13 permanecesse inalterada. T. Se o exequente afirmou que “foi procedendo a algumas reparações a que havia lugar, designadamente no elevador, na fossa, na piscina e na cobertura”, tal significa que inexistem defeitos para eliminar ou reparações a fazer pelos Recorrentes, pelo menos no que ao “elevador, fossa, piscina e cobertura” diz respeito. U. Semelhante alegação possui o valor expresso de confissão judicial escrita nos termos do artigo 358.º, nº 1 do Código Civil, possuindo força probatória plena, que implicava a absolvição dos ora Recorrentes da execução quanto às reparações “no elevador, na fossa, na piscina e na cobertura.” V. Possuindo a prova por confissão força probatória superior à do depoimento de testemunhas (art. 396º CC) e documentos juntos, já que nenhum era documento autêntico (art. 371º do CC), não podia o Tribunal decidir como decidiu, sem atropelo do regime do artigo 358º do CC, o que fez em violação dos artigos 662º, nº 1 e 674º, nº 3 do CPC, porque contra disposição expressa de lei que fixa a força deste meio de prova. W. As regras legais sobre a força probatória das diferentes provas produzidas levam a conclusão diferente da tirada pelo tribunal a quo e à anulação da decisão, pois a reparação do elevador só podia abranger o elevador, todo ele considerado, pelo que inexistiam reparações a realizar. X. No confronto das provas, em total violação ao princípio da imediação processual e do regime do artigo 358º do CC, a Relação irrelevou a confissão judicial escrita produzida pelo Condomínio, que claramente reconhecia, sem distinguir, que tinha procedido a reparações no elevador, e o sentido probatório deste elemento, por recurso ao depoimento de testemunhas e documentos. Y. Por violação do regime dos artigos 358º, nº 1 e 393º, nº 2 do CPC, deve ser anulada a decisão recorrida na parte em que procedeu ao recurso da decisão de facto e alterou a resposta ao ponto 13 dos factos provados, nos termos do art. 674º, nº 1, a) e nº 3 do CPC. Z. Houve também erro na apreciação da prova com violação da força probatória dos meios de prova no aditamento do facto dado como provado sob o nº 16 (p. 76 e 77), que é passível de correção por este Supremo Tribunal. AA. O Tribunal exequendo especificou em Q a) da sentença exequenda quais as fachadas (duas) que apresentavam rachas nas paredes e que careciam de reparação (alçados norte e nascente), o que os embargantes fizeram. BB. Mas os executados concordaram ainda fazer a obra de pintura da fachada da frente do prédio, em substituição das reparações dos pontos LL., OO e QQ da sentença, o que o exequente Condomínio confirmou e reconheceu em contestação aos embargos de executado (arts. 40º e 46º). CC. Temos também neste ponto uma confissão judicial escrita, com força probatória plena (artigo 358.º, nº 1 do Código Civil), em como os executados/embargantes procederam à reparação das fachadas do imóvel, as únicas que havia que reparar e que o Tribunal mandou reparar (duas), inexistindo quaisquer reparações a realizar em outras fachadas. DD. Se, por acordo, os embargantes procederam à pintura de uma terceira, de tal não se podia retirar que ainda tivessem que reparar uma quarta, pois tal não resultava sequer da sentença. EE. O tribunal recorrido não podia ter infra-valorado a confissão do exequente, em prol de prova testemunhal, em razão da qual (afinal) ainda seria devida a reparação de uma quarta fachada, nem tal faz sentido ou justiça ao caso. FF. A Relação inverteu erradamente e contra lei expressa o decidido em matéria de facto pela 1ª instância, não sendo admissível o recurso a prova testemunhal para contrariar o sentido de confissão judicial escrita, e da qual resultara não haver a obrigação de reparar mais fachadas. GG. Deverá ser anulada a decisão na parte em que aditou o ponto 16 aos factos provados, por erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, em virtude da ofensa de disposição expressa de lei que fixa a força do referido meio de prova, nos termos do art. 674º, nº 1, a) e nº 3 do CPC. HH. Finalmente, resulta dos autos que os Recorrentes requereram ao exequente que juntasse um documento da máxima relevância, e que se encontrava na posse deste, concretamente um relatório de vistoria de peritagem mandado realizar pelo mesmo, prévio às reparações e posterior a estas, documento que existiu, e existe, e a que o Administrador do Condomínio à época (testemunha HH) aludiu. II. Um documento que permitiria verificar que as reparações foram realizadas, sendo que tudo os Recorrentes fizeram processualmente para o obterem, tendo o Condomínio recusado a sua entrega e tornando impossível a prova pelos Recorrentes das reparações por si realizadas. JJ. Pelo que houve inversão do ónus da prova (artigo 344º, nº 2 do CC), que impedia a procedência do recurso, ante a não prova de que as reparações estão por fazer, o que se argui e se requer que este STJ venha a sindicar. … … O recorrido contra alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida. Cumpre decidir. … … Fundamentação Está provada a seguinte matéria de facto: 1 - A deficiência dos remates entre as chapas de Lusalite e os muretes em volta foi reparada pela 'Tapa-Isola' no ano de 2005, e paga pelos embargantes. 2 - Cerca de 2014 ou 2015 o embargado fez arranjos no terraço, por sua iniciativa e sem participação dos embargantes -tendo sido removida integralmente a cobertura e substituída por chapas metálicas tipo ' Sandwich' (removendo as chapas de Lusalite existentes e as suas ligações aos muretes). 3 - A reparação das rachas das paredes das arrecadações (incluindo as ombreiras da porta de acesso ao telhado) foi realizada pela 'Tapa-Isola' em 2005, e paga pelos embargantes. 4 - A chaminé foi reparada pelo Condomínio - tendo as girândolas ficado mal instaladas. 5 - Aquando das obras pagas pelos embargantes em 2005 foi colocada uma rede na caleira. 6 - As rachas da parede do corredor forma eliminadas pela Tapa-Isola, em 2005 - obra paga pelos embargantes. 7 - A humidade nas caixas-de-ar dos Io-A e 1°-B foi reparada por II - tendo a obra sido paga pelos embargantes. 8 - As infiltrações de águas pluviais pelas janelas e junto à janela fixa foram reparadas pela 'Tapa-Isola'. 9 - Os embargantes repararam a fixação do portão manual -tendo o Condomínio decidido substituí-lo por um automático (com comandos). 10 - A carga do coletor público da zona foi intervencionada pela C.M.O. 11 - O Condomínio colocou "bolas de ventilação" denominadas "girândolas", para resolver os problemas de ventilação e de exaustão de fumos. 12 - A mancha de humidade foi reparada, a expensas dos embargantes, pela Tapa-Isola. 13 - O elevador foi reparado ao abrigo da garantia 14 - 0 embargado teve conhecimento das obras supra, mandadas realizar pelos embargantes. 15 - Apenas, em 2018, a atual administração do embargado e alguns condóminos, tiveram conhecimento do teor da sentença apresentada como título executivo. 16 - Os embargantes isolaram e pintaram três fachadas do prédio com exceção de uma. … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635 n.º 4 e 639 n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do CPC. O conhecimento das questões a resolver na presente Revista, delimitado pelo recorrente importa em saber se existe ilegitimidade ativa do exequente; se existe ineptidão do requerimento inicial da execução, se existe violação das regras do direito probatório material nos termos do art. 674 nº3 do CPC por não se ter considerado uma confissão dos factos pelo embargado e por violação das regras do ónus da prova. … … A decisão recorrida entendeu que das obras que a sentença que constitui o título executivo condenara os aí réus, ora recorrentes a realizar, ainda se mantinham por executar (não há lugar à extinção da obrigação dos embargantes/executados/recorrentes) as referidas na “ P alínea c); Q alíneas a) (pintura e isolamento de uma fachada) e b); U alínea a); V alínea b) e X alínea b). As conclusões dos recorrentes centram-se em três questões: - a ilegitimidade ativa do exequente quanto a uma parte do pedido; - a ineptidão do requerimento executivo; - a violação das regras do art, 674 nº3 do CPC na vertente da desconsideração de uma confissão que diz realizada pelo exequente e na violação das regras do ónus da prova. Apreciando as questões enunciadas e não os argumentos em que os recorrentes multiplicam cada uma dessas questões, porque o conhecimento devido integra apenas os pontos de direito relevantes no quadro do litígio, no domínio da primeira, a ilegitimidade, sustentam os recorrentes que uma (pequena) parte das obras indicadas no ponto Q al.b) b do dispositivo da sentença que é título executivo, não podia ser incluída na execução porque não diz respeito a uma parte comum do edifício. E sendo exequente apenas o condomínio este não tem legitimidade para peticionar essas obras. Tendo presente que o título executivo é uma sentença, verificamos que nela os réus, ora recorrentes, foram condenados numa prestação de facto consistente na realização de obras nas quais se integrava “Aparecimento de humidade na caixa de ar entre os vidros duplos das janelas designadamente no1º andar A e B.” No requerimento de oposição à execução os oponentes, ora recorrentes, não suscitaram qualquer ilegitimidade do exequente quanto a esta ou outra matéria limitando-se a alegar que “Quanto ao ponto Q b) estes defeitos foram reparados (…) pelo empreiteiro II, (…)”. Isto é, tendo-se compadecido com a legitimidade da exequente, apenas opuseram a realização das obras, imputando agora ao tribunal e para um conhecimento oficioso uma diligência que, a existir, não teria sido acionada pelo interessado. A ilegitimidade que os recorrentes enunciam é a que se configura como exceção dilatória e que conduz à absolvição da instância nos termos dos arts. 30 nº1 e 2 , 576 nº1 e 2 e 577 al. e) do CPC. Todavia a legitimidade (processual) não se confunde com a substantiva que tem como consequência a improcedência do pedido e que decorre da verificação da falta de um elemento referente aos sujeitos da ação de que depende o mérito da ação, mas que tem como consequência a absolvição do pedido. Ser, e ter de ser evidente, pela enunciação da relação material controvertida como o autor a apresenta, que existe uma desconformidade entre aquele que demanda e a titularidade do direito que demanda, é um escrutínio que se realiza sem necessidade de qualquer prova e que se avalia em termos de conformidade e coerência formal. Porém, existindo essa coerência e conformidade formal e se vem a provar-se que afinal o demandante não era o titular do direito reclamado como era enunciado, o resultado dessa demonstração já não é a absolvição da instância mas sim do pedido deixando de se estar no âmbito de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, mas sim na discussão do mérito que depende da alegação e prova que se realize. Quer isto significar que perante a sentença que é título executivo e mais concretamente em face do dispositivo que enumera as obras em, que se traduz a prestação de facto a realizar, não se suscita qualquer dúvida (que deva ou possa ser desfeita através de conhecimento oficioso) no sentido de não poder o exequente demandar os executados pelas obras que constam da sentença. Nesta não se faz referência alguma a que haja obras concretas e específicas que digam respeito a algum dos autores e por esta razão isso não cabe no conhecimento oficioso deste tribunal distinguir se entre as obras em que o executado foi condenado algumas estavam excluídas da possibilidade de ser reclamadas na execução pelo exequente. Em reforço, sublinha-se que âmbito da oposição à execução fundada em sentença está regulado pelo art. 729 do CPC e quanto aos pressupostos processuais não se suscitam dúvidas sobre a identidade de quem foi autor na ação e é agora exequente na execução nem quanto às obras em que os réus foram condenados e que são reclamadas agora, não se podendo opor que na sentença se tenha fixados quais aquelas que poderiam ser executadas e por quem. Em resumo, não existe qualquer ilegitimidade processual ativa de que caiba conhecer oficiosamente, improcedendo nesta parte as alegações de recurso. … … Quanto à questão da ineptidão da petição inicial. Os recorrentes sustentam que no requerimento inicial o exequente reclamando a realização das obras em que os executados foram condenados, alega também que todas essas obras foram feitas antes da propositura da execução. Existiria assim uma contradição entre a causa de pedir e o pedido que determinaria a nulidade de todo o processo, e contradição decorrente de se reclamarem obras que, de imediato, se confessa já terem sido feitas. Apreciando, diz-se desde já que não assiste razão aos recorrentes porque só uma interpretação errada do requerimento de execução, fora de qualquer cuidado interpretativo, é que pode permitir a reclamação de em absurdo, o reclamante do direito contra o reclamado incluir a declaração de, afinal, esse direito que se está a pedir já está satisfeito. O que os executados pretendem é que se veja como confissão do exequente de as obras estarem realizadas uma expressão que não contém minimamente essa possibilidade. É de clareza elementar que dizer-se que aquele contra quem se reclamam obras especificas terá realizado ao longo do tempo alguns trabalhos sem si dizer em concreto quais, não pode servir como confissão de algum e muito menos de todos. A confissão pela sua própria noção (art. 352 do CCivil) não envolve uma admissão abstrata ou genérica da realidade, mas exige que seja o reconhecimento de um facto concreto objeto da causa de pedir desfavorável a quem a realiza. Com esta explicação observa-se que nenhum trabalho concreto dos que reclama e foram considerados em falta na decisão recorrida é reconhecido pelo exequente como tendo sido realizado ou sequer mal realizado. O que pode concluir-se com rigor, e foi desse modo que as instâncias o entenderam em sede de aptidão da petição, é que se o exequente alegou que ao longo do tempo os executados algumas obras realizaram, dessa declaração não se extrai com que algum dos trabalhos reclamados que não tenham uma identificação concretizada foi aceite como realizado, não existe confissão alguma. Muitos podem ser os trabalhos e as obras que os executados podem ter realizado, mas como os que são objeto da ação e da execução se encontram discriminados apenas a confissão desses, dizendo-se quais, poderia ser relevante e tal não ocorreu, fora dos casos em que a decisão recorrida o aceitou. Aliás, quando a decisão recorrida relativamente a alguns trabalhos os entende como já realizados e os deixa provados, isso fica a dever-se à circunstância de esses, em concreto, terem sido admitidos pelo exequente como já realizados e não outros. No que respeita à ineptidão da petição inicial teremos de concluir que a sua invocação é intempestiva porque os oponentes apenas a podiam ter arguido na contestação (e não o fizeram) e, por outro lado, o conhecimento oficioso sobre essa matéria apenas pode ser realizado até ao despacho saneador ou (na sua falta como no caso) até à sentença. Não se fazendo qualquer referência na sentença à ineptidão da petição expirou nesse momento a possibilidade de conhecimento oficioso. Em qualquer caso, ainda que não existisse este obstáculo processual de tempestividade esta ineptidão nunca ocorreria uma vez que, como dissemos, não existe qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido. Relacionado a alegação da ineptidão do requerimento executivo, como demos nota, os recorrentes protestam a violação da lei do direito probatório material porque a decisão recorrida teria desconsiderado a confissão dos factos (da realização de todas as obras) pelo exequente. No entanto não existe qualquer confissão por parte do exequente de terem sido realizadas as obras reclamadas que a decisão recorrida considerou em falta, razão pela qual se repristinam aqui as razões antes expressas para que se entenda não existir qualquer violação das regras contidas no art. 674 nº3 do CPC. Por último, defendem os recorrentes, ainda no domínio da violação das regras de direito probatório material, que deveria ter sido entendido que o ónus probatório se inverteu nos termos do art. 344 nº2 do CCivil. Num esforço de compreensão deste conjunto de conclusões, os recorrentes, no requerimento de oposição, alegaram que “Após a realização das obras por parte dos executados conforme mencionado nos artigos anteriores, foi realizada uma peritagem ao imóvel pela empresa C... Lda., no âmbito justamente do cumprimento das reclamações do condomínio” E na resposta o exequente impugnou essa alegação negando ter sido realizada qualquer peritagem ou elaborado qualquer relatório que contenha a indicação de terem sido realizadas todas as obras reclamadas na execução. Acresce que nos factos provados não consta que, depois de transitada em julgado a decisão que condenou os ora recorrentes a realizarem as obras, estas tenham sido realizadas ou que tenha sido realizada uma peritagem e um relatório sobre essas obras (que se dizem ter sido realizadas sem que tal tenha ficado provado). Uma primeira observação é dirigida à circunstância de mesmo a existir (e não se provou essa existência) um relatório particular de peritagem com relatório, esse documento não teria força probatória plena, razão para que a demonstração de terem sido realizadas as obras pudesse e devesse ser feita através de outros meios. Por outro lado, o facto de se dizer que “o Administrador do Condomínio à época (testemunha HH) ao mesmo se referiu no depoimento que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento”, não tem qualquer relevância para que se possa dar por invertido o ónus da prova, o que a acontecer deveria ser declarado pelo tribunal – art. 346 nº2 do CCivil – depois de ter sido alegada e provada a existência de uma prova que a parte contrária tivesse tornado culposamente impossível de obter ao onerado e nada disso ocorreu no caso. É de todo irrelevante o que uma testemunha tenha declarado porque aquilo que interessa à decisão são os factos que envolvem o conhecimento do mérito e não aquilo que tenha sido declarado em julgamento. As declarações/testemunhos são meios probatórios e o que serve a decisão são os factos provados (que não se confundem nem identificam com os meios probatórios que concorrem para convicção). Não tendo ficado provada a existência de qualquer relatório referente a uma eventual peritagem realizada, é inútil e improcedente a alegação de inversão do ónus nos termos do art. 344 nº2 doi CCivil que não é automática, exige declaração do tribunal depois de certificados os pressupostos do art. 344 nº2 do Civil. Em registo final, improcedem igualmente as conclusões de recurso dos recorrentes quanto à regularidade do aditamento do ponto 16 da matéria de facto na decisão recorrida uma vez que estão fora do conhecimento deste Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se que para pretender obter a anulação dessa matéria os recorrentes reduzem-se à interpretação do que dizem ter sido alegado nos articulados (questão que exorbita das regras de direito probatório) e, na parte em quem não o fazem, repetem que deveria ter-se por confessada pelos exequentes a realização dessas obras , sendo que neste âmbito valem aqui por inteiro as observações que de expenderam. Tendo o exequente como título executivo uma sentença no qual os recorrentes foram condenados à realização de determinadas obras, não tendo estes provado que as realizaram na totalidade improcede na parte das obras que não ficaram provadas terem sido satisfeitas a oposição dos recorrentes, e como assim, deve ser confirmada a decisão recorrida. Repete-se que as questões a resolver são as que foram enunciadas e apreciadas sendo irrelevante que a propósito e sobre cada uma delas os recorrentes reclamem vários e diferentes vícios. Se não existe ilegitimidade ativa do exequente, mesmo que parcial; senão existe confissão dos factos sobre as obras em falta, se não existe ineptidão da petição inicial e se não existe violação das regras de direito material com a decisão sobre estas matérias soçobram por completo todos os argumentos dos recorrentes quanto à procedência do recurso. … … Síntese Conclusiva - A exceção dilatória de ilegitimidade que conduz á absolvição da instância não se confunde com a ilegitimidade substantiva que se refere a não ter sido feita demonstração de ser o autor o titular do direito que invoca ou o réu o titular da obrigação exigida, que como questão de mérito do pedido depende da alegação e prova por parte do interessado e que tem como consequência a procedência ou improcedência do pedido. - A exceção dilatória de ilegitimidade que conduz á absolvição da instância não se confunde com a ilegitimidade substantiva que se refere a não ter sido feita demonstração de ser o autor o titular do direito que invoca ou o réu o titular da obrigação exigida, que como questão de mérito do pedido depende da alegação e prova por parte do interessado e que tem como consequência a procedência ou improcedência do pedido. - A confissão sendo o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável exigindo que o facto concreto confessado esteja concretizado, impõe que não possa ser havida como confissão a declaração do exequente, no requerimento inicial de uma execução em que o título executivo é uma sentença que condena o executado num elenco concretizado e discriminado de obras, afirmando que o executado fez obras não discriminando nenhuma. - O conhecimento oficioso da ineptidão da petição inicial apenas pode ser realizado até ao despacho saneador ou, na falta deste na sentença final. Se o embargante não argui a nulidade de petição do requerimento executivo e se o tribunal não julgou oficiosamente inepto esse requerimento na sentença, não pode o embargante arguir a nulidade nas contra alegações de revista. - A Inversão do ónus da prova prevista no art. 344 nº2 do CPC exige que seja provado e declarado pelo tribunal que a parte contrária tornou culposamente impossível a prova de um facto ao onerado. - Tendo sido impugnada a existência de um relatório e não tendo ficado provado que este foi realizado, não satisfaz o exigível para a inversão do ónus da prova (e considerar que o executado realizou todas as obras em que foi condenado por sentença) a alegação de que uma testemunha em julgamento declarou existir um relatório sobre obras realizadas e que o executado solicitou ao exequente a apresentação desse relatório, … … Decisão Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 6 de julho de 2023 Relator: Cons. Manuel Capelo 1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira 2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Lino Ribeiro |