Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3016/21.0T8CSC-B.L1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o STJ, isto é, não cabe revista, a não ser que se verifique caso em que o recurso é sempre admissível.

II. Assim, não é admissível revista de acórdão que confirmou o decretamento de restituição provisória de posse de quatro imóveis, se na revista apenas se invoca, sem a documentar, a existência de acórdãos que, de acordo com a publicação constante em www.dgsi.pt, se reportam a situações de facto e de direito essencialmente diversas da que é objeto do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

1. Por dependência da ação principal em que figura como autora/reconvinda AA e como ré/reconvinte a sociedade Cada Lugar, S.A., veio esta última instaurar procedimento cautelar contra a referida autora na ação principal, pedindo que se ordene a restituição provisória da posse de quatro frações autónomas, devidamente identificadas.

A requerente alegou, em síntese (já considerando o teor do requerimento de aperfeiçoamento do requerimento inicial, apresentado na sequência de convite para tanto), que:

- No exercício da sua atividade comercial de compra e venda de imóveis adquiriu quatro frações autónomas de um prédio urbano, por escritura pública de 3/6/2011 outorgada em sede de venda judicial em processo de insolvência, estando a propriedade das mesmas frações registada a seu favor e tendo-lhe as mesmas sido entregues em 31/7/2018 (as frações D e G), em 27/3/2020 (a fração H) e em 8/2/2021 (a fração N);

- A partir da entrega das frações a requerente diligenciou pela sua limpeza e reparação, com vista à sua venda, tendo contratado os serviços de uma empresa de mediação imobiliária;

- Em 6/11/2021 a requerida invadiu e ocupou as quatro frações em questão, para tanto arrombando as portas de acesso ao interior das mesmas e substituindo as fechaduras respetivas, sem qualquer autorização ou título para o efeito, desde logo porque a ação que intentou não legitima essa atuação;

- Com a atuação da requerida a requerente ficou impedida de aceder às frações e de as comercializar, como é sua intenção.

2. Sem contraditório prévio (nos termos previstos no art.º 378.º do Código de Processo Civil) foi produzida prova e proferida decisão final, com o seguinte dispositivo:

Face ao exposto:

1. Julgo procedente o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse, intentado por Cada Lugar, S.A. contra AA e, em consequência, ordeno a imediata restituição à Requerente das fracções autónomas (…), do prédio urbano sito na Rua ..., da União de freguesias de ... e ..., Concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o nº ...64, e descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...07, como segue:

a) Fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao PRIMEIRO ANDAR B, (piso um), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 12 e uma arrecadação designada pelo nº. 11, ambos na cave (piso-dois);

b) Fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao TERCEIRO ANDAR A, (piso três), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 4 e uma arrecadação designada pelo nº. 2, ambos na cave (piso -um);

c) Fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao TERCEIRO ANDAR B, (piso três), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 5 e uma arrecadação designada pelo nº. 3, ambos na cave (piso -um).

d) Fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao 6.º andar RECUADO, (piso seis), destinado a habitação, com três terraços com a área de 68,75 m2, com dois estacionamentos designados pelos nºs. 3 e 7 e uma arrecadação designada pelo nº. 5, situados na cave (piso -um);

2. Ao abrigo do disposto no artº 365º, nº 2, do C.P.Civil e no artº 829º-A, nº 1 a 3, do C.Civil, condeno a Requerida na sanção pecuniária compulsória, correspondente a 1 UC por cada dia de atraso no cumprimento da providência ora decretada”.

3. Notificada a requerida nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366.º n.º 6 e 372.º do Código de Processo Civil, veio recorrer daquela decisão final.

4. Por acórdão proferido em 06.7.2023 a Relação de Lisboa julgou a apelação improcedente e manteve a decisão recorrida.

5. Contra esse acórdão a requerida interpôs revista na qual rematou com as seguintes conclusões:

1.ª Tendo a ora Recorrente solicitado na 1ª instância a suspensão da execução do despejo/desocupação por se tratar da casa de morada de família ao abrigo do disposto na Lei nº 1-A/2020, de 19/3 o Tribunal indeferiu liminarmente tal pedido, sem mais.

2ª Inconformada a ora Recorrente interpõe recurso de Apelação com efeito suspensivo ( artº 692º nº 2 al. b) do CPC) por se tratar de habitação contra tal sentença, concretizado que com o despejo a Recorrente gravemente doente e o companheiro ficariam numa situação clamorosa por falta de habitação.

3ª Não é apresentada qualquer fundamentação do indeferimento limitando-se o Tribunal a considerar que teria havido esbulho quando na verdade se trata da manutenção da posse decorrente da tradição do bem ao abrigo de um contrato promessa de compra e venda. recorde-se que o direito de retenção não se confunde com esbulho!

4ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.

5ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente.

6ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto.

7ª Nos termos do AC 17696/21. 2 T8LSB a Lei nº 1-A/2020, de 19/3 que se junta como Doc. 1 vem determinar a cessação do regime de suspensão de prazos processuais e procedimentos adotados no âmbito da pandemia Covid 19; por outra e ao revogar os artigos 6º - B e 6º - C da Lei nº 1- A 2020, de 19/3 na sua redação atual vem também aditar o artº 6º - E, e cujo nº 7 determina a suspensão no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo dos actos de execução da entrega do local arrendado no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, a suspensão indicada porém não opera ope legis, mas apenas nos casos em que, e na sequência de pertinente alegação dos arrendatários seja produzida prova que confirme que os atos de execução da entrega do local arrendado sejam susceptiveis de colocar a promitente compradora em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.

8.ª Também em sentido contrário ao despacho recorrido se junta exemplar do Ac 2882/21.3T8STB-B.E1 que se junta como Doc. 2 , o qual ipsis verbis mantém o sustentado no Doc. 1.

9.ª Em suma os dois acórdãos ora juntos contrariam a sentença recorrida na questão essencial que tem a ver com a existência ou não de base legal para a suspensão do despejo quando como é o caso se trata da casa de morada de família, sempre com efeito suspensivo automático.

10.ª Artigo 647.º (art.º 692.º CPC 1961)

Efeito da apelação

1 - A apelação tem efeito meramente devolutivo, exceto nos casos previstos nos números seguintes.

2 - A apelação tem efeito suspensivo do processo nos casos previstos na lei.

3 - Tem efeito suspensivo da decisão a apelação:

c) Da decisão que ponha termo ao processo em ações sobre o estado das pessoas;

d) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação;

11.ª Resulta da disposição imperativa a que se alude em 1º que o recurso respeita à posse da casa de habitação, ou melhor, da casa de morada de família.

12ª À disposição expressa do CPC de que tem efeito suspensivo da decisão a Apelação que respeita à posse, ou à propriedade de casa de habitação, como é o caso, não oferece quaisquer dúvidas de que o despacho que admite o recurso deve ser entendido como tendo imperativamente efeito suspensivo. Inexiste disposição legal que revogue expressamente tal artigo do CPC.

Termos em que admitindo-se o presente recurso de Apelação, com efeito suspensivo ( artº 692º nº 2 al. b) do CPC), com dispensa de prestação de caução atenta a falta de meios reconhecida com a concessão de apoio judiciário e, e julgando o mesmo procedente por provado revogando-se o acórdão recorrido se fará Justiça!

6. Não houve contra-alegações.

7. Na Relação foi proferido o seguinte despacho de admissão da revista:

Por ter legitimidade e estar em tempo admito o recurso interposto o qual sendo de revista, sobe imediatamente nos autos com efeito meramente devolutivo.

8. Distribuído o processo neste STJ, o relator, por se lhe afigurar que a revista deveria ser rejeitada, determinou se desse cumprimento ao disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC, possibilitando às partes o exercício do contraditório.

9. A recorrente pugnou pela admissibilidade da revista e a outra parte nada disse.

10. Por decisão proferida em 11.9.2023, o relator não admitiu a revista.

11. A recorrente reclamou da decisão do relator para a conferência, nos seguintes termos, que se transcrevem:

1º Encontra-se pendente litígio entre a Recorrente e a Recorrida CadaLugar, SA relativa à propriedade da fração autónoma correspondente ao R/c Esqº, estando-se a aguardar que seja proferida sentença judicial.

2º Apesar de convidada a Recorrida não acatou o convite do Tribunal para intentar a ação principal, sendo que os dois procedimentos cautelares nunca foram juntos a qualquer ação intentada pela Cada Lugar, SA, ou seja, tal anomalia carece de decisão sobre matéria de direito.

3º O mesmo se diga quanto ao que foi considerado como fato assente relativo à invasão, arrombamento e ocupação de quatro frações autónomas em questão.

4º É entendimento unanime que o direito de retenção é um direito real e tendo a Recorrente intentado a ação com base no fato de tendo o direito a ser indemnizada em cerca de 200 000,00€, ter procedido ao registo da pendencia da ação e ter efetuado o direito de retenção com base no pressuposto demonstrado através de escritura pública de que a Ré e ora Recorrida adquiriu o direito de propriedade de cada fração por um valor inferior a 20 000,00€, sendo que independentemente do prejuízo causado aos credores no processo de insolvência, é perfeitamente legitimo o exercício do direito de retenção pois que o valor é inferior aos peticionados mais de 200 000,00€.

5º Estando provado por documento e sendo essa a causa de pedir da ação principal não se compreende a tábua rasa face à natureza jurídica e aos efeitos da retenção com base numa afirmação completamente absurda que se tratou de um arrombamento/ocupação pois que se esta alguma vez existiu, tal só sucedeu após o despejo da ora Recorrente, num contexto não precedido de decisão judicial, encontrando-se a partir dessa data todos os andares ocupados, com expulsão da Requerida e dos respetivos familiares.

6º Tal só foi possível pela atribuição ao recurso de efeito devolutivo quando foi alegado, inclusive com junção de cópia do artigo do CPC respetivo nos termos do qual a Apelação, quando verse sobre habitação tem sempre efeito suspensivo. Tal questão também merece conhecimento por parte do coletivo de Conselheiros.

7º Por último, foi invocado a vigência das disposições relativas à proibição de despejo no âmbito do COVID-19 e neste particular também se afigura que o coletivo de juízes deverá julgar sobre se o normativo em causa permanece ou não em vigor e ainda se estando perante o direito de retenção e não a ocupação/arrombamento tal legislação imperativa deve ou não ser aplicada, ficando claro que o Tribunal não se dignou proceder à inquirição das testemunhas especificamente arroladas para tal efeito.

Termos em que com a Ida à Conferência nos termos e para os efeitos ora indicados deverá ser proferida deliberação sobre cada uma das concretas matérias, aguardando-se pela revogação imediata da decisão singular”.

12. A parte contrária nada disse.

13. Foram colhidos vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Do objeto da reclamação

São aplicáveis ao recurso de revista as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do ressalvado nos termos do art.º 679.º do CPC.

Assim, a parte que puder ser considerada prejudicada por decisão singular proferida pelo relator pode reagir requerendo que sobre a matéria da decisão recaia um acórdão; nessa sequência o caso é submetido à conferência, depois de ouvida a parte contrária (n.º 3 do art.º 652.º do CPC).

Por meio deste mecanismo a questão será julgada pelo coletivo a quem competiria ou competirá julgar o recurso (ou que o julgou, no caso de se tratar de reclamação de decisão singular proferida após o julgamento do recurso).

Conforme pondera Abrantes Geraldes, “[m]ais do que encarar o requerimento da parte no sentido da convocação da conferência como uma forma de impugnação da decisão singular do relator, trata-se de um instrumento que visa a substituição dessa decisão por uma outra com intervenção do coletivo...” (Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, p. 303).

Daí que na reclamação não podem ser suscitadas questões novas ou apresentados novos argumentos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 304; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, p. 149; STJ, 17.10.2019, processo n.º 8756/16.1T8LSB.L1.S2, consultável em www.dgsi.pt).

Isto exposto, debrucemo-nos sobre o objeto da revista, no que se seguirá o teor da decisão reclamada, com o qual, desde já se esclarece, este coletivo concorda.

2. Pelas instâncias foi dada como indiciada a seguinte

Matéria de facto

1. A requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto social a construção civil, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, aquisição, gestão e cessão de créditos, podendo praticar todas as actividades conexas e prestar serviços de consultoria e assessoria em todas aquelas áreas.

2. A requerente encontra-se inscrita como titular do direito de propriedade das seguintes fracções autónomas, do prédio urbano sito na Rua ..., da União de freguesias de ...e ..., Concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o nº ...64, e descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...07:

a) Fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao PRIMEIRO ANDAR B, (piso um), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 12 e uma arrecadação designada pelo nº. 11, ambos na cave (piso-dois);

b) Fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao TERCEIRO ANDAR A, (piso três), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 4 e uma arrecadação designada pelo nº. 2, ambos na cave (piso -um);

c) Fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao TERCEIRO ANDAR B, (piso três), destinado a habitação, com um estacionamento designado pelo nº. 5 e uma arrecadação designada pelo nº. 3, ambos na cave (piso -um).

d) Fracção autónoma designada pela letra “N”, correspondente ao 6.º andar RECUADO, (piso seis), destinado a habitação, com três terraços com a área de 68,75 m2, com dois estacionamentos designados pelos nºs. 3 e 7 e uma arrecadação designada pelo nº. 5, situados na cave (piso -um);

3. A inscrição a favor da requerente da propriedade das fracções identificadas no ponto 2., que antecede, encontra-se registada pelas Ap. 3373 de 2011/06/08;

4. A requerente adquiriu as fracções identificadas no ponto 2, que antecede, por compra e venda, realizada por escritura pública de 03-06-2011, na qual interveio como vendedor o liquidatário judicial da insolvente “L..., Lda.”, aí se declarando ter a fracção em causa sido objecto de apreensão de bens e que a venda é feita em cumprimento de decisão judicial proferida no processo de falência pelo que a não existência de licença de utilização não é impeditiva da respectiva transmissão.

5. A sociedade “L..., Lda.” foi objecto de um processo de falência que correu termos sob o n.º 383/03.0..., no Juízo de Comércio de ... - Juiz ....

6. A requerente encontra-se impossibilitada de aceder livremente às fracções referidas no ponto 2., que antecede, por estas se encontrarem ocupada pela requerida e pessoas relacionadas com esta, que as ocuparam entrando para o interior das fracções, tendo para o efeito arrombado as respectivas portas das fracções, alterando e mudando as fechaduras;

7. A requerente tomou conhecimento do referido em 6., no dia 6/11/2021, em relação às fracções D, G e H, através do Sr. BB, mediador imobiliário, que estava a proceder à publicidade e comercialização das fracções a mando da requerente;

8. … que informou a requerente que as portas das fracções D, G, H, tinham sido mudadas e alteradas, não conseguindo aceder ao interior das fracções com a chave dada pela requerente.

9. Após tal comunicação, a requerente mandou proceder à alteração e mudanças das fechaduras nas fracções D, G, H e também na N, o que foi feito no dia 8/11/2021, a seu mando, por CC.

10. Posteriormente à mudança da fechadura que antecede, a Sr.ª Arquitecta DD, por causa de um orçamento de obras, deslocou-se à fracção “N” (6º andar recuado), estando a casa ocupada por pessoas que a requerente desconhece e para o que não deu autorização;

11. … e a fechadura de uma das portas de entrada estava de novo mudada, sem conhecimento e autorização da requerente.

12. A requerente não facultou as chaves das fracções à requerida, nem a qualquer outra pessoa com a mesma relacionada;

13. A requerente não autorizou aqueles a procederem ao arrombamento ou alteração das fechaduras das fracções em causa nos autos;

14. Na sequência do descrito no ponto 10., que antecede, a requerente solicitou a BB e a CC, para se deslocarem ao identificado prédio a fim de verificarem o estado das demais fracções “D”, “G” e “H”;

15. BB e CC, deslocaram-se, separadamente, ao identificado prédio, entre 12/11/2021 e 13/11/2021, tendo constatado que as fechaduras das fracções “D”, “G” e “H”, bem como a fechadura da fracção “N”, haviam sido, uma vez mais, arrombadas e substituídas.

16. A requerida celebrou com a E... contratos de fornecimento de energia eléctrica para as fracções identificadas no ponto 2., que antecede;

17. A requerente não autorizou a requerida ou alguém em nome desta, a celebrar contratos de fornecimento de energia para as fracções identificadas no ponto 2., que antecede;

18. A entrada nas fracções identificadas no ponto 2, dos presentes factos provados, através das pessoas que aí se encontram e relacionadas com a requerida, foi levada a cabo contra a vontade da requerente e sem que esta tenha dado autorização para o efeito.

19. A requerida - no âmbito do processo de falência da anterior proprietária do prédio a que pertencem as ora fracções D, G, H, N -, mas em relação a outra fracção (a fracção B), não reclamou créditos, tendo, contudo, intentado uma acção contra a falida pedindo a condenação no pagamento da quantia relativa ao dobro do sinal entregue, acrescido de juros, e que se reconhecesse o direito de retenção sobre a fracção, com fundamento na celebração de um contrato-promessa de compra e venda outorgado em 29-06-2001, em relação ao qual havia procedido ao pagamento de parte do preço e em 24-06-2002 lhe sido entregue a fracção, a qual foi objecto de sentença proferida em 05-01-2019, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade e declarou extinto o direito de intentar acção e absolveu a ré dos pedidos contra si formulados, sem que tenha sido interposto recurso dessa decisão.

20. Por acórdão proferido em 28-04-2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa no apenso AA.L1 do processo de falência referido no ponto 5, que antecede, foi julgada extinta a instância de recurso relativamente ao recurso interposto, entre outros recorrentes, pela requerida da decisão proferida pela 1.ª instância em 03-04-2017 que determinou a notificação do liquidatário para proceder à entrega das fracções, incluindo da fracção referida em 2. à ora requerente.

21. Consta da fundamentação do aresto, para o caso se entendesse que os recursos eram de admitir, o seguinte:

«Os Recorrentes entendem que a entrega ordenada viola o respectivo direito de retenção sobre os imóveis que ocupavam e que foram apreendidos no âmbito destes autos.

Ora, não tendo os ora Recorrentes AA e EE reclamado créditos nestes autos, neles não podem já vê-los graduados para serem pagos pelo produto dos bens vendidos na falência, improcedendo, consequentemente, a respectiva pretensão de que nos mesmos lhes seja reconhecida a referida garantia.

Acresce que não lhe assiste razão aos Recorrentes quando entendem que o direito de retenção que pretendem ver reconhecido lhes confere a faculdade de não proceder à entrega da fracção.

Com efeito, proferida a sentença declaratória de falência/insolvência, procede-se à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente ainda que estes tenham sido penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (artigos 175° do CPEREF e 149° do CIRE), devendo o liquidatário/administrador de insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues para que deles fique depositário, com a aplicação das regras que regem o depósito judicial de bens penhorados (artigos 176° do CPEREF e 1500 n°1 do CIRE), destinando-se a massa falida/insolvente, que abrange todo o património do devedor e que os bens apreendidos vão integrar, à satisfação dos credores da insolvência, como se referiu já.

Deste modo, no cumprimento destas disposições legais, deverão os bens apreendidos ser entregues ao Liquidatário/AI, incluindo os bens objecto de direito de retenção.

Na verdade, a entrega dos bens ao Liquidatário/AI em nada prejudica os direitos de garantia real que sobre eles recaiam, nomeadamente os eventuais direitos de retenção, pois, a verificar-se a existência destes direitos, os mesmos serão tidos em conta na graduação de créditos no lugar que legalmente lhes compete.

Consistindo o direito de retenção na faculdade de não entrega de bens relativamente objecto do contrato que fundamenta o crédito garantido e enquanto este não for satisfeito (artigo 754° do Código Civil) e sendo certo que se o mesmo recair sobre bem imóvel, prevalece sobre a hipoteca (artigo 759° n°2 do mesmo código), constitui um meio de pressão sobre o devedor para satisfazer o crédito do credor, já que, antes da falência/insolvência, é ao devedor que cabe cumprir a obrigação.

Porém, declarada a falência/insolvência do devedor, o pagamento do crédito já não é efectuado pelo devedor (que está impedido de o fazer, nos termos dos artigos 147° do CPEREF e 81° n°1 do CIRE), não sendo também passível a execução judicial do crédito, nos termos do disposto no artigo 154°, n.º 3 do CPEREF, devendo antes o crédito obter satisfação através da liquidação, graduação e rateio, importando apenas que, para além dos demais pressupostos legais, fique demonstrado que a retenção do bem existia à data da declaração de insolvência.

Deixa então de haver fundamento para o bem objecto de retenção continuar na posse do credor, pois, cumpridas os referidos pressupostos, não se extingue o direito de retenção não assumindo a sua entrega ao Liquidatário/AI o significado e efeitos do artigo 761° do Código Civil, antes tendo lugar por força dos normativas aplicáveis em caso de falência/insolvência já mencionados, que determinam a apreensão e a liquidação do património e o pagamento aos credores, entre os quais o próprio credor garantido com o direito de retenção, graduado no lugar que legalmente lhe compete.

Este entendimento em nada colide com o artigo 824° do Código Civil, por força do qual os bens vendidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, pois todos os direitos de garantia serão verificados e graduados em sede própria, com o objectivo de serem pagos pelo produto da venda dos bens.

Não releva, no caso dos autos, o Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2014 de 20/03/2014, publicado no DR nº 95, série I, de 19/05/2014 para o objecto da presente decisão, pois ali se fixou jurisprudência sobre os pressupostos de existência de direito de retenção, mas não sobre os pressupostos da apreensão no âmbito do processo de falência/insolvência, dos bens objecto de direito de retenção.

Ora, no caso dos autos, tendo sido declarada a falência da promitente vendedora, e portanto, proprietária das fracções, tendo os bens sido apreendidos e vendidos no processo de insolvência, não constando dos autos que tais actos tenham sido validamente impugnados pelos ora Recorrentes que, como referido, nas acções que interpuseram, peticionaram a declaração de resolução dos contratos promessa em que fundam as respectivas pretensões, e a devolução do sinal que prestaram em dobro - dúvidas não podem validamente colocar-se que deveriam os Apelantes entregar os imóveis que alegavam ocupar e já foram vendidos à Requerente da entrega, como se decidiu.

E não se diga que os ora Apelantes possuíam as fracções na convicção de serem proprietários das mesmas pelo período que decorreu entre a tradição das fracções no âmbito dos contratos promessa, e a entrega à adquirente no âmbito destes autos. É que a falência da promitente vendedora foi declarada em 2003, decorrendo a apreensão de tal declaração, e tendo a mesma sido registada em 2005, e por outro lado, os ora Apelantes peticionaram nas acções supra mencionadas, a declaração de resolução dos contratos promessa.

Insurgem-se os Apelantes contra a decisão recorrida, por entenderem que ao Sr. Liquidatário não assiste legitimidade para exigir as chaves da fracção.

Mas não lhes assiste razão.

Desde logo porque a Requerente da entrega, como se refere na decisão recorrida, é a adquirente das fracções, a sociedade Cada Lugar. S.A., sendo que determinada esta no âmbito do processo em que a venda foi efectuada, é ao liquidatário que cabe a concretização material da entrega, nos termos do disposto nos artigos 134°, 143°, 176° e 180° e ss. do CPEREF e 828° do Código de Processo Civil. Improcedem, pois, todas as conclusões dos Apelantes, pelo que sempre seriam de julgar improcedentes os apelações

22. Em data anterior a 9/08/2021, o liquidatário judicial deslocou-se ao prédio a que se referem as fracções D, G, H, N, com o auxílio da força policial, com vista à entrega/recuperação coerciva de diversas fracções, incluindo a fracção G, e a fracção B (…), tendo, então, os ocupantes do imóvel solicitado o prazo de uma semana para retirarem o recheio do imóvel, o que lhes foi concedido e, quanto à fracção G, os ocupantes tinham contrato de arrendamento para outro imóvel a partir do dia 1 de Setembro;

23. Desde data anterior a 6/11/2021, a requerente tinha as fracções D, G, H e N à sua guarda, tendo encarregado uma empresa de mediação imobiliária para a sua publicitação e venda.

24. … o que foi interrompido pela entrada da requerida e das pessoas com a mesma relacionadas através de arrombamento e mudança da fechadura, encontrando-se as fracções a ser ocupadas por pessoas que a requerente desconhece, impossibilitando a requerente de aceder à mesma.

Na decisão final ficou ainda consignado não resultarem indiciariamente provados os seguintes factos:

1. Quando a Arqtª DD se encontrava no interior da fracção “N”, a realizar o trabalho que ali a levara, a Arqtª DD foi surpreendida pela entrada, naquela fracção, de dois homens e uma mulher, que começaram a gritar com aquela, ordenando-lhe que saísse imediatamente.

2. … tendo um dos referidos homens, falando em tom de voz bastante alto, identificou-se como “FF” e como “marido da senhora AA”;

3. … gritou, alegando que aquela casa era dele porque tinha uma ordem judicial, levantando simultaneamente um papel, o que fez de forma agressiva, descontrolada e ameaçadora, tendo provocado na Arqtª DD receio pela sua integridade física.

3. O Direito

O recurso ora em análise emerge de um procedimento cautelar (restituição provisória de posse – artigos 377.º a 379.º do CPC), pelo que haverá que atentar no disposto no art.º 370.º n.º 2 do CPC (aplicável ex vi art.º 376.º n.º 1 do CPC):

2 - Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.

Decorre do aludido preceito legal que das decisões proferidas nos procedimentos cautelares (como é o caso da revista sub judice) não cabe recurso para o STJ, isto é, não cabe revista, a não ser que se verifique caso em que o recurso é sempre admissível.

Ora, a recorrente não só não invocou qualquer situação que justifique a exceção mencionada na lei, como também não se vislumbra que, in casu, ela exista.

Tem-se em vista, nesta matéria, o disposto no art.º 629.º, n.º 2, do CPC:

2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

A presente revista tem como objeto a suspensão “das diligências de execução do despejo/desocupação” (sic) desencadeadas pela sentença recorrida, sentença essa mantida pelo acórdão da Relação. Para sustentar essa pretensão a recorrente cita normas legais emitidas no âmbito da luta contra os efeitos da pandemia da doença COVID-19 e, bem assim, acórdãos das Relações proferidos sobre essas normas.

A menção a acórdãos das Relações, que contrariariam o decidido pelo acórdão ora impugnado, poderia apontar para a inserção da presente revista na previsão da alínea d) do n.º 2 do art.º 629.º, acima transcrita.

Porém:

a) A documentação de um tal recurso carece de cópia do acórdão fundamento, acórdão esse que deve ter transitado em julgado. É o que decorre do disposto nos artigos 671.º n.º 2, al. b), 672.º n.º 1, alínea c) e 637.º n.º 2 do CPC (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos, 7.ª edição, pp. 73 e 74);

b) O confronto entre acórdãos só será relevante se se verificarem as seguintes condições:

- Deverá ocorrer uma verdadeira contradição entre os acórdãos. Tal significa que a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, tenha sido resolvida de forma frontalmente oposta nas decisões em confronto. Não basta oposição respeitante a questões laterais ou a fundamentos de ordem secundária, nem oposição meramente implícita;

– Deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e no outro aresto, não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico. Tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória;

- Por último, a divergência deve verificar-se num quadro normativo substancialmente idêntico.

Ora, in casu a recorrente não juntou cópia de qualquer acórdão, nem comprovativo de que o mesmo transitou em julgado.

Por outro lado, a recorrente limita-se a citar vários acórdãos, sem selecionar aquele que seria relevante para a verificação de contradição, e a transcrever (no corpo das alegações) parte das considerações jurídicas aí constantes, mas sem proceder à descrição e análise comparativa das situações fáctico jurídicas concretas julgadas pelos acórdãos em confronto.

Acresce que são pertinentes as seguintes considerações que, a respeito da aplicação ao caso das medidas excecionais e temporárias de resposta à COVID-19, figuram no acórdão recorrido e aqui se transcrevem:

“Pelo que, desde logo por força da alternatividade a que alude o nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil, não cabe a este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tal factualidade, nem sobre o correspondente enquadramento da mesma, para afirmar a posse legítima da requerida sobre a referida fracção autónoma identificada pela letra B, porque correspondente ao exercício do direito de retenção a que respeita a al. f) do nº 1 do art.º 755º do Código Civil, ou bem ainda para afirmar que tal fracção autónoma corresponde à casa de morada de família da requerida, assim merecendo a protecção que resulta do regime excepcional e temporário que resulta da Lei 1-A/2020, de 19/3.

De qualquer forma, e quanto a esta última questão (sintetizada na conclusão 48ª), ainda que se constate que o nº 7 do art.º 6º-E de tal diploma continuava em vigor à data da interposição do recurso (porque ainda não revogado, nos termos da Proposta de Lei 45/XV/1, já aprovada mas ainda não promulgada), daí emerge a suspensão, tão só, dos actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, bem como dos actos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. O que significa que o acto de execução da providência de restituição provisória da posse não cai no âmbito de aplicação de tal regime excepcional e temporário.

Aliás, isso mesmo também já tinha sido afirmado por este Tribunal da Relação de Lisboa, no já referido acórdão de 5/4/2022, e no que respeita à restituição provisória da posse referente à fracção autónoma identificada pela letra B (ordenada no apenso A), aí ficando referido que “o disposto no artigo 7º da lei 13-B/2021, de 05.2021, circunscreve-se aos processos de execução e de insolvência. Ora, a diligência de entrega do imóvel foi determinada no âmbito destes autos de procedimento cautelar, fora, pois, do contexto executivo ou de insolvência”, mais ficando referido que “os citados dispositivos têm sempre por pressuposto a comprovação de que estamos perante a casa de habitação, o que não se verifica no presente caso”, e assim se concluindo que “indiciada a ocupação ilegal, não colhe a protecção do CPC nem a do regime transitório sobre prazos ao abrigo da Lei nº 1-A/2020, de 19-03 e alterações posteriores”.

Deste modo, e mesmo transpondo tais considerações para o caso concreto dos autos, tendo em atenção que está em causa a restituição das fracções identificadas pelas letras D, G, H e N, e não da fracção identificada pela letra B, logo se alcança que não há lugar a falar de qualquer suspensão do acto de entrega das fracções em questão à requerente, enquanto questão prévia.

Com efeito, não há que falar da casa de habitação da requerida, no que respeita ao conjunto das quatro fracções autónomas em questão, desde logo porque a circunstância de se tratar de uma pluralidade de imóveis exclui, por sua própria natureza, a possibilidade de se falar em casa de habitação (já que esse conceito pressupõe uma permanência estável num único local, incompatível com a ocupação múltipla de várias unidades imobiliárias).

E, nessa medida, está totalmente arredada qualquer possibilidade de afirmar a observância da protecção visada pelo regime transitório e excepcional invocado pela requerida, tendo em vista a determinação da pretendida suspensão de entrega, a título prévio”.

O ponderado no acórdão recorrido demonstra que ao caso dos autos não foi aplicada a legislação que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à COVID-19, nomeadamente o teor da Lei n.º 1-A/2020, de 19.3 (sucessivamente alterada, nomeadamente pela Lei n.º 13-B/2021, de 05.4), por se reputar que essa legislação não era aplicável ao caso dos autos, por estes não respeitarem a casa de morada de família, a contratos de arrendamento, a ações de despejo, execuções ou processos de insolvência atinentes a tais situações jurídicas de imóveis.

Ora, os acórdãos citados pela recorrente no corpo das alegações incidem, como decorre das transcrições feitas pela recorrente, sobre situações em que não se suscitaram dúvidas sobre a aplicabilidade daquela legislação, nomeadamente por estarem em causa, sem controvérsia, imóveis utilizados como casa de morada de família e cuja entrega era providenciada no âmbito de ações de execução para entrega de coisa certa, processos de insolvência e/ou procedimentos de despejo. E quanto aos dois acórdãos citados pela recorrente nas suas conclusões (consultáveis em www.dgsi.pt), o primeiro (conclusão 7.ª) reporta-se a um procedimento especial de despejo de casa de morada de família e o segundo (conclusão 8.ª) refere-se a uma execução para entrega de coisa certa em que no acórdão nem sequer se deu como aplicável a mencionada legislação excecional, por não estar demonstrado que o imóvel a entregar constituía casa de morada de família dos executados.

Isto é, não se vislumbra entre esses arestos e o ora recorrido qualquer contradição de julgamento quanto à interpretação e aplicação da lei.

Em suma, pelas razões expostas, a revista deve ser rejeitada.

O que engloba a invocada questão do alegado efeito suspensivo da apelação, que a recorrente entende que deveria ter sido atribuído à apelação por si interposta da decisão que decretou a restituição provisória da posse das quatro frações objeto do procedimento cautelar.

A reclamação é, assim, improcedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, não se admite a revista, confirmando-se o despacho do relator.

As custas da revista e da reclamação seriam a cargo da recorrente/reclamante (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC), caso não beneficiasse de apoio judiciário.

Lx, 31.10.2023

Jorge Leal (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria João Vaz Tomé