Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6416/21.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
FACTOS ESSENCIAIS
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
IDENTIDADE DE FACTOS
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
FUNDAMENTOS
INCONSTITUCIONALIDADE
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Tendo presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição e a eventual modificação de decisões, é compreensível que a identidade dos pedidos que é requisito da excepção do caso julgado não implique uma absoluta coincidência dos concretos pedidos, não implique que o pedido feito na acção proposta em segundo lugar corresponda ipsis verbis ao pedido feito na acção proposta em primeiro lugar, bastando que possa considerar-se que o pedido formulado na segunda acção corresponde globalmente ao pedido formulado e decidido na primeira acção ou pode, de alguma forma, ser reconduzido a este

II. Mantendo presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição e a eventual modificação de decisões, compreende-se que a exigível identidade de causas de pedir não implique uma absoluta coincidência das causas de pedir concretamente invocadas, sendo suficiente que os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda acção já tenham sido invocados na acção anterior, ainda que a par de outros factos, até em posição instrumental relativamente a eles.

III. Mantendo sempre presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição e a eventual modificação de decisões, deve entender-se que o caso julgado abrange – deve poder abranger e só deve poder abranger – os pressupostos da decisão quando exista uma relação lógico-causal necessária entre esta decisão e os pressupostos de tal modo que o proferimento da segunda decisão comporta o risco de que a primeira decisão fique destituída da sua justificação lógica.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO

Recorrente: MEO – Serviços de Comunicações Multimédia, S.A.

Recorrida: NOS Comunicações, S.A.

1. MEO – Serviços de Comunicações Multimédia, S.A., demandou NOS Comunicações, S.A., pedindo:

a) A fixação do preço dos serviços de interligação, na componente voz, prestados, em 2001 entre a TMN e a Optimus, e que este seja estabelecido no valor de Esc: 55$00 (€ 0,2743) + IVA por minuto.

b) Seja declarado, que do encontro de contas dos respectivos serviços de interligação prestados em 2001, entre a TMN e a Optimus, resulta um saldo a favor da autora e que este ascende ao montante de € 14.685.294,00.

c) Condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 19.819.793,25, correspondendo esta ao montante de € 14.685,294,00 referido em b), actualizado à data da entrada da p.i.

d) Condenação da ré a pagar à autora a quantia de 6 27.317.599,61, a título de danos advenientes do incumprimento contratual, e a quantia em que a autora vier a ser condenada, se o for, no âmbito do processo 26897/18.0...

d) Condenação da ré no pagamento de juros de mora, à taxa comercial, sobre as quantias de € 19.819.793,61 e de € 27.317.599,61, referidas em c) e d), desde a citação até integral pagamento, e sobre a quantia em que a autora vier a ser condenada, se o for, no âmbito do processo 26897/18.0..., desde o momento em que for efectuado o respectivo pagamento e até integral pagamento.

Sustentou ser titular de um crédito sobre a ré (Optimus, à época), crédito este respeitante a serviços de interligação, serviços de voz, relativos a 2001, com base no acordo existente entre as partes em facturar tais serviços pelo preço de Esc: 55$00 por minuto acrescido de IVA, e que cedeu à então PTC (hoje MEO) parte substancial desses créditos.

2. Na contestação, a ré excepcionou a “excepção de autoridade do caso julgado”, alegando, em suma, que a TMN (ora MEO) intentou uma acção contra a ré, acção que correu termos no Tribunal da M... Proc. [72]3/2001, alegando ser credora da OPTIMUS (ora NOS) por força do saldo da prestação recíproca de serviços de interligação em 2001, que, na parte respeitante a serviços de voz, teriam sido facturados pela TMN ao preço de 55$00 por minuto mais IVA, alegadamente acordado com a OPTIMUS, e invocou também ter cedido à então PTC (hoje MEO) parte substancial desses créditos;

Nessa acção a OPTIMUS contestou dizendo que esse acordo era inexistente nunca tendo sido celebrado qualquer acordo relativamente ao preço aplicável aos serviços de interligação entre elas (tráfego de voz) a partir de 1 de Janeiro de 2001;

A OPTIMUS pediu também a intervenção da PTC, ora MEO, para efeitos desse pedido reconvencional (o que foi deferido), para que pudesse ser oposta a esta última, como cessionária dos créditos, a inaplicabilidade do preço de 55$00 por minuto relativamente aos serviços de interligação prestados pela TMN à OPTIMUS em 2001.

O Tribunal da M..., concordando com a OPTIMUS quanto ao facto de as partes não terem acordado relativamente ao preço dos serviços de interligação para 2001, mas, porque haviam sido invocados pela TMN, na acção, créditos emergentes dessa prestação de serviços, julgou necessário averiguar se, por aplicação dos critérios supletivos legais, poderia determinar o preço e assim dar resposta à pretensão da TMN.

Depois de concluir pela inexistência de um acordo entre a TMN e a OPTIMUS quanto aos preços aplicáveis ao serviço de interligação de voz, em 2001, o Tribunal da M... entendeu que ainda havia uma “última questão a decidir”, que se prendia “com a aplicabilidade ou não aos autos da disposição legal constante do art. 1158/2 CC, por via do art. 1156 do CC”.

O Tribunal da M... considerou que não havia lugar à aplicação de tais critérios porque, no caso, competia à ANACOM a fixação do preço, conforme previsto na lei e porque isso havia sido pedido a essa entidade pela OPTIMUS;

Assim, o caso julgado formado no Proc. 723/2001 abrange a questão da competência da ANACOM para a determinação dos créditos.

Tal foi, aliás, confirmado pelo STJ no Acórdão, de 20.01.2010, que confirmou a decisão.

A apreciação que foi feita no Proc. 723/2001 relativamente aos poderes da ANACOM para fixar o preço dos serviços de interligação integrou a própria parte decisória da sentença ali proferida, de indeferimento do pedido ali deduzido pela TMN;

Daqui se conclui abrangida pelo caso julgado formado na acção da M... a questão de pertencer à ANACOM o poder de determinar a contrapartida que pudesse ser devida pela prestação dos serviços de interligação entre a TMN e a OPTIMUS relativos ao ano de 2001;

A apreciação que dessa questão foi feita na acção que correu termos no Tribunal da M... integra a parte dispositiva da sentença: os créditos invocados pela TMN na acção não foram reconhecidos e a OPTIMUS não foi condenada a pagá-los não só porque não havia acordo quanto ao preço mas também porque o Tribunal decidiu que competia à ANACOM determinar esse mesmo preço.

Por outro lado, correu termos pela Instância Central Cível de ..., J-..., o processo 524/10.1... relativamente à fixação do preço dos serviços de interligação. Tratou-se de acção proposta pela NOS, então SONAECOM, contra a MEO, então PTC, com vista ao pagamento dos Créditos PTC (os créditos da OPTIMUS sobre a PTC relativos à prestação de serviços de interligação entre ambas essas empresas, que tinham sido objecto de declarações de compensação por parte da PTC que a OPTIMUS sempre reputou de ineficazes por assentarem em cessões de alegados créditos da TMN sobre a OPTIMUS que esta não reconhecia, pelo menos como créditos determinados).

Na contestação que apresentou nesse Proc. 524/10.1..., a MEO invocou que as cessões de créditos e as subsequentes compensações eram válidos e eficazes porque os créditos existiam e resultavam da aplicação aos serviços de interligação prestados pela TMN de um preço de 55$00 por minuto, sendo que deveria ser esse o preço aplicável fosse por força do princípio da não discriminação a que a TMN estava sujeita fosse por aplicação dos critérios estabelecidos no art. 1158 CC.

A sentença proferida no Proc. 524/10.1... pronunciou-se expressamente sobre os efeitos do caso julgado formado no Proc. 723/2001, relativamente à fixação do preço dos serviços de interligação entre a TMN e a OPTIMUS.

Aí se afirma que esse caso julgado vincula a MEO e a NOS porque ambas foram partes nessa primeira acção, na qual a MEO interveio, a requerimento da então OPTIMUS, para que lhe pudesse ser posteriormente oposta a inexistência de um acordo entre a TMN e a OPTIMUS de fixação do preço de interligação dos serviços de voz entre elas relativos ao ano de 2001, e isto porque haviam sido cedidos créditos, pela TMN à PTC, referentes à prestação desses serviços

Nessa decisão e tendo em conta que o efeito do caso julgado se reporta não somente à parte decisória da sentença mas também à decisão das questões preliminares que sejam antecedente lógico indispensável à emissão daquela, entendeu não haver lugar a nova discussão sobre a questão da fixação do preço da prestação dos referidos serviços de interligação por referência aos critérios do art. 1158 CC, pois ficou estabelecido que, na ausência de acordo entre a TMN e a OPTIMUS, competia à ANACOM a fixação desses preços para 2001.

Em sede de recurso o acórdão da Relação de ... que decidiu essa apelação aderiu inteiramente ao decidido em Primeira Instância sobre a matéria, afirmando que “a decisão proferida no âmbito do Processo que correu termos na M... sob o n° 723/2001 (...) constitui caso julgado não só no que se reporta à parte decisória da sentença, mas também à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, nomeadamente no que se reporta à fixação do preço dos serviços prestados por recurso às normas do C.C., mormente as constantes do art. 1158, por se entender que na ausência de acordo, competia à Anacom a fixação dos preços de interligação no serviço de voz para vigorar entre as partes no ano de 2001”.

Assim, não restam dúvidas de que ambas as instâncias, nesse Processo 524/10.1..., se consideraram vinculadas pelo decidido no Processo 723/2001 relativamente ao facto de pertencer à ANACOM o poder de definir o preço dos serviços de interligação relativo a 2001.

Destarte, é indisputável ter ficado definitivamente decidido nas acções anteriores, com efeitos de caso julgado material, que a competência para fixar o preço dos serviços de interligação de voz entre a TMN e a OPTIMUS relativos a 2001 pertence à ANACOM e não aos Tribunais - tal ficou decidido nos procs. 723/2001 e 524/10.1..., decisões transitadas em julgado.

3. Foi proferido saneador-sentença onde pode ler-se, entre outras coisas:

Em face do exposto, conjugando as decisões judiciais com a decisão da ANACOM resulta que já está decidido com autoridade de caso julgado que:

a) a competência para a fixação do preço dos serviços de interligação entre a TMN e a OPTIMUS relativos a 2001 pertence à ANACOM, e não aos Tribunais;

b) os Tribunais deferiram essa competência à ANACOM e esta aceitou-a

c) A MEO requereu a intervenção da ANACOM para resolução do litígio relativo à fixação do preço de interligação, que a rejeitou por extemporânea (…).

Por tudo o que se deixou exposto, julga-se a excepção de autoridade de caso julgado procedente por provada e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância. Cfr. arts.577º, al. i) 580º, 581º e 576º, nº2, do CPCivil1.

4. Inconformada, apelou a MEO, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido, nos termos do dispositivo do Acórdão:

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão”.

O Acórdão foi tirado com um voto de vencido e com a seguinte declaração de voto:

“Sob pena de a autoridade do caso julgado se transformar num polvo, «simultaneamente tudo querendo abraçar e lançando uma tinta negra que não deixa ver os contornos» (José Lebre de Freitas, «Um polvo chamado autoridade do caso jugado», ROA, III-IV -2019), importa que se admita em contraciclo a extensão da decisão aos fundamentos só em casos excepcionais, isto é, quando estejamos, na motivação, perante uma verdadeira decisão autónoma, condição necessária e suficiente da decisão final.

Com o devido respeito por opinião divergente, a questão da competência da Anacom é matéria justificativa que não se reveste das características de prejudicialidade que a autoridade do caso julgado exige, nem me parece que, assumindo que se repercute na instância, vede a ulterior discussão do tema.

Acresce que a existir caso julgado, na sua vertente positivo, só teria influência no primeiro pedido da Autora”.

5. MEO veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

A. Nos presentes autos e, em concreto, no presente recurso está em causa uma questão de competência absoluta do Tribunal Judicial e, como tal, trata-se aqui de matéria em que é sempre admissível recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

B. Ainda que assim não fosse, atendendo a que a Decisão Recorrida foi exarada com voto vencido, o recurso de revista sempre seria admissível, nos termos do artigo 671.º, n.º 1 e n.º 3, do CPC.

C. Das causa de pedir e pedido do Processo 723/2001 não constava a fixação do preço em causa nos presentes autos, pelo Tribunal ou por qualquer outra entidade, antes, pelo contrário, a Recorrente alegava a desnecessidade de tal fixação atendendo a que as partes já tinham um acordo vigente quanto a esse preço.

D. No Processo 723/2001 não se poderia ter formado caso julgado relativamente à possibilidade de um Tribunal Judicial se pronunciar quanto à fixação do preço em causa nos presentes autos pela singela razão de tal nunca, sequer, ter estado integrado na causa de pedir e no pedido do Processo 723/2001.

E. Ao decidir-se no Processo 723/2001 pela inexistência de acordo quanto ao preço, que constituía a causa de pedir da Recorrente e o fundamento único do seu pedido, efetivamente formou-se um caso julgado material quanto àquela causa de pedir e quanto àquele pedido, mas tal caso julgado material é irrelevante para os presentes autos, que evidentemente não assentam num acordo entre as partes quanto ao preço.

F. Mesmo quanto ao entendimento de que a ANACOM seria a entidade que melhor asseguraria os objetivos regulatórios e de promoção da concorrência, a ter-se formado caso julgado, este, não só não tem cariz material, como se restringe à convocação da ANACOM para a fixação do preço, não se estendendo para o que sucederia se esta não o fizesse.

G. A convocação da ANACOM configura pois, apenas, um passo prévio – que, à luz da Sentença do Processo 723/2001 se entende como necessário – que, não conduzindo à fixação do preço, antecede, mas não impede, uma ação para a fixação de preço, como a presente.

H. Requerida a intervenção da ANACOM para a fixação do preço e esta não o tendo fixado, deu-se pleno cumprimento à única imposição que decorria do Processo 723/2001.

I. No mais, não se tendo formado caso julgado quanto à competência do Tribunal Judicial na eventualidade de a ANACOM não fixar o preço dos serviços de interligação em apreço nestes autos, não há qualquer obstáculo a que a fixação do preço aqui ocorra.

J. Proposta nova ação (a presente), em que (pela primeira vez) se pede a fixação do preço pelo Tribunal Judicial atendendo à sua não fixação pela ANACOM, está-se perante distintas causas de pedir e pedido relativamente ao Processo 723/2001, inexistindo qualquer caso julgado que obste ao prosseguimento dos presentes autos.

K. Acresce ainda que, aquando da prolação, em 26.09.2007, da Sentença do Processo 723/2001 vigorava já o artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2004, de onde decorria que o recurso à ANACOM para a resolução de diferendos ocorria “sem prejuízo da possibilidade de recurso aos tribunais”, não decorrendo da referida norma qualquer referência, expressa ou implícita, à preclusão do direito de a Recorrente ver dirimido o litígio pelos Tribunais Judiciais, mesmo diante da caducidade do direito a requerer a intervenção da ANACOM.

L. A conclusão precedente não diferia da que seria obtida à luz do Decreto-Lei n.º 415/98, revogado à data de prolação da Sentença do Processo 723/2001.

M. Ao ter decidido de modo diverso, alargando o caso julgado bastante além do que do mesmo pode ser retirado, a Decisão Recorrida violou os artigos 620 e 621.º do CPC, 10.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2004 e artigo18.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 415/98, motivo pelo qual deverá ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

N. Mesmo que não fosse processualmente possível fixar o preço unitário dos serviços aqui em causa (i.e., o preço por minuto de cada terminação), ainda assim haveria de aferir-se se a equidade oferece solução para o apuramento do montante em dívida (pedido distinto do da fixação do preço, expressamente autonomizado na Petição Inicial e que carece de outras ponderações além do preço por minuto de cada terminação), não se podendo dar por precludida tal discussão com fundamento num pretenso caso julgado relativo à competência para fixar o preço por minuto de cada terminação.

O. Nem o direito da Recorrente se encontra prescrito, nem, rigorosamente, está em causa nestes autos o mesmo crédito pelos serviços de interligação que constituiu o objeto do Processo 723/2001, em que se pediu apenas o pagamento de ESC. 70.540.108$00 (i.e., € 351.852,87), que constituía uma pequena fração das faturas devidas em 2001, contra o pagamento dos € 14.685.294,00 aqui peticionado, que integra todas as faturas devidas em 2001.

P. Ao ter decidido de modo diverso, a Decisão Recorrida violou (novamente) o artigo 621.º do CPC, mas também o artigo 566.º, n.º 3, do CC, que permitiria, não sendo processualmente possível fixar o preço por minuto de cada terminação, aferir da possibilidade de uma fixação de indemnização nos termos da equidade.

Q. As posições vertidas na Decisão Recorrida – de que resulta uma proibição de o Tribunal Judicial decidir a pretensão da Recorrente, atenta a autoridade de caso julgado – não só não têm cabimento à luz da lei como, em qualquer caso, sempre seriam inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 203.º da CRP.

R. A Decisão Recorrida violou, no que se refere à parte das custas, os artigos 6.º, n.º 7, e 30.º do RCP e os artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 6, do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que conheça a questão da dispensa do remanescente de taxa de justiça devido pelo recurso de apelação, tal como vinha requerido.

S. Sem prejuízo de a Recorrente conceder que a questão decidenda é juridicamente delicada e carece de estudo atento pelos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, não implica a análise de um conjunto alargado de meios probatórios, nem o julgamento de quaisquer factos (que, aliás, a Recorrente não questiona). Assim sendo, a Recorrente requer que seja dispensado o valor remanescente de taxa de justiça, devido pelo recurso de revista”.

6. NOS veio apresentar contra-alegações, concluindo:

1ª — A questão central que a MEO solicitou que o Tribunal conhecesse na presente acção, da qual todos os pedidos fluíam, é a da fixação do preço para os serviços de interligação reciprocamente prestados entre a OPTIMUS e a TMN em 2001.

2.ª — Sucede que essa questão foi já objecto de decisões proferidas em duas acções judiciais, transitadas em julgado, que negaram que o preço dos serviços de interligação em causa pudesse ser fixado pelos Tribunais, antes decidindo que a competência para o efeito pertencia à ANACOM.

3.ª — Na primeira dessas acções, o Processo da M..., a OPTIMUS foi com esse fundamento absolvida do pedido, pelo que o caso julgado material nela formado abrange a competência da ANACOM para a fixação do preço.

4.ª — Na segunda acção, o Processo de ..., foi também decidido que a competência para definir o preço dos serviços de interligação relativos a 2001 pertence à ANACOM, e isto seja porque o Tribunal se considerou vinculado pelo decidido no Processo da M... relativamente a essa matéria seja porque o próprio Tribunal de ... conheceu e decidiu ele próprio essa questão, manifestando expressamente a sua concordância com o julgamento feito pelo Tribunal da M..., e considerando “inoperantes” as compensações com créditos supostamente derivados da prestação de serviços de interligação da TMN à OTIMUS, em 2001, invocadas pela MEO.

5.ª — É indisputável, por isso, que ficou definitivamente decidido nas acções anteriores, com efeitos de caso julgado material, que a competência para fixar o preço dos serviços de interligação de voz entre a TMN e a OPTIMUS relativos a 2001 pertence à ANACOM e não aos Tribunais.

6.ª — Ora, a ANACOM decidiu já, quando a MEO solicitou perante ela a fixação do preço, que o direito da MEO havia caducado por não ter sido exercido tempestivamente, decisão essa de que a MEO não recorreu judicialmente, pelo que a mesma se tornou também definitiva.

7.ª — Em face do que foi efectivamente apreciado e decidido nos Processos da M... e de ..., não tem qualquer fundamento a alegação da MEO de que o acórdão recorrido teria desrespeitado os limites do caso julgado formados nessas acções.

8.ª — A negação, pela MEO, de que as decisões proferidas nos processos anteriores relativamente à competência da ANACOM para a fixação do preço constituem caso julgado material que obsta à propositura de uma nova acção contradiz clamorosamente o que a próprio MEO afirmou quando requereu à ANACOM a fixação do preço, em 30 de Julho de 2018 (Doc. n.º 42 junto com a petição inicial), que é recordado no corpo destas alegações.

9.ª — Mesmo que, por absurdo, se entendesse que teria havido erro de julgamento nalgum dos processos anteriores e que a algum dos casos deveria corresponder uma decisão de absolvição da instância por incompetência do Tribunal, não caberia agora ao intérprete corrigir o decidido e anular os efeitos do caso julgado material, tirando a essas sentenças o valor que lhes é reconhecido no art. 619.º do C.P.C., de decisões sobre o mérito da causa que têm força obrigatória no processo e fora dele.

10.ª — Ainda que a questão da fixação do preço não estivesse resolvida pelo caso julgado formado nos Processos da M... e de ..., não poderia a MEO, confrontada com a decisão da ANACOM de julgar caducado o direito de requerer a fixação do preço, recorrer aos Tribunais para obter esse mesmo resultado.

11.ª — Poderia, sim, ter interposto recurso da decisão da ANACOM, tentando fazer valer o argumento de que lhe estava a ser cerceado o direito de acesso à justiça e colocar-se em condições de suscitar a resolução do suposto conflito negativo de jurisdição, como é exigido no art. 109.º, n.º 1, do C.P.C..

12.ª — Em conformidade com o decidido pelo Tribunal da M..., em sentença proferida já no domínio de vigência da LCE, o quadro dos meios de resolução dos litígios que estavam à disposição das partes, perante o diferendo surgido em resultado da falta de acordo quanto ao preço da interligação para 2001, é aquele que estava estabelecido na lei então vigente, que era o Decreto-Lei n.º 415/98 e que previa que a competência para a fixação do preço fosse exclusivamente da ANACOM, sem prejuízo da possibilidade de impugnação judicial da sua decisão.

13.ª — Não se verifica qualquer paralelismo entre a situação da decisão de não intervenção da ANACOM e a decisão de caducidade da convenção de arbitragem proferida por um tribunal arbitral.

14.ª — É que a intervenção do tribunal arbitral na resolução de um litígio decorre exclusivamente da convenção de arbitragem, que lhe atribui uma competência que, à partida, era do tribunal estadual, e que nele se mantém se e na medida em que não for feita valer aquela convenção, ou se esta não for válida, pelo que não é de estranhar que, quando por alguma razão o tribunal arbitral declare caduca a convenção de arbitragem, o tribunal estadual recupere na plenitude a competência de que, no fundo, nunca foi completamente privado.

15.ª — Já no caso da atribuição à ANACOM dos poderes de resolução dos litígios entre operadores, está em causa uma opção da lei de, ab initio, retirar esses poderes da esfera jurisdicional e deslocá-los para essa outra sede, ao jeito do que sucede no regime da arbitragem necessária — ainda que salvaguardando, naturalmente, o direito de recurso para os tribunais das decisões daquela entidade.

16.ª — A MEO veio efectivamente a requerer a intervenção da ANACOM e, em face da decisão desta entidade, dispôs da possibilidade de impugnação da mesma junto dos tribunais judiciais, que entendeu não utilizar — pelo que se cumpriu o preceituado no regime legal aplicável.

17.ª — Mesmo que ao pedido de intervenção da ANACOM fosse aplicável o regime de resolução de litígios previsto na LCE, não estaria ao alcance da MEO, em face da decisão daquela, dirigir-se aos Tribunais para obter a fixação do preço (ao invés de interpor recurso da decisão da ANACOM).

18.ª — Isto porque, por um lado, a possibilidade de utilização da via judicial para resolução de litígios entre operadores, prevista no art. 10.º, n.º 1, da LCE, foi já utilizada pela MEO quando, na contestação que apresentou no Processo de ..., invocou a excepção da compensação e suscitou nesse âmbito a questão da necessidade de fixação do preço dos serviços de interligação em 2001.

19.ª — Por outro lado, verifica-se que a norma do art. 10.º, n.º 1, da LCE, correctamente interpretada, não se aplica a situações, como a sub judice, de fixação de preços de serviços de interligação, em que a intervenção da ANACOM é comandada por critérios de decisão de natureza administrativa, dirigidos à promoção de um conjunto de interesses definidos na lei (concretamente os previstos no art. 18.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 415/98), sendo então exclusivamente à ANACOM que compete, em primeira instância, a resolução dos litígios.

20.ª — A competência alternativa entre os tribunais judiciais e a ANACOM só pode valer para as situações em que a ANACOM, se convocada a resolver certo litígio, o tiver de fazer nos termos em que o faria um tribunal judicial, por a decisão do mesmo se resumir a declarar o conteúdo de prescrições legais — ou seja, no que toca aos litígios surgidos já depois da sua entrada em vigor, onde não haja margem para a prossecução dos objectivos de regulação estabelecidos no artigo 5.º da LCE.

21.ª — Isto sob pena de o mesmo litígio ser objecto de decisões diferentes consoante a opção de recorrer a uma ou outra entidade (a de um tribunal subordinada apenas a critérios legais, a da ANACOM pautada pela prossecução de interesses públicos de natureza administrativa).

22ª — Não tem fundamento a alegação da MEO de que o caso julgado formado nas acções anteriores somente diria respeito ao pedido de que “seja fixado o preço dos serviços de interligação, na componente voz, reciprocamente prestados, em 2011, entre a TMN e a OPTIMUS, e que este seja estabelecido no valor de Esc. 55$00 (€0,2743) + IVA por minuto”, e já não aos demais pedidos deduzidos na acção.

23.ª — No que se refere ao segundo pedido da MEO, é manifesto que o caso julgado formado nas acções anteriores obsta também a que o Tribunal aprecie esta pretensão de que lhe seja reconhecida a titularidade dos pretensos Créditos TMN e de que se estabeleça o valor desses mesmos créditos: quanto à parte dos alegados Créditos TMN não cedida pela TMN à PTC (cessão inválida, como foi reconhecido no Processo de ...), a OPTIMUS foi absolvida do pedido de condenação no seu pagamento por decisão transitada em julgado proferida no Processo da M...; na parte restante, decidiu-se que não podia julgar-se existente, sequer, a existência dos créditos se não estava determinado o valor a pagar pelos serviços prestados, e que essa determinação competia somente à ANACOM.

24.ª — Assim, mesmo na parte não coberta pela decisão de improcedência do pedido de condenação no pagamento dos Créditos TMN, a determinação da existência e titularidade dos Créditos TMN e, obviamente, a atribuição de um qualquer valor aos mesmos suporia que fosse possível ao Tribunal conhecer e decidir sobre o primeiro pedido formulado, de fixação do preço dos serviços de interligação, coisa que está definitivamente arredada pelo decidido anteriormente com força de caso julgado.

25.ª — O terceiro pedido, por seu turno, fica inevitavelmente prejudicado pelo não conhecimento do segundo pedido, dado que o que a MEO ali pede é que a NOS seja condenada a pagar-lhe os créditos TMN, no alegado montante de € 14.685.294,00 acrescidos de uma quantia correspondente a actualização monetária.

26.ª — Também o quarto pedido, que é um esdrúxulo pedido indemnizatório, está absolutamente prejudicado pelo caso julgado formado nas acções anteriores relativamente à matéria da competência para a fixação do preço dos serviços de interligação relativos a 2001 na falta de acordo e aos efeitos que daí decorrem sobre os chamados Créditos TMN, uma vez que esse pedido indemnizatório assenta em que o preço dos serviços de interligação era efectivamente de 55$00 por minuto, em que o pagamento dos Créditos TMN, calculados a esse preço, era devido pela OPTIMUS à TMN e que por isso teria sido ilícita a recusa do pagamento das facturas correspondentes pela OPTIMUS, e em que as declarações de compensação efectuadas pela PTC utilizando os pretensos Créditos TMN cedidos pela TMN eram válidas e eficazes.

27.ª — Por último, o quinto pedido respeita apenas aos juros moratórios que supostamente acresceriam aos montantes objecto dos terceiro e quarto pedidos, pelo que a sua dependência face a tais pedidos é total e, portanto, a sua sorte está inevitavelmente ligada à improcedência dos mesmos.

28.ª —A ordem jurídica forneceu à TMN, e depois à MEO, os meios de tutela próprios para, em conformidade com o previsto na lei, exercerem o seu alegado direito, e a MEO não ficou em nada privada dessa mesma tutela pelo facto de a lei deferir à ANACOM a competência para a fixação do preço; se a MEO não exerceu o direito de requerer a intervenção da ANACOM dentro do prazo legal, e por isso viu caducar esse mesmo direito, e se prescindiu de questionar judicialmente a decisão da ANACOM que declarou a caducidade, sibi imputet.

29.ª — Não corresponde à realidade que fosse apenas o montante dos alegados Créditos TMN que estivesse por apurar, porque a própria existência de créditos da TMN sobre a OPTIMUS nunca foi declarada e reconhecida — pelo contrário, a existência desses alegados créditos foi negada, no processo da M..., relativamente à parte dos mesmos não cedida à PTC e, na parte restante, o que ficou decidido foi que a mesma dependia da intervenção da ANACOM.

30ª — Atento o disposto no art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, bem como no art. 530.º, n.º 7, do C. P. C., requer-se seja a NOS dispensada do pagamento de remanescente da taxa de justiça pela sua intervenção processual no presente recurso”.

7. Em 23.02.2023, determinou a Exma. Desembargadora Relatora a subida dos autos a este Supremo Tribunal.

8. Em 6.03.2023 apresentou a MEO requerimento para junção de parecer jurídico para subir com os autos

9. Notificada da apresentação deste parecer, veio a recorrida NOS, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, pronunciar-se sobre o mesmo, tendo a recorrente MEO, por sua vez, respondido e, por fim, a recorrida NOS apresentar resposta.

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Observado o contraditório, cumpre decidir.

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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Tribunal decidiu em conformidade com a lei, designadamente a lei fundamental, ao absolver a ré da instância com base no caso julgado; e

2.ª) o Tribunal decidiu em conformidade com a lei no que toca à condenação em custas da apelante.

Por fim, há que apreciar se, na decisão de condenação em custas, devem ser dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo recurso de revista a recorrente (cfr. conclusão S das alegações) e a recorrida (cfr. conclusão 30ª das contra-alegações).

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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - MEO - Serviços de Comunicações Multimédia, S.A., veio propor contra NOS Comunicações, S.A. a presente acção pedindo:

(i) Seja fixado o preço dos serviços de interligação, na componente voz, reciprocamente prestados, em 2001, entre a TMN e a OPTIMUS, e que este seja estabelecido no valor de Esc. 55$00 (€ 0,2743) + IVA por minuto;

(ii) Seja declarado que do encontro de contas dos respectivos serviços de interligação prestados em 2001, entre a TMN e a OPTIMUS, resulta um saldo a favor da autora e que este ascende ao montante de € 14.685.294,00;

(iii) A ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 19.819.793,26, correspondendo esta ao montante de € 14.685.294,00 referido em (ii), actualizado à data de entrada desta petição inicial;

(iv) A ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 27.317.599,61, a título de danos advenientes de incumprimento contratual, e a quantia em que a aqui autora vier a ser condenada, se o for, no âmbito do processo 26897/18.0...; e

(v) A ré seja condenada a pagar juros de mora, à taxa comercial, sobre as quantias de € 19.819.793,26 e de € 27.317.599,61 referidas em (iii) e (iv) desde a citação até integral pagamento, e sobre a quantia em que a aqui autora vier a ser condenada, se o for, no âmbito do processo 26897/18.0..., desde o momento em que for efectuado o respectivo pagamento e até integral pagamento”.

2 - Na Sentença proferida no Processo 723/2001, em que era autora a Optimus (hoje NOS) e ré a MEO, escreveu-se:

A última questão a decidir prende-se com a aplicabilidade ou não aos autos da disposição legal constante do art. 1158/2 CC, por via do art. 1156 do mesmo diploma legal, onde se lê: “Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade”.

E inquestionável que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços com retribuição, com carácter duradouro, que iria prosseguir para além de 31 de Dezembro de 2000.

O contrato de prestação de serviços, sendo oneroso, implica o pagamento de um preço (cf art. 1154CC).

E, em concreto nestes autos discute-se a cobrança de pagamento por serviços prestados, já que o preço da terminação móvel – móvel corresponde, efectivamente, a um preço de prestação de um serviço.

Dentro deste contexto, seria - em princípio - aplicável ao caso em litígio a disposição em causa.

E isto porque as alegações da ré no sentido de que se deveria atender ao preço médio praticado em 2000 (de Esc. 25$82/minuto) ou atender ao preço que presumivelmente viria a ser fixado pelo I.C.P. (de Esc. 40$00/minuto) não têm qualquer razoabilidade ou apoio legal.

No entanto, afigura-se-nos dever ter em conta que a OPTIMUS solicitou a intervenção da ANACOM nos termos do DL 415/98, no sentido de fixar o preço de terminação móvel - móvel a aplicar desde 01/01/2001 (Cf. carta defls. 201 e ss. dos autos).Cf. documento n.°2, junto com a Contestação.

E que a ANACOM decidiu não intervir na resolução do diferendo existente entre a TMN e a OPTIMUS por estar a decorrer a presente acção judicial onde estava em causa, “entre outras questões, a eventual existência de acordo”. (Cf. Doc. defls. 256 e ss. dos autos). Bem como que a ré afirma na tréplica, ao justificar a apresentação do pedido reconvencional, “Não é, pois, exacto que a deliberação signifique que o ICP nunca virá a fixar um preço diferente do de 55$00 por minuto - mas, apenas, que isso não sucederá enquanto não ficar demonstrado por decisão judicial que os interessados não chegaram a um acordo quanto ao preço, visto que é o próprio pressuposto de intervenção do ICP e que uma das partes o contesta. Julgado procedente o pedido reconvencional apresentado pela OPTIMUS, esta poderá comprovar junto do ICP que não houve realmente acordo e que o ICP, por conseguinte, deve intervir”. Tal como ficou dito acima e ao abrigo do disposto no art. 16/1 do diploma legal em causa - a ANACOM deve, a pedido de qualquer das partes, intervir nas negociações dos acordos de interligação, determinando, nomeadamente, a inclusão de determinadas matérias no acordo de interligação e/ou o estabelecimento de condições específicas que devam ser observadas por um ou mais partes intervenientes no acordo de interligação.

Dentro do contexto específico em que se enquadra a actividade das partes em litígio, entendemos que a ANACOM será a entidade que melhor assegurará os objectivos de promoção da concorrência tendo em conta a prática regulatória.

Com efeito, tal como ficou dito acima, a ANACOM tem por atribuição principal assegurar os interesses dos utilizadores, garantir um mercado concorrencial e contribuir para o seu desenvolvimento correcto e adequado.

Desta forma, entendemos não dever aplicar neste caso particular a regulamentação do Código Civil atinente à fixação do preço nos contratos de prestação de serviços.

E remeter para a ANACOM, após a prometida solicitação da aqui Ré nesse sentido, a fixação dos preços de interligação no serviço de voz para vigorar entre as partes para o ano de 2001.

A conclusão que antecede prejudica a apreciação das demais questões suscitadas pelas partes” (cfr. fls. 558 e s.);

3 - No Acórdão proferido, pelo Tribunal da Relação do Porto, foi confirmada a sentença referida em [2];

4 - No Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Processo 723/2001 referiu-se o seguinte:

“Ora, não tendo ficado provado qual o preço a aplicar no ano de 2001 para o serviço de interligação respeitante ao tráfego de voz, a primeira instância não tinha alternativa que não fosse fazer recair a consequência da falta de prova de um. elemento constitutivo do direito invocado pela autora — o direito ao pagamento do preço - sobre a parte onerada, ou seja, sobre a autora, nos termos do n.° 1 do artigo 342.° do Código Civil; e não tinha alternativa porque expressamente considerou não ser adequada a aplicação dos critérios definidos pela lei civil para afixação do preço nos contratos de prestação de serviços (arts. 1154, 1156 e 1158/2 CC), antes cabendo à ANACOM intervir no litígio com esse objectivo” (cfr. fls. 589 v. e s.);

5 - Na Sentença proferida no Processo 524/10.1..., que correu termos pela comarca de ..., J-13, referiu-se o seguinte:

A decisão proferida no âmbito do Proc. que correu termos na M... sob o n° 7[2]3/2001, constitui assim caso julgado quanto ao nela decidido e vincula autora e ré, sendo que o fundamento da intervenção da ré nessa acção, consistia precisamente em que lhe fosse posteriormente oposta a inexistência do acordo de fixação de preços aplicável aos serviços de interligação a partir de Janeiro de 2001, tendo em conta a cessão de créditos TMN à aqui ré. Constitui caso julgado não só no que se reporta à parte decisória da sentença, mas também “à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”, nomeadamente no que se reporta a fixação do preço dos serviços prestados por recurso às normas do CC, mormente as constantes do art. 1158, por se entender que na ausência de acordo, competia à Anacom a fixação dos preços de interligação no serviço de voz para vigorar entre as partes no ano de 2001. Ou seja, nos termos do decidido na referida acção, não há que repetir a discussão nos presentes autos, sobre a fixação de preço dos mesmos serviços de interligação em causa (respeitantes ao ano de 2001), mormente se correspondiam aos usos e costumes foram ou não propostos pela autora e se foram ou não praticados por outras firmas (Vodafone ou outra), porque já debatidos na referida outra acção que correu termos entre as partes. Pese embora levados à Base Instrutória, não resultaram nem podiam resultar assentes, correspondendo aliás a meras conclusões no sentido de que seria este o preço razoável e na prática aplicado. Deferida tal questão à ICP - Anacom, a quem aliás incumbe a resolução destes litígios (de acordo com o disposto nos arts. 16 e 18 do D.L. 415/98 e 309/2001 de 7/12) e a quem foi solicitada a sua intervenção neste campo, é esta a entidade a quem incumbirá a fixação do referido preço” (cfr. fls. 672);

6 - Nessa mesma decisão se assentou:

Sendo um dos aspectos destes acordos de interligação a fixação do respectivo preço, dos autos resultou que para o ano de 2001, a autora e a TMN não acordaram na fixação do preço da interligação” (cfr. fls. 691);

7 - No Acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de ..., no Processo 524/10.1... referiu-se o seguinte (após transcrição do que decidira a Primeira Instância):

Ora, o processo do Tribunal da M... produziu efeitos de caso julgado quer quanto à fixação do preço entre a TMN e a Optimus, bem como, quanto ao aspecto de competir à Anacom a fixação dos preços de interligação. Os efeitos do caso julgado ocorrem perante as partes que intervêm nos processos, bem como, em relação àquelas que assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo, no dizer de Antunes Varela, Manual de processo Civil, pág. 722.

Assim, tendo a TMN ficado vinculada ao decidido naqueles autos, também a ora ré como concessionária dos créditos daquela ficou abrangida pelo mesmo. Não se diga, como o pretende a apelante, que incumbia agora ao tribunal fixar o preço nos termos do disposto no art. 1158/2 CC, que alude que a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade, pois, tal critério foi afastado no âmbito do Processo 723/2001.

Com efeito, na ausência de acordo incumbia à ICP - Anacom, nos termos do Decreto-Lei 415/98 de 31 de Dezembro, aplicável à data dos factos, fixar o preço. Porém, como resultou da audição de julgamento, até hoje aquela entidade ainda não se pronunciou, aguardando o desfecho do litígio” (cfr. documento n.º 40, junto à P.I.);

8 - Por deliberação do Conselho de Administração da ANACOM de 20 de Fevereiro de 2020 foi aprovada a decisão final sobre o pedido de intervenção da MEO para resolução administrativa do litígio que a opõe à NOS relativo ao preço dos serviços de terminação de chamadas móvel - móvel reciprocamente prestados em 2001 entre a TMN e a Optimus (cfr. Doc. 44 junto com a P.I.);

9 - A ANACOM aceitou a competência para intervir fixando o preço da interligação, porém, recusou o pedido de intervenção apresentado pela MEO tendo escrito no ponto “7. Decisão”:

(…) ao abrigo do art. 10 da LCE na fixação do preço a aplicar aos serviços de terminação reciprocamente prestados pela TMN (actual MEO) e pela “Optimus” (actual NOS) no ano de 2001, por se verificar que já foi ultrapassado o prazo máximo estabelecido no n°2 do referido art. 10; ...Rejeitar uma intervenção ao abrigo das suas competências legais enquanto autoridade reguladora do sector, invocadas subsidiariamente pela MEO, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de aplicação da primeira parte da al. b), do n°2, do art. 63 da LCE”.

10 - Na fundamentação da decisão escreve-se, para além do mais:

Ou seja, nada obstava a que, a partir de 2010 (do trânsito em julgado da última decisão proferida no primeiro processo), a TMN ou a, então, SONAECOM tivessem requerido à ANACOM, nos termos da alínea b) do n° 2 do artigo 63, que remete para o art. 10, ambos da LCE, a resolução do litígio, justamente com base na decisão do primeiro processo (que concluiu, com efeitos de caso julgado, pela falta de acordo quanto aos preços) (...). O artigo 10 da LCE prevê diversos requisitos de cuja verificação, em cada caso, depende a competência da ANACOM para intervir no sentido de resolver um litígio, a saber: (i) a existência de um litígio, (ii) relacionado com obrigações decorrentes da LCE, (iii) verificado entre empresas sujeitas ao regime desta Lei, (iv) no território nacional, (v) desde que uma das partes solicite a intervenção da ANACOM (veja-se o n° 1 do citado preceito). No presente caso, é evidente o preenchimento dos requisitos (i) a (v) supra: (i) existe um litígio entre a MEO e a NOS; (ii) o litígio relaciona-se com obrigações decorrentes da LCE (artigos 62 e sgs. desta Lei); (iii) as duas empresas em conflito estão sujeitas ao regime da LCE; (iv) o litígio ocorre em território nacional; (v) uma das partes (a MEO) solicitou a intervenção da ANACOM. Contudo, a MEO veio solicitar a intervenção da ANACOM cerca de 17 anos após o início do litígio da TMN com a OPTIMUS e oito anos após o trânsito em julgado do primeiro processo judicial (em que se discutiu a existência, ou não, do acordo)” (cfr. doc. 44 junto com a P.I.);

11 - A MEO não reagiu contra esta decisão (cfr. art. 164 P.I.).

O DIREITO

Esclarecimento sobre a admissibilidade do recurso

O recorrente sustenta, na primeira das suas conclusões (sem, no entanto, explicar ou voltar a aludir ao assunto), que o recurso é admissível com o fundamento específico da violação da competência absoluta do tribunal (cfr. conclusão A).

Esta é a hipótese prevista no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, em que o recurso é sempre admissível.

A verdade, porém, é que não parece que esteja realmente em causa, neste recurso, uma questão de incompetência absoluta do tribunal – de incompetência do tribunal para conhecer da acção; a questão da competência da ANACOM para a fixação dos preços das chamadas não configura uma questão deste tipo).

Tão-pouco pode invocar-se aquela norma para sustentar a admissibilidade com base no outro fundamento específico aí previsto da ofensa do caso julgado. Embora o que se discuta, no presente recurso, seja, de facto, o caso julgado, não está em causa a violação do caso julgado, sendo o que a recorrente alega e pretende ver reconhecida é, justamente, a inverificação do caso julgado.

Assim, o recurso só poderá ser admitido nos termos gerais (i.e., sem fundamento específico).

Ora, apesar da convergência das decisões das instâncias – que levaria a equacionar o impedimento da dupla conforme (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC) – , o Acórdão teve um voto de vencido, como a recorrente salienta (cfr. conclusão B).

Não se verificando a dupla conforme nem outros impedimentos à recorribilidade da decisão, é o recurso admitido sem necessidade de fundamentos específicos.

Do caso julgado

A primeira questão respeita, como se disse, ao caso julgado produzido pela decisão proferida no Proc. 723/2001.

O Tribunal a quo resolveu, a final, a questão nos seguintes termos:

In casu, confrontamo-nos com a acção intentada pela Meo contra a NOS solicitando, entre outros pedidos, a fixação do preço dos serviços de interligação, na componente voz prestados em 2001 (entre TMN e Optimus actualmente NOS), estabelecendo-se o valor de Esc: 55$00 por minuto acrescido de IVA, valor esse que foi acordado entre as partes.

Apurado ficou que nos processos 723/2001 e 524/10 (nesta acção a sentença pronunciou-se no sentido de existência de caso julgado no respeitante à fixação dos preço dos serviços de interligação entre a TMN e a Optimus/NOS), pronunciaram-se no sentido de que competia à ANACOM a fixação do preço (DL 415/98 de 31/12 e 309/2001 de 7/12) e não já aos tribunais, decisões confirmadas pelos tribunais superiores e já transitadas.

Tendo em conta que em ambas as acções discute-se a responsabilidade/incumprimento contratual (prestação de serviços) por parte da Optimus/NOS, a fixação do preço das inter-ligações e condenação do NOS no pagamento à autora das quantias reclamadas (valor/prestação de serviços), cuja génese/origem assentam na fixação do preço das interligações, componente voz, tendo em conta o extractado supra, constata-se que estamos perante a excepção de autoridade de caso julgado2.

Acresce que a MEO, conformando-se com as decisões supra mencionadas, solicitou à ANACOM a fixação do preço, não tendo obtido pronúncia porque a entidade reguladora fundamentou a sua decisão na extemporaneidade do pedido, sem que a MEO tivesse reagido.

Destarte, não assiste razão à apelante soçobrando a sua pretensão”.

A recorrente insurge-se contra esta decisão, entendendo que não há caso julgado.

A decisão da questão impõe um breve enquadramento do tema do caso julgado.

Como ensina Manuel de Andrade, o caso julgado (fórmula abreviada de “caso que foi julgado”) encontra a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e da certeza e da segurança jurídicas3.

Na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a excepção do caso julgado4 e a autoridade do caso julgado5, muitas vezes designadas, respectivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado6.

Explicando estas duas vertentes ou efeitos, diz Rui Pinto que:

se o efeito negativo do caso julgado (exceção de caso julgado) leva à admissão de apenas uma decisão de mérito sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo (autoridade de caso julgado) admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão7.

Diversamente da excepção do caso julgado, a autoridade do caso julgado funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade, embora não prescinda da identidade subjectiva8.

Veja-se, em ilustração, o que se diz Acórdão deste Supremo Tribunal de 11.11.2020 (Proc. 214/17.4T8MNC.G1.S1):

Quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado na segunda acção anterior invocada importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira”.

Explica bem a característica da prejudicialidade Lebre de Freitas dizendo que:

o efeito positivo do caso julgado, pressupondo igualmente a identidade das partes, assenta sempre na existência duma relação de prejudicialidade entre a primeira e a segunda ação: na primeira terá de se ter decidido questão jurídica cuja resolução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda9.

Postas as coisas de forma simplificada: a decisão a proferir na segunda acção pressupõe apreciar e decidir questão que já foi apreciada e decidida na primeira.

Posto isto, analise-se a situação dos autos.

Há que apurar, desde logo, se se verifica a excepção do caso julgado10.

Como decorre do que fica explanado, a excepção de caso julgado exige a tríplice identidade – identidade de partes, identidade de pedidos e identidade de causas de pedir.

Existirá identidade de sujeitos sempre que existir identidade física ou nominal e ainda “quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica11.

A identidade de pedidos “afere-se pela circunstância de em ambas as acções se pretender o mesmo efeito prático-jurídico12.

A identidade de causas de pedir “verifica-se quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no n.º 4 [do artigo 581.º]13 14.

No presente processo as partes são a MEO (autora) e a NOS (ré) e no Proc. 723/2001 são partes as entidades que hoje correspondem à autora e à ré. Não há, pois, dúvidas quanto à identidade de partes.

No presente processo a pretensão da autora decompõe-se, em rigor, em cinco pedidos, sendo que três deles, sendo embora formalmente individualizáveis, são materialmente conexos e reconduzíveis a uma e mesma pretensão fundamental15. A autora pretende que o tribunal fixe o preço dos serviços de interligação, na componente voz reciprocamente prestados em 2001 no valor de Esc. 55$00 (€ 0,2743) + IVA por minuto, reconheça a existência do crédito (remuneração) a favor da autora calculado com base neste preço e, consequentemente, condene a ré ao seu pagamento.

No Proc. 723/2001 o pedido era o reconhecimento do pagamento do crédito (remuneração) resultante da prestação recíproca do serviço de interligação no âmbito das chamadas de voz efectuada em 2001 e de condenação da ré no pagamento deste crédito, sendo que o crédito correspondente às chamadas de voz devia calcular-se ao preço de 55$00 por minuto, conforme – e é neste ponto e só neste ponto que as coisas são distintas – o acordado pelas partes.

Não obstante não existir uma coincidência exacta ou total dos pedidos, existe uma coincidência essencial dos pedidos. É inegável que, no seu cerne ou em última análise, a pretensão da autora – o que a move ou a motiva para a acção é, em ambos os casos, a condenação da ré no pagamento do montante devido pelos serviços referidos.

Sucede que, segundo ela, o tribunal deveria, num caso, fixar o preço em 55$00 por minuto e, no outro caso, limitar-se a reconhecer que o preço de 55$00 por minuto resultava de acordo das partes quanto ao preço das chamadas.

Mantendo presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição e a eventual modificação de decisões, é compreensível que a identidade dos pedidos não implique uma absoluta coincidência dos concretos pedidos, não implique que o pedido feito na acção proposta em segundo lugar corresponda ipsis verbis ao pedido feito na acção proposta em primeiro lugar. Para efeitos da excepção de caso julgado, basta que possa considerar-se que o pedido formulado na segunda acção corresponde globalmente ao pedido formulado e decidido na primeira acção ou pode, de alguma forma, ser reconduzido a este16 – o que se verifica in casu.

Quanto à causa de pedir, diga-se que a causa de pedir é complexa, o que bem se compreende dado o desdobramento, já referido, da pretensão da autora. Em qualquer caso, a causa de pedir fundamental, subjacente aos três pedidos do presente processo é o contrato de prestação, a título oneroso, dos serviços referidos e a sua efectiva prestação. É este o facto jurídico que está na base do pedido de fixação do preço dos serviços, do pedido de reconhecimento do crédito (remuneração) a favor da autora e do pedido de condenação da ré no pagamento deste crédito.

Ora, no Proc. 723/2001 a causa de pedir essencial, que sustenta o pedido de reconhecimento e de pagamento do crédito (remuneração), é, da mesma forma, o contrato de prestação onerosa daqueles serviços e a sua efectiva prestação.

Não é possível dizer que a causa de pedir é, no primeiro processo, e no que respeita, individualizadamente, ao primeiro pedido (pedido de fixação do preço pelo tribunal), a falta de acordo quanto ao preço das chamadas e que a causa de pedir, no segundo processo, é a existência deste acordo, daqui resultando que as causas de pedir, mais do que divergentes, seriam, na realidade, inconciliáveis.

O facto de a referência ao acordo quanto ao preço das chamadas integrar ainda a causa de pedir no primeiro processo (rectius: a falta de acordo) e de integrar ainda a causa de pedir no segundo processo (rectius: a existência de acordo) não prejudica em nada nem ofusca a conclusão de que aquilo em que se alicerça a pretensão da autora em ambos os processos é, no essencial, a existência de um contrato oneroso de prestação de serviços e a efectiva prestação de serviços nos termos deste contrato. A falta de acordo quanto ao preço das chamadas serve apenas, no primeiro, para apoiar a pretensão de que o crédito seja fixado pelo tribunal e a existência de acordo serve apenas, no segundo, para apoiar a pretensão de que o crédito seja reconhecido pelo tribunal em determinado montante. Quer dizer: embora a referência àquele acordo integre a causa de pedir em ambos os processos, não a consome e nem sequer ocupa a posição mais relevante.

Mantendo sempre presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição e a eventual modificação de decisões, compreenda-se que a exigível identidade de causas de pedir não implica uma absoluta coincidência das causas de pedir concretamente invocadas, sendo suficiente que os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda acção já tenham sido invocados na acção anterior, ainda que a par de outros factos, até em posição instrumental relativamente a eles.

Com isto conclui-se a averiguação dos requisitos da excepção do caso julgado, que podem e devem dar-se por cumpridos.

Não parece que se ponha aqui qualquer dúvida quanto ao facto de a conclusão sobre a competência da ANACOM e a consequente falta de competência do tribunal para dirimir o litígio caberem no âmbito objectivo do caso julgado formado pela decisão proferida no Proc. 723/2001.

O problema do âmbito objectivo ou do alcance do caso julgado (cfr. artigo 621.º do CPC) prende-se, como diz Lebre de Freitas, com a necessidade de:

determinar em que medida o silogismo judiciário no seu todo (fundamentos e conclusão) é abrangido pelo caso julgado: apenas a conclusão e os fundamentos só como sua justificação, não extrapolável para fora dela, como defende Castro Mendes? ou a conclusão e os fundamentos em que necessariamente assenta, com a força própria das decisões autónomas, como tem sido dominantemente afirmado pelo STJ?17.

Não se rejeita a segunda tese – como, aliás, corresponde à posição adoptada por este Supremo Tribunal18 – pois que se vislumbra nela sentido e utilidade. Mas não vá pensar-se que se entende que o caso julgado se alarga, sem mais ou indiscriminadamente, a todos os pressupostos da decisão. A extensão do caso julgado aos pressupostos da decisão tem de ser feita, como sempre que está em causa uma extensão, com parcimónia e, sobretudo, de forma criteriosa19.

Quer dizer isto que, atendendo ao fim do caso julgado (i.e., a que o caso julgado está preordenado à prevenção de contradições), ele deve poder abranger – e só deve poder abranger – os pressupostos lógicos e autónomos da decisão quando exista o risco de, por força da decisão posterior (da contradição que ela acarreta), a primeira decisão ficar, na prática, esvaziada do seu sentido.

Esta visão não está longe daquilo que, se bem se compreende, pretende dizer ou parece entender Lebre de Freitas quando afirma, na seguinte passagem:

“o caso julgado terá de se estender à decisão das questões prejudiciais quando, caso contrário, se possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado, de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma.

Para o efeito, entende-se por questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em correlação lógica com o objeto do processo20.

Voltando ao caso em apreço, há a possibilidade de sustentar que o reconhecimento de que a ANACOM é a entidade a quem cabe, nos termos do DL n.º 415/98, de 31.12, a resolução do litígio quanto ao preço na falta de acordo é, não um simples pressuposto lógico da decisão proferida no Proc. 723/2001, mas sim uma decisão em sentido próprio.

Milita neste sentido, além de argumentos meramente formais (relacionados com a formulação desta conclusão ou a sua localização sistemática) a circunstância de ela constituir ou integrar a resposta a uma questão apreciada e decidida pelo tribunal e, como tal, ser directamente abrangida pelo caso julgado.

Na verdade, para o efeito do caso julgado, não é relevante que a questão não tenha sido autónoma e expressamente formulada pelas partes; o que importa é que o tribunal entenda que a questão faz parte do objecto do processo e a tenha em expressa consideração no seu processo decisório.

Vêm a propósito as palavras de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre deixadas em anotação ao artigo 621.º do CPC (alcance do caso julgado):

[a] determinação do âmbito objectivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exacta do seu conteúdo ('dos seus precisos termos e limites'). Releva, nomeadamente, para o efeito, a leitura que a sentença faça sobre o objecto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo réu e pelo autor reconvinte: o caso julgado tem a extensão objectiva definida pelo pedido e pela causa de pedir (…) mas não é indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça de um e de outra (…) é sobre a definição do objecto do processo assim feita que se forma o caso julgado21.

Ora, no caso em apreço, o que aconteceu foi que o tribunal verificou que não existia acordo quanto ao preço das chamadas, logo o pedido não podia proceder nos exactos termos peticionados (i.e., calculando-se o crédito com base em preço acordado) e por essa razão passou a ver se podia resolver o litígio nos termos gerais do Direito dos contratos. Estava no seu poder fazê-lo; recorde-se que a causa de pedir era constituída, antes de mais ou acima de tudo, pelo contrato oneroso de prestação de serviços celebrado entre as partes.

Neste contexto, é sustentável que a conclusão de que a resolução do litígio cabia, não ao tribunal, mas sim à ANACOM é a resposta a uma questão apreciada pelo tribunal, portanto, uma decisão e não um mero fundamento.

Mas, mesmo que assim não seja, é, no mínimo, possível dizer-se que aquela conclusão é um pressuposto lógico autónomo e – saliente-se – absolutamente essencial da decisão (por oposição a obiter dictum ou argumento supérfluo). É incontestável que uma relação lógico-causal necessária entre aquele pressuposto e a decisão proferida; deve, por conseguinte, considerar-se que ele está coberto pela força do caso julgado.

Recuperando o que fica dito atrás, para que se produza a extensão do caso julgado aos fundamentos ou pressupostos da decisão, o que importa é saber se, não se reconhecendo força de caso julgado a dado pressuposto, há o risco de a decisão ficar destituída de sentido ou justificação. Ora, neste caso, é evidente a resposta afirmativa: se pudesse voltar a discutir-se e a decidir-se a questão da competência para a resolução do litígio quanto ao preço, haveria o perigo de a decisão proferida no Proc. 723/2001 ficar desprovida do seu suporte lógico.

A decisão foi a de improcedência da acção por falta de acordo quanto ao preço e de remessa do litígio quanto ao preço à ANACOM, atendendo ao disposto na lei quanto à competência reservada desta.

Diz-se na sentença:

(…) entendemos não dever aplicar neste caso particular a regulamentação do Código Civil atinente à fixação do preço nos contratos de prestação de serviços.

E remeter para a ANACOM, (…) a fixação dos preços de interligação no serviço de voz para vigorar entre as partes para o ano de 2001”.

Não seria admissível que o tribunal pudesse agora contrariar esta decisão, fixando ele próprio o preço (diga-se, além do mais, ao arrepio da disciplina substantiva aplicável) e condenando a ré no pagamento de crédito calculado com base em preço por ele fixado.

Assim sendo, também por esta via, pode e deve considerar-se aquela conclusão abrangida pela força do caso julgado, impedindo-se com isso a indesejável possibilidade de ela vir a ser modificada.

No ordenamento jurídico português vigente, a excepção do caso julgado é uma excepção dilatória [cfr. artigo 577.º, al. i), do CPC], que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC).

Decidiu, pois, bem o Tribunal recorrido ao confirmar a sentença que declarou procedente a excepção do caso julgado e, julgando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, absolver a ré NOS da instância.

Por fim, são devidas algumas considerações quanto à alegação de inconstitucionalidade desta decisão.

A autora / recorrente invoca, mais precisamente, a violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e duas normas sobre a organização e a competência dos tribunais (cfr. artigos 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 203.º da CRP).

Alega, no essencial, que é titular de um direito de crédito e que, com esta decisão, o respectivo exercício fica, na prática, inviabilizado, existindo “uma proibição de o Tribunal Judicial decidir a pretensão da Recorrente” (cfr. conclusão Q).

O artigo 20.º da CRP consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva, garantindo que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

É verdade que a ANACOM rejeitou o requerimento da MEO para a fixação do preço por se verificar que já havia sido ultrapassado o prazo para se requerer tal fixação, sendo que, de acordo com a decisão transitada em julgado no Proc. 723/2001, tal fixação é pressuposto do exercício judicial do direito de crédito de que se arroga a MEO.

Mas também é verdade que estava no poder da MEO reagir contra aquela deliberação da ANACOM, impugnando-a. Com isso poderia ter impedido que a decisão se tornasse definitiva e, em última instância, obtido uma decisão favorável à sua pretensão. Por isso não pode agora queixar-se de falta de tutela do seu direito.

O mesmo vale para o caso de ela ter impugnado a deliberação da ANACOM e de esta deliberação ter sido mantida. Seria sempre – continuaria a ser – imputável à autora / recorrente o exercício defeituoso de um direito por inobservância – que, nesta hipótese, teria sido judicialmente verificada – do prazo legalmente previsto para o exercício do direito de requerer à ANACOM a fixação do preço.

Quer-se com tudo isto dizer, enfim, que as formas de tutela do direito da autora estavam previstas na lei e prontas a ser utilizadas, só que a autora / recorrente, seja por que razão for se absteve de utilizá-las – ou de utilizá-las atempadamente. As consequências desta inacção – desta inacção atempada – não podem deixar de lhe ser exclusivamente imputáveis.

Não há, em suma, inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

Quanto às normas sobre a organização e a competência dos tribunais, é visível que elas não são “beliscadas” pela decisão.

O artigo 202.º da CRP assegura que os tribunais têm competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202.º, n.º 1) e que, na realização desta missão, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202.º, n.º 2).

Por sua vez, o artigo 203.º da CRP assegura que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.

A decisão recorrida representa o resultado da actividade de administração da justiça que incumbe aos tribunais, em nome do povo. Foi proferida por tribunal independente, que observou estritamente o disposto na lei, maxime quanto à força do caso julgado das decisões judiciais.

Postas as coisas de outra forma, através do processo em curso, a autora tem a garantia de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecia, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do CPC). O que pode acontecer é que a decisão não seja do seu agrado mas isso, compreensivelmente, já não está abrangido pela garantia constitucional.

No parecer jurídico apresentado pela autora vem ainda invocada a violação do artigo 211.º da CRP mas tão-pouco se vê como poderia a decisão recorrida representar desconformidade ao previsto nesta norma.

Dispõem-se no artigo 211.º da CRP regras quanto à organização dos tribunais, determinando-se, nomeadamente, que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, o que se relaciona imediatamente com o artigo 80.º, n.º 1, da LOSJ, segundo o qual compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.

Tentando identificar aquilo que com aquela invocação se pretende alegar, esclarece-se que o que está em causa na decisão que ora se confirma não é qualquer atribuição de jurisdicção ou poder jurisdicional à ANACOM em detrimento dos tribunais judiciais. O que está em causa – o que se decidiu – é a impossibilidade de voltar a decidir nos tribunais uma pretensão que já foi objecto de decisão judicial e nos termos da qual se verificou que a lei impõe que, em certos casos, a intervenção dos tribunais seja antecedida de uma certa actividade a realizar pela ANACOM.

Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

No recurso de apelação, a recorrente pedia ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (cfr. conclusão R).

O Tribunal recorrido decidiu:

A regra resultante da lei de processo é no sentido de que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa -art. 527/1 CPC, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for - art. 527/2 CPC.

Em consonância com a lei de processo o Regulamento das Custas Processuais estabelece a regra geral de que os processos estão sujeitos a custas e que estas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte - art. 1.

A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais - cfr. art. 6/1.

Encargos do processo são todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa.

As custas de parte compreendem o que cada parte haja dispendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça é paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu..., nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais - art. 530/1 CPC.

Para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções que contenham articulados ou alegações prolixas, respeitem a situações de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas - n° 7 do art. cit.

Preceitua o art. 6/7 RCP que: "Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".

Já na vigência do Código das Custas Judiciais (CCJ) previa-se que a dispensa do pagamento do remanescente (remanescente esse a considerar na conta final) e, inclusive, o seu não pagamento, em causas de valor superior a € 250.000,00 - art. 27 CCJ.

A conta de custas é elaborada... após o trânsito em julgado da decisão final ... - art. 29 RCP.

A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância...devendo elaborar-se uma só conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas...que abranja o processo principal e os seus apensos - art. 30/1 e 2 RCP.

Atento o supra extractado, a isenção do pagamento pressupõe uma relação entre o valor da causa e a sua complexidade, configurando uma excepção à regra geral.

Não obstante e, atendendo às regras gerais em matéria de custas subjacentes ao CPC (arts. 528 a 541) e RCP (Regulamento das Custas Processuais), entendemos, sufragando a opinião de Salvador da Costa que, apesar da motivação de dispensa do remanescente da taxa de justiça poder ocorrer em sede de recurso, a competência para o efeito na acção cabe ao juiz de Ia instância - cfr. Salvador da Costa, in RCP, Anotado, 2013, 5a ed.

Tal decorre do facto do remanescente da taxa de justiça dever ser considerado na conta final e a conta ser elaborada de harmonia com o julgado em última instância (custas da acção, incidentes, procedimentos e recursos) - cfr. arts. 6/7 e 30 RCP.

Assim, o pedido de dispensa do remanescente de taxa de justiça deve ser efectuado em 1ª instância, antes da elaboração da conta e, caso os requerentes não obtenham ganho de causa, poderão sempre impugnar a decisão”.

A recorrente alega:

A Decisão Recorrida violou, no que se refere à parte das custas, os artigos 6.º, n.º 7, e 30.º do RCP e os artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 6, do CPC, devendo ser revogada e substituída por outra que conheça a questão da dispensa do remanescente de taxa de justiça devido pelo recurso de apelação, tal como vinha requerido”.

Ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo recurso de apelação junta-se o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo recurso de revista, que é suscitada, no presente recurso de revista, tanto pela recorrente como pela recorrida (cfr., respectivamente, conclusão S e conclusão 30.º).

Aprecie-se.

Dispõe-se no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Judiciais (doravante RCP):

Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Como se sabe, a taxa de justiça devida pelos recursos é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações (cfr. artigo 7.º, n.º 2, do RCP).

Não havendo dúvidas de que o valor da causa é superior a € 275.000, passe-se à oportunidade do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

É ponto assente, em face do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, proferido em 10.10.2021 (Proc. 1118.16.3T8VRL-B.G1.S1-A), que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ser efectuado até ao trânsito em julgado da decisão.

Consagrou-se aí o seguinte segmento uniformizador:

[a] preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

É compreensível que o momento adequado para decidir este tipo de questões, do final do processo, pois só aí se pode fazer uma apreciação global de todas as circunstâncias relevantes para este efeito.

Logo se configura, porém, a questão de saber a quem compete decidir.

Não se desconhecendo a existência de divergências na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca desta competência, a verdade é que como ilustra, por exemplo, o Acórdão da Formação de 28.10.2022 (Proc. 537/19.8T8VNF-B.G1.S1), tem vindo a ser decidido que, sendo proferida decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça que conheça do mérito do recurso, tem este Tribunal competência para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias.

Proceda-se, assim, a este juízo de proporcionalidade.

Para aferir da proporcionalidade da taxa de justiça, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 7, do RCP, cabe atender, entre outras elementos possíveis, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

Tendo em conta, designadamente, que, no presente caso:

- as questões fundamentais em discussão, pese embora as exigências a que obrigaram no plano técnico-jurídico, são, no essencial, questões de Direito;

- as alegações das partes são, de um modo geral, de extensão razoável e adequada à exposição das suas pretensões; e

- a conduta das partes ao longo do processo não suscita censura ou reprovação, contendo-se dentro dos limites da boa-fé, lealdade e cooperação processual,

entende-se que as partes devem ser dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias em 75%.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pela recorrente, dispensando-se o pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias (cfr. artigo 6.º, n.º 7, do RCP).

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Lisboa, 12 de Outubro de 2023


Catarina Serra (relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

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1. Sublinhados nossos.

2. Sublinhados nossos.

3. Cfr. Manuel de Andrade, Noções elementares de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, pp. 306-307.

4. A excepção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. Nesta vertente, o caso julgado compreende limites (subjectivos e objectivos): pressupondo o caso julgado uma repetição de causas, a repetição pressupõe, por sua vez, identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir (cfr. artigo 581.º do CPC). Ao lado da excepção do caso julgado assente sobre a decisão de mérito proferida em processo anterior, existe a excepção do caso julgado baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual. À primeira chama-se “caso julgado material” e está regulada no artigo 619.º do CPC e à segunda chama-se “caso julgado formal” e está regulada no artigo 620.º do CPC. Enquanto o caso julgado formal tem apenas força obrigatória dentro do processo em que a decisão é proferida, o caso julgado material tem força obrigatória não só dentro do processo como, principalmente, fora dele. Salientando este facto cfr. Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985 (2.ª edição), pp. 308-309.

5. Por sua vez, a autoridade do caso julgado tem o efeito de impor uma decisão e por isso constitui a “vertente positiva” do caso julgado. Diversamente da excepção do caso julgado, a autoridade do caso julgado funciona independentemente da verificação daquela tríplice identidade – embora nunca prescinda da identidade subjectiva. Cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos de 19.06.2018, Proc. 3527/12.8TBSTS.P1.S2, de 13.09.2018, Proc. 687/17.5T8PNF.S1, de 6.11.2018, Proc. 1/16.7T8ESP.P1.S1, de 28.03.2019, Proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1, de 30.04.2020, Proc. 257/17.8T8MNC.G1.S1, de 11.11.2020, 214/17.4T8MNC.G1.S1, e de 9.12.2021, Proc. 5712/17.7T8ALM.L1.S1.

6. Além de ser utilizada na doutrina, a distinção é habitual na jurisprudência. Cfr., por todos, Acórdão do STJ de 30.03.2017, Proc. 1375/06.3TBSTR.E1.S1, e Acórdão do STJ 22.06.2017, Proc. 2226/14.0TBSTB.E1.S1. Parafraseando este último: “[I]mporta ter presente que, no que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito que tanto a doutrina [1] como a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução neste compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais”.

7. Cfr. Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – Algumas notas provisórias”, in: Julgar Online, Novembro de 2018, p. 28.

8. Cfr., neste sentido, na jurisprudência, os Acórdãos de 19.06.2018 (Proc. 3527/12.8TBSTS.P1.S2), de 13.09.2018 (Proc. 687/17.5T8PNF.S1), de 6.11.2018 (Proc. 1/16.7T8ESP.P1.S1), de 28.03.2019 (Proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1), de 30.04.2020 (Proc. 257/17.8T8MNC.G1.S1), de 11.11.2020 (Proc. 214/17.4T8MNC.G1.S1), e de 9.12.2021 (Proc. 5712/17.7T8ALM.L1.S1).

9. Cfr. José Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2019, n.ºs 3-4, p. 700.

10. Excepção do caso julgado – note-se – e não excepção da autoridade do caso julgado. Esta expressão foi usada nas peças das partes e nas decisões das instâncias (e é sublinhada quando se transcreve estas). A excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado são, como se viu, fundamentos distintos e determinam decisões de teor diferente. A excepção do caso julgado é uma excepção dilatória [cfr. artigo 577.º, al. i), do CPC], que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC); já a autoridade do caso julgado implica a apreciação do mérito do pedido e pode resultar na absolvição do pedido ou na condenação no pedido. Veja-se a destrinça na prática, por exemplo, através do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça (Proc. ): “Verificada que está a autoridade do caso julgado material constituído pela decisão proferida no processo 3652/09.2... e sendo tal efeito incompatível com os efeitos prático-jurídicos objeto das pretensões deduzidas na presente ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito destas pretensões. Diferentemente sucederia no domínio da exceção dilatória de caso julgado incluída no catálogo exemplificativo do artigo 577.º do CPC, mais precisamente na respetiva alínea f), 2.ª parte, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código. Tal diferenciação entre os efeitos decorrentes da autoridade do caso julgado e os emergentes da exceção de caso julgado encontra-se bem traçada por Teixeira de Sousa quando, a tal propósito, refere que: «[…] os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior.»”.

11. Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 661.

12. Cfr. ob. cit., loc. cit.

13. Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, cit., p. 662.

14. O n.º 4 do artigo 581.º do CPC dispõe: “[h]á identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido”.

15. Os restantes dois pedidos são, para os presentes efeitos, de alguma forma, supérfluos, como de compreenderá quando se abordar a desnecessidade de coincidência total ou de todos os pedidos deduzidos. Trata-se do pedido de indemnização pelo dano do não pagamento (voluntário) do preço dos serviços e o pedido de pagamento dos juros relativos ao preço e ao montante da indemnização.

16. Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração – Artigos 1.º a 702.º, cit., pp. 661-662. Cfr. na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, por todos, o Acórdão proferido em 19.09.2019 (Proc. 789/18.0T8VNG.P1.S1).

17. Cfr. José Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, cit., p. 703.

18. Cfr., designadamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.022019 (Proc. 3263/14.0TBSTB.E1.S1), de 12.01.2021 (Proc. 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, de 2-12-2020 (Proc. 3077/15.0T8PBL.C1-A.S1), de 26.11.2020 (Proc. 7597/15.9T8LRS.L1.S1) e de 11.07.2023 (Proc. 2816/20.2T8BRG.G2.S2).

19. Também com reservas àquela posição jurisprudencial, José Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, cit., pp. 703-704) entende que “a extensão da decisão aos fundamentos só ocorre em casos excecionais em que outros princípios devam prevalecer sobre o princípio do dispositivo, ou em que não haja risco sério de ofensa de princípios gerais”.

20. Cfr. José Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, cit., pp. 696-697.

21. Cfr., por exemplo, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Coimbra, Almedina, 2018 (3.ª edição), pp. 754-755.