Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5704/22.4T8VNG.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
FURTO QUALIFICADO
BURLA
BURLA QUALIFICADA
ROUBO
CÚMULO JURÍDICO
COMPETÊNCIA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 11/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I – Discorda o arguido da composição dos conjuntos de crimes que concorrem para a formação de duas penas únicas, uma de 8 anos e 2 meses de prisão e outra de 14 anos de prisão, e das penas aplicadas.

II – A pretensão de inclusão, em recurso, nestes conjuntos, de um outro crime não mencionado no acórdão recorrido diz respeito a um facto novo que não pode ser atendido nem considerado por este STJ no âmbito dos seus poderes de cognição em matéria de direito, incluindo na apreciação dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais devem resultar do texto da decisão recorrida.

III – O STJ fixou jurisprudência no sentido de que o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes em caso de conhecimento superveniente «é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso» (AFJ n.º 9/2016, DR I, n.º 111, de 9.6.2016), excluindo-se, assim, as penas aplicadas a crimes cometidos depois da data do trânsito, os quais poderão dar lugar à aplicação de diferentes penas únicas, em caso de concurso com outros cometidos posteriormente, ou, não havendo concurso, a penas singulares, todas elas de execução sucessiva (artigo 63.º do CP). Sendo de afastar o «cúmulo por arrastamento», haverá que proceder a dois ou mais cúmulos autónomos, cujas penas se «acumulam materialmente».

IV - Em caso de conhecimento superveniente do concurso a determinação da pena única efetua-se através de uma nova sentença que efetue o cúmulo jurídico, mediante realização de audiência e das diligências necessárias (artigo 472.º do CPP), sendo territorialmente competente para o efeito o tribunal da última condenação. Sendo a pena máxima do concurso superior a 5 anos de prisão, da competência do tribunal da comarca a funcionar em tribunal coletivo (artigo 14.º, n.º 2, al. b), do CPP), tal competência pertence ao Juízo Central Criminal da comarca (artigos 471.º, n.º 1, do CPP e 118.º e 134.º da LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).

V – Tendo sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução (pena de substituição), estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, a pena de prisão substituída concorre para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º do CP.

VI – Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, e 78.º do CP, o agente é condenado numa única pena para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine).

VII – A concreta gravidade dos factos, vistos no seu conjunto (art.º 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP), revelando uma tendência para a prática de crimes contra bens patrimoniais, releva sobretudo da sua repetição ao longo de 4 anos (de 2013 a 2016, acrescendo aos anteriores isoladamente mais longínquos, de 2005 e 2011), da fragilidade das vítimas selecionadas em função da idade avançada e da personalidade do arguido manifestada na sua prática, associada às suas condições pessoais, económicas e sociais, reveladora de manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, de falta de sensibilidade à pena e de suscetibilidade de por ela ser influenciado, e, em consequência, de elevadas necessidades de socialização, evidenciadas na continuação da atividade criminosa após o trânsito em julgado da primeira condenação, em 23.09.2013, de que resulta a aplicação de penas únicas, de execução sucessiva.

VIII – A ponderação dos fatores relevantes por via da prevenção, diferentemente do que sucede com os relativos à culpa, que se reportam ao facto, efetua-se, porém, com referência ao momento da aplicação da pena, aqui se devendo incluir a evolução da situação pessoal e o comportamento posterior aos factos.

IX – Tendo em conta estes fatores e o tempo decorrido desde a sua prática (em 2005, 2011 e 2013 – primeiro conjunto de crimes – e em 2013 a 2016 – segundo conjunto), sem, no entanto, desconsiderar o período temporal global durante o qual as condutas (à exceção da correspondente aos crimes de roubo) se repetem de modo essencialmente idêntico, afetando idênticos bens jurídicos, justifica-se uma intervenção corretiva na determinação das penas, em respeito pelos princípios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação.

X – Assim, dada a moldura abstrata das penas aplicáveis aos crimes em concurso – de 4 anos a 16 anos e 6 meses e de 4 anos e 10 meses a 25 anos de prisão, respetivamente –, na ponderação das circunstâncias relevantes por via da culpa e da prevenção e dos factos e da personalidade do arguido, no seu conjunto, altera-se a decisão recorrida, fixando-se em 7 anos e 9 meses e em 11 anos e 6 meses as penas únicas aplicadas ao primeiro e ao segundo conjunto de crimes, respetivamente, por, nesta medida, satisfazerem as necessidades de proteção dos bens jurídicos e de prevenção que fundamentam a sua aplicação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... (Juiz 6), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que, em conhecimento superveniente do concurso, lhe aplicou duas penas únicas:

a) Uma pena de oito anos e dois meses de prisão, em realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 151/13.1..., 60/06.0... e 1562/11.2...;

b) Uma pena de catorze anos de prisão, em realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5...

2. Discordando da medida das penas, que pretende ver reduzidas, apresenta motivação de recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):

«I. O presente recurso é delimitado à forma de realização do cúmulo jurídico, designadamente quanto às penas parcelares a incluir em cada bloco de cúmulo jurídico a realizar pelo Tribunal e qual o número de blocos de cúmulo jurídico a realizar pelo Tribunal e também às medidas das penas unitárias fixadas em ambos os cúmulos jurídicos realizados no acórdão recorrido (8 anos e 2 meses de prisão e 14 anos de prisão, num total de 22 anos e 2 meses de prisão), que o recorrente considera excessivas;

II. Entende o Recorrente que deve ser fixado como momento relevante para se saber quais as decisões a incluir em cada bloco de cúmulo o momento da primeira condenação, que entretanto transitou em julgado.

III. Este entendimento leva à circunstância de ser criado um bloco com duas penas de 12 meses, uma delas já suspensa, que poderia fixar ele próprio numa pena única suspensa na sua execução.

IV. Os crimes objecto das condenações são maioritariamente crimes contra o património e contra a tutela da confiança, sendo que apenas numa circunstância o arguido cometeu crimes de roubo e sob a forma de ameaça de um mal, sem efectiva violência física perpetrada.

V. Nenhuma violência efectiva foi praticada pelo arguido.

VI. Ao fixar dois (ou mais) blocos de cúmulos jurídicos não pode o Tribunal ignorar que os mesmos são de cumprimento sucessivo e que a ressocialização é naturalmente afectada por esse obrigatório cumprimento sucessivo que será necessariamente longo, mesmo que substancialmente inferior aos 22 anos e 2 meses de prisão que resultam do acórdão recorrido.

VII. não pode o julgador que aplica em simultâneo, no mesmo aresto, deixar de conhecer as circunstâncias em que ambas as penas de cumprimento sucessivo que aplica serão cumpridas, e qual o cômputo global da respectiva soma, uma vez que tal releva para efeitos da prevenção especial.

VIII. A situação pessoal do arguido evoluiu consideravelmente desde que este Tribunal proferiu acórdão no processo n.º 1032/15.0... e tem neste momento mais circunstâncias que abonam a favor do arguido.

IX. Resulta da matéria de facto do acórdão recorrido que o Recorrente encontra-se adaptado ao sistema prisional e é cumpridor das respectivas regras, não tem averbado qualquer registo disciplinar nos últimos cinco anos e demonstra bom comportamento, não revela problemática aditiva, está a trabalhar, tem apoio e suporte familiar, em meio prisional é perceptível um sentido crescente de responsabilidade, revela evolução ao nível da auto-crítica e assume as práticas criminais que adoptou.

X. Nos presentes autos, julgados em último lugar, o Tribunal aplicou uma pena suspensa na sua execução, em virtude de o arguido ter manifestado arrependimento sincero e reconhecido o desvalor da sua conduta.

XI. Tal permite-nos concluir que o período de reclusão está a contribuir para a reeducação e ressociabilização do arguido e que estas não carecem e mais que isso, não beneficiarão com um período de reclusão que se venha a mostrar excessivamente longo.

XII. Não se pode deixar de considerar e conhecer que serão fixados blocos de cúmulo de cumprimento sucessivo e que este cumprimento será necessariamente longo.

XIII. O Recorrente tinha 55 anos de idade quando começou a cumprir a primeira das três penas unitárias sucessivas e teria cerca de 78 anos de idade no final se fosse mantida a decisão recorrida.

XIV. Por estas razões entende o Recorrente que as penas únicas de 8 anos e 2 meses de prisão e de 14 anos de prisão fixadas no acórdão ora recorrido são manifestamente excessivas e representam uma incorrecta aplicação das disposições conjugadas dos artigos 40.º, n.º 1, 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal.

XV. Entende o arguido que a pena única a fixar às penas parcelares que são objecto do primeiro bloco de cúmulo que inclui os processos 151/13.1..., 1562/11.2... e 60/06.0... não deve exceder 7 anos de prisão, a qual se entende adequada, permitindo assim ao recorrente uma verdadeira ressocialização, a qual é o fim último da pena.

XVI. Entende o arguido que a pena única a fixar às penas parcelares que são objecto do segundo bloco de cúmulo que inclui os processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5... não deve exceder 9 anos de prisão, a qual se entende adequada, permitindo assim ao recorrente uma verdadeira ressocialização, a qual é o fim último da pena.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com douto suprimento de V. Exas, deve revogar-se o douto acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que condene o arguido em cúmulo em dois blocos de cúmulo, um não superior a 7 anos de prisão e outro não superior a 9 anos de prisão.»

3. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, dizendo (transcrição parcial nas partes mais diretamente relevantes):

«(…)

Defende o recorrente que deveriam ser realizados três “blocos”, assim compostos, citamos:

“- Um primeiro bloco apenas com o processo 60/06.0... (o que aliás é coincidente com todas as decisões interlocutórias dos demais processos do arguido, incluindo o do Tribunal de Execução de penas);

- Um segundo bloco com as penas aplicadas nos processos 1562/11.2... e nestes autos 151/13.1...;

- Um terceiro bloco com todas as demais penas parcelares aplicadas ao arguido.”

Considera que esse formato traduziria um regime mais favorável para si, pois, antevê, a pena a única que resultasse do segundo bloco seria suscetível de suspensão da respetiva execução.

Contudo, o alinhamento tripartido de “blocos” pressuporia que o momento temporal crucial para aferição de concurso superveniente coincidiria com a data de prolação da primeira das condenações e não com o trânsito em julgado da mesma.

Precisamente sobre esta temática versou o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 9/2016, in DR·111 SÉRIE I de 2016-06-09, assim estabelecendo:

“O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”.

Ora, como adiantamos na abertura deste escrito, o critério seguido a quo para indagar da relação concorrente de crimes incidiu, em estrita obediência ao decidido pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça, no trânsito em julgado da primitiva condenação.

Materialmente, a composição dos processos incluídos em cada um dos blocos do cúmulo revela-se, destarte, absolutamente acertada.

Por aqui se percebe que o primeiro argumento aventado pelo recorrente encontra-se votado ao insucesso.

Viremos agora o foco para as penas fixadas.

A determinação da medida da pena conjunta será encontrada apelando, não apenas aos critérios gerais da culpa e da prevenção, inscritas no art. 71.º do CP, mas, outrossim, atendendo ao critério especial decorrente do art. 77.º/1, in fine, maxime, a consideração conjunta dos factos e personalidade do agente.

Nas palavras de Figueiredo Dias, “Tudo deve passar-se, por conseguinte como o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na sua personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta” – a., ob. cit. § 421.

De acordo com o art. 77.º/2 do CP as margens penais do concurso “ tem por limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas”.

Significativamente, à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede agora uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente.

Na situação concreta, a moldura abstrata do primeiro “bloco” de processos em relação superveniente, apresenta, como limite mínimo, quatro anos e, como limite máximo, dezasseis anos e seis meses anos de prisão, daí resultando a pena única de oito anos e dois meses decretada.

Relativamente ao segundo “bloco” a moldura abstrata desenha-se entre os quatro anos e dez meses de prisão e os vinte e cincos anos - pois que, as somas das penas parcelares ultrapassassem este teto – encontrando-se a pena única de catorze anos de prisão.

Eis os fundamentos apresentados pela instância: [transcrição]

Associamo-nos, com a devia vénia, a este juízo, nada havendo, por despiciendo, a alterar ou aditar.

Significativamente, as penas irrogadas, projetando-se no segundo terço das molduras construídas, por excesso não pecam, apresentando-se justas, adequadas e proporcionais, sendo confortavelmente suportadas pela culpa – cfr. art. 40º/1 e 2, 71º, 77º do CP e 18º/2 da CRP

Em suma, o acórdão sobrevive incólume à censura do recurso e, não padecendo dos vícios de conhecimento oficioso especificados no art. 410º/2-a)-b)-c) do CPP, impõe-se a sua confirmação in totum. […]»

4. Nos termos do n.º 5 do art.º 411.º do CPP requereu o recorrente a realização da audiência de julgamento «para debater os concretos pontos que constam da motivação».

Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto tomado conhecimento do processo (n.º 2 deste preceito).

Por despacho do relator de 10.11.2023 foi determinado que o recurso prosseguisse para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP, por o requerimento de realização da audiência não satisfazer a exigência de especificação imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP, estar realizado o contraditório no recurso e por respeito ao princípio de limitação de atos aos preordenados à realização da finalidade do processo, com proibição de atos inúteis (artigo 130.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP).

É do seguinte teor o despacho proferido:

1. No requerimento de interposição de recurso, veio o arguido requerer a realização da audiência, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do CPP, «para debater os concretos pontos que constam da motivação».

2. Analisada a motivação, verifica-se que esta contém uma multiplicidade de pontos que se relacionam com as duas questões suscitadas – uma que tem que ver com a definição dos conjuntos dos crimes a que foram aplicadas as penas únicas, na base de entendimento divergente do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, e outra com a determinação das penas únicas.

3. Dispõe o artigo 411.º, n.º 5, do CPP que “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos”. Não basta, pois, que o recorrente requeira a realização de audiência para que esta deva ter lugar; necessário se torna que o faça especificando, isto é, indicando, particularizando, os concretos pontos da motivação que pretende que sejam debatidos em audiência.

Por sua vez, o artigo 419.º, n.º 3, al. c), estabelece o que o recurso é julgado em conferência quando não tiver sido requerida audiência – nos termos legalmente exigidos, assim deve ser entendido – e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430.º, renovação que deve ser efetuada perante o tribunal da relação, não admissível perante o Supremo Tribunal de Justiça. Dispõe este preceito que a renovação da prova é admissível quando o tribunal da relação deva conhecer de facto e de direito, se se verificarem os vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo.

4. Como se considerou no acórdão de 02.12.2021, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1 (em www.dgsi.pt), que se vem seguindo, dada a natureza excecional do julgamento em audiência em resultado da inversão da anterior regra da oralidade que conduziu à instituição do regime-regra de julgamento em conferência, no sentido de evitar a realização de «atos processuais supérfluos» (cfr. Proposta de Lei 109/X/2, DAR II-A. 23.12.2006), prevê agora o n.º 5 do artigo 411.º que o recorrente requeira a realização da audiência, mas sujeitando-o ao ónus de especificação dos pontos que pretende ver debatidos [salientando este ponto, Pereira Madeira, comentário ao artigo 411.º, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016, p. 1291, e acórdão de 1.7.2020, proc. 301/19.4T8LSB.L1.S1 (Nuno Gonçalves), em https://www.direitoemdia.pt/search/show/2688dbcb025ef9057d3d16a6162f0b8148ade172b6604893a54e453516f3c98e] .

5. É manifesto que, no seu requerimento, ao fazer uma remissão genérica, (“debater os concretos pontos que constam da motivação”, sem os especificar), o recorrente não satisfaz a exigência imposta pelo n.º 5 do artigo 411.º do CPP.

Pelo exposto, o recurso prosseguirá para julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP

Assim, não devendo realizar-se audiência, colhidos os vistos, em concordância com o decidido pelo relator, o recurso seguiu para julgamento em conferência.

Apreciando e decidindo:

II. Fundamentação

O acórdão recorrido

5. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

“O arguido sofreu as seguintes condenações transitadas em julgado:

1 - Nos presentes autos processo nº 151/13.1... o arguido foi condenado em 18/11/2021, transitado em julgado em 20/12/ 2021 pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos artigos, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano, sujeito a um regime de prova, mediante a elaboração de plano de reinserção social, a orientar e a fiscalizar por parte da DGRSP, nos termos dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do Código Penal, o qual deverá investir na consolidação de índices de censura, bem como na manutenção estruturada do seu tempo, com integração escolar/formativa, sendo estes fatores fundamentais para a sua futura reintegração social, conforme ressalta do relatório social.

Pela prática dos seguintes factos:

“No dia 25-01-2013, cerca das 12h00, o arguido, acompanhado de pessoa do sexo feminino não identificada, dirigiu-se à casa de BB, nascida a ...-11-1928, sita na Rua ..., 2.º Habitação O, ..., ..., com o propósito de se apropriarem de objetos de valor e quantias monetárias que aí encontrassem e pudessem transportar. Chegados ao local, o arguido e a pessoa que o acompanhava, abordaram a ofendida BB e a pessoa que acompanhava o arguido pediu a esta um copo de água, ao que a ofendida acedeu, possibilitando assim a entrada daqueles no interior da habitação. Uma vez no interior da residência, enquanto a sua acompanhante bebia o copo de água na cozinha na presença da ofendida BB, o arguido deslocou-se ao quarto desta (ofendida) e, do porta jóias em material de plástico que se encontrava no interior da gaveta da mesa de cabeceira, retirou duas alianças de casamento em ouro amarelo, com a inscrição da data 12-04-1953, e outras peças em ouro, objetos de valor não apurado, mas superior a 102,00 EUR (cento e dois euros). Do quarto de CC, filha BB, o arguido retirou um anel em ouro amarelo, em feitio de serpente, com uma pedra de cor azul e duas pedras de diamante, no valor declarado de 600,00 EUR (seiscentos euros) e um par de brincos de filigrana em ouro amarelo, de valor não apurado, mas superior a 102,00 EUR (cento e dois euros). Na posse dos bens descritos o arguido e a sua acompanhante ausentaram-se da habitação das ofendidas e fizeram seus tais bens contra a vontade das suas donas. O arguido agiu em conjugação de esforços e intentos com a pessoa que a acompanhava, de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de subtrair objetos de valor que encontrassem na casa das ofendidas, e fazer dos mesmos coisa sua, contra a vontade das proprietárias, o que conseguiu. O arguido atuou com a sua acompanhante, de comum acordo e em união de esforços, escolhendo uma ofendida de 85 anos de idade à data, frágil e vulnerável, que pouca ou nenhuma resistência lhes poderia oferecer. O arguido sabia que tal conduta é proibida e punida por lei penal”

2 - No processo Comum Coletivo n.º 1032/15.0..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 01-02-2019, transitado em julgado a 4/3/2019 pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p., pelo art. 204.º n.º 1, al d) na pena de 3 anos e 6 meses para cada um dos crimes e em cúmulo jurídico na pena de 5 anos e 3 meses de prisão efetiva.

Pela prática dos seguintes factos:

“No dia de 16 de Setembro de 2015, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido DD e obtendo a confiança da mulher do ofendido pediu para ver o ouro e na posse deste fugiu com o ouro no valor de 10.700€ (actuando com outra pessoa)

No dia 12 de Abril de 2016 o arguido dirigiu-se à residência da ofendida EE e obtendo a confiança da ofendida pediu para ver o ouro e na posse deste fugiu com o ouro no valor superior a 102 € (actuando com outra pessoa)

O arguido escolhia as vítimas em razão da idade e aproveitando-se da sua fragilidade, apoderou-se do ouro, sabendo que a sua conduta era proibida e punido por lei.”

No âmbito deste processo foi efectuado o cúmulo jurídico que englobou as penas deste processo, do processo n.º 680/15.P..., processo 915/15.7... e o processo n.º 54/15.5... , tendo o arguido sido condenado na pena única de 10 anos de prisão , por Acórdão transitada em 11/6/2021.

3 - No processo Comum Coletivo n.º 915/15.1..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 20-10-2017 e transitado em julgado a 13-06-2018, pela prática de um crime de furto simples, na pena de dois anos e oito meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos: “No dia 12 de Agosto de 2015, o arguido dirigiu-se à residência Carmo e obtendo a confiança da mulher do ofendido pediu para ver o ouro e na posse deste fugiu com o ouro no valor superior a 102 € (actuando com outra pessoa). O arguido escolhia as vítimas em razão da idade e aproveitando-se da sua fragilidade, apoderou-se do ouro, sabendo que a sua conduta era proibida e punido por lei.”

4 - No processo Comum Coletivo n.º 561/13.4..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 13/7/2017 e transitado em julgado a 24/9/2018, pela prática dois crimes de roubo, um deles agravado e outro simples, na pena de 4 anos e 10 meses e dois anos e seis meses de prisão, respectivamente. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos:

“Em data não concretamente apurada, mas situada no início de Dezembro de 2013, um indivíduo que se dava pelo nome de «FF», contactou, via telefone, com o ofendido GG, propondo-lhe a venda de um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo série 5 Touring, cor cinzenta, matrícula ..-FB-.., pelo preço de € 13.000,00, proposta essa que foi aceite por GG. No dia 11 de Dezembro de 2013, os ofendidos GG e HH deslocaram-se à ..., em ..., local onde se iriam encontrar com um amigo daquele, que os levaria à presença do proprietário do veículo automóvel, para aí concretizarem o negócio. Fazendo-se transportar num veículo da marca Ford Fiesta, de acordo com um plano previamente acordado, o arguido AA deslocou-se à ..., ..., onde se encontrou com os ofendidos, dizendo-lhes que o veículo objecto do negócio se encontrava próximo daquele local, tendo os ofendidos entrado na viatura, conduzindo-os o arguido a um local situado na localidade de ..., designado por «M... .. .......», onde se encontravam dois indivíduos que os aguardavam. Ali chegados, o arguido imobilizou o veículo que conduzia, deparando-se os ofendidos com dois indivíduos encapuzados, cuja identidade não foi possível apurar, empunhando cada um deles um objecto de características não concretamente apuradas, que se assemelhavam a duas armas de fogo, ordenando a despirem as calças até aos joelhos e a descalçarem-se. De seguida, e sempre sob a ameaça dos objectos que se assemelhavam a duas armas de fogo, o arguido e os dois indivíduos de identidade não concretamente apurada, apoderaram-se da quantia monetária de € 8.000,00 (oito mil euros) que o ofendido GG tinha consigo, e ainda um telemóvel da marca Apple, no valor de € 500,00 (quinhentos euros) e um telemóvel de marca Nokia, de valor não concretamente apurado, pertencentes ao ofendido GG. Ao ofendido HH, o arguido e os indivíduos de identidade não apurada que o acompanhavam, retiraram a quantia de pelo menos € 3.300,00 (três mil e trezentos euros) e um telemóvel de marca Samsung, no valor de cerca de € 300,00 (trezentos euros), pertença do ofendido. De seguida, o arguido e os indivíduos de identidade não apurada que o acompanhavam abandonaram o local, levando consigo os telemóveis e as quantias monetárias supra referidas. O arguido e os indivíduos de identidade não apurada que o acompanhavam agiram em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de se apoderarem dos telemóveis e quantias monetárias acima indicados, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, actuando contra a vontade e sem consentimento dos seus legítimos donos, sob ameaça de objectos que se assemelhavam a duas armas de fogo, colocando os ofendidos na impossibilidade de oferecer resistência. O arguido agiu com vontade livremente determinada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

5 - No processo Comum Coletivo n.º 60/06.0..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 17/7/2012 e transitado em julgado a 23/9/2013, pela prática dois crimes de burla qualificada, na forma tentada, nas penas de 1 ano para cada um dos crimes e um crime de burla qualificada na pena de 4 anos de prisão, pela prática de três crimes de furto qualificado nas penas de 3 anos, 2 anos e 6 meses e 3 anos. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 7 anos e seis meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos.

“no dia 17 de Novembro de 2005, em ..., o arguido com uma outra pessoa e de acordo com um plano que haviam previamente gizado, abordaram a ofendida II de 78 anos de idade e alegaram que conheciam bem os filhos desta, bem como a sua nora afim de ganharem a sua confiança e dessa forma convenceram a ofendida a entrar dentro da viatura do arguido e deslocaram-se para a residência da ofendida. Aí chegados, distraindo a ofendida pediram para ela lhes mostrar onde estava escondido o ouro e apoderaram-se da quantia monetária que a ofendida tinha de €450 e os objectos em ouro no valor global de € 1650. Na posse de tal quantia e objectos em ouro o arguido e o tal individuo saíram da residência. No dia 27 de Dezembro de 2005, em ..., o arguido com uma outra pessoa e de acordo com um plano que haviam previamente gizado, abordaram os ofendidos JJ e KK , de 80 e 89 anos e disseram –lhes que vinham entregar uma encomenda do Zé, e consequentemente os ofendidos permitiram a entrada dos arguidos na sua residência. O arguido deslocou-se ao quarto dos ofendidos e daí retirou objectos em ouro, e colocou-se imediatamente em fuga na posse de tais objectos. No dia 1 de Fevereiro de 2006, ..., o arguido com uma outra pessoa e de acordo com um plano que haviam previamente gizado, abordaram a ofendida LL, com 73 anos de idade e alegaram que eram amigos do filho desta, bem como a sua nora afim de ganharem a sua confiança e dessa forma convenceram a ofendida a deslocarem-se à sua residência a entregar-lhe a quantia entre €60 e €90 e a mostrar o ouro. De imediato se apoderaram do ouro no valor não inferior a € 1000. De seguida convenceram a ofendida a ir com eles à CGD para proceder ao levantamento da quantia que a mesma tinha depositado nessa instituição, entre € 600 a € 7000, só não tendo conseguido porque a ofendida suspeitou da conduta dos arguidos. De imediato estes colocaram-se em fuga, na posse de tal quantia e dos objectos em ouro. O arguido agiu sempre deliberada, livre, conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

6 - No processo Comum Coletivo n.º 680/15.2..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 26/6/2017 e transitado em julgado a 22/2/2018, pela prática de um crime de burla qualificada, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão e pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos:

“No dia 03.11.2015, em hora não concretamente apurada, mas antes das 12:30h, os arguidos AA e MM, de forma concertada e em comunhão de esforços, dirigiram-se à residência da ofendida NN. Ali chegados, aguardaram a saída de NN da sua residência, o que se verificou cerca das 12:30h.. Nesse momento aproximaram-se de NN e a arguida MM, dirigindo-se à ofendida, disse-lhe que era irmã do seu genro e que há vários dias a procurava para falar com ela. Acrescentou a arguida MM que se encontrava no estrangeiro e, por esse motivo, desconhecia onde vivia o seu irmão, genro de NN. No decurso da conversa, a arguida MM pediu a NN para utilizar o seu quarto de banho. NN abriu a porta da sua habitação e permitiu que os arguidos entrassem na sua residência e fossem ao quarto de banho. Após os arguidos terem saído do quarto do banho, a arguida MM dirigiu-se a NN e disse-lhe que trazia um fio para lhe oferecer e um outro fio para oferecer ao seu irmão, genro da ofendida, mas que o fio teria que ser misturado com um fio de ouro. NN deslocou-se ao armário da cozinha, trazendo consigo, embrulhados numa folha de prata de alumínio, os objectos em ouro. De seguida, convencida que os arguidos iam colocar o fio que traziam para o seu genro junto dos objectos em ouro, NN entregou os mencionados objectos aos arguidos. Acto contínuo, o arguido AA fez um gesto como se tivesse colocado os mencionados objectos sobre a mesa, distraindo NN apoderou-se dos mesmos. De imediato, o arguido AA agarrou-se a NN, abraçou-a, abandonado de seguida a habitação da ofendida. Com a conduta descrita os arguidos, em comunhão de esforços e de intentos, apoderam-se dos objectos em ouro supra descritos, no valor global não concretamente apurado, mas não inferior a 1.500,00€ (mil e quinhentos euros). Os arguidos sabiam da idade da ofendida e aproveitaram-se da idade avançada dela, para a enganarem, fazendo-lhe crer na concretização da entrega do mencionado fio nas condições descritas. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, de acordo com um plano previamente concebido, de forma concertada e em comunhão de esforços, com o propósito concretizado de ao assumir a identidade de irmãos do genro de NN a enganar, aproveitando-se da idade avançada da mesma, levando-a a crer que tinham um fio para entregar ao seu genro e que tal fio teria de ser colocado junto de ouro, determinaram a ofendida a proceder à entrega dos mencionados objectos em ouro, no valor global não concretamente apurado, mas não inferior a 1.500,OO€ (mil e quinhentos euros), que fizeram seus e integraram no seu património, sabendo que se apropriavam de bens que não lhe pertenciam e que, assim, lhe causavam prejuízo, de igual montante, o que representaram. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Os arguidos AA e MM, na execução de um plano previamente traçado entre ambos, pelas14h:45m deslocaram-se à residência de OO nascido em ... .03.1936 e da sua mulher PP, nascida em ... .08.1939, sita na Rua Nova, .... Aí chegados, e após bateram à porta surgiu PP, tendo a arguida MM dito que era amiga de uma sua familiar chamada “QQ” e que vinha entregar uma pulseira em ouro, mas que gostaria de ver as peças em ouro que tinha em casa, porque pretendia abrir uma ourivesaria e queria comparecer a qualidade do ouro. Como PP respondeu que não possuía ouro, a arguida com intenção de aceder ao interior da habitação pediu-lhe um copo de água, tendo sido permitida a entrada de ambos os arguidos. Já no interior da habitação, enquanto PP se dirigiu à cozinha com o intuito de buscar um copo de água, o arguido AA aproveitando-se desse momento, dirigiu-se ao interior do quarto do neto dos ofendidos que reside com os mesmos, mormente, RR, tendo retirado do interior da gaveta da mesinha de cabeceira um envelope, contendo no seu interior a quantia de 150,00 (cento e cinquenta euros). Quando PP regressou à sala com o copo de água, o seu marido suspeitando das intenções dos arguidos, disse “parece que vem aí a minha nora” momento em que os arguidos calmamente abandonaram o local, levando consigo o referido envelope com o dinheiro. Os arguidos agiram da forma descrita em comunhão de esforços e de intentos, com o propósito concretizado de assumirem a identidade de amigos de um familiar dos ofendidos, com o desígnio de os levarem a entregar-lhes as peças de ouro que possuíssem, o que não lograram, por os ofendidos não as possuir. Os arguidos sabiam da idade dos ofendidos e aproveitaram-se da idade avançado dos mesmos para os enganar, fazendo-lhes crer que eram amigos de um familiar, alegando que tinham uma pulseira para lhes entregar e que queriam ver o ouro que possuíam para comparar a qualidade por pretenderem abrir uma ourivesaria, tudo com o único intento de os levar a entregar peças de ouro, não o tendo conseguido por razões alheias à vontade de ambos. Como não conseguiram que os ofendidos lhes entregassem peças de ouro, a arguida pediu um copo de água, com o intento de ambos acederem ao interior da habitação e distrair os ofendidos, de forma, a que o arguido AA acedesse ao interior dos quartos, para retirar o dinheiro ou ouro que fosse encontrado, o que conseguiram. Os arguidos agiram da forma descrita, em conjugação de esforços e intentos, com o objetivo, aliás concretizado, de retirarem, levarem e fazerem sua a quantia de 150,00 (cento e cinquenta euros), bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e que, ao fazê-lo, atuavam contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo proprietário. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”.

7 - No processo Comum Coletivo n.º 327/16.0..., o arguido foi condenado por acórdão proferido em 11/11/2020 e transitado em julgado a 5/1/2021, pela prática de um crime de burla qualificada, na pena de 4 anos de prisão e pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos:

No dia 9 de Agosto de 2016, pelas 12h00m, os arguidos AA (doravante AA) e MM deslocaram-se à residência da ofendida SS, nascida em .../02/1944, situada na Rua de ..., R\c Esq., em ...; Aí chegados, os arguidos tocaram à campainha e encetaram um diálogo com a ofendida SS; Nessa conversa, os arguidos apresentaram-se como sendo comerciantes, tendo referido que dentro de poucos dias iriam abrir uma ourivesaria; Os arguidos informaram ainda a ofendida SS que conheciam o seu genro TT e a sua filha UU e que estavam ali para lhe entregar um fio de ouro que o seu genro tinha comprado para a sua filha; Para o efeito, os arguidos disseram à ofendida que o seu genro lhes tinha pedido que entregassem um fio de ouro à sua sogra – a SS –a fim desta, posteriormente, entregar à sua filha aquele objecto como tendo sido uma prenda oferecida pelo marido; Perante aquela abordagem, a SS convidou os arguidos a entrarem na sua habitação; Já no interior da residência, mais concretamente na sala de estar, os arguidos exibiram um fio de ouro à ofendida SS e afirmaram que o seu genro já lhes tinha pago a quantia de 50,00€ e que lhes tinha dito que se o fio fosse mais caro para pediram a diferença à sua sogra porque depois lhe dava o respectivo valor, quando tal não correspondia à verdade; Assim, os arguidos disseram à SS que o preço do fio de ouro era 150,00€ tendo-lhe pedido mais 100,00€ com o falso pretexto de que o seu genro lhe iria restituir essa importância; Durante essa conversa, o arguido AA pediu à ofendida SS para ir à casa de banho, ficando esta na companhia da arguida MM, que a ia distraindo falando do assunto acima referido; Aproveitando essa circunstância, o arguido AA dirigiu-se à casa de banho e daí retirou, levou consigo e fez seus os seguintes objectos: uma aliança em ouro no valor de 150,00€;um par de brincos em ouro, no valor de 100,00€;um par de botões de punho em ouro, no valor de 100,00€;um anel em ouro, no valor de 100,00€;uma meia libra em ouro, no valor de 50,00€;um crucifixo em prata, no valor de 50,00€;um fio em prata, no valor de 50,00€ que pertenciam à SS, sem autorização e contra a vontade da ofendida; Por outro lado, acreditando na veracidade da história que lhe foi apresentada pelos arguidos, a ofendida SS deslocou-se ao seu quarto e entregou aos arguidos a quantia de 100,00€ em dinheiro que estava guardada numa gaveta do armário da roupa; Quando entregou o dinheiro, a arguida MM pediu à SS que lhe desse um copo de água para dessa forma saírem da sala de estar e permitir que o arguido AA percorresse outras divisões da casa e se apropriasse de bens de valor que encontrasse; Assim, enquanto a arguida e a ofendida se deslocaram para a cozinha, o arguido AA aproveitou esse momento, para se dirigir ao quarto da ofendida donde retirou, levou consigo e fez sua a quantia de 350,00€ em dinheiro que estava guardada naquele compartimento e que pertencia à SS, sem autorização e contra a vontade daquela; Quando regressou à cozinha, os arguidos informaram a ofendida SS que já tinham de ir embora, tendo abandonado o local para parte incerta na posse do dinheiro e objectos acima referidos; Com a conduta supra descrita os arguidos causaram à ofendida SS um prejuízo patrimonial no valor global de 1.050,00€, não tendo aquela recuperado qualquer bem; Os arguidos agiram em comunhão de esforços e vontades, na execução de um plano previamente elaborado por ambos, com o propósito concretizado de obterem uma vantagem patrimonial que sabiam não terem direito, fazendo-o de forma sagaz, ludibriando e convencendo a ofendida SS de que o seu genro iria oferecer um fio de ouro à filha e pedindo-lhe por conta dessa compra a quantia de 100,00€ que estava em falta quando sabiam que tal não correspondia à verdade para, dessa forma, determinarem-na à prática de actos que lesaram o seu património, levando-a a entregar-lhes aquela quantia e a enriquecerem à sua custa, o que representaram e quiseram; os arguidos também sabiam que a ofendida SS era uma pessoa particularmente vulnerável em função dos seus 72 anos de idade bem como da sua baixa instrução e, não obstante esse conhecimento, quiseram aproveitar-se dessa fragilidade para a fazerem acreditar numa história fictícia e, assim, obterem da ofendida um proveito económico indevido bem como introduzirem-se na sua habitação e apoderarem-se dos bens supra referido. Os arguidos agiram ainda em conjugação de esforços e intentos, na execução de um plano previamente delineado por ambos, com o propósito concretizado de retirarem e fazerem seus o montante em dinheiro e os objectos em ouro e prata acima mencionados da ofendida SS, integrando-os na sua esfera patrimonial, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem autorização do respectivo dono, mais sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”

8 - No processo Comum n.º 54/15.5..., o arguido foi condenado por sentença proferida em 29/11/2018 e transitada em julgado a 29/11/2018 pela prática de um crime de furto simples, na pena de 2 anos e três meses de prisão.

Pela prática dos seguintes factos. “no dia 2/6/2015, o arguido entabulou conversa com a ofendida VV e entrou, juntamente com uma segunda pessoa no interior da casa e aproveitando-se da confiança gerada entre eles, em conjugação de esforços a referida mulher retirou o porta-joias levando consigo peças em ouro pertencentes à ofendida VV no valor superior a mil euros e de imediato colocaram-se em fuga.

O arguido e a referida pessoa agiram concertadamente e em conjugação de esforços, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”

9 - No processo Comum n.º 1562/11.2..., o arguido foi condenado por sentença proferida em 20/3/2019 e transitada em julgado a 29/4/2019, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano prisão.

Pela prática dos seguintes factos:

“No dia 31/12/2011, pelas 13h30, o arguido e uma mulher não concretamente identificada abordaram WW na Rua dizendo-lhe que eram amigos da sua nora, que residiam em França e que a desejavam visitar e fazer-lhe uma surpresa. WW convidou os arguidos a acompanharem-na à sua residência. No decurso da conversa, já na residência daquela, AA pediu-lhe um copo de água e para ver o interior da residência pois que tinha adquirido uma casa semelhante, após o que se deslocou ao quarto de WW. A mulher que o acompanhava disse ter um presente para a nora da ofendida no veículo e abandonou a residência, seguindo-lhe o arguido, após o que se dirigiram para o veículo, saindo do local. Estranhando tal comportamento, WW deslocou-se ao quarto onde verificou que o arguido lhe tinha aberto o guarda-joias que aí se encontrava e que se havia apoderado de todo o seu interior: objetos em ouro no valor global não concretamente apurado, mas não inferior a € 1.120,00 (mil cento e vinte euros). O arguido conhecia a idade de WW e sabia que estava a aproveitar-se da sua idade avançada para a enganar, fazendo-lhe crer, em comunhão de esforços e intentos com a cidadã não identificada que o acompanhava, que eram amigos da sua nora para gerar nela a convicção de serem pessoas de bem. O arguido, ao assumir que era amigo da nora de WW, agiu com o propósito concretizado de, em comunhão de esforços e intentos com a cidadã não identificada que o acompanhava, se aproveitar da sua idade avançada para a levar a deixá-lo entrar na sua habitação e assim se apoderar dos aludidos objetos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que atuavam contra a vontade da dona, o que quis e logrou alcançar cônscio de que a sua conduta era proibida e punida por lei. O arguido executa as condutas descritas como modo de vida, auferindo proveitos económicos. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

10 - O arguido nasceu em ..., é oriundo de uma família numerosa de etnia cigana, tendo o seu processo de socialização decorrido dentro dos parâmetros dos costumes e valores próprios, mas num contexto de modesta condição social e económica. Desde cedo acompanhou a família na venda ambulante, cuja sustentabilidade económica era assegurada também com recurso a apoios estatais. A família vivia em casa de construção clandestina, mas viria a melhorar as condições de vida ao adquirir uma casa com dois pisos, em ..., adaptando o piso térreo para comércio de vestuário e artigos para venda turística. Frequentou a escola em idade normal, porém não adquiriu competências de leitura e escrita, tendo apenas aprendido a escrever o seu primeiro nome, abandonando os estudos para acompanhar a família na venda ambulante, única área de trabalho a que se dedicou. Com 23 anos de idade, autonomizou-se da família de origem e constituiu agregado familiar próprio com MM, tendo desta relação nascido três filhos, todos presentemente já de maioridade, fixando residência no ..., onde vivia a família da companheira e onde viria a adquirir casa própria. Desde jovem que AA manifestou apetência pela vida noturna e jogos de azar, frequentando com regularidade espaços de diversão e casinos, com dificuldade na gestão dos rendimentos e prejuízos económicos para a família, comportamento que se viria a agravar após sair de ..., a que acresce o consumo excessivo de álcool. O estilo de vida que adotou, com desorganização do quotidiano, viria a condicionar o seu percurso vivencial com adoção de práticas criminais e consequentes contactos com o sistema judicial. À data da prisão, AA mantinha um estilo de vida nómada, em contexto da atividade da venda ambulante, conjuntamente com o filho, e estaria já separado da companheira. Presentemente, dispõe de apoio por parte do irmão – XX e companheira deste – YY, ainda que estes se encontrem numa fase conturbada da sua própria relação, os quais residem em ..., mantendo, o arguido, AA também enquadramento familiar por parte da mãe, residente na mesma zona, sendo que o pai já faleceu. Reatou, entretanto, a relação com a companheira e mãe dos seus filhos, encontrando-se aquela em cumprimento de pena no EP de ..., mantendo com a mesma, contactos via “Webex”, a partir dos respetivos estabelecimentos prisionais. Face às suas competências pessoais e sociais muito limitadas, ausência de formação profissional e dificuldade em estruturar objetivos e um projeto de vida alternativo, antevêem-se obstáculos a uma reintegração social normativa. Em meio prisional, é percetível um sentido crescente de responsabilidade, com registo apenas de uma infração disciplinar em 2017, punida com repreensão. Encontra-se a trabalhar como faxina e permanece em regime celular normal, sem ter usufruído de medidas de flexibilização da pena. O arguido revela uma evolução ao nível da auto-crítica, assumindo as práticas criminais que adotou, atitude que consideramos de progresso em função do tempo de pena já cumprido.

11- O arguido encontra-se detido desde o ano de 2017 à ordem do processo referido em 4)».

Âmbito e objeto do recurso

9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou penas de prisão superiores a 5 anos e limita-se ao reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vêm invocados.

O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, define-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), que não se verificam.

10. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir:

(a) Se há que alterar o número e a composição dos conjuntos dos crimes que concorrem para a formação das penas únicas e se, em consequência, haverá que alterar estas penas, em função das penas parcelares a considerar – conclusões I, II e III

(b) Se as penas únicas aplicadas aos dois conjuntos de crimes determinados no acórdão recorrido devem ser reduzidas para medida não superior a 7 anos e a 9 anos, respetivamente – conclusões I e IV a XVI.

Da determinação superveniente da pena do concurso de crimes – âmbito e pressupostos

11. Nos termos do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

De acordo com o artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, esta regra é aplicável quando, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, se mostrar, perante condenações transitadas em julgado, que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

Decidindo controvérsia jurisprudencial a propósito do momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes em caso de conhecimento superveniente, este Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que tal momento «é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso» (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, DR I, n.º 111, de 9.6.2016).

O trânsito em julgado de uma condenação penal é, pois, o limite ou momento temporal a ter em conta para a definição do número de crimes a que é aplicável uma pena única, excluindo desta as penas aplicadas a crimes cometidos depois da data do trânsito, os quais poderão dar lugar à aplicação de diferentes penas únicas, em caso de concurso com outros cometidos posteriormente, ou, não havendo concurso, a penas singulares, todas elas de execução sucessiva [assim, por todos, os acórdãos de 06.07.2022, Proc. 571/19.8T8AVR.P1.S1, www.dgsi.pt, que se segue de perto, e de 12.02.2018 (Raul Borges), ECLI:PT:STJ:2018:734.14.2PCLRS.S1.CB, com exaustiva indicação de jurisprudência].

Sendo de afastar o «cúmulo por arrastamento», conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça de há muito unânime, haverá que proceder a «cúmulos autónomos», cujas penas se «acumulam materialmente», em execução sucessiva (artigo 63.º do Código Penal) [assim, acórdão de 11.4.2018 (Maia Costa), Proc. 15/14.1GDLLE.S1, em www.dgsi.pt].

12. A determinação da pena única efetiva-se através de uma nova sentença que efetue o cúmulo jurídico, mediante realização de audiência e das diligências necessárias (artigo 472.º do CPP), sendo territorialmente competente para o efeito o tribunal da última condenação, nos termos do artigo 471.º do CPP, o qual «por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e atualizados, nomeadamente, quanto aos factos e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e atual do trajeto de vida do arguido», sendo irrelevante a data do respetivo trânsito [acórdão de 6.1.2010, Proc. 98/04.2GCVRM-A.S1 (Pereira Madeira), em www.dgsi.pt].

Como se extrai dos autos, o processo em que foi proferido o acórdão recorrido, registado no Juízo Central Criminal ... com o n.º 5704/22.4..., resulta de certidão extraída do processo comum singular 151/13.1..., do Juízo Local Criminal de ..., ambos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o qual, por sentença proferida em 18.11.2021, transitada em julgado em 20.12.2021, aplicou ao arguido uma pena de prisão de 1 ano, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova., relativa a factos praticados em 25.01.2013 (anteriormente ao trânsito em julgado, em 23.09.2013, da sentença proferida no processo 60/06.0...).

Verificada a relação de concurso de crimes, sendo este o «tribunal da última condenação», cabia-lhe, por conseguinte, determinar e aplicar a pena única, por conhecimento superveniente, nos termos do artigo 471.º do CPP. Porém, sendo a pena máxima aplicável superior a 5 anos de prisão, da competência do tribunal da comarca funcionar em tribunal coletivo (artigo 14.º, n.º 2, al. b), do CPP), tal competência pertence, assim, ao Juízo Central Criminal da comarca (artigos 471.º, n.º 1, do CPP e 118.º e 134.º da LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, com as alterações posteriores).

13. Convocando o regime de punição do concurso de crimes, por conhecimento superveniente, estabelecido nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, e o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016 (DR 1.ª série, n.º 111, de 9.6.2016) – segundo o qual «[o] momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso» – concluiu o tribunal a quo no sentido de «realizar dois cúmulos os quais são de cumprimento sucessivo: A) - um primeiro cúmulo que engloba as penas parcelares dos processos n.º 151/13.1... , 60/06.0... e 1562/11.2...; B) - um segundo cúmulo que engloba as penas parcelares dos processos n.º 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5...»

14. Considerou-se, assim, na fundamentação de direito do acórdão recorrido:

«A questão a decidir é a realização de cúmulo jurídico.

Actualmente dispõe o art.º 78 do Código Penal que se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do art.º 77º do mesmo diploma legal.

Mais dispõe o n.º 2 do mesmo preceito legal que o disposto no número anterior só é aplicável aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

De acordo com tais disposições, o agente do concurso de crimes, ou seja, aquele que tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Tendo em atenção a Jurisprudência do STJ é pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes que a prática dos crimes concorrentes hajam tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado obsta a que com essa infração ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite. Depois de transitada, havendo novos crimes cometidos desde tal data, que estejam em relação de concurso, tem de ser elaborado um outro cúmulo e assim sucessivamente.

Assim, a partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, mas de sucessão de penas ou cúmulos

Este tem sido o entendimento sedimentado no Supremo Tribunal de Justiça, acolhido no acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2016, publicado no Diário da República, I Série, n.º 111, de 9 de Junho de 2016, segundo o qual: «O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso superveniente de crimes é o trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.»

Assim, dúvidas não restam que o trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico e só se podem cumular juridicamente penas relativas a infracções que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal.

Nos presentes autos, o primeiro trânsito em julgado ocorre em 23/09/2013, no âmbito do processo nº 60/06.0... (n.º 5 dos factos) e com ele estão em concurso (porque os factos ocorreram antes de 23/09/2013) o processo 1562/11.2... (n.º 9 dos factos) e o processo 151/13.1... (n.º 1 dos factos), pelo que se irá efectuar o cúmulo relativamente a estes processos.

Os crimes praticados depois do trânsito em julgado da referida condenação ficam excluídos do cúmulo realizado antes daquele trânsito, havendo lugar nestes casos a execução sucessiva de penas ou cúmulo, ou seja, os processos referidos em 2, 3, 4, 7 e 8 dos factos provados ficam excluídos do supra referido cúmulo.

Após a advertência para o arguido, que foi a condenação transitada em julgado em 23/9/2013, voltou o mesmo a praticar novos factos criminosos, sendo que a primeira sentença condenatória relativa aos mesmos, a transitar em julgado, foi em 22/2/2018, proferida no âmbito do processo n. 680/15.2... ( nº 6 dos factos ) e anteriormente a este trânsito julgado cometeu os crimes referidos nos factos provados sob os pontos 2, 3, 4, 7 e 8, e as penas parcelares aplicadas nestes processos, encontram-se em concurso, sendo cumuláveis juridicamente entre si, pelo que deve dar lugar a um segundo e autónomo cúmulo jurídico.»

15. Discordando da constituição dos conjuntos dos crimes em concurso, defende o recorrente que deve ser criado «um bloco com duas penas de 12 meses, uma delas já suspensa, que poderia fixar ele próprio numa pena única suspensa na sua execução» e, então, como refere na motivação, daí resultariam, não dois, mas «três blocos de cúmulo jurídico, da seguinte forma:

1. Um primeiro bloco apenas com o processo 60/06.0... (o que aliás é coincidente com todas as decisões interlocutórias dos demais processos do arguido, incluindo o do Tribunal de Execução de penas);

2. Um segundo bloco com as penas aplicadas nos processos 1562/11.2... e nestes autos 151/13.1...;

3. Um terceiro bloco com todas as demais penas parcelares aplicadas ao arguido

A eliminação do crime do processo 60/06.0... do primeiro «bloco» da decisão recorrida, onde também se compreendem os crimes deste processo (Proc. 151/13.1..., originariamente) e do processo 1562/11.2..., impor-se-ia porque, diz o recorrente, esse crime estaria em concurso com o do processo n.º 1345/05.8... em que o arguido foi condenado numa pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, aplicada por sentença de 5.12.2008, transitada em julgado em 19.10.2009 (constituindo, assim, o primeiro trânsito a considerar), e declarada extinta em 19.10.2015 (despacho de 12.01.2017), por crimes cometidos em julho e agosto de 2005, antes, portanto, da prática dos crimes do processo 60/06.0... (como decorre da motivação e dos documentos que constam do processo, nomeadamente do certificado do registo criminal).

Quanto à não consideração da pena aplicada no Proc. 1345/05.8...

16. Sucede, porém, que esta questão não foi apreciada no acórdão recorrido, o qual não lhe faz qualquer referência, nem na matéria de facto, onde enumera os processos e crimes em concurso (supra, 8), nem a propósito da fundamentação em matéria de direito (supra, 14). É, pois, uma questão nova.

Sendo o texto da decisão recorrida completamente omisso a esse respeito, encontra-se esta questão, por conseguinte, legalmente subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça – que, como se viu, apenas conhece de direito (artigo 434.º do CPP) –, não só porque diz respeito à matéria de facto, cujo conhecimento é da competência do tribunal da relação (artigos 427.º e 428.º do CPP), mas também porque não pode ser tida em consideração no âmbito do conhecimento (oficioso) dos vícios da decisão indicados no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, os quais, como exige este preceito, devem resultar, sempre, do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência.

Como se considerou no recente acórdão de 25.10.2023, Proc. n.º 96/16.3... (em www.dgsi.pt), que aqui se segue, os recursos judiciais não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior. Verificados que se mostrem os fundamentos para recorrer (pressupostos da admissibilidade do recurso), o objeto do conhecimento do recurso delimita-se pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo no âmbito do thema decidendum, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso.

Como se tem afirmado, o recurso constitui apenas um «remédio processual» que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre (assim, também, o acórdão de 26.06.2019, proc. 174/17.1..., em www.dgsi.pt).

Nesta conformidade, não se conhece do recurso nesta parte, devendo a apreciação das questões de direito suscitadas no recurso conter-se no âmbito da matéria de facto que se encontra estabilizada, sem levar em conta o decidido no referido processo n.º 1345/05.8..., que aplicou uma pena suspensa declarada extinta.

Quanto à determinação dos conjuntos dos crimes em concurso

17. Visto o acórdão recorrido, impõe-se concluir que foram devidamente aplicados os critérios legais de determinação dos conjuntos dos crimes considerados em relações de concurso (artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal), em conformidade com a jurisprudência fixada no acórdão 9/2016 deste Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito, sendo a data do trânsito em julgado da primeira condenação o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes (art.º 30.º, n.º 1, do CP), a que corresponde uma pena única (art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP), e tendo a primeira condenação a ter em conta transitado em julgado em 23.09.2013, formam-se, assim, dois conjuntos distintos:

a. O primeiro constituído pelos crimes praticados antes dessa data [em novembro de 2005 (Proc. 60/06.0...), 31.12.2011 (Proc. 1562/11.2...) e 25.01.2013 (Proc. 151/13.1...)]; e

b. O segundo constituído pelos crimes praticados depois dela (entre dezembro de 2013 e 09.08.2016 – processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5...).

Correspondendo, a cada um destes conjuntos, uma pena única formada a partir das penas aplicadas aos crimes que neles se compreendem, como foi decidido no acórdão recorrido.

Pelo que, em reposta à primeira questão, se conclui pela improcedência do recurso.

Quanto às penas únicas

18. A determinação das penas únicas mostra-se fundamentada nos seguintes termos (transcrição nas partes diretamente relevantes):

«Na medida da condenação são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (nº 1 do artigo 77° do Código Penal).

Relativamente ao primeiro cúmulo

A pena aplicável, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (16 anos e 6 meses de prisão), e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (4 anos de prisão).

Relativamente ao segundo cúmulo

A pena aplicável tem como limite máximo 25 anos de prisão uma vez que no caso concreto as penas parcelares ultrapassam os 25 anos de prisão (atento o disposto no art. 41.º, n.º 3 do CP) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (4 anos e dez meses de prisão)

Encontradas as duas molduras penais dos dois referidos cúmulos jurídicos é pois do conjunto de factos que fornece a gravidade da ilicitude global perpetrada, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos, em concurso, se verifique.

Como resulta dos autos no primeiro cúmulo os factos situam-se temporalmente entre 2005, 2011 e 2013, factos esses que demonstram elevada gravidade já que os furtos ocorrem em residências de pessoas de idade, logrando enganá-las para ter acesso ao interior das suas residências e aproveitando-se dessa situação o arguido juntamente com outra pessoa furtaram e burlaram diversas pessoas de idade, que não se encontram ressarcidas.

No segundo cúmulo os factos ocorreram num período temporal entre Dezembro de 2013, 2015, 2016 e 218, os factos são igualmente de uma gravidade elevada , mantendo-se o mesmo modus operandi (os furtos ocorrem em residências de pessoas de idade, logrando enganá-las para ter acesso ao interior das suas residências e aproveitando-se dessa situação o arguido juntamente com outra pessoa furtaram e burlaram diversas pessoas de idade , que não se encontram ressarcidas) sendo que ainda cometeu dois crimes de roubo cometidos de uma forma ardilosa. As penas sofridas foram todas elas em penas de prisão, evidencia-se uma repetição comportamental associada à exploração da situação da fragilidade das vítimas.

Um dos critérios fundamentais em sede de culpa, numa perspectiva global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, que in casu, assume significado elevado, a violação repetida de bens jurídicos ligados a bens patrimoniais muitas vezes enganando os ofendidos com uma idade avançada, para obter os seus intentos.

Os motivos e objetivos do arguido sempre agiu com intenção de se apropriar dos bens dos ofendidos, sendo que tais factos estão relacionados com o consumo de álcool que condicionou o seu modo de vida, com influência comportamental, aliado à dependência pela frequência de casas de jogo.

Acresce que o arguido não tem competências para o exercício de qualquer atividade profissional, além de vendedor ambulante, sendo que da sua conduta resulta evidente que o mesmo levou uma vida dependente do crime.

O arguido está detido em cumprimento de pena desde 2017. Em meio prisional, é percetível um sentido crescente de responsabilidade, com registo apenas de uma infração disciplinar em 2017, punida com repreensão.

Encontra-se a trabalhar como faxina e permanece em regime celular normal, sem ter usufruído de medidas de flexibilização da pena. O arguido revela uma evolução ao nível da autocrítica, assumindo as práticas criminais que adotou, atitude que consideramos de progresso em função do tempo de pena já cumprido. São, pois, elevadas as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, em face do percurso de vida do arguido.

Pelo exposto, considerando todos os factos e a personalidade do arguido, supra referida, julga-se adequada e suficiente a aplicação ao Arguido a pena única de oito anos e dois meses de prisão no primeiro cúmulo e a pena única de quatorze anos de prisão no segundo cúmulo.»

19. A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso (pena aplicável), que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).

Em caso de conhecimento superveniente, como o dos autos, este processo encerrou-se definitivamente, quanto às penas que o integram, com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas, havendo que anular cúmulos jurídicos anteriores que tenham sido efetuados relativamente a penas que devem integrar o cúmulo por conhecimento posterior das relações de concurso.

Sendo as penas de diferente natureza, a diferente natureza destas mantém-se na pena única. Como decorre do n.º 3 do artigo 77.º, penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa (assim, por todos, o acórdão de 27.02.2019, Proc. 1960/18.0T8VCT.S1, em www.dgsi.pt, acompanhando Maria João Antunes, «Revista de Legislação e Jurisprudência», Ano 144, n.º 3992, 2015, p. 416).

Tendo sido aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução (pena de substituição), estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão – como sucede no caso sub judice –, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º do Código Penal (como uniformemente se tem decidido – cfr., por todos, o mesmo acórdão de 27.02.2029, e o acórdão de 12.7.2018, proc. 281/14.2PBBJA.S1, e a numerosa jurisprudência neles citada).

20. Assim definida a moldura do concurso, o tribunal determina a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, isto é, a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita.

O substrato da medida da pena, compreende, assim, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (como se afirmou, entre outros, no acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e na jurisprudência nele mencionada).

21. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.

Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, ter em conta a caracterização desta pela sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o citado acórdão de 25.10.2023 e jurisprudência nele citada, retomando-se o que se afirmou em anteriores acórdãos].

«Na avaliação da personalidade relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291).

22. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º do CP).

Como se tem afirmado, este regime encontra os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual as restrições de direitos devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, desde a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.

A projeção destes princípios na determinação da pena justifica-se pela necessidade de proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora violada, em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade do facto praticado e gravidade da pena, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

23. Retomando o que se tem consignado em anteriores acórdãos, para a medida da gravidade da culpa há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto (n.º 2 do artigo 71.º), nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – alínea a), 1.ª parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Para a determinação das necessidades de prevenção, há que atender às circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, dentro dos limites da culpa, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização.

É na presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar-se se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (assim, por todos, o acórdão de 29.06.2023, Proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, e jurisprudência e doutrina nela citadas, em www.dgsi.pt). O que obriga a que a determinação da medida da pena se deva alhear da motivação pressuposta pelo legislador na identificação dos bens jurídicos protegidos, na construção dos tipos legais de crime e no estabelecimento das molduras das penas legalmente fixadas, assim se assegurando o respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

24. O primeiro conjunto compreende o crime do processo 151/13.1... (ponto 1 da matéria de facto) a que foi aplicada uma pena de 1 ano de prisão pela prática de um crime de furto qualificado cujo período de suspensão da execução estava a correr à data da prolação do acórdão recorrido, pelo que esta pena foi devidamente incluída nas operações de cúmulo.

Concorrem para a pena única do primeiro conjunto, para além desta, duas penas de 1 ano de prisão para cada um dos crimes burla qualificada, na forma tentada, uma pena de 4 anos de prisão para um crime de burla qualificada, e as penas de 3 anos, 2 anos e 6 meses e 3 anos, para cada um de três crimes de furto qualificado (Proc. 60/06.0..., ponto 5). E ainda uma pena de um ano de prisão pela prática de um crime de furto qualificado (Proc. 1562/11.2..., ponto 9).

Incluem-se, assim, neste conjunto de 8 crimes, 5 crimes de furto qualificado e 3 crimes de burla qualificada, 2 dos quais na forma tentada, a que é aplicável uma pena de 4 anos a 16 anos e 6 meses.

Como se considerou no acórdão recorrido, os factos que se situam temporalmente em 2005, 2011 e 2013, «demonstram elevada gravidade já que os furtos ocorrem em residências de pessoas de idade, logrando enganá-las para ter acesso ao interior das suas residências e aproveitando-se dessa situação o arguido juntamente com outra pessoa furtaram e burlaram diversas pessoas de idade, que não se encontram ressarcidas».

Os valores dos objetos furtados, sobretudo peças de ouro, e dos prejuízos causados, que não foi concretamente determinado relativamente a algumas peças, ultrapassa 5.000 euros (valor apurado, em parte).

25. Para a pena única do segundo conjunto concorrem duas penas de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de dois crimes de furto qualificado (Proc. 1032/15.0..., ponto 2); uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples (Proc. 915/15.1..., ponto 3); uma pena de 4 anos e 10 meses de prisão pela prática dois crimes de roubo agravado e de 2 anos e 6 meses de prisão por um crime de roubo (Proc. 561/13.4..., ponto 4); uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, e uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão pela prática de um crime de burla qualificada na forma tentada (Proc. 680/15.2..., ponto 6); uma pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de burla qualificada, e uma pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado (Proc. 327/16.0..., ponto 7); uma pena de 2 anos e 3 meses de prisão pela prática de um crime de furto simples (Proc. 54/15.5..., ponto 8).

Incluem-se, assim, neste conjunto de 10 crimes, 5 crimes de furto, sendo 3 qualificados, 2 crimes de roubo, sendo um agravado, e 3 crimes de burla qualificada, sendo 1 na forma tentada, a que é aplicável uma pena única de 4 anos e 10 meses a 25 anos de prisão (soma das penas parcelares: 31 anos e 9 meses).

Considerou-se no acórdão recorrido que os factos, ocorridos em 2013, 2015 e 2016, «são igualmente de uma gravidade elevada, mantendo-se o mesmo modus operandi (os furtos ocorrem em residências de pessoas de idade, logrando enganá-las para ter acesso ao interior das suas residências e aproveitando-se dessa situação o arguido juntamente com outra pessoa furtaram e burlaram diversas pessoas de idade , que não se encontram ressarcidas) sendo que ainda cometeu dois crimes de roubo cometidos de uma forma ardilosa. As penas sofridas foram todas elas em penas de prisão, evidencia-se uma repetição comportamental associada à exploração da situação da fragilidade das vítimas.».

Os valores dos objetos furtados, incluindo também peças em ouro, e dos prejuízos causados, que não foi concretamente determinado relativamente a algumas peças, ultrapassa 25.000 euros (valor apurado, em parte).

26. Na ponderação dos fatores de determinação da pena (artigos 71.º e 77.º do CP, supra), o tribunal a quo considerou, «em sede de culpa, numa perspectiva global dos factos» a «intensidade da ofensa» ao bem jurídico ofendido, que «assume significado elevado», e a «violação repetida de bens jurídicos ligados a bens patrimoniais muitas vezes enganando os ofendidos com uma idade avançada, para obter os seus intentos».

Levou ainda em consideração os «motivos e objetivos do arguido», que «sempre agiu com intenção de se apropriar dos bens dos ofendidos» – o que não pode ocorrer na medida em que este elemento seja parte do tipo, sob pena de dupla valoração não permitida (supra, 22, como sucede no crime de furto – artigo 203.º do CP) –, que «tais factos estão relacionados com o consumo de álcool que condicionou o seu modo de vida, com influência comportamental, aliado à dependência pela frequência de casas de jogo», que o arguido «não tem competências para o exercício de qualquer atividade profissional, além de vendedor ambulante, sendo que da sua conduta resulta evidente que o mesmo levou uma vida dependente do crime

O tribunal levou também em conta que o arguido, em cumprimento de pena desde 2017, tem revelado, em meio prisional, «um sentido crescente de responsabilidade, com registo apenas de uma infração disciplinar em 2017, punida com repreensão», encontrando-se a «trabalhar como faxina», e uma «evolução ao nível da autocrítica, assumindo as práticas criminais que adotou, atitude que consideramos de progresso em função do tempo de pena já cumprido.»

E concluiu que são «elevadas as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial, em face do percurso de vida do arguido».

27. A decisão recorrida ponderou, pois, os fatores relevantes, incluindo a evolução positiva da «situação pessoal» do arguido no interior da prisão, desde 2017, pelo que, quanto a este ponto, não merece a censura de não consideração que este lhe dirige (conclusões VIII e IX).

A concreta gravidade dos factos, vistos no seu conjunto, como impõe o artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP, revelando uma tendência para a prática de crimes contra bens patrimoniais, releva sobretudo da sua repetição ao longo de 4 anos (de 2013 a 2016, acrescendo aos anteriores isoladamente mais longínquos, de 2005 e 2011), das caraterísticas de fragilidade das vítimas selecionadas em função da idade avançada e da personalidade do arguido manifestada na sua prática, associada às suas condições pessoais, económicas e sociais, reveladora de manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita, de falta de sensibilidade à pena e de suscetibilidade de por ela ser influenciado, e, em consequência, de elevadas necessidades de socialização, evidenciadas, em particular, na continuação da atividade criminosa após o trânsito em julgado da primeira condenação, em 23.09.2023, de que resulta a aplicação de penas únicas, de execução sucessiva.

A ponderação dos fatores relevantes por via da prevenção, diferentemente do que sucede com os relativos à culpa (supra, 20), que se reportam ao facto, efetua-se, porém, com referência ao momento da aplicação da pena, aqui se devendo incluir a evolução da situação pessoal e o comportamento posterior aos factos.

28. Tendo em conta estes fatores e o tempo decorrido desde a sua prática (em 2005, 2011 e 2013 – primeiro conjunto de crimes – e em 2013 a 2016 – segundo conjunto), sem, no entanto, desconsiderar o período temporal global durante o qual as condutas (à exceção da correspondente aos crimes de roubo) se repetem de modo essencialmente idêntico, afetando idênticos bens jurídicos, justifica-se uma intervenção corretiva na determinação das penas, em respeito pelos princípios de adequação e proporcionalidade que presidem à sua aplicação.

29. Assim, dada a moldura abstrata das penas aplicáveis aos crimes em concurso – de 4 anos a 16 anos e 6 meses e de 4 anos e 10 meses a 25 anos de prisão, respetivamente –, na ponderação das circunstâncias relevantes por via da culpa e da prevenção e dos factos e da personalidade do arguido, no seu conjunto, altera-se a decisão recorrida, fixando-se em 7 anos e 9 meses e em 11 anos e 6 meses as penas únicas aplicadas ao primeiro e ao segundo conjunto de crimes, respetivamente, por, nesta medida, satisfazerem as necessidades de proteção dos bens jurídicos e de prevenção que fundamentam a sua aplicação.

Nesta conformidade se concedendo, consequentemente, provimento parcial ao recurso.

Quanto a custas

30. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. O que não é o caso.

III. Decisão

31. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso interposto pelo arguido AA parcialmente procedente e, em consequência, revogando, nesta parte a decisão recorrida, alterar as penas únicas aplicadas aos conjuntos dos crimes em concurso, que se fixam em:

a) 7 anos e 9 meses de prisão, para o conjunto dos crimes em concurso dos processos 151/13.1..., 60/06.0... e 1562/11.2...; e em

b) 11 anos e 6 meses de prisão, para o conjunto dos crimes em concurso dos processos 1032/15.0..., 915/15.1..., 561/13.4..., 680/15.2..., 327/16.0... e 54/15.5...

Mantendo-se, no mais, o decidido.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de novembro de 2023.

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira adjunta)

Sénio Manuel dos Reis Alves (Juiz Conselheiro adjunto)